Bunker da Cultura Web Radio

Free Shoutcast HostingRadio Stream Hosting

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A Política Judaica de Frederico o Grande


Frederico II da Prússia, conhecido como “o Grande”, é uma das figuras celebradas na história Ocidental. Por um lado, fora um estadista realizado e líder militar, que, através de habilidade e determinação obstinadas em guerras contra Estados muito maiores, duplicando o tamanho de seu vulnerável e relativamente pobre Reino da Alemanha do Norte, tornando a Prússia em um dos grandes poderes da Europa. Mas Frederico foi também um quase único exemplo na história de um estadista que também fora um intelectual genuíno, o paradigmático “déspota esclarecido”, que empreendeu razoáveis reformas e poderia conversar com as grandes mentes de seu tempo.
Os trabalhos políticos de Frederico são clássicas afirmações de um bom governo autocrático. [1]
Certamente, enquanto a tradição republicana é, em um sentido, característica e quase unicamente Ocidental, não devemos nos esquecer que pela maior parte de nossa história fomos governados por monarcas.
Imperadores romanos e reis medievais do início da era moderna certamente presidiram tantas realizações quanto fizeram as cidade-Estado helênicas ou as repúblicas modernas.
Neste artigo, gostaria de detalhar um aspecto pouco conhecido do governo de Frederico, o Grande: política judaica.Frederico herdou políticas um pouco contraditórias de seus antepassados: por um lado prevenindo o crescimento da população judaica (notavelmente por limitar o direito à moradia), pois os judeus eram considerados envolvidos em comercio ilícito e tirariam os cristãos de seus negócios, e por outro lado explorando a perspicácia do negócio judeu, se taxando-os, pegando empréstimos com eles ou usando suas habilidades para transações monetárias complexas e muitas vezes dúbias.
A atitude de Frederico relativo a esta herança é de interesse porque, como monarca do Iluminismo, não manteve hostilidade religiosamente motivada para com os judeus, nem foi afetado pelas teorias raciais antissemitas que tornar-se-iam popular no século dezenove. Ao invés, as políticas do rei prussiano foram determinadas por sua educação clássica, que informou sua visão em geral, o pragmatismo político e sua atual experiencia pessoal com os judeus.
Frederico essencialmente confirmou a aproximação de seus predecessores, justificando as políticas populacionais de cabeça dura limitando o crescimento judaico pela necessidade de proteger o balanço econômico, costumes e o bem-estar da Prússia como um todo. Nisto, a aproximação de Frederico parece reminiscente das políticas populacionais de comunidade muscular de Platão [2] e Aristóteles [3], dois filósofos a quem ele estudou cuidadosamente. Como veremos, enquanto Frederico manteve e reforçou as políticas de seus predecessores, não foi capaz de superar seu caráter contraditório, pavimentando o caminho de seu desmantelamento sob seus sucessores.

A Herança Política: Política Judaica na Prússia antes de Frederico II

Como em outros lugares na Europa, se um acordo judaico deveria ser permitido era uma questão contestada na história de Brandemburgo-Prússia. Em 1309, a Ordem Teutônica, um Estado de monges-lutadores que conquistaram a Prússia do Leste e violentamente converteram os pagãos nativos ao cristianismo, proibiram os judeus de entrarem em seu território. Não obstante, dada a importância econômica dos mercantes judeus na Polônia, estes foram permitidos entrar temporariamente para negócios.

