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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Quero mudar o mundo e quero pra já!

 Essa ideia de “mudar o mundo” é, na melhor das hipóteses, juvenil e imatura. Na pior, é completamente perigosa.

Repare: há séculos as pessoas vêm querendo “criar um mundo melhor”.

Revolução Francesa visava a um “mundo melhor”. Em três meses, matou mais gente que a Inquisição espanhola matou em quatro séculos.

Para corrigir os “vícios burgueses” da Revolução Francesa, criou-se o socialismo internacionalista, também para melhorar o mundo. Matou 170 milhões de pessoas.

Recentemente, inventaram o bolivarianismo, também para melhorar o mundo. A comida e o papel higiênico acabaram, cachorros, pombas e animais de zoológico viraram alimentos, vacas eram mortas a pedradas, e crianças e bebês se desmancharam em ossos.

Com este histórico, a pergunta inevitável é: quando é que as pessoas irão, finalmente, parar de querer “um mundo melhor”?

Nenhuma mudança benéfica pode ser alcançada por políticas de engenharia social implantadas por políticos e por outros burocratas do governo.

Sim, tenho certeza de que há muita coisa no mundo que poderia ser mudada para melhor. Mas estou igualmente certo de que nenhuma mudança benéfica será alcançada por políticas de engenharia social implantadas por políticos e por outros burocratas do governo.

O mundo muda para melhor por meio de pequenos gestos imperceptíveis, e não por meio de arranjos anti-naturais e arrogantes. O mundo muda para melhor gradualmente, pouco a pouco, e de maneira experimental. Nada é planejado. Não existe um comitê planejando centralizadamente a construção de um mundo melhor.

João abre um novo restaurante para concorrer com o restaurante já estabelecido de Paulo, e os consumidores — gastando voluntariamente seu próprio dinheiro — é que irão decidir, em última instância, qual dos dois continuará operando. Ou se ambos continuarão funcionando. Ou se ambos irão à falência. Essa concorrência muda o mundo de uma maneira quase insignificante: as opções de restaurante naquela cidade são aprimoradas.

Guilherme abandona seu vício em álcool, volta ao mercado de trabalho e se especializa em uma profissão. Ele consegue um emprego como eletricista ou mecânico, e se torna bem sucedido. Ele melhora o mundo.

Ricardo inventa um novo aplicativo de celular para ajudar os ornitólogos e os observadores de pássaros a se manterem atualizados sobre locais interessantes nos quais há belos pássaros. Essa criação, também, muda o mundo.

Mudança silenciosa ou mudança para pior

Com raras exceções, cada evento que de fato melhora o mundo é pequeno demais para ser detectado nas estatísticas. Ele não é suficientemente digno de nota para lançar o nome do seu efetuador nas manchetes de jornais. É apenas um entre milhões de aprimoramentos que ocorrem diariamente. Cada um deles é ínfimo, mas a soma de todos eles se transforma em uma mudança notável ao longo do tempo.

Aquelas pessoas que querem “mudar o mundo” raramente param para pensar sobre exatamente qual aspecto do mundo precisa ser mudado. Afinal, boa parte de tudo que existe no mundo atual é realmente muito bom, e não deve ficar à mercê dos embustes de qualquer “agente da mudança”.

Pior: as pessoas que querem mudar o mundo têm em mente esquemas que envolvem forçar os outros a se comportarem de uma maneira distinta daquela como se comportariam espontaneamente.

Nosso mundo mudou, maciçamente para melhor, ao longo dos últimos dois ou três séculos. E praticamente todas essas mudanças vieram em doses tão pequenas, que os nomes daqueles que efetuaram cada mudança benéfica jamais se tornaram amplamente conhecidos, e foram hoje perdidos para sempre na névoa espessa da história.

Aqueles “agentes da mudança” — embora não todos — cujos nomes são hoje muito conhecidos foram ou verdadeiros açougueiros humanos — como Hitler, Stálin, Mao Tsé-Tung — ou arrogantes ‘homens do sistema’ — como Franklin Roosevelt e Clement Atlee (ou Lula, Getulio Vargas e Ernesto Geisel) — que oneraram terceiros impondo a eles fardos e restrições contraproducentes, ainda que as destruições trazidas por essas medidas sejam ainda hoje amplamente negadas.

Gotas em uma piscina

A prosperidade material humana é como se fosse toda a água de uma enorme piscina. Quanto maior o nível da água, maior a nossa prosperidade. O nível da água seria o “nível de prosperidade”.

E como essa piscina é enchida? Gota a gota.

