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sábado, 7 de março de 2020

Pegadas do chefe dos caçadores: a linhagem do deus com chifres

Os instintos são uma proteção muito melhor do que toda a sabedoria intelectual do mundo.  —  (C. G. Jung).

O subconsciente e o instinto humano precisam de 
formas para se expressar e se materializar para não 
se voltarem contra o seu portador. Os símbolos servem 
bem para este fim, e, portanto, têm uma estreita 
relação com a psicologia. Eles representam 
ideias, arquétipos atávicos, que evoluem com o tempo 
e que acabam se manifestando à imagem de um deus 
que interage do “além” (a memória ancestral, o 
outro mundo, o inconsciente instintivo, a dimensão 
do ser absoluto, o espírito e outros nomes). Assim como os psicólogos trabalham investigando o simbolismo interior de um sujeito para encontrar as peças de seu quebra-cabeça mental, a maneira de conhecer os sentimentos, propósitos e ideais de um povo em um determinado momento histórico é se aprofundar em sua simbologia e em suas imagens religiosas, que nos oferecem a chave de seus valores mais elevados e que, portanto, servem para resgatar peças das tradições de nossos antepassados ​​e de nossa própria identidade. Hoje, vivemos muito longe das condições que tornam o ser humano uma criatura superior e perfeita, de modo que esses valores e símbolos são muitas vezes a única coisa que resta de nossos antepassados, além do legado genético. 


O psicólogo suíço C. G. Jung acreditava que os animais e as forças ancestrais  —  deuses, heróis, mitos  —  viviam dentro do homem como arquétipos e se manifestavam em padrões de comportamento instintivo “automático” (assim, dissociado da mente racional) geneticamente herdados. Ele também pensava que os instintos negados, reprimidos ou simplesmente não reconhecidos, poderiam vir a dominar um homem ou até mesmo matá-lo, e que para evitar isso era necessário encontrar uma maneira de integrar a parte animal na vida humana, e que o “lado escuro” tinha formas extremamente obscuras de vingança caso fosse esquecido. O homem tem uma série de fontes relacionadas especialmente à violência e ao sexo e, portanto, ao se afastar do mundo dos animais e se fechar entre quatro paredes e dar as costas à Natureza, paga caro, uma vez que os instintos negados continuam a se manifestar, mas de formas cada vez mais sinistras e antinaturais. Era necessário, portanto, manter um arquétipo coletivo que se referisse a um “senhor animal”, um homem plenamente em contato com o que é natural e, portanto, integrado na corrente ascendente e na ordem eterna.

Carl Gustav Jung (1875-1961), psicólogo suíço, dissidente de Freud e fundador de sua própria escola de psicanálise.

Bem, um desses arquétipos animais, e um dos mais antigos e recorrentes, é o arquétipo da divindade masculina do Grande Pai ou Caçador Eterno, contrapartida inevitável da Deusa Mãe. Trata-se do deus com chifres (nesse caso, geralmente com chifres de cervos, mas também de carneiro, cabra ou touro), que por muitos milênios foi o “patrono” de nossos antepassados caçadores. Em um tempo (o Paleolítico) em que se caçava com arco e flecha ou lança, o poder de abater uma criatura tão elusiva e sensível em movimento como um veado, devia supor a prova que o caçador tinha grandes habilidades e que, portanto, era um “senhor dos animais” e estava diretamente em contato com a ordem correta e com a Natureza  —  tanto aquela que lhe rodeava quanto sua própria natureza interior. É precisamente no Paleolítico que encontramos a primeira representação da figura da divindade cornífera, numa caverna associada ao Magdaleniano e, portanto, ao homem Cro-Magnon.

Pintura rupestre da Caverna de Les Trois-Frères, sul da França, período Magdaleniano (18,000–12,000 AEC). Muito tem sido especulado sobre esta figura. Para alguns, é um ídolo; para outros, representa um xamã em transe, ou adornado com peles e cornos de cervo. Com prudência, só é possível dizer que é um cervo dotado de alguns atributos humanos (como a posição vertical), algo que nunca acontece com outros animais representados nas pinturas rupestres. Nas comunidades europeias paleolíticas, que associamos à raça nórdico-branca, o cervo devia ter a mesma relevância que o uro e o touro tinham nas comunidades nórdico-vermelhas [NT: para entender a controversa classificação racial do autor, ver aqui]. O cervo se tornou um sinal de fertilidade masculina e comportamento de caçador, que até hoje é a base do que entendemos por masculinidade.
Representação da divindade cornífera encontrada entre as pinturas de Val Camonica, um vale dos Alpes na Lombardia, ao norte da Itália.
Longe da conotação negativa que tiveram depois, na Antiguidade os chifres eram um símbolo de sabedoria e “conexão com o céu”, isto é, com o mundo do espírito, por sua forma arquetípica de galhos, para-raios ou copas, dispostas para receber as forças celestiais. Também eram sinais de virilidade e fertilidade, já que nos chifres há uma série de receptores androgênicos que são ativados pela ação da testosterona durante a puberdade, e que fazem crescer o chifre a um tamanho de acordo com os níveis hormonais: chifres grandes, longos e torcidos indicam mais níveis de testosterona. Por esta razão não é surpreendente que na China tradicional, o afrodisíaco mais cobiçado para aumentar a libido masculina era fabricado precisamente com base de galhos de cervo, uma vez que era o produto onde havia mais testosterona concentrada. Não é por acaso, também, que em inglês, a palavra horny (derivada de horn, chifre), designa em linguagem informal um estado de estimulação sexual caracterizado pela alteração do ambiente hormonal. Além disso, e como aconteceu com as presas de mamute, os chifres dos cervos eram considerados um troféu (mais que as garras de um urso e as presas de um tigre-de-dentes-de-sabre) e cheio de simbologia de poder. Toda esta série de sinais coloca o cervo como um poderoso símbolo androgênico  —  isto é, oposto ao estrogênio, o hormônio feminino.

A runa Man é um símbolo do cume, da copa da árvore, dos galhos e dos chifres do deus cornífero, isto é, o que constitui uma conexão com o mundo celestial. Como o próprio nome sugere, é a runa da masculinidade, e contrapartida da runa Yr — uma runa Man invertida para simbolizar as raízes, a caverna, o ctônico-telúrico e o feminino.

A palavra “corno” como um homem traído pela mulher tem uma origem curiosa e igualmente relacionada a uma figura alfa da fertilidade masculina. Nos países do norte da Europa, durante a Idade Média (embora o costume, por seus claros elementos pagãos, devesse ser muito mais antigo), os senhores feudais tinham o direito de possuir sexualmente as vassalas que eles escolhiam, casadas ou não. O costume é uma reminiscência da antiguíssima teoria do harém e da poligamia pré-cristã, que por sua vez está enraizada na necessidade de que as fêmeas de uma geração sejam impregnadas por poucos e seletos machos para elevar o nível genético das espécies  ("eugenia positiva") —  princípio básico da procriação seguido por todos os pastoreiros. Como sinal de que o nobre estava convivendo com a moça escolhida por ele, dois chifres de cervos eram colocados na porta da casa da mulher, e o marido ou o pai recebia uma série de privilégios, como ser autorizado a caçar na floresta do senhor e outros mais. Ao passo do tempo, os chifres se tornaram um sinal de zombaria, e a palavra “corno” hoje em dia é repleta de tons infames: um homem a quem sua parceira é infiel a ele.

