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quarta-feira, 11 de março de 2020

Reflexão do egoísmo no Estado

Fora do Estado não há sobrevida para a comunidade política. Os naturais vícios poderiam se sobrepor. Talvez a “natural” barbárie. Ou seriam a raiva, o ódio, o ressentimento e a luta incessante contra o que está estabelecido aquilo que deve conduzir a vida inteligente na terra? Não creio. A escritora norte-americana e criadora do Objetivismo, Ayn Rand, afirmou que é preciso um sistema político ajustado aos direitos individuais e ao livre mercado. Eu diria que um “Estado mínimo” é necessário. A criação “artificial” do Estado foi um instrumento empregado para a busca da harmonização da vida em sociedade, por meio do estabelecimento estatal da garantia e da imposição da lei e da ordem.
Rand pontuou, em A Natureza do Governo, que “um governo é o meio de colocar o uso retaliatório da força física sob controle objetivo – ou seja, sob leis objetivamente definidas”, caso contrário desceríamos ao “estado da natureza” hobbesiano, da conhecida guerra de todos contra todos (HOBBES, 1996).
No nosso estado natural, não há como viver em relativa sintonia sem que seja preciso que cada um ceda parte de sua liberdade ao grande Leviatã, o Estado. Essa é a vida real, pragmática; a lógica da realidade. Nascemos num mundo em que as pessoas, de fato, transformam a cultura e, ao mesmo tempo, são impactadas por essa mesma cultura.
Acredito que o ser humano, com suas virtudes e seus vícios, é um ser multifacetado, performando por meio de diferentes representações frente à circunstâncias específicas. Faz uso de distintas identidades, aquelas que julga serem mais apropriadas a certas situações.
O filósofo alemão Max Stirner (1995) aponta que a formação do “eu” é um processo contínuo que escapa à imposição de identidades fixas. Sim, concordo, embora creia ser ingênua e utópica a ideia de que um indivíduo possa atuar e impactar no mundo dentro do idealismo do “você pode ser o que quiser”. É inegável que todos estamos sujeitos a um marco histórico, político, econômico, moral e social vigente, que por si só atua como um limitador de nossa “total” liberdade individual.
O grande Adam Smith, em Teoria dos Sentimentos Morais (1759), defendia que a moralidade não era exatamente algo natural aos homens, nem algo artificial por eles criado para controlar suas paixões, mas um artifício “natural” para a humanidade. De acordo com Haakonssen (2003), para Smith, a personalidade das pessoas, sua habilidade de serem agentes autoconscientes frente à outras pessoas e ao seu próprio eu, era algo adquirido nos relacionamentos sociais com os outros. Na verdade, Smith acreditava que a natureza dotou o homem não apenas de um desejo de ser aprovado, mas igualmente de se tornar objeto de aprovação daquilo que ele mesmo aprova nos outros. Por isso, Smith põe em relevo a simpatia – capacidade natural de nos importarmos com o outro – equivalendo-se a uma capacidade “empática” que, pela imaginação, através do intermédio e do julgamento do expectador imparcial (um “eu” imaginário), exige a permanente necessidade de que o indivíduo analise e regule seus atos com base nesse “amigo interior”.
Muito embora Smith, em A Riqueza das Nações (1776), ressalte o valor do próprio interesse, já que ele afirma que, “ao buscar seu próprio interesse, o indivíduo frequentemente promove o interesse da sociedade de maneira mais eficiente do que quando realmente tem a intenção de promovê-lo”, de fato, a postura da filosofia moral smithiana não negligencia a preocupação com os outros. O interesse individual é, na verdade, o garantidor do interesse e do benefício público. Além disso, num sistema comercial, é importante notar que o interesse próprio não emerge de um indivíduo considerado isoladamente. A fundamental construção e o cuidado com a reputação pessoal são essenciais para o sucesso individual e relacional, ou seja, há a consideração e o autorreconhecimento com os outros com os quais se convive e se transaciona.
Para Adam Smith, poder-se-ia dizer que o indivíduo possui um “eu” individual que julga de acordo com seu outro “eu”, o social, representado pelo seu espectador imparcial.
Aqui revela-se uma distinção clara entre a postura smithiana e a visão utilitarista do filósofo iluminista Jeremy Bentham, segundo a qual os princípios morais são exclusivos da pura razão individual, sem a consideração do processo de sociabilidade que se estabelece com os outros envolvidos nas transações de troca.
Por sua vez, Aristóteles, em seu estudo da ética, enxergava que, a fim de alcançar a virtude, o homem precisaria escolher o caminho do equilíbrio, a justa medida das coisas, exercitando sua capacidade que o distingue dos outros animais, ou seja, a sua racionalidade. Pela sua capacidade de pensar reflexivamente, a melhor forma de agir seria preservando a cautela e evitando os excessos, tanto de medo quanto de destemor. Na medida em que o homem é um ser social, é o “agir virtuoso” que possibilita uma relação virtuosa e harmônica com os outros na sua vida social e política.
Justamente por meio da razão humana é que foi possível chegar ao estabelecimento de normas que permitem que um indivíduo possa exercer sua liberdade e a crucial virtude do autocontrole, já que sua capacidade racional o dota do dever, no sentido de respeitar a liberdade individual de outras pessoas. Regras formais e informais de convivência possibilitam o convívio em sociedade e deveriam moldar o comportamento individual das pessoas.
Neste sentido, Ayn Rand (RAND, 1991) observa que considerações morais são guias indispensáveis ao verdadeiro interesse próprio, em sua visão em relação ao egoísmo. Para ela, o propósito da moralidade é definir os interesses e os valores adequados ao homem e sua preocupação por seus próprios interesses é a essência de uma existência moral. Verdadeiramente, o homem é o centro de sua própria existência e para a busca de sua felicidade se utiliza de um código moral pautado em seus próprios interesses e guiado pela racionalidade. É o próprio homem que escolhe “o focar a mente”, ou seja, agir de acordo com a razão, atributo diferenciador dele próprio. Tal “egoísmo” é muito distinto daquele baseado em uma moralidade altruísta, em que os indivíduos acreditam que qualquer tipo de ato é benéfico, desde que pretendido em benefício próprio. A natureza do ato importa e muito! Abissalmente diferente.
Por outro lado, o filósofo Max Stirner afirma que a realização pessoal do indivíduo se efetiva no desejo em satisfazer seu egoísmo, quando está plenamente a par de seus próprios interesses. Para ele, a religião, a lei e a moralidade são conceitos artificiais e não autoridades sagradas a serem obedecidas cegamente e, portanto, quando os sujeitos assim as percebem, podem de fato agir livremente. Stirner, diferentemente de Rand, não aceita a moralidade em sua visão de comportamento egoístico. De acordo com ele, as reivindicações de moralidade não devem impressionar os indivíduos, uma vez que elas são apenas discursos baseados no desejo de mais poder e dominação.

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