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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ANARQUISMO PART III

Durante um breve período que infestou a história do anarquismo, alguns indivíduos isolados praticaram o assassinato de personagens simbólicos, para chamar atenção à injustiça. Durante a década de 1890, foram vítimas um rei da Itália, um presidente da França, um presidente dos Estados Unidos, uma imperatriz da Áustria e um primeiro-ministro espanhol. A maioria dos anarquistas nada tinha a ver com tais atos e consideravam-no com sentimentos variados, até que muitos reagiram horrorizados - como o novelista anarquista francês, Octave Mirabeau - quando Emill Henry jogou uma bomba num café, matando pessoas inocentes. Disse Mirabeau:
Um inimigo mortal do anarquismo não poderia agir com mais perfeição que Henry quando jogou sua inexplicável bomba no meio de pessoas pacíficas e anônimas. Henry diz, afirma e declara que é um anarquista. É possível. Todo partido tem seus criminosos e seus idiotas, porque todo partido tem seus homens.

O terrorismo morreu rapidamente como método anarquista, exceto na Espanha e na Rússia, onde todos os métodos políticos têm sido tradicionalmente violentos. Apenas alguns anarquistas o praticaram, e pensar que o anarquista é um homem com uma bomba é o mesmo que considerar um católico como um dinamitador por causa de Guy Fawkes. Os movimentos são manifestados através das ações dos indivíduos, mas devemos distinguir uma pessoa de sua idéia, e a idéia do anarquismo nunca foi invalidada pelo extremismo de fanáticos.

O anarquismo recuperou-se rapidamente dos danos causados pelos terroristas. No final do século teve sua fase de grande influência no desenvolvimento de um movimento de criação de uniões livres de sindicatos. O movimento se autodenominou anarco-sindicalismo. Sua idéia essencial era que os sindicatos deviam ser considerados não apenas instrumentos para conseguir melhores salários, mas agentes de transformação da sociedade. Os sindicatos estariam em constante luta pela mudança da sociedade através do método clássico da greve geral, tomando e administrando os meios de produção durante a revolução, para formar a infra-estrutura da nova sociedade.
Foi na Espanha que o anarco-sindicalismo, assim como o anarquismo, atingiu seu apogeu. Atraía os espanhóis por suas qualidades morais e idealistas; tornou-se não apenas um movimento político, mas tinha uma articulação quase religiosa de caráter puritano, que lhes deu uma Constituição Substituta. Teve seu apogeu na década de 30, com a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNT), que tinha mais de 2 milhões de membros. Seu fim foi durante a Guerra Civil Espanhola, nos últimos anos da mesma década. Na Espanha, os anarquistas demonstraram a eficiência de seus métodos de prática; falharam na coordenação do movimento numa escala maior, mas, em Barcelona, a tática anarquista nos conflitos de rua derrotou os generais de Franco. Similarmente, nas áreas rurais, os camponeses estabeleceram comunas livres, que mesmo seus críticos mais ácidos ficaram impressionados pela eficácia natural e pela resistência espartana dos grupos que viviam de acordo com os ensinamentos dos profetas comunistas do século XIX. Toda essa camaradagem e auto-sacrifício, que demonstrava a possibilidade de prática da teoria anarquista por pequenos grupos, estava condenada a desaparecer porque a espontaneidade e a ação voluntária eram estranhas ao espírito de guerra, totalitário por natureza. Os anarquistas não puderam resistir aos fascistas que avançaram sobre as comunas do Sul, destruindo-as; nem aos comunistas que minaram a posição anarquista atrás das linhas republicanas. Dois anos de guerra e intriga política enfraqueceram os anarquistas espanhóis.