Cena de caça de cervos encontrada em um petróglifos de Val Camonica.

Tendo visto os significados arquetípicos dos chifres, e antes de avançar para analisar as pegadas da divindade cornífera em épocas posteriores, vamos primeiro examinar o que aconteceu quando terminou a Era Glacial.

O fim da Glaciação Würm, 12,000 anos atrás, marcou o fim definitivo da megafauna paleolítica e das condições adversas que tanto contribuíram para a habilidade das comunidades nórdicas, forçando-os a caçar e se envolver em comportamento predatório, tal como vimos em outro artigo. Gradualmente, o gelo se retirou, e atrás dele, os bosques avançaram pelo sul, até que a Europa foi tomada por uma espessa massa arborizada. O Mesolítico (período posterior ao Paleolítico e anterior à chegada do Neolítico, durante o qual floresceu a Cultura Tardenoisiense) foi caracterizado pela predominância do mundo florestal, por certa diminuição da caça (e, naturalmente, do tamanho dos tipos caçados), um aumento na coleção de produtos vegetais e o surgimento de novos animais simbólicos, como o javali ou o lobo. O cervo persistiu neste imaginário, já que encontrava na floresta seu habitat natural.

Quando a glaciação terminou há 12,000 anos, as grandes planícies nórdicas foram cobertas de vegetação e a floresta se tornou o reduto do que permaneceu no mundo de natural, misterioso, instintivo e autêntico antes do avanço do Neolítico, da civilização e da proliferação humana descontrolada. No seu interior viviam criaturas profundamente simbólicas que não haviam sido incorporadas ao novo sistema civilizado, como o javali, o lobo, o urso ou o mais elusivo e misterioso de todos: o cervo.

O Neolítico foi outra perversão para o processo de transformação global que começou com a deglaciação. Como vimos em outro artigo, se o aparecimento das florestas acarretou no retrocesso do gelo, agora as florestas, por sua vez, retrocediam em resposta a um novo acontecimento, desta vez não diretamente resultado de uma variação climática, mas da ação do homem: o aparecimento da agricultura deu o ponto de partida para o desmatamento de enormes campos de colheita, e a pecuária também precisava de pastos para os novos animais domésticos. Este novo fenômeno, precursor direto do sedentarismo e da civilização, nasceu no Oriente Próximo e está inevitavelmente associado ao surgimento das primeiras cidades, como Jericó, na atual Israel, ou Çatal Hüyük, na Turquia. Além disso, animais como o touro, a cabra, o carneiro e outros entram no repertório simbólico.

Afrescos em Çatal Hüyük, uma das primeiras cidades do mundo, que foi povoada de forma ininterrupta durante quase um milênio seguido até que foi abandonada. Embora seus habitantes, sem dúvida de um importante patrimônio nórdico-vermelho, atribuíam simbólica preeminência ao touro (enorme importância religiosa dos crânios e chifres do animal, em forma de lua crescente) e à Grande Mãe, essas pinturas mostram que os mistérios da caça de cervos não lhes eram estranhos e que, embora a maior parte da população estivesse ligada à agricultura, deve ter havido elites, necessariamente as mais preparadas fisicamente, que mantiveram viva a tradição ancestral da caça e assim forneciam à comunidade um alimento (carne) muito superior ao cereal. Estatuetas de urso também foram encontradas, um símbolo típico de culturas caçadoras.

Depois do Neolítico, qualquer grupo humano que aspirava a se perpetuar e a prevalecer no mundo, tinha de competir contra outros grupos que poderiam ser multiplicados indefinidamente graças à colonização de novas terras e à prática da agricultura, com a qual as comunidades mesolíticas europeias seriam “forçadas” de alguma forma em adotar o novo sistema neolítico vindo do Oriente se quisessem sobreviver  —  assim como, no século XIX, o Japão teve de escolher entre adotar o sistema industrial ou ser diretamente colonizado pelos países industrializados. Isto, em longo prazo, teria enormes consequências no planeta e na evolução do próprio ser humano, tanto biológica como psicologicamente. Por enquanto, uma onda nórdico-vermelha e outra armênida entraram na Europa, o que iria gradualmente perturbar a integridade genética das comunidades nórdico-branca, bem como as suas próprias.

Entre os sumérios, a primeira civilização considerada como tal, aparecem deidades com chifres de touro, bem como o símbolo da lua crescente. Apesar de ter sido baseada na agricultura, a civilização suméria não tinha esquecido a caça, e vemos muitas deidades coroadas por um par de chifres muito semelhantes aos encontrados no símbolo romano de Mercúrio.

Estes baixo-relevos sumérios demonstram a presença dos chifres (de cabra e de cerineia) e sua associação à lua crescente, um símbolo semelhante.

No Egito temos alguns deuses com chifres (como Tot e Hator), mas, por causa de sua relevância posterior, é interessante olhar para o deus Ámon, chamado “senhor do duplo chifre” no Livro dos Mortos, capítulo CLXV.

Tot e Hator nos mostram como, no imaginário simbólico da Antiguidade, os chifres agiam como uma espécie de copa contendo a aura, a essência solar, o espírito e a iluminação. Os chifres seriam relacionados com a meia lua ou lua crescente, à copa e ao sexto chakra, e à aura que contém o Sol, o conteúdo e o sétimo chakra. Juntos formam o arquétipo do Graal, tal como vimos em outro artigo. Não é surpreendente que a glândula pituitária tenha sido anteriormente chamada de “o assento da alma”, uma vez que o sexto chakra é literalmente o trono do sétimo.
Esta é a coroa de uma princesa hicsa. A origem dos hicsos (que governaram o Baixo Egito durante os séculos XVII e XVI AEC) deveria deixar de ser causa de controvérsia, pois fazem parte das invasões dos povos do mar. Em Aváris, a capital dos hicsos no Delta do Nilo, encontraram cenas retratadas em afrescos: homens pulando sobre touros, em uma disposição exatamente semelhante aos encontrados entre os minoicos de Creta. Os hicsos pertenciam ao conjunto de povos de herança nórdico-vermelha do Mediterrâneo Oriental, com uma origem mais que segura nas primeiras cidades neolíticas do Oriente Próximo, como Çatal Hüyük, onde os temas taurinos também são incrivelmente frequentes, bem como a figura do cervo.

A mitologia hindu também tem exemplos da importância do cervo, como no épico Ramáiana, onde conta a lenda de Rama, Sita e o cervo dourado. O cervo também é descrito nos Vedas, o conhecimento iniciático transmitido oralmente por sábios desde tempos imemoriais, e incorporados na escrita após a invasão indo-ariana da Índia. Na mitologia hindu, Shiva (Rudra nos Vedas) se retira na floresta e acaba adotando peles e chifres de cervo. Até hoje, esta floresta é considerada sagrada e é conhecida como mrigasthali, ou seja, “lar dos cervos”.

