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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os tentáculos do governo na economia

Rodrigo Constantino

O Brasil tem donos. E o poder dos “donos do poder” não foi reduzido nos últimos anos, ao contrário do que poderíamos pensar à primeira vista. Ocorreu no país uma maior abertura comercial desde Collor, tivemos algumas importantes privatizações desde FHC, mas nada disso foi suficiente para reverter o quadro de demasiada concentração de poder nas mãos de poucos grupos nacionais ligados ao governo. Eis a conclusão dos estudos do economista Sérgio Lazzarini, transformados no livro Capitalismo de laços.
A razão para esta “mudança” que acabou deixando tudo mais ou menos como antes se encontra na forma pela qual o processo de privatização foi executado. Em vez de adotar um modelo de pulverização do capital das antigas estatais, como foi feito na Inglaterra de Thatcher, o governo FHC optou pela venda do controle para determinados grupos nacionais, maximizando o preço recebido no leilão, mas preservando uma estrutura concentrada de poder econômico. Além disso, e como agravante, a participação em peso de entidades ligadas ao governo, como o BNDES e os fundos de pensão de estatais, acabou por transferir os ativos para grupos ainda fortemente atrelados ao governo.
Lazzarini faz o relato da fotografia, mas tenta evitar juízo de valor no decorrer do livro. Ele aponta os riscos desse modelo, mas mostra possíveis qualidades e deixa a critério do leitor decidir o que defender. Entretanto, fica bastante evidente que este “capitalismo de laços” representa um mecanismo perverso que cria privilégios imerecidos e penaliza o dinamismo da economia e, por conseguinte, o progresso. Claro que esse modelo não é exclusividade brasileira. Em inglês, o termo crony capitalism existe para indicar o mesmo fenômeno. Mas, na realidade nacional, essa doença atingiu patamares assombrosos.
No Brasil, a paixão pela “política industrial” vem de longa data. Governos como o de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck abusaram desta teoria que delega ao estado um poder desmesurado para ditar os rumos da economia. A crença de que cabe ao governo estimular determinados setores via subsídios e protecionismo sempre encontrou solo fértil em nosso país. E esta mentalidade estatizante retornou com força durante o governo Lula. Os laços criados por essas medidas costumam se transformar rapidamente em “veículos de favoritismo, conluio e proteção não justificada”, como lembra Lazzarini.
Fatores culturais também ajudam a preservar este modelo de laços. O livro de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, descreve o “homem cordial” como o indivíduo guiado por relações que extrapolam as leis ou regras formais do país. Em vez de contatos mais imparciais por meio de contratos, os vínculos mais imediatos, o relacionamento mais amigável, acabavam se sobrepondo. Uma sociedade com base nestas ligações mais tribais aumenta o valor das ligações com poderosos, em detrimento ao esforço meritocrático. “Você sabe com quem está falando?” passa a ser mais relevante do que o “quem você pensa que é?”. Troca-se o império das leis isonômicas pelo privilégio. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
O que Lazzarini está resgatando é basicamente aquilo já descrito por Raymundo Faoro em Os donos do poder. Uma “rede patriarcal” sustenta o poder por meio de intricadas conexões. Os conectores detêm o poder, como em uma grande família. A abertura de capital de inúmeras empresas novas, a entrada de grupos estrangeiros e as privatizações, nada disso foi suficiente para abalar essa estrutura de poder. Os atores locais, bem relacionados com o poder público, não só foram capazes de preservar sua influência, como até expandiram-na. O peso do governo na economia permitiu isso, e o uso do BNDES como instrumento de poder talvez seja a maior evidência deste modelo. O outro grande pilar são os fundos de pensão de estatais, dominados por sindicalistas apontados pelo governo. Fecha-se assim o círculo de poder. Nem a globalização foi páreo para esta força local.
A onda de fusões serviu aos interesses destes grupos coesos, e contou com a ação direta de fundos como Previ, Petros e Funcef, além do BNDES. A criação da “supertele”, pela junção da Oi e Brasil Telecom, foi um objetivo claramente estimulado pelo governo Lula, que teve até que alterar as leis para permitir tal união. A Sadia e Perdigão se uniram para formar a Brasil Foods, que ainda depende do sinal verde do CADE. Esses e outros casos ilustram como estes agentes conectores ligados ao governo atuaram nos bastidores para preservar seu poder econômico. A ingerência estatal na Vale, a maior empresa privada do país, corrobora com esta visão.
Em um país como o Brasil, com um “custo país” tão elevado por conta da elevada burocracia, carga tributária asfixiante, leis trabalhistas obsoletas, infraestrutura caótica, baixa qualidade da mão de obra e juros extorsivos, conseguir favores do governo faz toda diferença do mundo. E nada como capital a um custo subsidiado. Por isso o BNDES tem papel tão destacado neste capitalismo de laços. Seus desembolsos chegaram a ultrapassar R$ 150 bilhões por ano, mais do que o Banco Mundial destina a cem países diferentes! Poucos grupos são agraciados com montantes representativos do total. A JBS, por exemplo, já recebeu quase R$ 10 bilhões do banco. Qual é o critério? Como negar o claro sinal de clientelismo?
O caso da JBS é escandaloso e sintomático, demonstrando como o BNDES foi transformado pelo PT num veículo promíscuo de “desenvolvimentismo nacionalista”. Roberto Campos, que ajudou a criar o BNDE (antes do S de “social”), ainda em vida chegou a lamentar sua transformação: “Acompanhei, com atenção, ao longo dos anos, a trajetória dessa organização, que ajudara a criar. Graças ao recrutamento por concurso público, o BNDE manteve uma saudável tradição meritocrática, com nível técnico bastante satisfatório. Não escapou, naturalmente, ao vício do burocratismo e complacência com a irrupção do nacional-estatismo”.
A revista Época da última semana trouxe excelente reportagem de capa justamente sobre esta questão do peso estatal na economia. O título da matéria já sinalizava a conclusão assustadora: “Estado Ltda”. O jornalista José Fucs e sua equipe construíram uma enorme tabela com diversas participações do governo no capital das empresas. Trata-se de um dinossauro faminto, presente em toda a teia de ligações na economia. Entre participação direta do Tesouro Nacional, participação direta e indireta de estatais e fundos de pensão de estatais, os jornalistas chegaram a quase 700 empresas sob influência do governo! Como disse novamente Roberto Campos, “o Brasil está tão distante do liberalismo - novo ou velho - como o planeta Terra da constelação da Ursa Maior”.
Será que algum dia isso tudo vai realmente mudar? Até quando os brasileiros pretendem sustentar os donos do poder por meio de um modelo fracassado que concentra privilégios e impede o livre funcionamento do mercado? Já passou da hora de cortarmos estes enormes tentáculos do governo, que se espalham por cada setor da economia.

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