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domingo, 8 de março de 2020

O multiplicador keynesiano: mágica ou estelionato?

Para a maioria dos economistas e colunistas de jornais, o que gera crescimento econômico é o aumento da demanda por bens e serviços. A ideia é que aumentos ou reduções na demanda causam aumentos ou reduções na produção de bens e serviços na economia.
Ou seja, o que conduziria a produção seria a demanda.
Outra crença semelhante é que a produção total da economia aumenta de acordo com um múltiplo de um aumento nos gastos do governo, dos consumidores e das empresas.
Eis um exemplo que ilustra, segundo essa teoria, como um aumento nos gastos eleva a produção total por um múltiplo desse aumento dos gastos.
Suponhamos que, de cada unidade monetária recebida ($ 1,00), os indivíduos gastem $ 0,90 e poupem $ 0,10. Adicionalmente, suponhamos que os consumidores tenham aumentado seus gastos em $ 100 milhões.
Como resultado, as receitas dos varejistas aumentam $ 100 milhões. Estes varejistas, por sua vez, em resposta a este aumento em sua renda, consomem 90% destes $ 100 milhões — ou seja, eles aumentam seus gastos com bens e serviços em $ 90 milhões.
Os recebedores destes $ 90 milhões, por sua vez, gastam 90% destes $ 90 milhões, ou seja, $ 81 milhões. Já os recebedores destes $ 81 milhões gastam 90% desta soma, ou seja, $ 72,9 milhões, e assim por diante.
Observe que, por este raciocínio, os gastos de uma pessoa se tornam a renda de outra pessoa.
A cada etapa da cadeia de gastos, as pessoas gastam 90% da renda adicional que recebem. Este processo irá terminar — sempre de acordo com a teoria — com uma produção total $ 1 bilhão (10 x $ 100 milhões) maior do que era antes de os consumidores terem decidido aumentar seus gastos em $ 100 milhões.
Note que, quanto maior a porcentagem gasta dessa renda adicional, maior será o multiplicador. Consequentemente, maior será o impacto do gasto inicial na produção total.
Por exemplo, se as pessoas mudarem seus hábitos e gastarem 95% de cada unidade monetária recebida, o multiplicador será 20. Inversamente, se elas decidirem gastar somente 80% e poupar 20%, o multiplicador passará a ser 5.
Tudo isso significa que, quanto menos for poupado, maior será o impacto na produção total.
Por essa lógica, não é nenhuma surpresa que a maioria dos economistas de hoje seja seguidora da ideia de que, por meio de estímulos fiscais e monetários, é possível impedir que uma economia entre em recessão. Igualmente, por meio destes mesmos estímulos, seria possível tirar a economia de uma recessão.
O popularizador do poder mágico do multiplicador, John Maynard Keynes, escreveu:
Se o Tesouro se dispusesse a encher garrafas com papel-moeda, as enterrasse a uma profundidade conveniente em minas de carvão abandonadas que logo fossem cobertas com o lixo da cidade e deixasse à iniciativa privada, de acordo com os bem experimentados princípios do laissez-faire, a tarefa de desenterrar novamente as notas (naturalmente obtendo o direito de fazê-lo por meio de concessões sobre o terreno onde estão enterradas as notas), o desemprego poderia desaparecer e, com a ajuda das repercussões, é provável que a renda real da comunidade, bem como a sua riqueza em capital, se tornassem sensivelmente mais altas do que são.
O multiplicador é verdadeiro?
Será que poupar mais seria ruim para a economia, como indica o modelo do multiplicador?
Peguemos o exemplo de um agricultor que produziu 20 tomates. Ele consome 5 tomates para seu sustento. Sobram à sua disposição 15 tomates poupados (esta é sua poupança real). Com esses 15 tomates poupados, o agricultor pode adquirir outros bens. Ele pode, por exemplo, obter pão na padaria local, pegando 5 tomates pelo pão. Ele também compra um par de sapatos na sapataria local, pagando 10 tomates pelos sapatos.
Observe que a poupança real à sua disposição limita a quantidade de bens de consumo que o agricultor pode adquirir. Seu poder de compra é restringido pela quantidade de tomates que ele poupou, isto é, por sua poupança real.
Quando este agricultor efetiva sua demanda por pão e por sapatos, ele está transferindo cinco tomates para o padeiro e dez tomates para o sapateiro. Assim, os tomates que o agricultor poupou não apenas sustentam, como ainda aumentam o bem-estar e o padrão de vida do padeiro e do sapateiro.
Igualmente, o pão e o par de sapatos que o padeiro e o sapateiro respectivamente pouparam sustentam a vida e aumentam o bem-estar do agricultor.
Perceba que são os bens de consumo poupados — os quais sustentam o padeiro, o agricultor e o sapateiro — que possibilitam que todo o fluxo de produção se mantenha.