Esta divindade que medita cercado por animais simbólicos (tigre, elefante, rinoceronte, búfalo ou touro e uma cabra — o tigre, ao lado dele e olhando para cima, parece ser o animal mais próximo dele como um predador da selva por excelência), com dois chifres e com uma forma de triângulo invertido no peito (esta forma de sua vestimenta remonta às figuras pré-históricas de Göbekli Tepe) é o Shiva Pashupati. O epíteto pashupati significa “senhor dos animais”. Shiva era um deus do princípio masculino (o Yang, Púrusha), complementário da Parvati (a Yin, Prakriti), e era imaginado como um deus destrutivo, de uma natureza agressiva (portanto, de herança claramente predador-caçador), que meditava no topo do Monte Meru, o eixo do mundo do hinduísmo. Inevitavelmente, este é o arquétipo da runa Man (o tridente também está relacionado com Shiva), um símbolo que representa o cume, os chakras altos, a conexão com o Céu e que é na verdade a metade superior (ramos) da runa Hagal (a árvore), na extremidade oposta da runa Yr (a metade inferior ou raízes). De acordo com a mitologia hindu, para salvá-lo de um veneno, sua consorte Parvati amarrou uma cobra ao seu pescoço (um símbolo telúrico e de sabedoria terrena, relacionado com as torques no pescoço do Cernuno celta que falaremos mais abaixo).

Na Europa, os celtas estavam entre os povos mais avançados. Estes inventaram a cota de malha, o barril, modelos eficazes de capacete e espada, e mantiveram prósperos assentamentos que floresceram entre o comércio, a pecuária e a agricultura. Pelo menos dois grupos sociais haviam surgido: um de aparição recente, de herança neolítica e dedicado à agricultura, e outro de herança muito mais antiga, que continuava a se dedicar principalmente à caça e à guerra.

Nas tradições celtas, muitos dos quais lutavam totalmente nus e com o corpo pintado, ainda existem muitos vestígios da mentalidade paleolítica, o que não é estranho, tendo em conta que grande parte dos seus territórios eram lugares arborizados e virgens, onde os campos cultivados ainda não tinham sido criados. Por esta razão, e pela herança genética de seus antepassados caçadores, não é de surpreender que a figura do deus com chifres apareça novamente entre eles, desta vez na forma de deidades masculinas como Cernuno na Gália ou Caerwiden em Gales. Da mesma forma, encontramos novamente a figura do cervo em Fionn Mac Cumhaill (o “patrono” dos fiannas, lendários guerreiros irlandeses), que quebrou um feitiço pelo qual Sadhbh, uma bela moça, tinha sido transformada em uma corça. Com ela, este teve o herói celta Oisín (“Pequeno Gamo”).

Caldeirão de Gundestrup. Muito tempo depois das misteriosas pinturas rupestres, os gauleses adoravam o deus Cernuno. Aqui, temos uma variedade de elementos fortemente simbólicos. Este é um senhor dos animais (cabra, cervo, leão, peixe, à sua esquerda o lobo representando o mesmo papel que o tigre para o Shiva) que medita na floresta tendo em sua mão direita uma torque [1] e em sua mão esquerda uma serpente [2], encimado pela aura dos chifres dispostos para o Céu. Ele está na posição de lótus, ou seja, imóvel (Ser) entre o móvel (Devir) e com olhos fechados, como se estivesse em transe, o que teríamos de nos perguntar seriamente se os celtas tinham práticas de meditação e yoga. Conceber este personagem enraizado no imaginário coletivo das culturas caçadoras como uma deidade xamânica não é nenhum absurdo, pois os romanos relacionaram Cernuno com Mercúrio (associado ao Hermes grego, portador do Caduceu, um bastão com serpentes ascendentes e com duas asas), que, por sua vez, é o equivalente do Odin (Wotan) nórdico (portador de uma lança e um capacete alado). Podemos notar, então, uma pequena afinidade simbólica, e talvez até uma continuidade cultual, entre o primitivo deus rupestre e o próprio Wotan. Cernuno também mantém um importante paralelo com Cronos (Saturno) [3], o titã do tempo (anel, torque), com o grego Apolo Karneios (venerado na festa espartana de Karneia), com o Krishna hindu e com o misterioso Quirino da primeira Tríade Capitolina romana. Todos esses nomes contêm a raiz KRN, que designa “força”, “potência”, “poder”, “elevação” [4]

Os gregos tinham uma cultura de caça ainda mais importante, se possível. A aristocracia possuía terras, mas estas eram trabalhadas por camponeses que pertenciam a um grupo diferente [5]. Os helenos se ocupavam essencialmente com caça, treinamento esportivo, filosofia e guerra, além dos deveres políticos ligados ao status de cidadão. Naquela época, a agricultura estava inevitavelmente associada a mistérios noturnos, lunares e ctônicos-telúricos de origem oriental e associados a divindades (Cibele, Perséfone, Deméter , a Deusa Mãe, a face oposta do Deus Pai) um pouco estranhas ao ethos helênico. Em contraste, Apolo e Ártemis aparecem como deuses hiperbóreos e solares, alheios aos novos mistérios cerealísticos e mais relacionados ao mundo da caça, do esporte e da música. Ártemis representa, neste caso, a divindade de caça por excelência, com seus equivalentes nos mundos celta (Artio) e romano (Diana). Esta é uma divindade feminina difícil de conceber para um povo que não tem uma forte herança nórdico-branca, uma vez que não é a figura da matrona do lar, mas uma criatura atlética, orgulhosa, forte e muito mais relacionado à ideia de “valquíria”. Talvez fosse o único arquétipo feminino pelo qual um caçador pudesse sentir verdadeira devoção.

Ártemis, a deusa grega ligada à caça e à vida selvagem, era a patrona dos cervos e foi muito querida em Esparta, tal como seu irmão Apolo também foi. De certa forma, o par de gêmeos sagrados representava os dois chifres da natureza divina, o noturno-escuro e o diurno-luminoso.

Tanto Apolo como Ártemis têm em comum a relação ritual com os chifres  (também de cabra, mas especialmente de cervos). Por exemplo, no santuário de Apolo em Delos tinha um altar feito inteiramente de chifres de cervo. Um dos trabalhos que Euristeu encarregou a Herácles (que, acima de tudo, é um caçador capaz de matar um leão com suas próprias mãos) foi capturar a Corça de Cerineia (novamente a raiz KRN), um animal consagrado precisamente a Ártemis, com chifres de ouro e cascos de bronze. O herói perseguiu o animal por um ano inteiro, até chegar à terra dos hiperbóreos. Da mesma forma, é muito revelador que em Esparta as divindades mais veneradas fossem Apolo e Ártemis, uma vez que os cidadãos foram forçados desde a infância a ser bons caçadores-coletores e era, em resumo, um reduto da tradição ancestral antes dos estragos da civilização.

Moisaico em Pela, na Macedônia, a cidade natal de Alexandre, o Grande. Dezenas de milhares de anos após as pinturas rupestres, a caça de cervos continuou sendo um tema favorito da arte europeia. A caça é uma tradição ancestral que impediu a extinção das comunidades europeias durante o Paleolítico e que desempenhou um papel importante na evolução humana e na configuração do cérebro que remonta nossa origem, como vimos em outro artigo. Hoje comemos carne de animais “produzidos em escala” que levaram uma vida indigna, mal alimentada, mal exercida, mal cuidada, cheia de antibióticos e hormônios, e mortos “em série” em algum sinistro matadouro. Anteriormente comíamos carne de animais saudáveis ​​e fortes que haviam crescido na floresta, ou de animais que eram sacrificados em uma bela cerimônia religiosa, de profundo significado e transformando a criatura em intermediária entre o céu e a terra. Por outro lado, o mosaico representa um feito atlético, pois deve ser muito difícil alcançar um animal tão sensível como um cervo.

