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quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Os gastos correntes do governo federal que assusta e deprime

Que as finanças públicas estejam em descalabro é um fato que a mídia vive relembrando diariamente. Este Instituto possui um artigo detalhado sobre a explosiva situação fiscal do governo federal, mostrando o crescimento exponencial da dívida pública e o total descontrole do déficit orçamentário.
No entanto, algo que é pouco ilustrado — embora seja muito comentado — é a evolução dos gastos correntes do governo federal.
Os gastos correntes são, em termos gerais, as despesas do governo destinadas ao seu próprio custeio e a programas de bem-estar social. São as despesas efetuadas com o objetivo de pagar salários de funcionários públicos, de contratar serviços, de pagar toda a rede de seguridade social, e de adquirir produtos necessários para a realização de funções administrativas.
Eis alguns exemplos práticos de despesas correntes:
* Salários e encargos sociais do funcionalismo público.
*Gastos com as contas de água, energia, telefone etc. das instalações do governo federal (os prédios dos ministérios, das agências reguladoras, das secretarias, do Congresso e de todas as repartições federais).
* Gastos com a aquisição de bens de consumo pelo governo. Exemplos: automóveis para autoridades políticas; armas e veículos para a Polícia Federal; o cafezinho do Congresso; canetas, computadores, papeis, clipes, grampeadores, telefones para as repartições públicas; combustível para a locomoção das excelências (inclusive policiais federais).
* Gastos com a contratação de serviços terceirizados. Exemplos: faxinas nos prédios da União; consertos de veículos, de computadores, de aparelhos de ar condicionado etc.; manutenção de prédios, instalações e equipamentos do governo.
* Gastos com os juros e encargos da dívida (os quais não devem ser confundidos nem com amortização e nem com refinanciamento, como faz Ciro Gomes).
* Gastos com a Previdência Social.
Em suma: os gastos correntes são as despesas com pessoal e encargos sociais; com juros e encargos da dívida; com a seguridade social; e todas as demais atividades voltadas para manter a atividade do serviço público.
A evolução descontrolada
Felizmente, essas rubricas são fáceis de ser coletadas na internet, estando totalmente à disposição dos interessados.
site do Tesouro, utilizando dados do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) (link aqui), disponibiliza todas as despesas correntes do governo federal desde 1980.
Dei-me ao trabalho de coletar os dados a partir de 1995, que foi o primeiro ano completo do real. Os números vão até 2017.
As rubricas analisadas são:
* Pessoal e encargos sociais 
* Juros e encargos da dívida
* Demais despesas correntes 
* Previdência Social 
A coluna da esquerda mostra o valor dos gastos, em bilhões de reais.
Comecemos pelas notícias boas. São apenas duas.
* As despesas com juros se estabilizaram em 2016 e 2017, certamente por causa da forte queda na SELIC, que caiu de 14,25% para os atuais 6,50%.
* O item "Demais despesas correntes", que abrange todos aqueles gastos citados acima (aquisição de bens e serviço pelo governo), começou — pela primeira vez na história do real — a apresentar uma tendência de queda. Após chegar ao ápice em 2015, se estabilizou em 2016 e recuou em 2017. Seria esse um efeito da lei do teto de gastos? É bem provável.
Agora as notícias ruins.
* Não apenas não há nenhuma tendência de estabilização nos gastos com funcionalismo público, como, ao contrário, aparenta ter havido uma aceleração em 2016 e 2017. Os números, por si sós, sugerem que está havendo ou mais contratação de funcionários públicos, ou mais aumentos salariais, ou uma combinação de ambos.
* Em 1995, primeiro ano de FHC, os gastos com funcionários públicos terminaram o ano em R$ 38 bilhões. Em 2002, seu último ano, foram de R$ 75 bilhões. Aumento de 97% em sete anos (estamos partindo do final de 1995, e não do final de 1994). Isso dá uma média de 10,2% de aumento ao ano.
* Lula entra em 2003 e sai em 2010 com esta rubrica já em R$ 169 bilhões. Aumento de 125% em oito anos. Uma média de 10,7% de aumento ao ano.
* Dilma entra em 2011 e sai em 2015 (ok, ela saiu em abril de 2016, mas para efeitos práticos consideremos final de 2015) com esta rubrica em R$ 236 bilhões. Aumento de 40% em cinco anos. Uma média de 7% de aumento ao ano.
* Temer entra em 2016. Ao final de 2017, esta rubrica estava em R$ 281 bilhões. Aumento de 19%. Uma média de 9% de aumento ao ano.
* Vale notar que Temer foi muito mais generoso com os funcionários públicos do que Dilma.
* Não há nenhuma indicação de que os privilégios deste estrato da sociedade — que vive à custa dos impostos pagos por trabalhadores e empreendedores — estão sendo efetivamente atacados.
Por fim, as notícias péssimas.
* Não há o mais mínimo sinal de controle nos gastos previdenciários. Seu crescimento já adquiriu formato exponencial.
* Em 1995, os gastos previdenciários foram de R$ 32,5 bilhões. Em 2017, foram de R$ 545,7 bilhões. Aumento de 1.580% em 22 anos. Uma média 13,7% de aumento ao ano.
* Os gastos com previdência equivalem à soma dos gastos com salários e encargos de funcionários públicos (linha azul) mais todas as demais despesas correntes (linha roxa). E sua taxa de crescimento anual é muito superior à de todas as demais rubricas.
* Caso os gastos previdenciários mantenham esta exponencial tendência de crescimento — e manterão caso não haja nenhuma reforma, pois seu principal problema é demográfico, e a população está envelhecendo —, a lei do teto de gastos só poderá ser cumprida se houver um forte corte nas demais despesas do governo. Mas nenhum governante terá a coragem de mexer com os interesses da poderosa e privilegiada casta do funcionalismo público. Ou seja, o teto será furado e, muito provavelmente, a lei será revogada, o que poderá gerar grandes turbulências no mercado de títulos públicos, de juros futuros e de câmbio.
* Não haverá carga tributária que baste para bancar esse escabroso crescimento dos gastos previdenciários.
Conclusão
Não é nenhum exagero dizer que a questão previdenciária é, de fato, o grande nó górdio da atual situação das finanças públicas. Funcionalismo público vem em segundo lugar — muito embora boa parte dos gastos previdenciários seja com funcionários públicos aposentados e com pensões para seus familiares.
Insistir na necessidade da reforma da previdência não é, portanto, um fetiche "neoliberal reacionário anti-povo". Uma despesa que já é, de longe, a maior entre as despesas correntes, e que, para piorar, ainda cresce a uma taxa de 14% ao ano (sendo que essa taxa de crescimento também é a maior entre as despesas correntes), não é sustentável.
Ou ela é corrigida voluntariamente via reformas ou ela é corrigida forçosamente pela realidade econômica e pelas leis da contabilidade. Essas duas não admitem nem mágicas e nem desaforos.

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