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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ANARQUISMO PART II

O gigantismo e a impersonalidade do Estado moderno são rejeitados pelo anarquismo. Os anarquistas querem criar um companheirismo entre indivíduos e eliminar o distanciamento entre os homens e o início das atividades sociais necessárias. Portanto, longe de pregar o colapso da sociedade com a destruição do Estado, os anarquistas querem reforçar os laços e os valores sociais através do fortalecimento das relações comunitárias nos níveis mais básicos. Sua idéia é reverter a pirâmide do poder, representada pelo Estado. Entendem que a responsabilidade começa entre indivíduos e pequenos grupos, e não da autoridade que desce do céu político pela escada da burocracia. Ninguém pode avaliar melhor essas necessidades do que aqueles que as sentem.
Aqui deve-se fazer um parênteses e determinar a diferença vital entre anarquistas e marxistas, pelo menos da forma como os marxistas têm atuado. Por causa da teoria de Marx, do domínio do fato econômico na exploração do homem pelo homem, seus seguidores tendem a ignorar as características vitais de outras formas de poder. Como resultado, eles não apenas elaboraram a teoria da ditadura do proletariado, mas também provaram sua invalidade deixando que a ditadura se tornasse um mesquinho governo partidário em todos os países comunistas. Ao ignorar os processos do poder, os revolucionários que se diziam seguidores de Marx destruíram a liberdade com tanta eficácia como qualquer bando de generais sul-americanos.
Os anarquistas têm a irônica vantagem sobre os marxistas de nunca haverem estabelecido uma sociedade livre de acordo com seus ideais, a não ser por pouco tempo e em áreas restritas e, portanto, não podem ser acusados de falhas na sua evolução.
As sementes dos grandes movimentos anarquistas estão num trio composto por Pierre-Joseph Proudhon (o primeiro homem a aceitar o rótulo de anarquista com orgulho e desafio), o russo Michael Bakunin, que se ocupava em incitar à insurreição as minorias eslavas no Império Austríaco, e o alemão Karl Marx, notável criador de expressões históricas, que naquela época era a fonte mais irrepreensível da metafísica alemã. A contribuição deste último para aquela união consistia, aparentemente, de longas exposições da filosofia de Hegel para o aperfeiçoamento de seus companheiros. Marx seria o ancestral do atual comunismo autoritário, apesar de ele e de Engels só haverem publicado o Manifesto comunista em 1848. Proudhon e Bakunin se tornariam os fundadores do anarquismo, como um movimento revolucionário social. Com o tempo, as animosidades iriam dividi-los, e mesmo em 1840 suas relações eram cautelosas. Havia um contraste entre o dogmatismo rígido de Marx e a flexibilidade exploratória de Proudhon. Assim falou Bakunin sobre Marx:
Marx e eu éramos amigos naquela época. Nos víamos com freqüência, pois o respeitava por sua sabedoria e devoção séria e apaixonada, ainda que com uma certa vaidade pessoal, à causa do proletariado, e o procurava por sua conversa sempre inteligente e instrutiva. Mas não havia intimidade entre nós. Nossos temperamentos não se adaptavam. Ele me chamava de idealista sentimental, e estava certo. Eu o chamava de vaidoso, traiçoeiro e ardiloso, e eu também estava certo!
Por algum tempo Marx e os dois anarquistas foram da mesma opinião de que as grandes revoluções anteriores ao século XIX, como a Revolução Inglesa do século XVII e as revoluções Francesa e Americana do século XVIII, avançaram pouco em direção a uma sociedade justa, porque foram revoluções políticas e não sociais. Elas reajustaram o padrão de autoridade, dando poder a novas classes, mas não modificaram efetivamente a estrutura social e econômica dos países onde ocorreram. O grande slogan da Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, se tornou uma piada, uma vez que a igualdade política era impossível sem igualdade econômica. A liberdade dependia de que o povo não fosse escravizado pela propriedade, e a fraternidade era impossível através da brecha que no fim do século XVIII ainda dividia ricos e pobres.
Nem Marx, Bakunin ou Proudhon consideraram a possibilidade de que tais resultados pudessem ser herdados do processo revolucionário, cuja experiência no século XX sugere que sempre se impõe a substituição de uma elite por outra. Mas Proudhon e Bakunin entenderam mais claramente do que Marx que uma revolução que não se desfaz da autoridade criará sempre um poder mais penetrante e mais duradouro do que aquele a que substitui. Eles sustentavam que uma revolução sem autoridade, que destruísse as instituições poderosas e as substituísse por instituições de cooperação voluntária, poderia ocorrer.
Marx foi mais realista. Reconhecia o papel do poder nas revoluções, mas acreditava que era possível criar uma nova forma de poder, o poder do proletariado, através do partido, que ao fim se dissolveria e produziria uma sociedade anarquista ideal, a que ele acreditava ser o objetivo final do esforço humano. Bakunin estava certo ao acusar Marx de ter um excessivo otimismo ao profetizar que a organização política marxista se tornaria uma rígida oligarquia de funcionários e tecnocratas.