Outro deus cornudo é Pã, originalmente um deus da fertilidade masculina, que pouco a pouco adquiriu má reputação quando veio a simbolizar a promiscuidade masculina, sendo o chefe dos sátiros. Alguns de seus atributos, como chifres e cascos de bode, foram mais tarde transplantados para o Satanás ou Satã medieval, o Diabo, simbolizando que os instintos masculinos haviam sido definitivamente “satanizados” (leia-se: castrados).

Um dos epítetos de Apolo, o Karneios, assimila-o em certa medida com o arquétipo de Cronos-Cernuno. Esta versão de Apolo, que se distingue pela exibição de chifres de carneiro, era celebrada em Esparta durante a festa de Karneia, a celebração mais importante do país, que durava nove dias e nove noites [6].

Apolo Karneios, venerado em Esparta durante Karneia, o festival mais importante do país
Encontramos outro deus chifrudo em Zeus Amón, fruto da interação da Grécia com o Egito. De acordo com Pausânias (“Descrição da Grécia”, III), Zeus Amón era especialmente cultuado em Esparta, onde existia um templo dedicado a ele na época da Guerra do Peloponeso (século V AEC). E Heródoto menciona consultas com o oráculo de Zeus Amón em seus relatos das Guerras Persas. É possível que aqui não se refiram necessariamente a um Zeus egípcio, mas a uma figura de Zeus com chifres, ou até ao Apolo Karneios.

Duas representações do misterioso Zeus Amón.

A figura de Zeus Amón ressurge com Alexandre, o Grande, que tinha dois chifres em seu capacete como um símbolo de distinção e poder. De fato, no Alcorão, Alexandre é chamado de Dhul-Qarnayn (raiz KRN), ou seja, "Aquele de dois chifres". Após a conquista do Egito, ele foi proclamado filho de Zeus Amón e foi representado com chifres.

Alexandre como filho de Zeus Amón em uma moeda, muito semelhante ao Apolo Karneios que vimos acima.

Os romanos, um povo europeu com uma forte identidade e tradição, não estavam alheios à influência do deus cornífero, especialmente considerando que os celtas eram o ramo indo-europeu com o qual mantinham mais semelhança. Eles tinham a sua própria versão: era Mércurio, o Hermes grego. Os romanos também o consideravam equivalente ao Odin (Wotan) germânico e ao Cernuno celta, uma vez que designavam os mesmos nomes para os dias da semana e compartilhavam uma série de atributos semelhantes, como chifres ou asas (conexão com o Céu), sua habilidade xamânica de “viajar entre os mundos” ou sua posse de um eixo vertical (lança ou caduceu, um bastão com duas serpentes ascendentes com duas asas, e associável ao bastão de Asclépio e ao bastão do Brama hindu, que representava à espinha dorsal).

Não é por acaso que o símbolo romano de Mercúrio — o deus que os romanos consideravam equivalente ao Cernuno celta (de fato, César mencionou que “Mercúrio” era o deus mais popular na Grã-Bretanha e na Gália) ou ao Wotan germânico — também tinha dois chifres, uma vez que os chifres são um sinal de sabedoria proveniente do xamanismo caçador do passado pré-histórico europeu. A forma em que os chifres estão dispostos no símbolo de Mercúrio é exatamente idêntica a de muitas deidades sumérias representadas em baixo-relevo, como vimos mais acima.
Não é acidental que Mercúrio, o deus com chifres de Roma, está relacionado com Wotan, uma vez que Wotan era o líder da maior das caçadas: a Wildes Heer (“hostes selvagens”), que no Ragnarök lançaria a maior caça da história contra os inimigos dos deuses. Entre os escandinavos e germânicos, o Odin-Wotan era imaginado com asas em vez de chifres, e entre os anglo-saxões, o Woden era imaginado com chifres. Em ambos os casos, portava como um eixo vertical uma lança, a versão germânica do caduceu. Além disso, entre os germânicos, o deus com chifres por excelência é Frey (uma palavra que significa “senhor”), que tem um carro de guerra puxado por cervos e em uma ocasião mata o gigante Beli usando um chifre de cervo. Thor, um deus da fertilidade celeste e masculina, que rege o trovão e conduz um carro de guerra puxado por cabras macho, também poderia ser associado com os deuses chifrudos, mas infelizmente há pouquíssimas representações suas, e menos ainda com chifres.

Durante a Europa feudal vemos a renovação de um processo que era óbvio na Mesopotâmia e na antiguidade pagã: a existência de duas castas, o camponês dedicado à agricultura e, portanto, ao Neolítico, e o nobre dedicado à caça e à sua herança paleolítica, muito mais antiga. Este processo marcou a nobreza, que era etnicamente, em grande parte, descendente diretamente das antigas comunidades cro-magnons, como uma casta forte, ambiciosa e de estatura elevada, enquanto os camponeses eram de menor estatura, mais fracos fisicamente e muitas vezes tinham problemas dentários. A nobreza germânica estabeleceu lugares fechados e particulares nas florestas onde só eles tinham o direito de caçar, enquanto que os camponeses eram punidos com a morte pela profanação do campo de caça. Mesmo assim, o processo de desmatamento estava em andamento e, durante séculos, florestas inteiras seriam derrubadas com o objetivo de obter recursos, ou seja, destruir pastos para criar assentamentos urbanos, campos de cultivo ou para manter uma população humana que crescia lenta mas seguramente, e que expressava sua desarmonia interior em custosas e trágicas espirais de violência. 

Esta é uma rocha rúnica encontrada na ilha sueca de Gotlândia, e datada em torno do século VI. Novamente, uma divindade com chifres sentada, mas desta vez com uma cobra em cada mão (algo que lembra às deusas das serpentes encontradas na civilização minoica). O desenho tríscele acima são de três animais, que foram identificados como dragão, águia e javali.

Na mesma época, é revelador que o cristianismo, lutando para domesticar e civilizar o homem (no sentido negativo da palavra), arrancando-o da Natureza [7], proscrevesse a divindade masculina e associasse os chifres com o Diabo, relacionando-o com criaturas vorazes e demoníacas que caçavam livremente na floresta e representavam o lado bárbaro, primordial e natural do macho  —  um lado castrado pelo atual sistema ocidental, caracterizado pela feminização de valores e estrogenização ambiental, tal como vimos em outro artigo. Satã é Saturno, que por sua vez é Cronos-Cernuno-Karneios... Em outros casos, a Igreja acusou as “bruxas” de adorar e ter relações sexuais com o Diabo ou com um ídolo cornudo. Isso também aparece no processo de extermínio dos templários em 1314: uma das acusações feitas a eles era adorar a estátua de um deus com chifres sentado em uma posição de meditação e supostamente chamado Bafomé.

Mas, apesar das repressões, o deus cornífero estava tão enraizado no inconsciente coletivo de certos povos europeus que a Igreja não tinha escolha senão aceitá-lo e cristianizá-lo como se pertencesse a ela, sendo assim, nasceu, então, o São Nicolau, que em Cornualha (extremo sudoeste da Inglaterra) ainda conserva seus cornos. Como um exemplo de que os rituais do deus cornífero ainda eram difundidos no século VII, temos um edito promulgado na época do papa Vitaliano em 669, onde este foi forçado a emitir uma missão ao sul da Inglaterra, liderada por Teodoro de Tarso (procedente de uma diocese bizantina da Ásia Menor e, portanto, totalmente estranho aos costumes das etnias britânicas). Este fanático oriental se tornou o novo arcebispo de Cantuária, iniciando seu mandato com uma série de leis proibindo práticas pagãs. Uma delas se referia ao uso de roupas ou fantasias de animais, principalmente com chifres, durante os doze dias de Yule (o Natal moderno).

