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quinta-feira, 19 de março de 2020

A expedição alemã ao Jari

A Cruz de Greiner. Ela ainda hoje pode ser vista no mesmo lugar. Preservada e protegida pelos nativos. Essa cruz de madeira com dois metros de largura, três de altura e suástica no topo. Abaixo, em alemão: “Joseph Greiner faleceu aqui em 2 de janeiro 1936 de morte febril em serviço de exploração para a Alemanha. Expedição Jari, 1935-1937”. Se encontra até hoje no Cemitério do Laranjal do Jari.
A Gazeta de Notícias teve ontem ensejo de avistar senhor Schulz-Kampfhenkel, que em breve, em companhia dos srs. Gerd Kahle e Krame pretende realizar uma excursão de estudos zoológicos à zona do rio Jari, no Estado do Pará.
O sr. Schulz-Kampfhenkel é uma expressão brilhante da moderna geração, essa geração que ora está surgindo cheia de vida e de coragem, disposta a levar de roldão todos os obstáculos que ainda estão entravando a marcha da civilização. Tem vinte e poucos anos, mas fala várias línguas, possui uma biografia cheia de triunfos e já é um nome conhecido e acatado nos meios científicos europeus. Logo que abandonou os bancos escolares, a sua paixão pela zoologia levou-o aos mais afastados rincões da África, numa viagem que ficou célebre.
Os resultados dos seus estudos no Hinterland africano deram-lhe tal prestígio que o governo do Reich resolveu oficializar a sua próxima viagem ao Jari, cujas derradeiras notícias científicas datam de 1891 e cuja maior parte ainda permanece desconhecido da humanidade.

Nas vésperas da sua arriscada aventura

Palestrando com o repórter da “Gazeta de Notícias” o sr. Schulz-Kampfhenkel disse o seguinte:
“Dediquei-me, desde há anos, à ciência, e com especialidade ao estudo da fauna das matas virgens tropicais. Para esse fim, com a ajuda do Jardim Zoológico de Berlim realizar uma viagem de estudos, que me levou para as grandes florestas virgens da Libéria, na África, Ocidental. Viajando pelos grandes rios que percorrem aquela região, veio-me a ideia de que o emprego de pequenos aviões em tais viagens devia ser de real vantagem. Assim, de volta à Berlim, tratei de me fazer piloto, ao mesmo tempo que estava ocupado com a verificação exata dos resultados de minha primeira viagem. Não tardei em receber os diversos brevês de aviador, depois de um treinamento intenso, e então achei chegado o momento para iniciar os preparativos para uma nova viagem em que empregaria o avião, podendo dessa maneira verificar a exatidão das minhas teorias sobre o valor da aviação nas viagens científicas. Como a Amazônia conta entre as partes cientificamente mais interessantes do globo, possuindo uma das mais ricas faunas do mundo, resolvi experimentar as minhas teorias naquelas zonas, e dessa maneira começaram os preparativos para a primeira viagem de estudos zoológicos em que será empregado um pequeno avião com flutuadores.”

A miragem sedutora da Amazônia

O nosso ilustre entrevistado prossegue:
“Como já frisei, o território da Amazônia constitui uma das zonas florestas mais ricas e zoologicamente mais interessantes do mundo. Outra razão que me levou a escolher a Amazônia para campo dos meus estudos foi o excelente acolhimento, e o real interesse que encontrei em prol dos meus planos por parte da Legação brasileira em Berlim.
Em 1935, Schulz-Kampfhenkel foi encarregado da Expedição Jari, na América do Sul. Geógrafo, que se tornou aviador, veio com outros dois pilotos: Gerd Kahle e Gerhard Krause. O trio trouxe 11 toneladas de suprimentos, munição para 5 mil tiros e um avião. Chegaram ao Rio de Janeiro em junho, mas perderam dois meses com burocracia. O marinheiro Joseph Greiner, um Auslandsdeutscher [alemão criado no exterior], morando no Brasil por anos, foi encarregado das bagagens, alimentação e contratação de mão de obra local. Os alemães trouxeram o avião para fazer fotos aéreas. Quando a aeronave pifou, o jeito foi exigir o máximo de seus caboclos para percorrer longas distâncias a pé. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Assim, não hesitei em formular, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores do Reich, um pedido às autoridades brasileiras para a necessária licença, tanto mais quando o governo do Reich, interessando-se igualmente por meus planos, concedeu-me os auxílios financeiros que garantem a execução do empreendimento. A época, favorável para os estudos zoológicos é a estival, que se estende até janeiro. Assim, para não perder tempo, arrumei as malas e fiz-me de viagem para Belém do Pará, onde deixei os meus companheiros Gerd Khale e Krause entregues à arrumação da bagagem. Tomando passagem para o Rio, aqui estou a fim da apresentar-me ao governo, e renovar-lhe pessoalmente, o pedido de licença, de bom acolhimento de meus planos e de ajuda moral em favor desse importante trabalho da cooperação científica teuto-brasileira. O sr. governador do Pará e as autoridades daquele Estado nortista, bem como as daqui receberam-me com a máxima gentileza e, assim espero, uma vez conseguida a licença aqui no Rio, retomar à Belém dentro de poucos dias, por via aérea, para, iniciar as meus trabalhos.”

