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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Intervenção em hospitais: é legal?


Constituição Federal do Brasil não autoriza a intervenção em hospitais, que é o ato pelo qual alguém exerce ingerência nos negócios de outrem. Ela permite a “requisição”, que é o uso do bem particular pela autoridade em caso de iminente perigo público e mediante indenização, se houver dano. É autorização excepcional e restritiva, sendo inconstitucional sua ampliação.
A situação dos hospitais - Saúde não é prioridade no Brasil. É, apenas, no discurso hipócrita de ignóbeis de plantão, mas sem qualquer conseqüência prática. Conhecemos a situação calamitosa pela qual passam os hospitais filantrópicos e as Santas Casas, em razão do desequilíbrio econômico-financeiro gerado, dentre vários motivos, pela defasagem da remuneração dos procedimentos pagos pelo governo federal, que é de 30%, aproximadamente, sendo maior, em alguns casos. As desastrosas conseqüências das despesas serem maiores que a receita são o endividamento das entidades com fornecedores, bancos e demais credores e o não pagamento de honorários médicos, tributos, encargos trabalhistas e previdenciários dos empregados e diversas outras obrigações inadimplidas.
Os governos não sabem disso? Só se forem surdos. Ou dissimulados.
Exemplos – Quase 40 Santas Casas e hospitais filantrópicos sofreram ou estão por sofrer intervenção. Citamos apenas alguns: Paranaguá/PR, Uruguaiana/RS, Duque de Caxias/RJ, Campo Grande/MS. No estado de São Paulo: Adamantina, Araraquara, Capivari, Franca, Guarulhos, Itapetininga, Itu, Jacareí, Paraguaçu, Piedade, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, São Roque, Tabatinga, Tatuí, Valinhos etc. As Santas Casas de Buri, Itapetininga, Porangaba e Sumaré, também em São Paulo, ou fecharam ou estão em processo de desativação (Jornal do Cremesp).
Rio de Janeiro – A intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro traz detalhes jurídicos importantes que fazem a diferencia em relação ao assunto aqui tratado. Foi por isso que o Supremo Tribunal Federal (STF) a derrubou e devolveu a administração dos hospitais e dos respectivos servidores ao município do Rio de Janeiro. Dois dos hospitais em questão eram municipais, ou seja, públicos. O STF considerou a intervenção federal inconstitucional porque ela se deu em relação ao próprio município do Rio de Janeiro, que é pessoa jurídica de direito público interno, o que é contrário ao pacto federativo.
A intervenção só seria possível nos Estados ou no Distrito Federal e não em municípios, salvo se estes estivessem em território federal, o que não é o caso. Além disso, para ser possível, era necessária a decretação de estado de defesa, o que não aconteceu. Os ministros do STF interpretaram o decreto federal como “fraude constitucional”, “requisição à brasileira” e como “caso emblemático que revela, de forma escancarada, o momento vivido, de perda de parâmetros”, mostrando-se como “um retrocesso, passados tantos anos do regime de exceção”.
Pretextos – Não são raras as vezes em que governos deixam hospitais filantrópicos e Santas Casas morrerem à mingua para que possam fazer o que está virando moda: intervir. São partidários da máxima “quanto pior, melhor”. Ao invés dos governantes agirem de forma pro-ativa, firmando parcerias e ajudando as entidades a atenderem a população dignamente, preferem o estabelecimento do caos para, num arroubo de super-herói, transformarem-se nos salvadores da pátria, na busca dos malditos dividendos políticos. Agem de forma truculenta e ilegal, às vezes embasados em argumentos jurídicos pífios que não se sustentam a simples assopro do lobo mau, para ficar no campo fictício.
Sustentam intervenções com a alegação de “má gestão” dos diretores das entidades. Ora, o que seria a tão propalada “má gestão”? Qual seria a diferenciação jurídica entre “má gestão” e risco do negócio? O fato de uma Santa Casa ter passivo de milhões quer dizer que ela é mal gerida? Como o órgão interventor pode chegar a essa instantânea conclusão se ele sequer analisa um mísero documento financeiro interno da entidade? Será que a análise do balanço permite concluir que a diretoria não sabe administrar? Esquecem-se eles do déficit mensal acumulado pelo atendimento crescente da população, fato confrontado com a limitação do número de AIH (Autorização de Internação Hospitalar) por município? Pode-se fazer diagnóstico honesto e técnico da gestão financeira de um hospital sem se analisar os fatores macros que envolvem aquela atividade e sem vivenciar seu fluxo de caixa?
Questão política? – Infelizmente, em alguns casos, a intervenção (ilegal) se dá por mera questão de vi-trine. É a chance que o político ignorante aproveita para mostrar o trabalho que não consegue desenvolver, às vezes por limitações técnicas e culturais. Saúde dá voto. Mexer com saúde sensibiliza o povo. Há panorama melhor para a ação dos predadores políticos? Carlos Heitor Cony escreveu sobre a intervenção nos hospitais cariocas: “Não creio que a atitude do governo federal seja a de melhorar os hospitais do Rio. A medida adotada pelos homens de Brasília faz parte da partida preliminar para o grande jogo principal que é a sucessão presidencial de 2006. Por mais que pareça incrível, a turma lá de cima começa a limpar o terreno para a reeleição de Lula e desde já procura fritar possíveis candidaturas...”.
