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quarta-feira, 11 de março de 2020

BATALHA DE M'BORORÉ

ANDRÉ NOGUEIRA 
Indígenas contra bandeirantes
Indígenas contra bandeirantes - Divulgação/Facebook
Durante o desenvolvimento colonial da América do Sul, poucos grupos foram tão poderosos quanto os jesuítas, que, num projeto de catequização e dominação generalizada dos indígenas (gentis), criou grandes centros onde eles eram soberanos. Na época  escravização propriamente desses povos era proibida por decisão papal. Estes grupos, onde os padres ensinavam aos índios a leitura, a reza e o trabalho submisso, eram os aldeamentos, ou reduções.
O principal centro  de conversão dessas reduções ocorreu na região das Missões Orientais, onde hoje é Rio Grande do Sul, leste da Argentina e Paraguai. Cada vez mais, este ponto da colônia angariava mais poderes regionais, a ponto de terem sido considerados uma ameaça à soberania portuguesa no século 18. Mas, antes, o ponto já era local de disputa pela dominação da periferia do Império Português, dominado no momento pela Coroa Espanhola.
O principal conflito de interesses nessa disputa ocorria entre os padres da Companhia de Jesus, que fundamentavam seu poder nesses aldeamentos, e os bandeirantes, que desejavam dominar e escravizar aqueles índios tutelados pelos colonizadores. Nesse sentido, bandeiras interioranas geraram grandes batalhas contra as reduções, que representavam, inclusive, uma redução do poder das monarquias europeias.
Missões Orientais / Crédito: Wikimedia Commons

A Batalha de M’Bororé foi um desses casos de grandes conflitos entre os dois grupos em disputa do destino dos indígenas, que não perderam protagonismo na luta pela própria liberdade. Ocorrida entre 11 e 18 de março de 1671, na atual fronteira Brasil (Porto Vera Cruz)-Argentina (Panambi), ela foi um exemplo de resistência guarani que preferiu se unir aos interesses dos missionários contra a própria escravização.
Nesse evento, diversos indivíduos dessa etnia derrotaram os bandeirantes num sangrenta batalha que barrou a expansão territorial da dominação lusobrasileira. Nessa região limítrofe, onde nem a Coroa Portuguesa nem a Castelhana possuíam plena ocupação, quem mandavam eram os jesuítas, que possuíam um sistema econômico e religioso de dominação mais complexo que a escravidão.
No ano anterior ao acontecido, uma bandeira comandada pelo bandeirante Jerônimo Pedroso de Barros saiu de São Paulo rumo à região das Missões, declaradamente com o objetivo de destruir e saquear dos Pueblos (nome hispânico das reduções) da fronteira. O Procurador da Província Jesuítica do Paraguai, o padre espanhol Francisco Díaz Taño, conseguiu essa informação rapidamente, o que possibilitou o preparo da artilharia missionaria.
O início da batalha se deu quando uma escolta de canoas foi enviada rio acima em investigação do avanço dos bandeirantes nos sertões. Bem adiantados, os sertanistas entraram num pequeno conflito com os guaranis em questão, mandando suas tropas tupis, que possuíam disputas históricas com a outra etnia, persegui-los. Os índios do lado jesuíta só não foram mortos pois conseguiram retornar a tempo para a região que dominavam.
Aldeamento jesuíta / Crédito: Wikimedia Commons

Os bandeirantes viam na figura do padre Taño um alvo importante, pois ele havia sido o clérigo responsável, na época da União Ibérica, pela publicação no Rio de Janeiro da Bula Papal que proíbe a escravidão indígena. Num momento em que já hava um ressentimento lusitano em relação à dominação espanhola, este fato gerou importantes revoltas em Santos, São Paulo e São Vicente, onde a economia rodava em torno do mercado de trabalhadores nativos.
Depois de alguns dias, deu-se início batalha principal dessa quase uma semana de cerco. O contingente de 700 canoas bandeirantes manteve o ataque à redução de M’Bororé (ocupada por cerca de 4.500 homens), mas a resistência guarani foi dura. Em minoria por serem os invasores, esses sertanistas viam na disputa uma maneira de lucrar bastante, mas não foram capazes de aguentar a resposta.
Essa batalha abarcou exemplos bizarros de armas coloniais usadas pelos guaranis na retaliação dos bandeirantes: as principais eram uma grande catapulta que lançava sobre as canoas troncos em chama e canhões descartáveis feitos com taquaruçu (bambu-gigante) repletos de pólvora (que, por até quatro vezes, lançava poderosos projéteis contra o inimigo).


A batalha fluvial foi sangrenta, mas os bandeirantes não foram capazes de manterem o plano de invasão. O avanço dos escravizadores foi cessado e o acampamento de Jerônimo Pedroso de Barros e Manuel Pérez foi cercado e invadido pelos índios, que passaram a perseguir os portugueses fugitivos. No final, apenas 120 expedicionários da bandeira conseguiram retornar a São Paulo e a dominação jesuítica das Missões foi assegurada e estendida até, pelo menos, as próximas guerras que seriam travadas.

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