Os objetivos científicos da sensacional viagem

O jornalista faz várias perguntas ao sr. Schulz-Kampfhenkel, curioso por saber detalhes acerca do seu avião e dos objetivos da viagem:
“O meu avião é um pequeno aparelho desportivo, de dois lugares. O comprimento de 8 metros das asas classifica-o entre os menores aviões que existem. A máquina está provida de flutuadores e tem um raio de ação máximo de duas horas de voo. Esses característicos impedem que ele seja empregado para grandes voos de exploração, destinando-se, apenas, à verificação da via fluvial que a nossa canoa, com a bagagem terá de percorrer. Outrossim, pretendo empregar o avião para o reabastecimento com víveres e material científico de acordo com as necessidades de nossa caravana.”
Subindo o Rio Jari. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Quanto aos objetivos científicos especiais da viagem, devo frisar que eu e os meus companheiros somos zoologistas e auxiliares científicos de zoologia, com os respectivos cursos especializados. Assim. pretendemos estudar a vida animal “In loco”, de preferência a dos mamíferos, anfíbios e répteis. Os resultados desses estudos biológicos serão publicados numa monografia científica, que certamente interessará os círculos da ciência brasileira e alemã. Outrossim, pretendemos facilitar à imprensa de ambos os países a publicação continua de nossos diários a fim de darmos conta do nosso trabalho a um círculo mais vasto possível do público leigo. Não quero concluir essa pequena exposição sem a declaração sincera, e faço-o com especial satisfação, de que jamais em outras partes do mundo e nas minhas viagens de estudos tive recepção tão amável e atenciosa como no Pará e aqui na linda Capital do Brasil o que me enche de esperanças da que dessa íntima colaboração com as autoridades brasileiras, resultem novos valores culturais apreciáveis para ambas as nações. (GAZETA DE NOTÍCIAS, N° 187)
BERLIM, 11 [Transocean] ‒ [Especial para o “Correio Paulistano”] ‒ A expedição alemã ao Jari é descrita na edição matutina do “Berliner Tageblatt”, de hoje, pelo chefe da organização, piloto Gerd Kahle, que focalizou seus aspectos mais pitorescos.
Diz o sr. Gerd Kahle que se trata da primeira penetração na direção norte-sul, pelo Jari. Eram membros da expedição Schults-Krampfhenkel, Gerd Kahle, G. Krause e o jovem Joseph Greiner, a única vítima que a febre não poupou. Os expedicionários permaneceram em plena floresta amazônica durante 17 meses a fio.
Gerd Kahle e Kampfhenkel já eram amigos antes de partir para a aventura da expedição ao Amazonas. Conheceram-se há cerca de 5 anos, quando aprendiam a voar. O estudante de zoologia Schultz-Kampfhenkel é um dedicado amador do esporte aviatório e o aviador profissional Gerd Kahle é caçador apaixonado. Os dois juntos se completavam para a arrojada aventura. O ministro da Aeronáutica da Alemanha, Marechal Goering, informado dos projetos tios dois jovens audaciosos, pôs um hidroavião “Heinkel” à disposição do piloto Gerd Kahle, avião esse que foi o principal elemento da expedição.
O expedicionário-escritor conta:
“‒ Nossa primeira tarefa, de início, consistiu em buscar uma entrada para penetrar na mata virgem do Jari, onde antes de nós nenhum homens branco jamais pisara. Essa mata estava marcada no mapa que levávamos da região por uma mancha branca. A penetração era praticamente impossível. Os rios que cortam a mata do Jari são traiçoeiros e ninguém ao certo conhece seu curso de modo perfeito. As árvores, os troncos, que descem ao sabor da corrente águas abaixo, impedem uma tentativa de descida do nosso “Heinkel” com grandes probabilidades de êxito.
Não obstante, tentamos e vencemos. Foi o nosso aviãozinho, o mais moderno meio de locomoção, que apareceu naquelas longínquas paragens, despertando a quietude da floresta brasileira ao ruído do seu motor. Desembarcamos com todas as precauções requeridas pela situação. Iniciamos desde logo a instalação na orla da floresta e nos preparamos para penetrar no coração da grande mata virgem.
Índia velha com headphone. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
O serviço cartográfico que realizamos tomou-nos meio ano de trabalho. Fixamos a posição de dois rios e localizamos uma tribo de índios. Só então nos foi possível iniciar a “viagem” em um pequeno bote que nós mesmos construímos.