O movimento histórico criado por Bakunin e Proudhon morreu quando os exércitos de Franco marcharam sem oposição sobre Barcelona. Mas isto não ocorreu ao movimento anarquista, que renasceu na última década como a gênese do fogo de sua própria transformação.
A 2ª Guerra Mundial, que se seguiu à vitória de Franco, completou o colapso do movimento anarquista internacional. Na Rússia, depois da Revolução de Outubro de 1917, os bolcheviques consideravam os anarquistas seus principais rivais e eliminaram-os. O advento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha significou o fim do movimento anarquista em ambos os países, e os únicos anarquistas livres e ativos estavam na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Suíça e em países latino-americanos mais liberais, dos quais o México era o mais importante. Todos os países onde havia existido um movimento anarquista de massa, como Rússia, França, Itália e Espanha, estavam sob regime totalitário em 1942. Por conta disso, surgiu uma nova situação na história anarquista: Durante a 2ª Guerra, foi nos países de língua inglesa que o anarquismo demonstrou a maior vitalidade, e a tradição foi interpretada de uma forma totalmente nova. O estímulo não veio apenas dos refugiados, mas também de escritores originados do movimento modernista, que conheceram o anarquismo através de Oscar Wilde, William Morris e William Godwin.
Essa tendência do anarquismo, de alojar-se durante a década de 40 como uma semente nas opiniões dos intelectuais de língua inglesa, levou a interessantes desenvolvimentos teóricos, principalmente no campo da ciência e da educação. Os ensinamentos de Erich Fromm, especialmente em "O medo da liberdade", influenciaram os anarquistas em 1940, assim como a herética doutrina freudiana de Wilhelm Reich, que relacionava a repressão política com a psicologia e buscou na neurose as origens do poder coercitivo. O escritor anarquista mais influenciado pela teoria psicológica moderna foi Herbert Read, que adicionou às teorias de Freud, Adler e especialmente às de Jung outra característica concepção da teoria anarquista de 1940: o reconhecimento da necessidade de um novo tipo de educação que habilitaria o homem a aceitar e preservar a liberdade.
Herbert Read sustentava que o sistema educacional como existia, com sua ênfase ao estudo meramente acadêmico, preparava os homens à obediência, não para a liberdade. Em seus livros, como Educação através da arte e Educação de homens livres, argumentava que as escolas deviam ser modificadas para educar os sentidos, antes de atingirem a mente. A personalidade harmônica, que resulta da educação através da arte, não só traria vida individual mais equilibrada, mas também atingiria com o menor distúrbio possível a pacífica transformação da sociedade que os anarquistas sempre sonharam; uma transformação em que as pessoas que estivessem em paz consigo mesmas e, portanto, em paz com os outros pudessem fazer com que a igualdade e a fraternidade fossem compatíveis com a liberdade.
A característica marcante do neo-anarquismo que emergiu na Inglaterra e nos Estados Unidos no pós-guerra, assim como outros movimentos de protesto, foi a de que representou, principalmente, uma tendência entre os jovens e especialmente dos jovens da classe média. Movimentos anarquistas passados compunham-se principalmente de artistas e camponeses, com poucos líderes intelectuais recrutados na inteligentsia da classe média e alta. Mas, em 1962, uma pesquisa do jornal anarquista britânico Freedom revelou que, na Inglaterra, apenas 15% dos anarquistas pertenciam a tradicionais grupos de camponeses e operários; dos restantes 85%, o maior grupo consistia de professores e estudantes, e havia ainda muitos arquitetos, médicos, jornalistas e pessoas trabalhando independentemente como artistas ou artesãos. Proporções bastante similares existem nos movimentos anarquistas na maioria dos países do Ocidente. O novo libertarismo tem sido essencialmente uma revolta, não dos menos privilegiados e certamente não dos trabalhadores habilitados, os quais estão ocupados em defender suas recentes vitórias quanto ao padrão de vida, mas sim dos privilegiados que vêem a futilidade da riqueza como uma meta.