Suponha agora que estes produtores e proprietários de bens de consumo, em vez de trocá-los por outros bens de consumo, decidam trocá-los por melhores ferramentas e maquinários. Com máquinas e ferramentas melhores, eles podem produzir bens de consumo em maior quantidade e com maior qualidade no futuro.
Ao trocarem uma fatia de seus bens poupados por ferramentas e maquinários, os proprietários dos bens de consumo estão, na prática, transferindo sua poupança real para aqueles indivíduos especializados em fabricar estas máquinas e ferramentas. Ou seja, uma poupança real está sustentando estes indivíduos enquanto eles estão ocupados fabricando essas máquinas e ferramentas.
E, tão logo máquinas e ferramentas são construídas, isso permite um aumento na produção geral de bens de consumo. Esta maior oferta de bens de consumo (por causa do aumento da produção) permite uma maior poupança, tudo o mais constante. E essa maior poupança, por sua vez, permite um maior aumento na produção de máquinas e ferramentas.
Mais máquinas e ferramentas permitem aumentar a produção de bens de consumo, o que aumenta o poder de compra das pessoas na economia.
Logo, contrariamente ao pensamento popular, mais poupança na realidade expande o fluxo de produção de bens de consumo.
Pode um aumento na demanda por bens de consumo levar a um aumento na produção total por um múltiplo do aumento inicial da demanda? Não. O aumento na demanda por bens e serviços está restringido pelo aumento na poupança real.
Para poder saciar um aumento na sua demanda por bens, o padeiro tem de ter os meios de pagamento — ou seja, pão — para pagar pelos bens e serviços que ele deseja. Vimos que o padeiro adquire cinco tomates em troca de uma unidade de pão. Ou seja, ele paga pelos tomates com seu pão. Igualmente, o sapateiro sacia sua demanda por dez tomates pagando com um par de sapatos. O agricultor sacia sua demanda por pão e sapatos utilizando seus quinze tomates poupados.
Assim que a oferta de bens de consumo aumenta, isso permite um aumento na demanda por bens gerais, tudo o mais constante. O aumento na produção de pães pelo padeiro permite que ele aumente sua demanda por outros bens. Neste sentido, o aumento na produção de bens gera um aumento na demanda por outros bens. Os indivíduos produzem com o objetivo de poderem demandar bens que irão lhes sustentar e melhorar seu padrão de vida.
Pessoas vendendo mais bens de consumo poderão agora demandar mais bens gerais. Logo, é o aumento na produção de bens o que aumenta a demanda por bens. E isso só ocorreu porque a oferta aumentou a um nível maior que o da subsistência.
Em suma: o que permite o aumento na oferta de bens de consumo é o aumento na quantidade de bens de capital, ou seja, nas máquinas e ferramentas. E, por sua vez, o que permite o aumento na produção de máquinas e ferramentas é a poupança real. Podemos, assim, inferir que o aumento no consumo tem de ocorrer em linha com o aumento na produção.
Disso também podemos deduzir que o consumo, por definição, não pode fazer com que a produção aumente em um múltiplo deste aumento no consumo. O aumento na produção se dá de acordo com o que a infraestrutura existente permite, e não é restringido pela demanda dos consumidores.
Introdução do dinheiro
Obviamente, a introdução do dinheiro nesta economia não altera absolutamente nada a realidade. O dinheiro é apenas um meio de troca que ajuda a facilitar as transações entre produtores e consumidores — por si só, o dinheiro não tem como gerar nenhum objeto real.
O dinheiro não é um meio de produção; ele não produz nem bens de consumo e nem bens de capital. Sua introdução não permite uma maior produção de sapatos, tomates e pães. O dinheiro é simplesmente um meio de troca que facilita as transações.
Em última instância, bens e serviços não são adquiridos com dinheiro, mas sim com outros bens e serviços. As pessoas produzem bens e serviços em troca de dinheiro, e então utilizam esse dinheiro para adquirir outros bens e serviços. O objetivo da produção de bens e serviços é o consumo de outros bens e serviços. O dinheiro apenas irá facilitar as transações.
No final, o dinheiro é apenas o meio de troca utilizado por todos; seu papel é apenas intermediário. Por si só, ele não tem como gerar mais produção. Sim, as pessoas trabalham e produzem para ganhar dinheiro, mas elas querem esse dinheiro porque ele as permitirá adquirir outros bens e serviços. O que o indivíduo realmente quer em troca dos bens e serviços que ele vende (o que inclui sua mão-de-obra) são outros bens e serviços.
Entretanto, vale ressaltar: embora seja apenas um meio de troca, manipulações na quantidade existente deste meio de troca têm o poder de afetar negativamente toda a economia, pois geram severas más alocações de recursos escassos e, consequentemente, os ciclos econômicos. De novo: alterar a quantidade de dinheiro na economia não tem como aumentar a produção, mas irá gerar alocações errôneas de recursos escassos, degenerando em ciclos econômicos.