No Rio de Janeiro nos haviam afirmado que naquela região do Jari não havia mais índios selvagens. Disseram-nos que as tribos dali haviam desaparecido há muitos anos, dizimadas pelas epidemias completamente. Assim, foi com surpresa que encontramos os primeiros entes humanos tão distantes de qualquer aglomeração civilizada. E então se iniciou uma das fases mais interessantes da expedição ‒ a vida ao lado desses indígenas.
Participamos da sua existência, assistimos às suas festas no mais autêntico colorido. Foi assim que conseguimos filmar momentos do mais vívido interesse que ontem todo Berlim viu e apreciou na sua primeira passagem pelos cinemas da nossa capital. Também fixamos cantos índios em discos de gramofone, do mais curioso efeito musical. Esses índios fizeram-nos compreender que éramos os primeiros homens brancos que haviam penetrado naquela zona e os primeiros que eles viram.
Devo dizer que os selvícolas brasileiros não nos receberam precisamente com manifestações de jubilo. Ficámos muito tempo em observação, sob a aguçada desconfiança dos índios. A ligação entre nós e eles se fez lentamente. Entretanto, devo dizer que se tratam de índios bem inteligentes.
Um feliz acaso nos favoreceu. O nosso companheiro Joseph Greiner, que conosco partira do Rio, sabia falar perfeitamente o português. Os índios que nos acompanharam como remadores do nosso barquinho, compreendiam alguma coisa de português e nos fizemos compreender sem grandes dificuldades por intermédio de Greiner. Mas, os índios da mata eram outros, diferentes dos remadores e nada, absolutamente nada entendiam de português.
Winnetou, o guia aparaí. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Nunca tinham ouvido falar em homem branco. Acontece, porém, que descobrimos um deles que deixara a tribo, há tempos passados, para trabalhar numa fazenda distante, segundo nos disse mais tarde.
Ali, em contato com a família do fazendeiro, aprendeu algumas palavras de português Esse pequeno cabedal serviu-nos muito. Lembrava-se ele de certas expressões e palavras e fomos para diante. Desse início partimos em conquista dos índios.
Conquista pacífica, já se vê. Pouco tempo depois os principais da tribo conheciam palavras portuguesas e o entendimento entre nós melhorou dia a dia. Foi mesmo ao ponto dos índios aprenderem palavras alemãs!
É curioso notar que esses selvagens não têm nenhuma vontade de se civilizar. Não se interessaram por nossos fuzis e nossos aparelhos científicos. Não mostraram nem mesmo curiosidade de conhecê-los ou possuí-los. Parece que preferem ficar afastados da civilização…
Alemão colhe dados sobre os índios aparaí. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Gerd Kahle conta, em seguida, um episódio que quase ia custando a vida nos expedicionários.
Arrojadamente, ele e seus companheiros quiseram realizar um voo no pequeno hidroavião que há tanto tempo não se fazia ouvir no zumbido “civilizado” do seu motor. Levantaram voo sobre a floresta. Mas, talvez empolgados pela magnificência do espetáculo, esqueceram que a gasolina se consumia rapidamente. Em dado momento o motor deu sinal. O combustível chegava ao fim. Em baixo era a floresta enorme infindável, um imenso oceano verde. Nem o menor sinal de um rio. Nenhum regato apontava entre as árvores. A situação era de quase desespero.
Hidroavião dos alemães, que partiu de Santarém, no Pará, sendo levado a remo pelos caboclos contratados da expedição. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Todos os tripulantes já haviam feito mentalmente o testamento quando surgiu entre o verde da floresta um fio d’agua, um pequeno riozinho cheio de troncos de árvores que desciam a corrente e tornavam difícil a descida. Mas, não havia remédio. Era tentar ou cair na floresta!
A tentativa foi realizada e o avião desceu regularmente na água torrentosa. Mas, dali não passou. Os troncos não permitiam qualquer movimento. Não sabiam como sair da situação. Estavam todos na angústia da espera de algum “milagre” quando surgiram na volta da corrente as canoas indígenas. Os selvícolas, atraídos pelo ruído do “Heinkelzinho” se aproximavam.
Um deles, que estava só na sua canoa, fez sinal aos expedicionários que o seguissem. A pequena embarcação apenas coube para tanta gente. Pouco depois, civilizados e selvícolas chegavam ao acampamento indígena.
A expedição estava salva. Tratava-se agora de voltar ao acampamento primitivo a fim de prover o avião de combustível. Foi outro capítulo movimentado dessa aventura que terminou tão felizmente e que hoje todo Berlim comenta com simpatia.” (CORREIO PAULISTANO, N° 25.155)
Em um cemitério de Laranjal do Jari, no Amapá, uma sepultura se destaca. Trata-se de uma cruz de madeira com dois metros de largura, três de altura e suástica no topo. Abaixo do símbolo nazista, palavras em alemão informam:
Joseph Greiner faleceu aqui em 2-1-36 de morte febril em serviço de exploração para a Alemanha. Expedição Jari, 1935-1937.
Durante 17 meses, alemães exploraram o afluente do Amazonas com fins científicos – entre eles, Greiner. E seu líder, Otto Schulz-Kampfhenkel, foi além: elaborou um plano de invasão e colonização da Amazônia pelo norte do Brasil, que foi apresentado aos comandantes do Terceiro Reich. Se o seu Projeto Guiana tivesse vingado, o Amapá seria invadido por soldados de Hitler [1].
Schulz-Kampfhenkel, nascido em 1910, era geógrafo, explorador, escritor e produtor de filmes. Em 1931, aos 21 anos, liderou uma expedição à Libéria, na África, de onde levou vários animais [vivos e mortos] para o Zoológico de Berlim e colecionadores.
Seu livro sobre a empreitada fez sucesso, e o jovem Otto ganhou moral entre os nazistas, recém-chegados ao poder e interessados em mandar pesquisadores para os quatro cantos do planeta. Sim, aqueles vilões dos filmes do Indiana Jones têm um fundo de verdade. Heinrich Himmler, chefe da SS, a tropa de elite nazista, tinha predileção por excursões exóticas.
Principalmente se visse nelas relação com suas pirações ocultistas: Himmler acreditava que, com os pesquisadores certos, provaria a existência de Atlântida e do martelo de Thor e sua conexão com as origens da tal “raça ariana”. O chefe da SS bancou expedições para lugares como Tibete, Antártida e Cáucaso. Obedientes, os pesquisadores sempre voltavam com supostos indícios que reescreviam a história segundo as teorias nazistas.
Em 1935, Schulz-Kampfhenkel foi encarregado da Expedição Jari: além de buscar indícios de arianos na América do Sul, mapearia a região. O geógrafo, que nesse meio tempo havia se tornado aviador, veio com outros dois pilotos: Gerd Kahle e Gerhard Krause.
Sem se preocupar com excesso de bagagem, o trio trouxe 11 toneladas de suprimentos, munição para 5 mil tiros e um avião. Os alemães chegaram ao Rio de Janeiro em junho, mas perderam dois meses enredados em labirintos burocráticos. Apoio oficial não faltava: naquela época, militares, cientistas e membros do governo Vargas expressavam sua admiração pelos novos rumos da Alemanha.
Os exploradores precisavam de alguém versado no jeitinho brasileiro e chegaram ao marinheiro Joseph Greiner, um Auslandsdeutscher [alemão criado no exterior]. Havia anos no Brasil, Greiner ficou encarregado das bagagens, alimentação e contratação de mão de obra local.
A imprensa saudava a empreitada. Em 9 de agosto de 1935, o jornal carioca “Gazeta de Notícias” publicou uma matéria em que “a Sensacional Expedição ao Jari” recebia “os mais francos aplausos”. Schulz-Kampfhenkel era descrito como “uma expressão brilhante da moderna geração que ora está surgindo cheia de vida e coragem, disposta a derrubar os obstáculos que entravam a marcha da civilização”. A voz contrária foi de Curt Nimuendaju, alemão que vivia em Belém trabalhando para o Serviço de Proteção aos Índios, atual Funai. Considerado por Darcy Ribeiro “o pai da antropologia brasileira”, ele foi convidado a se juntar aos pesquisadores, mas recusou. Motivo: odiava nazistas.
Subindo o rio Jari, alemães e brasileiros empurram os botes de volta para a água. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Os alemães trouxeram o avião para fazer fotos aéreas. Quando a aeronave pifou, o jeito foi exigir o máximo de seus caboclos para percorrer longas distâncias a pé – o Jari, rio raso e com fundo repleto de pedras, era de difícil navegação. Para chegar até a fronteira com a Guiana Francesa, destino final dos alemães, foi preciso contar com o serviço de tribos locais. [2]
Com o tempo, a selva foi cobrando seu preço. O calor era imenso, a chuva, paralisante. Todos tiveram malária, Schulz-Kampfhenkel desenvolveu difteria e uma febre misteriosa acabou matando Greiner, posteriormente homenageado com a cruz.
Ao final da expedição, em 1937, os pesquisadores enviaram para a Alemanha peles de 500 mamíferos diferentes, centenas de répteis e anfíbios e 1.500 objetos “arqueológicos” – aspas porque tratava-se de uma arqueologia fraudulenta que buscava reescrever a história segundo os nazistas. Além disso, foram produzidas 2.500 fotografias e 2.700 metros de filme 35 mm, que resultariam no documentário Rätsel der Urwaldhölle [“Enigma da Selva Infernal”], que Otto lançou em 1938 junto com um livro de mesmo nome. Com muitas imagens e precisas descrições de paisagens, a obra vendeu incríveis 100 mil exemplares na época.

