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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

BRICS, O SONHO ACABOU?

Os encontros de Davos são um termômetro. De luxo, claro! Neste ano, a nata dos mandachuvas do planeta compartilhou mais ansiedades do que otimismo. É que a economia mundial – e também a política – parecem ir mal. As bolsas de valores estão no fundo do poço, os preços do petróleo idem e o crescimento chinês degringola.

Além do terrorismo islamita, da guerra entre xiitas e sunitas no Oriente Médio, das provocações chinesas no mar da China meridional, dos problemas cabeludos que a Europa está enfrentando, ou até a bomba de hidrogênio da Coreia do Norte, é preciso muita fé para continuar apostando na retomada do crescimento econômico mundial. Nessa enxurrada de preocupações faltava alguma coisa. Que fim levou o famoso Brics, esse acrônimo transformado em grupo sem muito recheio reunindo o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul?
Há muito pouco tempo, os países do Brics ainda eram vistos como os salvadores da economia global e como o clube dos “emergentes” que iam mudar as regras do jogo internacional. Hoje, ninguém fala mais nisso, nem no único projeto palpável do grupo, o praticamente natimorto “Banco dos Brics”.

Reputação dos países do Brics despencou

Os países membros não tiveram nem cara para aparecer em Davos. Foram só um ou dois ministros e alguns empresários midiáticos tentando explicar o derretimento das economias do Brasil, da Rússia e da África do Sul, a freada da China e os parcos resultados do governo Modi na Índia. E prometendo que tudo isso era passageiro, salvo o condutor e o motorneiro. Incredulidade geral! Na verdade, a reputação dos países do Brics despencou e eles não conseguem nem manter o grupo atuante além de proclamações bombásticas que não convencem ninguém.
O Brasil está à beira de ter que amargar mais alguns anos parecidos com a famigerada “década perdida”, com o agravante de uma crise política, social e ética de dimensões históricas. Se a economia global, cada vez mais impactada pela nova revolução tecnológica, vai precisar de menos matérias-primas, a economia brasileira vai sobreviver como? Sobretudo com um parque industrial cada dia mais obsoleto, serviços de péssima qualidade, um “custo Brasil” na lua e uma governança econômica errática.

Investidores não se deixam mais enganar

Os sul-africanos estão na mesma triste situação, mas com uma economia bem menor e vulnerável, e um grupo dirigente corrupto, enrolado em graves problemas raciais, e rejeitado por boa parte da população. Quanto à Rússia, o futuro é negro. O país depende quase completamente do preço do petróleo. O nível atual não dá nem para financiar 40% do orçamento público. E o governo autoritário de Vladimir Putin aumentou loucamente as despesas militares e não fez nada para construir uma economia competitiva. Resultado: uma recessão que vai durar e um arrocho mantido pela repressão.
A Índia continua crescendo, mas não tanto quanto seria necessário para tirar uns 800 milhões de indianos da miséria. As reformas de Narendra Modi estão de fato atoladas no pântano dos poderosos clientelismos federais e provinciais do país. Quanto à China, ninguém em Davos acredita nas estatísticas oficiais do crescimento do PIB. Os dirigentes chineses que eram vistos como super-homens capazes de resolver qualquer problema econômico passaram à categoria de trapalhões.

China é o único mercado que ainda interessa

O dilema é simples: para voltar a crescer, a China tem que turbinar o mercado de consumo privado interno. Mas isto não é possível sem liberalizar o crédito e diminuir o poder das empresas estatais. Só que essa solução destrói a força e a autoridade do Partido Comunista Chinês que depende da distribuição clientelista do crédito para se manter no poder. Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega.
Nos luxuosos hotéis de Davos, o Brics já é história e pouca gente ainda está disposta a apostar um níquel em cada um dos países do grupo – salvo na economia chinesa, mas o risco é cada vez mais alto. “O sonho acabou”, como cantava Gilberto Gil em outra encarnação.

* Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, colabora às terças-feiras com a RFI.

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