Inúmeras pessoas — empreendedores, inventores, cientistas, financiadores, investidores etc. — se aglomeram em torno da piscina, cada uma delas contribuindo com uma gota ou duas de “água” adicional — a prosperidade adicional — de tempos em tempos. Cada uma dessas gotas possui um efeito praticamente imperceptível sobre o nível da prosperidade.

Coisas como novas cores de tinta para as casas, aparelhos de som de melhor de qualidade, novos aplicativos de smartphone, técnicas aprimoradas para alimentos congelados, lâmpadas mais duradouras, novas técnicas culinárias, máquinas de costura mais eficientes, ferramentas que facilitam a abertura de garrafas de vinho, aplicativos de transporte ou de delivery — a lista é praticamente infinita.

Tudo isso gerou um mundo melhor. Tudo isso passou quase que imperceptível quando surgiu. E nada disso foi criado por um comitê que queria criar um mundo melhor.

Algumas pouquíssimas gotas são realmente grandes — por exemplo, a vacina contra a paralisia infantil e a inovação de Henry Ford nas técnicas de montagem de automóveis. Mas praticamente todas as gotas são ínfimas. Essas ínfimas gotas, no entanto, resultam conjuntamente em um incrivelmente alto nível de prosperidade material.

No entanto, os “agentes do mundo melhor” são impacientes. Eles querem mudar o mundo agora, para já! Querem que o nível de prosperidade seja aumentado de maneira repentina e de forma explícita, por meio de uma infusão gigantesca.

Só que, como cada um de nós individualmente, mesmo as grandes corporações, somos ínfimos em relação ao todo, nenhum de nós pode realmente ter a esperança de elevar o nível da prosperidade de maneira imediatamente notável. Consequentemente, os “agentes do mundo melhor” acreditam que não basta “mudar o mundo” contribuindo com pequenas gotas; arrogantemente, querem fazer uma grande esguichada na piscina — uma medida que aumente o nível de prosperidade de maneira imediata e notável.

Ato contínuo, o que eles fazem? Os mais brandos recorrem ao governo, aquela instituição que supostamente pode fazer uma grande esguichada. Os mais radicais inventam modos de produção heterodoxos e anti-naturais, como comunismo, socialismo, fascismo e nazismo.

Para fazer uma grande esguichada, o governo tenta jogar baldes de água na piscina da prosperidade. Infelizmente, dado que burocratas não são guiados por sinais de mercado, dado que eles desconhecem o sistema de lucros e prejuízos, considerando todos os problemas já explicados pela Teoria da Escolha Pública, e considerando que a natureza da prosperidade do mercado é crescer descentralizadamente e de maneira gradual, as grandes infusões que o governo faz são o resultado de galões vazios burocraticamente jogados na piscina.

Esses galões de fato geram uma estrepitosa pancada na água da piscina. Eles frequentemente alteram o nível da prosperidade da piscina — para baixo.

Afinal, pancadas fortes na água da piscina geralmente fazem com que boa parte da água vá para fora da piscina, de onde ela evapora.

E mesmo se o nível mensurado de prosperidade da piscina for maior após o lançamento do galão, esse maior nível se deve ao fato de que agora há um enorme galão na piscina, o qual desloca um equivalente volume de água, dando a impressão de que há mais água na piscina. Mas não há. O real volume de prosperidade é menor.

Pura arrogância

A conclusão é que tentativas de “mudar o mundo” como um todo — mudá-lo de uma maneira que seja perceptível e identificável a uma ação ou a um conjunto de ações — são o ápice da arrogância. Nenhuma mudança, não importa quão bem intencionado seja o agente da mudança, será para melhor.

Esforços benéficos para mudar o mundo quase sempre são sempre pequenos, graduais, e efetuados naquele setor voluntário da sociedade — nas transações comerciais voluntárias (mercado), nas famílias, na sociedade civil. Não ocorre nem dentro do governo nem por meio do governo.

As mudanças benéficas ocorrem ao se acrescentar pequenas gotas à piscina da prosperidade. E não ao se dar grandes pancadas na água da piscina.

Considerando todo o histórico, é fato que o mundo, bem como a história da humanidade, estaria muito melhor se não houvesse tantos intelectuais e ativistas tentando melhorá-lo.

Donald Boudreaux foi presidente da Foudation for Economic Education, leciona economia na George Mason University

quinta-feira, 8 de julho de 2021

A dualidade da realidade brasileira

 O mito da caverna de Platão nos permitiu entender como o filósofo percebia o mundo. Uma relação entre o mundo físico e o mundo das ideias que criam uma realidade repleta de luzes e sombras. Por um lado, temos a realidade como ela é. Por outro lado, nos encontramos em uma realidade ficcional onde nossas crenças e ilusões desempenham um papel importante. No entanto, antes de mergulharmos neste universo, não deveríamos saber o que o mito da caverna nos diz?