Conquista e colonização

A expedição científica, apesar de pouco conhecida, nunca foi segredo. A revelação é que aquela empreitada inspirou um plano nazista para ocupar parte da Amazônia – usando o Brasil como porta de entrada. A estratégia concebida por Schulz-Kampfhenkel é detalhada no livro Das Guayana-Projekt – Ein deutsches Abenteuer am Amazonas, [“O Projeto Guiana – Uma Aventura Alemã no Amazonas”, sem edição brasileira], de Jens Glüsing, correspondente da revista alemã Der Spiegel no Brasil.
Laboratório na selva. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
O geógrafo best-seller, recém-filiado à SS, bolou o plano de conquista ao voltar para a Alemanha. Com a 2ª Guerra estourando em 1939 e os nazistas empilhando vitórias, viu a oportunidade de voltar à Amazônia. Desta vez, no entanto, como conquistador das três Guianas: a Francesa, a Holandesa [hoje Suriname] e a Britânica [hoje simplesmente Guiana]. No documento, Schulz-Kampfhenkel afirmava: “a tomada das Guianas é uma questão de primeira importância por razões políticoestratégicas e coloniais”. Os soldados nazistas entrariam pela região que ele conhecia, onde hoje é o Amapá.
A conquista começaria sem alarde: uma tropa de 150 homens subiria o Rio Jari para chegar a Caiena, capital da Guiana Francesa. Ao mesmo tempo, pequenas embarcações e dois submarinos atacariam a costa da Guiana Britânica. Situada entre esses dois territórios, a Guiana Holandesa cairia na sequência. Uma vez dominada, a região serviria como base para um futuro ataque ao Japão via Canal do Panamá – curiosamente, os EUA não entravam na equação.
Os caboclos da expedição. Foto: O. Schulz-Kampfhenkel, “Rätsel der Urwaldhölle”, Dt.Vlg. 1938.
Na avaliação do pesquisador, nenhum dos países vizinhos impediria a invasão – como argumento, citava o apoio que recebeu durante sua primeira viagem no Brasil. Para ele, aquilo não era assunto de sul-americanos, mas de europeus, uma simples troca de colonizadores.
O pesquisador ainda argumentava que a baixíssima densidade demográfica e sua amizade com as tribos locais garantiria a conquista germânica. “O plano parece romântico, mas é factível”, defendeu Schulz-Kampfhenkel. No livro em que revela a estratégia do compatriota, Glüsing escreve que o nazista não queria apenas participar da invasão; ele sonhava em governar a futura Guiana Alemã.
O documento parece ter circulado dentro da SS. Em 03 de abril de 1940, um oficial chamado Heinrich Peskoller escreveu uma carta para Himmler dizendo que Adolf Hitler deveria tomar as Guianas por seu subsolo.
“Na Guiana Britânica, a extração de ouro e diamante é mantida em baixa para não atrapalhar o mercado sul-africano [dominado também por ingleses]. Nas mãos do Führer, cada metro quadrado de solo poderia ser em pouco tempo explorado pela grande Alemanha”, escreveu o oficial. “O empenho e a técnica alemã poderiam domar as inúmeras cachoeiras na forma de usinas hidrelétricas colossais. Todo o país teria bondes, navegação fluvial, produção de madeiras nobres, pontes, aeroportos, escolas e hospitais. A comparação entre antes e depois da tomada dos alemães contaria pontos para o Führer”.
Apesar de chegar até os altos escalões da SS, o Projeto Guiana nunca saiu do papel. Naquele verão de 1940, os nazistas tinham todas as suas atenções voltadas para a Europa Ocidental. Com Holanda e França ocupadas pelos alemães, suas colônias [o que incluía Guiana Holandesa e Francesa] estavam automaticamente sob domínio de Hitler.