OUTRA PERSPECTIVA SOBRE O MERLIN DA TRADIÇÃO INGLESA

As lendas não devem ser interpretadas literalmente, mas examinadas de um ponto de vista mais antropológico e filosófico, entendendo sobre o povo que a criou; Portanto, não devemos dar as costas aos elementos claramente históricos das lendas. Para dar um exemplo, El Cid é um herói do folclore espanhol, mitificado através do imaginário e do idealismo popular, mas baseado em um senhor de guerra castelhano histórico . O caso de  Merlin é bastante semelhante. Baseado em uma figura histórica, este se transformou gradualmente em um mito, e com as lendas do rei Artur, foi incorporado no ciclo arturiano, embora é muito provável que no princípio não tivesse relação com tal, como veremos a seguir.
O anglo-russo Nikolai Tolstoy, primo distante do famoso autor Leon Tolstoy, investiga muitos aspectos da cultura celta e proporciona um estudo sério sobre as origens de sua lenda e seus prováveis ​​contrapartes históricos. A tese central de Tolstoy é que o personagem que formou a base da lenda de Merlin, um tal de Myrddin, é baseado em um homem que viveu no século VI [8] entre as muralhas de Adriano e Antonino. O personagem, chamado Lailoken em algumas fontes, seria o bardo do rei da região.

O mapa retrata as duas muralhas construídas pelos romano-britânicos para conter os ataques ferozes do norte, onde havia reinos pictos que nunca caíram na órbita romana. A região tinha um clima extremamente duro naquela época (mais do que hoje em dia devido à presença de densas florestas no Mediterrâneo que absorviam o ar quente vindo do sul) e constituía um baluarte da cultura céltica, antes do avanço romano e principalmente do avanço cristão.

No século IV, quando os romanos se retiraram, a ilha estava de cabeça para baixo. O lugar foi sendo tomado por senhores de guerras locais. Os grupos étnicos anglo-saxões, vindos da Holanda, do norte da Alemanha e da Dinamarca, estavam colonizando o leste da Grã-Bretanha. O cristianismo e o latim estavam ganhando terreno em áreas celtas onde nem os romanos foram capazes de conquistar e isso estava causando uma ruptura na Grã-Bretanha que agravou ainda mais o caos civil. Nas cidades romano-britânicas do sul floresceram centros de poder bem organizados e de mentalidade romana, enquanto que nas florestas havia ferozes clãs celtas onde a agricultura e a pecuária mal se estabeleceram e onde estes permaneceram fiel aos costumes de seus antepassados.

Tolstoy rastreia Merlin até a Escócia, na montanha de Hart Fell [hart é uma palavra arcaica para cervo], localizada na floresta de Caledônia. Esta era o coração do território de uma tribo celta que permaneceu hostil ao poder romano. A área era governada pelo rei Gwenddolau e este tinha Merlin como seu bardo. Na sociedade celta, os bardos, bem como os músicos, eram os guardiões de importantes tradições orais transmitidas de geração a geração. Eles eram considerados intermediários entre os deuses e os homens e, portanto, a voz da tradição ancestral.

Em 573, o rei Gwenddolau confrontou as forças de Riderch I de Alt Clut, que governava um reino cristão, aparentemente mais voltado em converter à força seus vizinhos do que de resistir à invasão anglo-saxônica. Após um atroz combate na Batalha de Arderydd, o exército cristão de Riderch saiu vitorioso. O rei pagão Gwenddolau caiu em combate. Para Merlin, ver seu rei morto, seu povo derrotado e suas tradições aniquiladas, foi tão brutal que, de acordo com as fontes populares de Tolstoy, este enlouqueceu e se retirou na floresta, onde passou a viver como caçador-coletor, profetizando e meditando na companhia de um lobo até o dia de sua morte. A lenda ainda afirma que ele vestia peles e chifres de animais, bem como comia com eles e acabou ganhando controle sobrenatural sobre o comportamento destes. Daí em diante, Merlin passou para o imaginário coletivo como “Lord of the animalsthe horned one (Senhor dos animais, o chifrudo)  —  um análogo com a figura de Cernuno.
A revisão histórica de Tolstoy lança mais luz sobre a lenda. Para ele, a montanha citada era um lugar de profundo significado, não só estratégico (toda a região podia ser vista de seu cume), mas também espiritual, já que era próxima de zonas associadas ao culto ancestral e das fontes de três rios importantes (sendo o Tweed o mais notável). Isso teria um simbolismo muito especial para um bardo celta, que pensava que rios e outras forças da Natureza eram dotados de poderes sagrados. Por outro lado, a área se tornou, após a Batalha de Arderydd, um centro da tradição celta, durante um período em que muitos celtas estavam perdendo sua identidade e se convertendo ao cristianismo.

Hart Fell. Este lugar foi uma área de conflito entre celtas e romanos, depois entre pagãos e cristãos, mais tarde entre celtas e germânicos, e, finalmente, entre ingleses e vikings.

Tolstoy também analisa o processo pelo qual Merlin "enlouqueceu" do ponto de vista psicológico e relaciona o fenômeno ao transe ou "chamada mística", uma alteração da consciência experimentada pelos xamãs de algumas culturas primitivas. Essas experiências geralmente resultam no sujeito passando um longo período de isolamento em um ambiente selvagem, para limpar seu espírito de distração e "se comunicar com seus deuses". O comportamento de Merlin estaria, portanto, mais próximo de uma experiência religiosa do que de uma loucura. Essa teoria é reforçada pelo fato de que, como líder espiritual de seu povo, o bardo era encarregado de inflamar a febre dos guerreiros (os romanos têm testemunhos interessantes sobre a enorme influência que os bardos e druidas tinham no humor de seu povo). Além disso, a Batalha de Arderydd foi travada em um local de especial relevância emocional para os celtas, portanto, não é nada arriscado dizer que durante a luta as paixões foram acesas mais do que o habitual, e que o sentimento de ver seu povo massacrado foi a centelha que iniciou a alteração de sua consciência. De um ponto de vista mais pragmático, Merlin também era o líder em torno do qual uma resistência poderia se reunir e, como tal, estaria sujeita a perseguição pelos vencedores da guerra. Ao se retirar para a floresta, ele poderia liderar uma pequena guerrilha e manter viva a fé ancestral de maneira clandestina. Isso faz algum sentido, já que alguns anos após os eventos mencionados, o mundo romano-britânico-cristão entrou em crise, as estruturas sociais entraram em colapso, as cidades foram abandonadas e as autoridades eclesiásticas da ilha expressaram preocupação com o retorno do paganismo em muitas áreas celtas. Isso teria sido difícil sem um núcleo subterrâneo herético, capaz de preservar e transmitir essas tradições com mão de ferro.