No mito, encontramos homens que, desde o nascimento, estão acorrentados ao fundo de uma caverna. Deste lugar, eles podem ver apenas uma coisa: uma parede. Eles nunca foram capazes de sair e nunca foram capazes de olhar para trás para saber a origem das correntes que os prendem. No entanto, há uma parede atrás deles e, um pouco mais adiante, um incêndio. Entre a parede e o fogo estão homens carregando objetos. Graças ao fogo, as sombras dos objetos são projetadas na parede e os homens acorrentados podem vê-los.

Eu via imagens que eram apenas mentiras e falsas realidades. Mas como eu poderia olhar para elas se, desde criança, essa é a única realidade que tenho visto?

Uma realidade ficcional

Esses homens sempre viram a mesma coisa desde que nasceram; eles não sentiram nem a necessidade nem a curiosidade de se virar e ver o que refletia essas sombras. Mas era uma realidade enganosa e artificial. Essas sombras os distraíram da verdade. No entanto, um desses homens ousou olhar para trás e ver além das coisas.

No começo, ele se sentiu perdido e perturbado, especialmente a luz que ele via na parte de trás (o fogo). Ele começou a duvidar. Ele pensara que as sombras eram a única coisa que existia quando não era. Toda vez que ele andava, suas dúvidas o faziam tentado a retornar ao seu mundo de ilusões.

Apesar de tudo, com paciência e determinação, ele continuou seu avanço. Acostumando-se pouco a pouco a esse mundo tão desconhecido para ele. Sem ser vencido pela confusão ou ser enganado pelos caprichos do medo, ele saiu da caverna. Mas quando ele correu de volta para contar aos seus companheiros, eles o cumprimentaram com uma zombaria. Um desprezo que refletia a incredulidade dessas pessoas na história do aventureiro.

É curioso ver como a visão oferecida pelo mito da caverna pode ser transposta para as notícias. Esse modelo que todos seguimos e por causa do qual, se sairmos do caminho que nos ditam, começamos a ser julgados e criticados. Considere que aceitamos muitas verdades absolutas sem parar por um momento para questioná-las, sem perguntar se o mundo está realmente próximo ou distante dessa realidade.

Por exemplo, pensar que o erro é uma falha pode afetar o fato de que abandonamos qualquer projeto com o menor contratempo. No entanto, se não nos deixar levar por essa idéia, desenvolveremos nossa curiosidade e o erro deixará de ser um demônio cheio de negatividade. Assim, a mudança de perspectiva não apenas nos impedirá de temê-la, mas também nos fará aprender com esses erros quando os cometermos.

Sair da caverna é um processo difícil

No mito da caverna, o homem que decide libertar-se das correntes que o aprisionam toma uma decisão muito difícil; o segundo, em vez de ser bem visto por seus companheiros, é rapidamente tomado como um ato de rebelião. Algo mal visto e que poderia tê-lo empurrado para abandonar essa tentativa. Quando este homem finalmente decide, ele começa a seguir este caminho sozinho, para ir além dessa parede e do fogo, o que o faz duvidar ao mesmo tempo em que ele o cega. Dúvidas o atacam, ele não pode mais distinguir o verdadeiro do falso.

Ele deve se livrar de crenças que há muito o habitam. Idéias que não são apenas enraizadas, mas também a base da árvore de suas crenças. No entanto, como ele se move em direção à saída da caverna, ele percebe que o que ele acreditava não era verdade. Então, o que resta dele? Ele deve convencer aqueles que zombam dele de que existe uma liberdade à qual podem aspirar se decidirem abandonar o aparente conforto em que vivem.

O mito da caverna retrata a ignorância como a realidade que se torna desconfortável quando nos tornamos conscientes de sua presença. Diante da menor possibilidade da existência de outra visão do mundo, a história nos revela que a nossa inércia nos leva a destruí-la porque a consideramos uma ameaça à ordem estabelecida.

As sombras não são mais projetadas, a luz deixou de ser artificial e o ar já está acariciando meu rosto.

Nossa condição humana pode impedir-nos de nos livrar deste mundo de sombras, mas podemos pelo menos fazer um esforço para tornar essas sombras cada vez mais distintas. O mundo perfeito e icônico das idéias pode ser uma utopia para a nossa natureza, mas isso não significa que renunciar à nossa curiosidade é melhor do que confiar no conforto do que conhecemos hoje (ou o que nós acho que sabemos).

Quando crescemos, dúvidas, inconsistências e perguntas nos ajudam a remover as vendas que às vezes tornam a vida muito mais difícil do que realmente era.