Somente em 1860 essas aspirações começaram a aglutinar-se num real movimento anarquista. Durante a onda de revoluções que varreu a Europa em 1848, tanto Bakunin como Proudhon se envolveram. Um ano depois Proudhon foi preso, por suas críticas ao presidente recém-eleito, Luís Napoleão Bonaparte (sobrinho do verdadeiro Napoleão), que mais tarde se tornou imperador com o nome de Napoleão III. Proudhon passou o resto de sua vida na prisão ou no exílio. No fim de sua vida, que se deu em 1865, escreveu D"a capacidade política das classes trabalhadoras", no qual ele sustentava que os partidos políticos eram operados por membros de uma elite social e que os trabalhadores só controlariam seus próprios destinos quando criassem e controlassem suas próprias organizações para mudar a sociedade. Muitos trabalhadores franceses foram influenciados por essas idéias, formando um movimento que visava à regeneração da sociedade por meios econômicos. Se autodenominavam mutualistas, mas eram essencialmente anarquistas, que queriam atingir seus resultados pacificamente, através da cooperação entre produtores.
Das assembléias de 1862 a 1864, entre os discípulos franceses de Proudhon e os sindicatos ingleses, surgiu a Associação Internacional dos Trabalhadores, a Primeira Internacional. Os seguidores de Marx sustentavam que ele havia fundado a Internacional, mas, na verdade, não tomou parte das primeiras negociações. No encontro final em Londres, a 28 de setembro de 1864, onde a Associação foi estabelecida, Marx era apenas "uma figura muda na plataforma", como ele próprio declarou.
Portanto, a Primeira Internacional nunca foi de maioria marxista. Incluía socialistas, vários tipos de anarquistas e pessoas que não eram de nenhum dos dois. Ninguém sabe quantos membros teve. Tanto seus defensores, como seus inimigos, por várias razões, tendem a exagerar seu número de sócios e sua influência. Não há dúvida que, principalmente nos países de língua latina da Europa Meridional, a Associação estimulou os operários e os camponeses a lutar por seus direitos, como nunca haviam feito antes.
Mas, através de toda devoção e elevadas aspirações, a Internacional se tornou um campo de batalha de ideologias e de personalidades. Proudhon estava morto quando a Associação se tornou uma organização ativa, em 1865, e as diferenças que começaram a aparecer entre o trio de revolucionários, havia muitos anos em Paris, sobreviveram e se ampliaram na Internacional. O conflito entre Marx e Bakunin não apenas refletiu diferenças de temperamento entre os protagonistas, mas também diferenças fundamentais de idéias, ou seja, de finalidades entre socialistas autoritários e anarquistas libertários. Marx e seus seguidores, que tinham melhor tática, conseguiram firmar-se em posição de poder organizacional. Foi Marx que redigiu as regras da Associação e obteve controle virtual do Conselho Geral, estabelecido em Londres. Sua influência nas sucursais, principalmente nos países latinos, não era tão forte, e os congressos anuais tornaram-se batalhas entre Marx e Bakunin (que liderava os contingentes espanhóis, italianos e franco-suíços). Autoritários contra libertários, ação política contra ação industrial, ditadura do proletariado transitória contra abolição imediata de todos os poderes do Estado: o debate continuou, e os dois pontos de vista eram irreconciliáveis. O debate transformou-se em conflito, e em 1872 os marxistas expulsaram Bakunin e transferiram o Conselho Geral para Nova York, onde ficaria fora do alcance dos anarquistas. Por isso, a organização morreu em 1874. Entretanto, os anarquistas estabeleceram sua Internacional rival, que sobreviveu aos restos marxistas por três anos e terminou em 1877.
O movimento anarquista sobreviveu como uma ideologia e não como organização em grupos isolados e indivíduos que se mantinham em contato, fazendo conferências que amedrontavam os doutores e raramente os unia. Alguns indivíduos dedicados e talentosos, como Peter Kropotkin e Errico Malatesta, moldaram a ideologia anarquista entre 1880 e 1900. Em um extremo estavam os seguidores de Leon Tolstoi, que pregava a resistência não-violenta, que influenciou Gandhi na sua estratégia do Satyagraha (desobediência civil), que finalmente deu independência à Índia. Outros devotaram-se às escolas livres ou às comunidades onde se tentava viver comunitariamente, sem as restrições impostas pela teoria utópica. Outros, ainda, buscaram a aliança entre o anarquismo e a revolução do movimento artístico que, na mudança do século, iniciou o movimento modernista na Europa e principalmente na França. Pintores como Pissarro, Signac, Valminck e o jovem Picasso se autodenominaram anarquistas, assim como o poeta Mallarmé e o escritor Oscar Wilde.

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