Estado Teutônico em 1410. Wikipédia.
O Grande Príncipe–Eleitor de Brandemburgo, George William, tornou-se duque da Prússia em 1619, adquirindo as antigas terras da Ordem. A importância econômica dos judeus gradualmente cresceu ao longo dos séculos, eventualmente atingindo uma posição dominante na Prússia do Leste. De acordo com a Livraria Virtual Judaica:
“Em 1664, Moses Jacobson de Jonge, de Amsterdã, recebeu privilégios comerciais muito favoráveis(subsequentemente renovados) em Memel, onde tornou-se o mercante mais importante, pagando mais taxas alfandegárias do que qualquer um de seus homólogos cristãos. Se tornou um Judeu da Corte (banqueiro judeu que lidava com finanças ou dava dinheiro à nobreza e à realeza europeias) [4] em 1685, e seus filhos herdaram a função. Em Köenigsberg, capital da Prússia do Leste, judeus foram autorizados a graduar-se em medicina na universidade em 1658, e mercantes judeus foram encorajados a se estabelecer logo após. Uma sinagoga foi construída em Köenigsberg em 1680, e um cemitério aberto em 1703. A comunidade cresceu durante os séculos 18 e 19, remanescendo o centro econômico, social e religioso da região. Na última metade do século 18, as comunidades judaicas foram fundadas em Elblag, Marienwerder, Lyck e em outros lugares.” [5]
Na Brandemburgo propriamente dita, o principado se centrou em torno de Berlim, o Príncipe–Eleitor Joaquim II expulsou os judeus em 1573. Frederico William de Brandemburgo (1640-1688), também conhecido como o “Grande Eleitor”, reverteu essa política. Ele herdou pequenos territórios na Alemanha Ocidental contendo judeus e os garantiu o direito de permanecer. Frederico William também encorajou a colonização judaica a favor da reconstrução, após a terrível devastação da Guerra dos Trinta Anos (que matou um terço da população da Alemanha). Existe o padrão comum de príncipes não democráticos por razões econômicas egoístas, garantindo favores a judeus contra o desejo popular, como escreve a Livraria Judaica Virtual:
“O Eleitor desconsiderou as objeções de seus subordinados a colonização judaica, preocupados com os benefícios econômicos que obteve da taxação direta dos Schutzjuden (judeus protegidos, um status oficial) e a taxação indireta através da alfândega, pedágios e impostos que os judeus pagaram em uma alta taxa. Durante seu reinado, a comunidade judaica de Berlim cresceu para 40 famílias, a de Halberstadt para 86, a de Frankfurt para 43, enquanto 15 famílias assentaram na Pomerânia.” [6]
Frederico William permitiu os judeus polacos de comercializar (mas não de colonizar) em Brandemburgo; ele contratou Israel Aron como um contratante militar, fornecedor da casa da moeda e Judeu da Corte, e permitiu 50 famílias expulsas de Viena em 1670 de assentar em Berlim, em razão de serem “pessoas ricas e abastadas, preparadas para trazer e investir seus meios aqui”. [7]
Frederico William, então, já havia definido muitas das tendências da política judaica em Brandemburgo-Prússia: oposição geral ao assentamento judaico, enquanto permitia exceções, na medida em que foram economicamente uteis ao Estado, se como mercantes temporários, investidores, contratantes militares ou cunhadores. Em sua história da Prússia, Frederico O Grande escreve positivamente sobre a política judaica de seus ancestrais como refletindo moderação, tolerância e bom-senso econômico (uma passagem escrita cerca de 1748):
“Os Eleitores de Brandemburgo agiram sabiamente nestes problemas: foram moderados e tolerantes. Frederico-William, que adquiriu, com a paz de Westphalia, províncias que o deram subordinados católicos, não os perseguiu; ele mesmo permitiu algumas famílias judaicas de estabelecer-se em seus Estados, e garantiu-os sinagogas.” [8]
Frederico mais tarde deixa claro que o benefício primário foi em habilitar pequeno comércio com a Polônia: “O Eleitor mesmo até permitiu algumas famílias judaicas de tomar residência em seus Estados; a vizinhança da Polônia fez sua mediação útil, descarregando neste reino a escória dos nossos brechós.” [9] Na mesma passagem, Frederico elogia o Grande Eleitor por sua tolerância religiosa em acolher 20.000 calvinistas trabalhadores exilados da França.
O pai de Frederico foi Frederico William I da Prússia (reinou entre 1713-40), assim chamado porque até então e ao contrário do Grande Eleitor, o ducado da Prússia do Leste foi convertido em um reino formal. Frederico William foi um monarca resistente e frugal, focando acima de tudo no desenvolvimento de seu exército e ganhando o título de “soldado-rei”. Como um governante cabeça dura, Frederico William introduziu o princípio de parar o crescimento da população judaica, a não ser que isso fosse especificamente mostrado para ser economicamente benéfico. A Livraria Virtual Judaica escreve:
“Sob seu filho Frederico William I (1713-40), um regime geralmente severo foi introduzido. Em sua ascensão, ordenou um inquérito minucioso nos assuntos judaicos, o resultado do que foi a lei de 1714 restringindo a um o numero de filhos que poderia herdar o direito a residência de seu pai (Schutzbrief); para ser concedido esse direito, o segundo filho tinha que possuir 1.000 taler e pagar 50, e o terceiro filho o dobro destas quantias. Assim, um tema dominante nas relações judaico-Prussianas, a tentativa de restringir e até reduzir o número de judeus, foi formalmente introduzida. Em 1717, o rei apontou Moses Levin Gomperz como Oberaeltester (“aldeão chefe”) de Berlim e da judiaria prussiana, um compromisso provavelmente ligado com a supervisão da única distribuição da carga tributária, conduzida por representantes, comunidades e Landjudenschaften [comunidades judaicas autogovernadas]. Em 1728, a soma foi fixada em 15.000 taler anualmente, foi redistribuída a cada 5 anos. Em 1730, uma nova lei da judiaria foi promulgada: o filho mais velho era agora obrigado a possuir 1.000 e pagar 50 taler e o segundo o dobro destas quantias; todos foram sujeitadas as condições que o número de judeus protegidos (Schutzjudenem qualquer localidade não devesse aumentar. Judeus estrangeiros em posse de pelo menos 10.000 taler foram permitidos de assentar-se na Prússia. A lei também proibiu judeus de se empenhar em toda construção (exceto gravação de sinetes) competindo com guildas cristãs; também os proibiu de lidar com grandes números de produtos(principalmente produtos locais). Tráfico, em particular, foi suprimido. O comercio de artigos de luxo (tecidos caros, especiarias etc.) era permitido, como foi a agiotagem e o negócio com roupas velhas. A lei aplicou-se não apenas em Brandemburgo, mas a todo o território da Prússia, criando condições uniformes aos judeus e definindo (artigo 24) suas relações jurídicas ao Estado. A carga tributária habitual foi aumentada, em acréscimo as exigências extraordinárias. Mercadores judeus foram incentivados a tornar-se empreendedores e investir na manufatura, particularmente de têxteis (seda, fitas, cetim, renda etc.). A estes homens de negócio foram garantidas condições altamente favoráveis. Assim, o rei passou a seu filho políticas basicamente contraditórias, ao mesmo tempo mercantilistas e antijudaicas; precisando e encorajando os judeus em suas contribuições econômicas, tentou restringir seus direitos e números.” [10]

