segunda-feira, 25 de julho de 2011

Peter Drucker e o liberalismo

Foi que grande prazer que reli trechos do livro Melhor de Peter Drucker: Homem, Sociedade, Administração (São Paulo, Editora Nobel, 2001). Meus leitores devem se lembrar da resenha que fiz de outro livro dele, no qual sublinhei ter sido Drucker o único autor que, ainda nos anos setenta, fez o diagnóstico correto da sociedade norte-americana, apontando seu caráter coletivista, e foi ele o profeta da crise que se instalou desde 2008 (Economia Política da Crise). O autor fez o seguinte diagnóstico:

"1. A economia baseada em produtos primários "desatrelou-se" da economia industrial; 2. Na própria economia industrial, a produção desatrelou-se do emprego;3. Os fluxos de capital e não o comércio de bens e serviços tornaram-se o instrumento e a força motriz da economia mundial. É possível que os dois não tenham se desatrelado, mas o elo ficou bastante solto e, o que é pior, totalmente imprevisível. Essas mudanças são permanentes e não-cíclicas."

Drucker não tinha ainda vivido para ver o deslocamento de parte importante da base industrial dos EUA para a China, fenômeno que não tinha como imaginar. Em paralelo, multiplicou-se nos EUA (e no resto do mundo) a clientela do Estado, sob muitos pretextos - raciais, de sexo, recrutados para as guerras -, de tal modo que uma vasta camada de desocupados ou improdutivos passou a viver de renda estatal. Sem nenhum planejamento e até mesmo consciência do processo, os EUA construíram uma sociedade de bases coletivistas, que agora está em crise. Drucker foi verdadeiramente clarividente quando escreveu: "A terceira mudança fundamental é o surgimento da economia simbólica - movimentos do capital, taxas de câmbio e fluxo de crédito - como diretriz da economia mundial, no lugar da economia real: o fluxo de bens e serviços - e acima de tudo, independente desta. É a mais visível e, no entanto, a menos compreendida das mudanças." Diante dele desenvolvia-se a economia mefistofélica do dinheiro falso, ancorada nas teorias dos irmãos siameses Milton Friedman e Keynes.
Coloco esse assunto como prolegômeno deste artigo. Peter Drucker foi muito mais do que um teórico da Administração. Foi um filósofo que percebia com muita nitidez o que se desenrolava ao seu tempo, que é o nosso tempo. Adiante ele vai incursionar pela filosofia política e aqui foi incisivo:
"É tido quase como um axioma na literatura política e histórica nossa liberdade ter raízes no Iluminismo e na Revolução Francesa. Essa crença é de tal modo generalizada, sua aceitação tão completa, que os descendentes do racionalismo do século XVIII apropriaram-se da palavra Liberdade, denominando-se liberais."
E mais: "Há uma linha reta que liga Rousseau a Hitler - uma linha que abrangeRobespierre, Marx e Stalin. Longe de serem as raízes da liberdade, o Iluminismo e a Revolução Francesa representam as sementes do despotismo totalitário que hoje ameaça o mundo."
Claro que Drucker, como todos os grandes intelectuais do seu tempo, investigava a causa final do totalitarismo. E a achou. Ao contrário dos liberais tolos que enveredaram pela senda dos direitos humanos e da crença essencial no Estado como ente (ainda que reduzido) que pudesse salvar os homens dele mesmo, Drucker, como Leo Strauss, Eric Voegeline e outros filósofos do mesmo nível apontaram o dedo na direção certa: Roussseau e, com ele, toda a tradição totalitária que remonta a Epicuro.
Se Drucker aceitava as teses do livre mercado e do liberalismo econômico, não podia deixar der ver na vertente liberal o elemento revolucionário da mesma natureza que o marxismo. Ao escrever essas linhas provavelmente atraiu contra si a ira de muitos dos contemporâneos. Pode-se perceber que, do ponto de vista da filosofia política,Drucker foi essencialmente um conservador. Argumenta então duramente contra a razão, essa deusa entronizada pelo Iluminismo, ficando subentendido na exposição que forças superiores atuam na história. Ele completou:
"Todos os dogmas básicos do racionalismo durante os últimos cento e cinqüenta anos não foram apenas irracionais, mas basicamente anti-racionais. Isso foi verdade no racionalismo filosófico dos iluministas que proclamava a racionalidade inerente do homem e no racionalismo utilitarista da geração de 1848 que viu na ganância do indivíduo o mecanismo pelo qual a "mão invisível" da natureza promovia o bem comum. E é particularmente verdade no racionalismo do século XX que considera o homem determinado psicológica e biologicamente. Cada um desses princípios neganão só o livre-arbítrio, como também a razão humana. E cada um desses princípios pode ser transformado em ação política apenas pela força e por um governante absolutista."
Recuperar essa análise de Peter Drucker é essencial no momento, pois a crise que se desenrola está fazendo com que esses liberais "absolutistas" voltem com seus argumentos de outrora, sofismando ao dizer que o totalitarismo tem os meios para fazer superar as crises. Estamos vendo a Europa e o euro derreterem. A verdadeira raiz da liberdade está no movimento conservador, que ele corretamente apontou ser aquele que realizou a Revolução Americana. Os economistas de fachada liberal, apoiados em Friedman e Keynes, insistem em apregoar que sabem os caminhos que minoram o sofrimento humano, desde que tenham o poder absoluto para implantar o que julgam ser o mais racional. Mais Estado e não menos Estado, o chamado Estado mundial, é por isso que clamam os supostos liberais no momento, baseados em seu utilitarismoconsequencialista. Ler Drucker é um antídoto contra essas tentações totalitárias.
A conclusão de Peter Drucker não pode ser esquecida: "O mergulho de Rousseau no absoluto irracional tornou os conceitos básicos do Iluminismo politicamente eficientes." Cabe lutar para que, de novo e de novo, o totalitarismo não triunfe. É uma questão de vida ou de morte.

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