Por fim, os novos invasores anglo-saxões acabaram ocupando o vazio da mesma maneira que os visigodos fizeram na Espanha, e a Grã-Bretanha acabou retornando ao paganismo —  desta vez ao paganismo germânico —  enquanto os celtas estavam encurralados no norte e oeste da ilha. No entanto, Merlin deve ter sido uma figura bastante relevante, pois é mencionado em obras escritas séculos após sua existência, sendo integrado no folclore inglês, apesar da introdução da cultura anglo-saxônica. Isso pode ser devido ao ciclo arturiano, que representa um rei celta de Gales ou do sudoeste da Inglaterra, numa época em que o cristianismo absorveu muitos elementos celtas (dragões, magia, símbolos pagãos e outros) e cuja fama cresceu em suas guerras contra os anglo-saxões, até que acabou por abranger outros heróis folclóricos de várias regiões britânicas —  incluindo a de Merlin, que se tornou pan-celta depois de ser transplantada para o País de Gales.

A figura de Merlin se enquadra no contexto do deus com chifres, sobretudo por causa de sua óbvia relação com o ancestral Cernuno, mas também porque muitos outros elementos celtas como este incharam o imaginário medieval, como a ideia do Graal ou o mundo dos trovadores, geralmente associados a correntes heréticas (como os cátaros) que foram violentamente reprimidos pela Igreja.

HERNE, O CAÇADOR

Em meados do século XIV temos outra lenda inglesa que se conecta diretamente com o mito indo-europeu da Wildes Heer ("Caçada Selvagem") enraizado na memória genética do povo europeu. 

De acordo com a lenda, Herne era um guardião e um caçador do rei Ricardo II da Inglaterra (reinou entre 1377–1399), na floresta de Windsor. Herne era tão bom caçador que o resto da corte do rei sentia invídia de suas habilidades. Em uma ocasião, enquanto o rei estava caçando, um cervo branco apareceu e derrubou o monarca de sua montaria e iria o atacar com suas galhadas. O rei teria morrido se Herne não tivesse entrado na frente e matado o animal, salvando seu mestre, mas ficando fatalmente ferido. Enquanto Herne morria agonizado, surgiu um estranho curandeiro local chamado Philip Urswick, que se ofereceu ao rei para curar o caçador. Entretanto, a condição acordada com o rei era que Herne perdesse todas as suas habilidades de caça e toda a sua experiência. O rei aceitou o acordo e o curandeiro curou Herne ao amarrar os chifres do dito animal em sua cabeça, o que, imediatamente, se fixaram em seu crânio como se fossem de nascença. Herne perdeu sua posição ao esquecer a arte da caça e, posteriormente, foi falsamente acusado de roubo pelos outros caçadores da corte, perdendo o favoritismo do rei. Naquele mesmo dia, um homem encontrou o corpo do pobre caçador enforcado numa árvore da floresta. Mas quando a notícia se espalhou e vieram procurá-lo, o cadáver havia desaparecido misteriosamente. À noite, a árvore em que Herne se enforcou foi atingida por um raio. Na manhã seguinte, o resto dos caçadores perceberam que também haviam perdido suas habilidades de caça. Temendo, eles se consultaram com o enigmático Urswick, perguntando como podiam recuperar suas habilidades e este respondeu que deveriam se encontrar na dita árvore à meia-noite. Lá, o fantasma de Herne apareceu, ainda com os chifres em sua cabeça. Ele disse aos assustados caçadores que trouxessem cavalos, cães-lobos, armas e equipamentos e se preparassem para uma caçada na meia-noite do outro dia. Durante a mesma, o Urswick apareceu-lhes e disse-lhes o preço de ter conspirado contra Herne: eles teriam que ficar com ele na caça selvagem por toda a eternidade. A partir de então, o grupo macabro, com Herne como líder, aparecia a cada meia-noite, matava os animais do rei e aterrorizava toda a região com sua presença fantasmagórica... até que o rei decidiu ir até Herne e falar com ele. O caçador disse ao monarca que só queria vingança e que iria os deixar paz durante caso seus caluniadores fossem enforcados na mesma árvore que havia se enforcado. O rei concordou e nada se ouviu sobre Herne no reino até sua abdicação em 1399. O ex-monarca morreu de fome no ano seguinte, a pedido de seu próprio primo, o Henrique IV, selando a vingança de Herne pela ingratidão do rei. 


Daí em diante, o arquétipo de Herne foi ancorado na psique coletiva como um fantasma da região e, desde então, muitos afirmam ver um ser com chifres vagando pela floresta, como muitas das lendas europeias sobre fantasmas em busca de almas. Shakespeare menciona Herne em 1597, em sua peça "As alegres comadres de Windsor", como um fantasma a ser temido, retirado na floresta (o instinto, o subconsciente) e aterrorizando as mentes do mundo civilizado. Em 1796, a árvore de Herne foi derrubada acidentalmente e outras foram plantadas ao redor da área, mas os rumores populares, emanado do inconsciente coletivo, rumoravam que em noites tempestuosas, o fantasma reaparecia.

Na década de 30 do século XX, ou seja, 450 anos após o último caçador de Windsor doar suas propriedades a uma paróquia, durante as escavações da mesma, encontraram algo curioso: tratava-se de um ídolo de ​​reminiscências pagãs, com o rosto de um homem, mas os chifres e orelhas de um cervo. Este tornou-se conhecido como a "Máscara de Herne". Antes da Segunda Guerra Mundial, a igreja local a reclamou... só que depois o objeto sumiu misteriosamente.

Este esboço é a única imagem sobrevivente da máscara roubada em 1963. Foi desenhado por Michael Bayley, o filho do homem que a encontrou na década de trinta. Compare com a imagem do Cernuno mais abaixo.

É possível extrair algumas lições desta lenda. Por um lado, há uma certa moral que o mundo civilizado não pode explorar as virtudes do caçador e depois traí-lo sem pagar com as consequências. Herne também é um arquétipo ancestral que reaparece repetidamente ao longo do tempo porque a herança genética está presente no povo e provoca um ciclo de eventos arquetípicos semelhantes. Por outro lado, é preciso prestar atenção à palavra “herne” (chifre em proto-indo-europeu). Se o cornu latim (corno, chifre) é equivalente ao horn inglês, é lógico pensar que uma divindade local chamada Cernu(nnos) acabasse germanizada como “Herne”. Herne também ficou pendurado em uma árvore, assim como Wotan fez para descobrir o segredo das runas (não se esqueça de que o Woden anglo-saxão usava chifres de cervo e que a área de Windsor tinha sido um importante núcleo anglo). O arquétipo subsequente do carvalho atingido pelo raio é uma alusão óbvia ao renascimento da alma e à iluminação: é uma runa Sig que cai sobre uma runa Hagal ou Heil, o eixo do mundo, mas também sinal do próprio eixo interior do homem. Herne representa o homem caçador que foi castrado do subconsciente humano pelo mundo civilizado. Este aparece de vez em quando para lembrar aos mortais seu lado obscuro e primitivo. 

“O enforcado” é um arquétipo bastante recorrente no esoterismo (por exemplo, no tarô) e que funde suas raízes no Wotan germânico que ficou pendurado na árvore do mundo para que o abismo primordial lhe revelasse o conhecimento das runas. Na lenda folclórica inglesa, Herne se enforcou depois depois de ser traído por seus mais próximos, mas quando foram procurar seu corpo, este desapareceu. Na noite seguinte, um raio atingiu o carvalho em que pendurava.