Na visão triunfante dos alemães, assim que vencessem a guerra na Europa, bastaria vir até a América tomar posse dos territórios. Como sabemos, não foi assim. O fracasso no front soviético e o desembarque dos americanos na França fez com que qualquer plano de soldados nazistas circulando em nossas selvas fosse abortado. Já Otto Schulz-Kampfhenkel teve um final de guerra agitado.
Com outros cientistas, formou uma tropa de elite de pesquisadores a favor do nazismo. Fazendo fotos aéreas e analisando terrenos, passou pelo Deserto do Saara, Itália, Grécia, Iugoslávia, Finlândia, Polônia e Ucrânia. Em 1945, foi preso pelas forças americanas, sendo solto no ano seguinte. Foi para Hamburgo, onde produziu filmes, escreveu livros e fundou o Institut für Weltkunde in Bildung und Forschung [Instituto de Formação e Pesquisa de Ciência do Mundo]. Funcionando até hoje, a instituição fornece material de ensino de geografia para escolas alemãs.
O Projeto Guiana, passo a passo
1. Entrando discretamente pela Foz do Amazonas, 150 soldados alemães subiriam o Rio Jari para tomar a capital da Guiana Francesa, Caiena.
2. Pequenos barcos e dois submarinos avançariam pela costa da Guiana Britânica.
3. O passo seguinte seria o domínio da Guiana Holandesa.
4. A região serviria como base para patrulhar o Atlântico e atacar a Ásia. (SUPER INTERESSANTE, 21.11.2017)
Fontes:
CORREIO PAULISTANO, N° 25.155. Uma Expedição Alemã ao Jari – Brasil – São Paulo, SP – Correio Paulistano, n° 25.155, 13.03.1938.
GAZETA DE NOTÍCIAS, N° 187. Na Véspera da sua Sensacional Expedição ao Jari ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Gazeta de Notícias, n° 187, 09.08.1935.
MANCHETE, N° 1.422. Isto Está Acontecendo na Amazônia ‒ É o Projeto Jari ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Revista Manchete, n° 1.422, 21.07.1979.
SUPER INTERESSANTE, 21.11.2017. O Plano Nazista para Roubar a Amazônia ‒ Brasil ‒ São Paulo, SP ‒ Super Interessante, 21.11.2017.
• Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
• Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
• Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
• Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
• Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
• Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
• Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
• Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
• Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
• Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
• Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
• Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
• Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Nota:

[1] Nota do editor: A revista sensacionalista Superinteressante sugere que o Amapá seria objetivo da alegada invasão alemã, mas fica óbvio que as possessões inglesas e francesas na região seriam os alvos.
[2] Nota do editor: Os pesquisadores acabaram desenvolvendo uma relação próxima com os índios Aparaí. Segundo algumas fontes, até próxima demais: Schulz-Kampfhenkel teria engravidado uma índia. Inacreditável!

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