A Tolerância de Minorias Religiosas do “Iluminado” Frederico

O alívio do nonagésimo século, mostrando a chegada dos Huguenotes na Prússia (1685). Após as Guerras Religiosas, a Prússia acolheu os produtivos protestantes franceses, tais como estes.
O próprio conhecimento de Frederico O Grande [retrato ao lado] sobre os judeus e o judaísmo foi informado por uma ampla e clássica educação cristã, que desde há muito tempo saiu de moda no Ocidente. Ele estava familiarizado com a bíblia, ética judaica e as várias histórias dos antigos israelitas. Contudo, Frederico frequentemente expressou duras críticas da religião judaica, mas não foi geralmente pior que sua atitude desdenhosa para com as religiões organizadas em geral, incluindo o cristianismo.
A atitude de Frederico para com as minorias religiosas foi, a priori, uma de tolerância típica do período do Iluminismo: mais do que excluir ou perseguir minorias religiosas, massacres sangrentos foram tristemente comuns durante o período das Guerras Religiosas, ele estava entre aqueles que iriam recebê-los tanto tempo quanto eles fossem cidadãos produtivos. Ele até é suposto de ter dito: 
Todas as religiões são tão boas como as outras, enquanto o povo que a pratica seja honesto, e até mesmo se os turcos e pagãos viessem e quisessem povoar esse país, então construiríamos mesquitas e templos para eles.” [11]
A atitude de Frederico foi então sintomática de muitos filósofos, dos antigos estoicos ao dia presente, que veem a presença da razão e dos instintos pró-sociais em todos os seres humanos, como um meio de atingir a fraternidade universal, não reconhecendo que estas podem ser desigualmente distribuídas e flexionadas por tendências humanas, tais como a ganância e sentimentos etnocêntricos. As visões críticas de Frederico sobre os judeus não foram então motivadas por ideologias cristãs, chauvinistas ou, por último, raciais.