É curioso que posteriormente relacionaram Herne com algo mais antigo, o associando com Robin Hood, uma vez que este é outro arquétipo popular de profundo significado. Robin, um nobre saxão, corre para a floresta com seus seguidores para lutar contra outra invasão do sul, desta vez os senhores feudais normandos, que proibiram os saxões de caçar na floresta sob pena de morte. Robin Hood representaria a reivindicação saxã ao direito de entrar na floresta para caçar e coletar, e, como tal, é compreensível a inserção de Herne como um “xamã” pagão que aconselha o rebelde, assim como Merlim aconselhava Artur.

No parque de Windsor ainda há relatos de supostas aparições de Herne e os uivos de seus cães-lobos. Os relatos parecem ocorrer essencialmente quando a Inglaterra está em momentos cruciais em sua história, como antes da Grande Depressão e as duas guerras mundiais.

A lenda de Herne, o Caçador, mostra que, na Inglaterra do século XIV, a imagem coletiva do deus da caça ainda vivia no imaginário coletivo, e que havia uma mistura de elementos simbólicos ancestrais, tanto celta quanto germânico.

Já no resto do continente europeu, no final do século XV, o Renascimento renasceu o paganismo, e  de tal forma, que no próprio Vaticano foram erguidas estátuas para os deuses antigos de Roma; Até as esculturas de santos e figuras bíblicas apresentavam um ar inconfundivelmente pagão.

Mesmo no século XVI, em pleno Renascimento no seio do próprio Vaticano, não era cabível esculpir as esculturas com grandes galhadas. Michelangelo colocou um par de chifres discretos para representar a suposta sabedoria de Moisés, algo ainda bastante ousado em uma era de perseguição religiosa que considerava os chifres como um inconfundível sinal mefistofélico. A escultura, de fato, representa um arquétipo universal: a figura do legislador, pastor das tribos e fundador das cidades, um remoto patriarca que se chamava Menés no Egito e Manu na Índia.

Infelizmente, por causa da grande prosperidade gerada na época, o Renascimento também viu o surgimento de uma casta estranha que é tão antiga quanto à própria civilização: os mercadores e burgueses, aqueles que não pertenciam a nenhuma casta, mas que se dedicavam ir de cidade em cidade para vender mercadorias para acumular dinheiro. Para esta classe, onde os judeus eram fortemente representados, as tradições da Europa agiam como um bloqueio que limitava seus planos de aumento de poder. Não é de surpreender, portanto, que eles prestassem seu apoio aos movimentos protestantes, com a intenção de desmantelar o mundo feudal e dividir o Sacro Império Romano-Germânico em Estados católicos e protestantes, fomentando guerra entre eles. Esse fenômeno marcou o surgimento do extremismo em ambos os lados (reforma versus contra-reforma, calvinistas versus jesuítas), o esquecimento das tradições clássicas que foram renascidas pelo Renascimento e a perseguição de "bruxas", "licantropos", "hereges" e todos os tipos de dissidentes, alguns dos quais eram simplesmente indivíduos que viviam uma vida retirada na floresta e que estavam familiarizados com as propriedades curativas das plantas.

A Guerra dos Trinta Anos marcou o golpe final para o que restava do mundo medieval. Regiões inteiras da Europa Central foram devastadas por incursões inimigas e/ou caça às bruxas, a Alemanha perdeu metade da sua população masculina (algumas regiões até 80% de sua população total) e, em conjunto com as pestes que devastaram o nosso continente devido a perseguição dos curandeiros e a falta de higiene das sociedades cristãs, a Europa perdeu quase um terço da sua população.

Esta é uma imagem do deus celta Cernuno, que remonta à Lutécia (Paris) galo-romano do inicio da Era Comum. Forma parte do Pilar dos Barqueiros, um monumento erguido em uma área considerada santa. Com a queda do mundo romano, o monumento ficou no esquecimento e, em 528, durante a Era Merovíngia, os cristãos ergueram uma igreja em seu lugar. No ano de 1163, na época dos templários, um novo templo foi construído sobre a igreja: a famosa Catedral de Notre-Dame de Paris. Séculos mais tarde, na época do Luís XIV de França, o “Rei Sol” (ano 1710), ao realizarem uma escavação na catedral, os trabalhadores encontraram o santuário pré-cristão, incluindo esta imagem. Compare com a máscara de Herne que vimos mais acima.
Santo Huberto de Liége (656-727), em um mural do castelo de Königsburg, Alemanha.

A nova casta burguesa, que tinha suas origens nos mercadores\comerciantes das primeiras civilizações mesopotâmicas, mas que nunca havia conseguido tanto poder como agora, encontrou na maçonaria uma via para pregar suas agitações e no dinheiro o combustível de sua ação. Esta instituição foi a força motriz das revoluções liberais que fizeram no mundo católico o que os protestantes mais radicais não puderam fazer: desmantelar os vestígios da Idade Média, da aristocracia e de qualquer valor ancestral, não baseado no dinheiro, mas no sangue. Na Inglaterra, em 1649, uma estranha aliança entre o Parlamento e as correntes protestantes subversivas causou a decapitação o rei Carlos I (esta ação causou uma comoção terrível numa época em que o rei era visto como uma figura popular de proteção, uma imagem tradicional) instaurado como ditador a Oliver Cromwell, um puritano fanático que atacou ícones religiosos e tradições folclóricas do campo, considerando-as “idolatria”. Os Estados Unidos (onde havia muitos dissidentes religiosos que viam o rei da Inglaterra como o Papa do local) foram o cenário da primeira revolução maçônico-burguesa em 1776 e a França (o maior poder na Europa, onde o protestantismo dos huguenotes tinha sido derrotado) foi o cenário de uma revolução muito mais nefasta em 1789. O processo seria piorado com as revoluções liberais de todo o século XIX e terminaria com a Primeira Guerra Mundial.

O Iluminismo, que pertencia a um grupo social estranho, desraigado e corrompido pelo dinheiro, não fazia distinção entre os ensinamentos da Igreja e as crenças ancestrais do mundo rural: ambas eram superstições "atrasadas" que tinham que ser "iluminadas" (leia-se: aniquiladas) para que o conhecimento racional adquirisse proporções monstruosas à custa da Natureza e do instinto — que é o que está acontecendo hoje em dia. Francisco de Goya tem uma pintura que critica a Inquisição (ainda ativa no início do século XIX, lutando para expulsar o liberalismo), mas também pintou esta imagem, chamada de "O grande bode", caricaturando como sinistras as tradições do mundo aldeão, onde ainda subsistiam costumes pagãos.

A Revolução Industrial, com suas contrapartes político-revolucionárias ao longo do século XIX europeu e hispano-americano, foi um novo salto no processo de desmatamento, urbanização, miscigenação étnica e perda de identidade iniciada pelo Neolítico, só que agora com o agravante da contaminação química, vindo de fábricas que soltam fumaça poluente para a atmosfera. Pouco a pouco, os redutos rurais tradicionais, onde o folclore ancestral ainda vivia, estavam caindo devido à emigração dos jovens aos ímãs urbanos ou às Américas. Nas sinistras e cinzentas colmeias urbanas, as pessoas perderiam sua consciência ancestral e seriam transformados em proletários que facilmente iriam cair nas garras do comunismo.

Highgate, ao norte de Londres, 1909. Nesta região de Londres havia lugares onde os homens faziam votos sobre dois chifres de cervo, uma tradição que vem do Paleolítico e está muito distante do mundo da Igreja e especialmente da mentalidade protestante. Na Inglaterra existiam alguns grupos esotéricos, como a Ordem Hermética da Aurora Dourada, a favor de um acordo com a Alemanha antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. O Duque de Hamilton, com quem Rudolf Hess queria se encontrar quando voou para a Inglaterra, pertencia a uma destas ordens. “Londres” vem do londo celta, que significa “lugar selvagem”. Hoje em dia virou uma cidade de imigrantes.