Aumento na demanda do governo e o crescimento econômico
Examinemos agora o efeito de um aumento na demanda, causado pelo governo, sobre a produção total de uma economia.
Nesta economia até então formada por um padeiro, um sapateiro e um agricultor, um quarto indivíduo entra em cena. Este indivíduo detém o monopólio da coerção, e pode exercer sua demanda por bens por meio da força. Ou seja, ele é o governo.
Pode a demanda desse indivíduo — o governo — gerar maior produção, como imagina a sabedoria popular? Muito pelo contrário: irá apenas empobrecer os produtores. O padeiro, o sapateiro e o agricultor serão forçados a abrir mão de seus produtos em troca de nada, e isso por sua vez irá enfraquecer o fluxo de produção dos bens de consumo.
Se você considerar que o governo só poderá gastar aquilo que ele antes confiscou destes três produtores, seria simplesmente ilógico dizer que sua entrada nesta economia tem o poder de "estimular a produção e fazer a economia crescer".
Não apenas um aumento nos gastos do governo não tem como aumentar a produção em um múltiplo positivo, como, ao contrário, inevitavelmente levará ao enfraquecimento de todo o processo de geração de riqueza.
Como Mises explicou:
É sempre necessário enfatizar este truísmo: o governo só pode gastar ou investir aquilo que ele toma de seus cidadãos [via impostos ou empréstimos]. E seus gastos e investimentos adicionais restringem, na mesma quantidade, a capacidade destes cidadãos de gastar ou investir.
Para aumentar seus gastos, há três medidas que o governo pode tomar: aumentar impostos (ou seja, aumentar o confisco da produção do padeiro, do sapateiro e do agricultor); pegar recursos emprestados (do padeiro, do sapateiro e do agricultor); ou imprimir dinheiro.
Não é preciso ser um profundo conhecedor de economia para entender que nenhuma dessas três medidas cria riqueza.
1) Se o aumento dos gastos do governo advier de mais impostos, então a produção de riqueza está sendo confiscada em troca de nada.
2) Se o aumento dos gastos advier do endividamento do governo (com o governo pegando recursos emprestado dos produtores), então igualmente haverá menos recursos para ser transacionados voluntariamente nesta economia entre os produtores. O excedente produzido (poupança real) está sendo desviado para o governo e não para sustentar as atividades produtivas dos outros produtores.
3) Se o aumento dos gastos advier da simples criação de dinheiro pelo próprio governo, os preços dos bens e serviços subirão, pois a criação de mais dinheiro não tem como gerar mais bens.
Nenhuma dessas três medidas cria riqueza. Consequentemente, nenhuma dessas três medidas pode estimular uma economia, tampouco tirá-la de uma recessão.
O raciocínio é tautológico: para o governo gastar, ele tem antes de tomar de alguém (seja via impostos, seja via endividamento) ou imprimir dinheiro. Se ele tomou de alguém, esse alguém está agora impossibilidade de consumir ou de investir. Se ele imprimiu dinheiro, nada foi criado.
Assim, os gastos do governo não podem ser vistos como uma força criativa. Todo o gasto do governo ocorre à custa dos outros indivíduos da sociedade. Por definição.
O mundo real funciona ao contrário do que Keynes explicou
Em nossa economia hipotética, 500 unidades de pães, sapatos e tomates são produzidas em um dado período de tempo. Dessas 500 unidades, 250 unidades (ou seja, 50%) são destinadas ao consumo do setor privado, 100 unidades (ou seja, 20%) são destinadas ao investimento e 150 unidades (30%) são destinadas ao governo.
Se, devido a um crescimento econômico ocorrido em um dado período, a produção aumentar em 10%, então a economia terá agora 550 unidades. Assim, caso a economia mantenha a mesma proporção do destino do produto de antes (50% para consumo; 30% para o governo e 20% para investimentos), o resultado agora será: 275 unidades destinadas ao consumo, 110 são destinadas ao investimento, e 165 destinadas ao governo.
Ou seja, ao contrário do que Keynes afirmou, a verdade é que apenas se houver um aumento na produção, poderá haver um aumento no consumo privado e nos gastos do governo.
Mais ainda: o tal "efeito multiplicador", na prática, funciona ao contrário do que Keynes previu. Havendo um aumento da produção, o aumento em todos os outros gastos será menor do que esse aumento da produção. E é assim simplesmente porque a propensão a consumir não pode ser maior do que a produção. Lógica pura.
Conclusão
O fato de que a demanda depende da produção é uma realidade que não pode ser abolida por meio de gastos governamentais ou de aumento da quantidade de dinheiro na economia. Aumentar os gastos do governo ou a quantidade de dinheiro na economia não pode alterar esta realidade.
A teoria de Keynes não só está errada, como a realidade é completamente oposta a ela.
Frank Shostak

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