As Observações Gerais de Frederico sobre o Comportamento Judaico

Frederico [ao lado] frequentemente faz observações negativas sobre a cultura e comportamento judaicos. Ele falou sobre a prevalência da endogamia na sociedade judaica, uma prática que tem o efeito de manter a integridade do patrimônio genético judaico e criar clãs familiares poderosamente coesivos. Ele escreveu em uma carta: “Posso informá-lo aqui de nenhuma notícia mais interessante do que o noivado do meu irmão Ferdinando com a filha da minha irmã De Schwedt, é um casamento de estilo judaico (um casamento de tio-sobrinha que é permissível na lei judaica), que permanece na família.” [12] Frederico, além disso, associou os judeus a desonestidade. Ele escreveu de alguém: “(Ele) me parece com um falso judeu.” [13]
Frederico também estava ciente da influência que judeus ricos já poderiam ter sobre as políticas da maioria das nações europeias, especialmente a Inglaterra. Em suas Memoirs to Serve for the History of the House of Brandenburg, ele escreve que um rico judeu-dinamarques bancou a tomada do poder de William de Orange sobre a Inglaterra na tão chamada “Revolução Gloriosa” (atualmente uma pequena invasão e golpe) de 1688: “Um judeu de Amsterdã, chamado Schwartzau, o emprestou (William de Orange) dois milhões para essa expedição, dizendo-o: ‘Se você é afortunado, eu sei que você me pagará novamente, se você é infeliz, eu consinto em perde-las.’” [14] Em outro lugar, Frederico parece implicar que o mais rico judeu da Holanda adquiriu seus produtos de forma não ética. [15] Ele também estava ciente dos esforços contemporâneos de naturalizar os judeus na Inglaterra como cidadãos e da oposição popular inglesa a isso. [16]
As visões pessoais de Frederico sobre os judeus de forma alguma inibiram o diálogo e colaboração com indivíduos judeus. O rei escreveu ao judeu Lion Gomperz, dizendo que gostou das últimas críticas sobre a língua alemã. [17] Frederico também concedeu ao famoso intelectual judeu Moses Mendelssohn o status de um “judeu protegido”, dando a ele o direito de residência em seu reino.
Publicado originalmente em 17/5/2019.
Edição: André Marques
Tradução: Diego Sant´Anna

Notas:

[1] Nota do autor: Traduzi e/ou comentei em diversos trabalhos políticos de Frederico para o Counter-Currents em https://www.counter-currents.com/tag/frederick-the-great/
[3] Idem
[4] Nota do tradutor.
[5] Idem
[6] Frederico O Grande, Œuvres de Frédéric le Grand (Berlim: impressoras reais, 1846-56), vol.1/p.239. Sou grato a Livraria da Universidade de Trier por ter feito disponíveis as digitalizações carregadas da totalidade dos trabalhos colecionados de Frederico.
[7] Idem1/257.
[8] Nota do autor: “Prússia”, JVL
[9] Nota do autor: Citado em Iron Kingdom: The Rise and Downfall of Prussia 1600-1947, de Christopher Clarke (Londres: Penguin, 2007) pp. 252-3.
[10] Frederico, Œuvres, 27/1/299.
[11] Frederico o Grande, Politische Correspondez (Berlim: Duncker e Homblot, 1879-1939), 4/343.
[12] Frederico, Œuvres1/115. Sobre esse banqueiro, também conhecido como Fracisco Suasso, veja “This Day in Jewish History: 1710: The Banker Who Helped William of Orange Conquer England Dies”, de David B. Green. Haaretz, 22 de abril de 2015. Disponível em: https://www.haaretz.com/jewish/this-day-in-jewish-history/.premium-1.652926
[13] Frederico, Œuvres, 9/63. (http://friedrich.uni-trier.de/de/oeuvres/9/63/text/)
[14] Frederico, PC, 10/8.
[15] Frederico, Œuvres24/391

Nenhum comentário:

Postar um comentário