Poder Executivo – Normalmente, a intervenção em uma associação civil de direito privado, como são as Santas Casas, ocorre por decreto, onde se alega estado de calamidade pública na saúde e precariedade de atendimento da população. Um dos requisitos legais para a configuração da calamidade pública é a imprevisibilidade da situação. Ora, alguém em sã consciência pode afirmar que o mau atendimento da população que necessita do SUS (Sistema Único de Saúde) é imprevisível? Outra vertente é a necessária caracterização do iminente perigo público que é aquele que impossibilita o funcionamento normal das instituições, gerando caos nos serviços e atividades usuais à população (Uadi Lâmmego Bullos)
Os executores ainda se “apóiam” em alegação de desmandos, “denúncias”, falta de medicamentos e materiais, descumprimento de normas legais, “descalabro” administrativo e outros impropérios que suas mentes férteis conseguem imaginar, argumentos que não encontram amparo jurídico para legitimar o ato pretendido. Os municípios invocam a Constituição Federal e a legislação do SUS. É curioso notar que somente nestes momentos se lembram da Constituição Federal. Talvez parem a sua leitura no artigo 196 e não chegam ao 199, que prevê que as entidades privadas participam de forma “complementar” do SUS, sendo deles a responsabilidade principal.
Poder Judiciário – Outra via de intervenção vem sendo utilizada pelo Ministério Público, que tem ajuizado Ação Civil Pública e conseguido liminares por intermédio das quais o juiz nomeia uma pessoa para ser o interventor do hospital, atribuindo-lhe todos os poderes inerentes a tal função. É mais ou menos como aconteceu com a VASP, a Confederação Brasileira de Tênis e o Banco Santos, guardando-se as respectivas proporções e natureza jurídica de cada área, obviamente.
O interventor – Quem pode garantir que o interventor nomeado pelo Executivo ou pelo Judiciário é capacitado tecnicamente ou tem conhecimento da área hospitalar, que Peter Drucker disse ser uma das mais complexas, e que poderá tirar uma entidade do “vermelho”, pagando seu passivo, garantido atendimento digno à população e ainda mantendo-a superavitária? De onde vem essa mágica? José Luiz Spigolon, superintendente da Confederação das Misericórdias do Brasil (CMB), informa que quando da intervenção na Santa Casa de Franca (SP), o déficit era de R$ 4 milhões. Após três anos e meio de intervenção municipal estima-se que o déficit esteja em R$ 25 milhões (edição 179 do Jornal Novo Rumo – Fesehf). De quem é a responsabilidade civil, administrativa e até criminal por tão brutal aumento do déficit? Do município? Do Judiciário, que permitiu? Será caso de “má gestão” do interventor?
Jurisprudência – O Judiciário está atendo para coibir abusos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já decidiu que “a Constituição não lhe confere (ao município) poderes para intervir na propriedade privada para suprir suas deficiências de atendimento na área da saúde. Apesar de louvável a preocupação da ilustre autoridade impetrada com a área da saúde pública ante eventual deficiência de atendimento médico-hospitalar prestado pela autora, o ato que praticou não se reveste de amparo legal, eis que sem legitimação material para levá-lo a efeito.” Em outro julgamento, o mesmo TJSP decidiu: “A agravante (Santa Casa) é entidade privada, possuindo pleno direito de auto-gerência, fazendo jus às garantias constitucionais da propriedade e ao livre exercício de suas atividades, direitos estes que não são excluídos em razão de sua condição de prestar serviços médico hospitalares. É admissível a intervenção do Poder Público na propriedade privada e na ordem econômica quando o interesse público o exigir e não por critérios pessoais de autoridades, sempre respeitados os direitos individuais e efetivado em conformidade com expressa previsão em lei.”
Reação dura – As entidades privadas não devem permitir a intervenção passivamente. Devem lutar de maneira firme e decidida e provocar o Judiciário para afastar a ilegalidade que invariavelmente permeia este ato. Devem as entidades combater o eventual decreto de calamidade pública ou atacar despacho que tenha concedido liminar no Tribunal de Justiça do respectivo estado. A possibilidade constitucional e legal da requisição administrativa de propriedade privada tem requisitos próprios que devem ser rigorosamente observados para sua utilização, sob pena de flagrante inconstitucionalidade, que certamente será declarada pelo Judiciário, dependendo do caso concreto. Não se discute (nem poderíamos) o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Longe disso. Não é este o enfoque. Deve-se discutir o limite da atuação do Poder Público em relação à propriedade privada e ao desenvolvimento das atividades econômicas das entidades. Infeliz-mente, algumas entidades não questionam a “intervenção” (“requisição”, na verdade) no Judiciário, o que acaba por estimular os ocupantes do Executivo a utilizar expediente tão pernicioso e que traz enormes prejuízos a elas, de toda ordem. Da mesma forma, elas também não questionam exageros, abusos ou perseguições praticadas pelos interventores, o que quase as arruína.
Conseqüência – Em não havendo questionamento judicial, o hospital passará a ser administrado pelo interventor nomeado. Porém, a entidade continuará a ser privada, pois a intervenção não afeta sua personalidade jurídica. Os empregados continuarão celetistas e registrados em nome da entidade, não se tornando funcionários públicos por causa da intervenção. As obrigações trabalhistas e previdenciárias continuarão sob responsabilidade da entidade privada, pois não há sucessão trabalhista. Daí a necessidade de constante fiscalização dos atos do interventor. A exceção fica por conta de eventual desapropriação do prédio do hospital ou da entidade, o que traz outras conseqüências jurídicas que não são objeto deste artigo. Os administradores e a diretoria das entidades devem avaliar a postura a ser adotada diante do caso concreto a que estiverem submetidos.


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