No entanto, este processo industrial de desarraigamento teve uma reação de certos grupos apegados à sua herança, que defendiam um retorno às origens para resgatar os mitos dos antepassados ​​e para proteger sua integridade étnica. Na Alemanha, os grupos Völkisch e Wandervögel se tornaram famosos por seu retorno à Natureza, sua rejeição da vida urbana e seu crescente interesse pela espiritualidade ancestral. Após a Primeira Guerra Mundial (a operação de introduzir o liberalismo nos impérios autocráticos que ainda subsistiam), este movimento, esse sentimento coletivo, estava destinado a crescer até assumir formas maiores em grupos pagãos como a Thule-Gesellschaft, e logo político-militares sob a Alemanha Nazista. Se olharmos para a Hitlerjugend, para a Schutzstaffel e para as medidas econômicas alemãs (que proibiram a usura e o juros do dinheiro), podemos claramente notar o desejo de voltar à vida na Natureza e recuperar as faculdades de um corpo puro e saudável. Esta corrente opôs-se veementemente à vontade industrializadora, equalizadora, igualitária, corruptora e desumanizadora do mundo, de modo que o apátrida mundo capitalista e comunista travou uma guerra total contra a Alemanha até arrasá-la.

Topo esquerdo, 31ª divisão de granadeiros voluntários da SS (Boêmia e Morávia). O cervo vem a ser a versão bárbara do símbolo da copa e do Axis Mundiou eixo do mundo, mas também o eixo interior do homem, seu chakra. O resto das imagens correspondem com grupos de caça do Reich. Mais uma vez, o símbolo do cervo indissoluvelmente ligado ao caçador.

Após a derrota da Alemanha, o processo iniciado pelo Neolítico só piorou. As florestas europeias foram desmatadas, o campo foi despovoado, as cidades se tornaram pilhas cinzas e contaminadas, os alimentos foram processados e industrializados; Em suma, não havia tradição de caça  —  de ir conseguir o que queremos pela força, uma vida baseada na iniciativa  — , mas uma mentalidade de que tudo devia ser dado, não conquistado; Com tudo isso, a saúde degenerou e as mentes humanas foram dominadas por ideias destrutivas. Com a imigração vinda do Terceiro Mundo, o pouco que resta da genética europeia está condenada. Neste panorama, subsistem apenas alguns costumes folclóricos que são estudados mais como uma curiosidade do que como uma tradição cheia de significado, como, por exemplo, a Horn Dance, uma dança ritual realizada com chifres de cervo na cidade inglesa de Abbots Bromley, e modestamente comparável às procissões do mundo católico, embora com muito mais elementos pagãos. Uma análise de Carbono 14 mostrou que os chifres usados ​​na dança datam do século XI, embora eles pudessem muito bem ter substituído um conjunto ainda mais antigo. Desde então, a dança tem sido realizada todos os anos, exceto no século XVII durante a ditadura do fanático puritano Cromwell, para quem o folclore era um vestígio de idolatria.

O traje dos participantes da Horn Dance no início do século passado. Este ritual, de origem pagã, e que parece ter saído diretamente do Paleolítico, provavelmente serviu nos tempos antigos para reafirmar os direitos de caça da comunidade na floresta. Hoje em dia, esta tradição ainda é celebrada.
*****



NOTAS

[1] Em outros casos uma ferradura, um símbolo de boa sorte até hoje nas nações de herança celta. De qualquer forma, é um sinal de meia lua apontando para o céu como os chifres de um animal.

[2] O símbolo da força telúrica ascendente, ou no caso do gênio romano, da força procriadora masculina.

[3] O rei da Idade de Ouro segundo a mitologia grega. Se assimilarmos a figura de Cernuno e Saturno (demonizado como Satã), poderíamos concluir que o primitivo deus com chifres era o rei da Idade de Ouro, uma era em que o homem vivia em harmonia com a ordem do Cosmo e que o calendário hindu, que bebe das mesmas fontes indo-europeias, situa no Paleolítico caçador-coletor.

[4] Da raiz KRN vem a atual palavra “corno”, mas também “coroa” (uma corruptela de cornadura), “carneiro” (o primeiro signo do Zodíaco [Áries, Ares, o deus da guerra], “crânio” (outro símbolo apreciado pelos celtas), “carne” (que evolutivamente favoreceu o desenvolvimento do crânio, tal como vimos em outro artigo), kernel ("núcleo", novamente centro imóvel), “carnaval” (a atual festa que tem mais elementos pagãos), Cerineia (a montanha a partir da qual ficavam os cervos consagrados a Ártemis, com chifres de ouro e cascos de bronze, que Herácles ou Hércules teve que capturar) ou o grego keraunós (o raio, a força celestial de Zeus e seus outros homólogos indo-europeus). Também a partir desta raiz procede a palavra queratina, que é a principal substância encontrada nos chifres (também em cascos, cabelos, penas e unhas), uma proteína muito rica em enxofre [O enxofre era o princípio masculino e ativo da alquimia. O princípio feminino e passivo era o mercúrio].

[5] Isso contrasta com Roma, onde os patrícios se orgulhavam de trabalhar na terra com as próprias mãos e aparecer no Senado com as vestes sujas de terra. Em Esparta, pelo contrário, trabalhar na terra era considerado um trabalho característico da casta subjugada dos hilotas.

[6] O mesmo tempo em que Odin — outro descendente do deus com chifres, como vimos — ficou pendurado de cabeça pra baixo para conhecer o mistério das runas. Também foram nove os dias que o Apolo levou para nascer.

[7] Tal como vimos em outro artigo, não devemos esquecer que o cristianismo surgiu do judaísmo, que, por sua vez, surgiu em uma área de caos étnico caracterizada pela perda de identidade e da miscigenação de uma miríade de povos de origens diversas. Além disso, Israel, terra de origem de ambas as correntes religiosas, conhece a civilização há doze mil anos (desde a Cultura Natufiana), mais do que qualquer outra região do planeta. O processo de urbanização e colonização iniciado pelos gregos e continuado pelos romanos, bem como a penetração das legiões romanas no ninho de vespas do Levante, facilitou o surgimento de uma casta de judeus desarraigados e “cosmopolitas”, como Paulo de Tarso. Além disso, com a presença de uma grande classe marginal nas cidades do Império Romano, foi o terreno fértil para uma corrente religiosa tão alienígena quanto o cristianismo.

[8] Esse é um período caótico, onde a nova invasão germânica do sul estava causando um êxodo de celtas no norte e oeste, com os distúrbios que isso implicava. Um líder celta do sul da Inglaterra, o Emrys Wledig (também chamado de Ambrósio Aureliano por Godofredo de Monmouth), proclamou que o dragão vermelho (os celtas) acabaria triunfando sobre o dragão branco (os anglo-saxões germânicos), uma profecia que diz muito sobre a visão racial que esses povos tinham. A verdade é que, embora a Inglaterra tenha sido conquistada pelos anglo-saxões e, em seguida, em grande parte colonizada por escandinavos, a mentalidade, e até mesmo as linhagens paternas (R1b) associado aos celtas, veio a predominar em grande medida.

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