Sem dúvida, um dos fatores que tem tornado o anarquismo popular entre os jovens é a sua oposição às culturas industriais tecnocráticas e crescentemente centralizadoras da Europa Ocidental, da América do Norte, do Japão e da Rússia. Neste contexto, uma importante figura moderadora, apesar de os anarquistas ortodoxos nunca a terem aceitado, foi Aldous Huxley. O pacifismo de Huxley e sua visão da iminência de uma explosão demográfica, da destruição ecológica e da manipulação psicológica, tudo isto reunido numa visão social que, de várias formas, antecipou a preocupação do neo-anarquismo durante os anos 60 e 70. Já em 1930, em "Admirável mundo novo", Huxley apresentou a primeira advertência sobre o tipo de alienação e de existência materialista produzido numa sociedade dominada pela tecnologia. No prefácio da edição de 1946 de seu livro, Huxley declarou que os perigos implícitos na tendência da vida moderna só poderiam ser rechaçados por meio de uma mudança radical para a descentralização e a simplificação em termos econômicos e formas políticas.
O movimento no qual as idéias anarquistas talvez salientaram-se mais dramaticamente nos últimos anos foi o de Paris, na insurreição de 1968. De forma espontânea (onde os líderes dos partidos de esquerda e dos sindicatos tinham pouco controle) se realizou algo semelhante ao antigo esquema anarquista por uma revolução libertadora. Os estudantes ocuparam as universidades, hastearam a bandeira negra dos anarquistas no Bourse e incitaram os trabalhadores à greve e se reuniram em frente às fábricas. Por alguns dias o poderio de De Gaulle – e o nacionalismo que representava – ficou pendurado na balança; só mesmo um acordo feito com seus inimigos no exército fez com que seu domínio se mantivesse por tempo suficiente para que as forças conservadoras da sociedade francesa pudessem se reafirmar. Os acontecimentos em Paris demonstraram, assim como os similares em Atenas, Bangkok e outros lugares, que, apesar de suas sofisticadas técnicas de manter o poder, governos modernos são quase tão vulneráveis como seus predecessores, e, de certa forma, ainda mais vulneráveis, já que a sociedade contemporânea tornou-se envolvida numa máquina burocrática com uma estrutura de tal forma encadeada que mesmo uma pequena falha em seu funcionamento terá efeitos enormes.
Porém, devemos ter em mente que em nenhum lugar, nos últimos anos, uma rebelião espontânea resultou numa mudança da atual estrutura de poder. Os governos podem ter mudado, mas o padrão de autoridade não tem sido fundamentalmente rompido.
Até agora, de fato, tem havido pouco progresso no uso dos conceitos anarquistas de uma maior organização da sociedade, e é aqui que os críticos sentem que estão em chão mais firme, quando falam da dificuldade de manipular a indústria de massa e as massas populacionais, por métodos anarquistas. Mais ainda, não é impossível que a tecnologia possa oferecer alguns dos meios para este fim. A tecnologia por si só é neutra e, como Lewis Munford demonstrou muito tempo atrás em "Técnicas e civilização", não há nada que afirme que uma sociedade tecnologicamente desenvolvida precise ser tanto centralizada como autoritária ou ecologicamente destrutiva. E é possível, para dar um exemplo, que chegue uma época em que o povo, no controle de sua tecnologia, possa usar as comunicações eletrônicas para informar-se de todos os aspectos de uma questão pública e usar os mesmos meios para tornar conhecidos e eficazes os seus desejos, sem intermediários. Desse modo, a instituição do plebiscito, que por ser hoje tão mal feita é raramente usada, poderia ser aplicada a todas as decisões importantes, e os plebiscitos poderiam ser ajustados às particularidades efetivamente afetadas por uma decisão. A democracia deve então ser direta e ativa novamente, como fora antes, pelo menos para os cidadãos, na antiga Atenas. E, se uma democracia eficaz, participatória e direta não pode ser a sociedade naturalmente ordenada da anarquia, ela poderia ainda representar um passo histórico nessa direção.

Tradução: Betina Becker

Este texto é uma seleção de trechos de uma longa introdução escrita por George Woodcock para seu livro "The Anarchist Reader’s", que reúne alguns textos clássicos da doutrina anarquista. Woodcock é considerado o melhor especialista nos Estados Unidos no assunto.

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