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sábado, 16 de abril de 2022

Id(e)olatria: O Apego Satânico às Ideologias

 Uma religião é integral quando consegue abrir ao ser humano uma relação translúcida com o Divino e Transcendente. Todo o restante, todos os outros “objetivos”, derivam deste. São secundários com relação a este. À luz das tradições religiosas da humanidade, a “Justiça Social”, por exemplo, não constitui um fim em si mesmo; se um estado social hipotético, organizando segundo o princípio moderno da Igualdade, não for eficaz na abertura do ser humano ao Divino e na manutenção desta abertura, ele não pode sequer ser chamado de “justo”. (Somente na Idade Moderna, isto é, em que o Profano se sobrepôs ao Sagrado, a “Justiça” passou a se confundir com a distribuição igualitária dos bens ou ao nivelamento das condições materiais de existência, por exemplo.) Se a luz da Verdade não está a percorrer todo o corpo social, tal sociedade não faz sentido: não corresponde à razão-de-ser da existência humana.

“Justiça” não tem a ver com a extinção de classes sociais ou de relações de poder e dominação. Nas sociedades religiosamente centradas e regidas, Justiça tem a ver com Verdade, e ambas formam uma coisa só (o termo grego diké carrega tal conotação, inclusive, bem como a carrega o indo-europeu rta, raiz etimológica tanto de “Direito” como de “Verdade”). Por isto as leis da polis devem ser ditadas ou inspiradas por Deus (ou pelos deuses ou anjos) aos “Mestres da Verdade” (Aletheia), isto é, profetas ou filósofos, que as transmitem aos homens. Justiça é, portanto, inseparável de Hierarquia. O Cristianismo em seu ápice, ou o Islam em seu ápice, ambos testemunham que a coletividade humana só consegue abrir-se ao Céu organizando-se hierarquicamente. Não há “injustiça” nas relações de poder quando estas existem para manter os homens ligados ao Divino. A verdadeira Injustiça é a obliteração do Sagrado; a privação da relação com o Divino, razão de ser da existência humana, e único elemento capaz de humanizar este ser.

A civilização ocidental moderna é produto desta obliteração, deste esquecimento, desta amnésia coletiva do Sagrado. A tradição védica tem um nome para tal situação: “Adharma”, Irreligião. A tradição islâmica também: “Jahiliyyah”, Ignorância ou Reino da Ignorância, termo que não se refere única e exclusivamente ao período histórico anterior à revelação corânica, mas nomeia toda condição social de privação da luz e desconhecimento das leis divinas, e na qual os seres humanos governam-se por leis inventadas por eles mesmos; é uma condição trans-histórica, portanto; sempre atual.

Todos os sistemas de pensamento surgidos desta moderna civilização ocidental têm base neste eclipse do Divino. São ervas crescidas na sombra que este eclipse lança sobre o mundo. Não é necessário esforço para demonstrar que todos os “ismos” gerados nos últimos cinco séculos têm como base uma concepção ateísta e antropocêntrica de ser humano; já de partida estes sistemas de pensamento tomam como pressuposto que o homem e a sociedade humana podem ser considerados separadamente da dimensão supra-humana, divina e transcendente. As ciências humanas, por exemplo, ao “purificarem” seu objeto de conhecimento, o ser humano, de “poluições” religiosas, pensam estar o enxergando melhor, apreendendo-o melhor, quando na verdade estão o apreendendo pela metade e, ao amputá-lo conceitualmente do Divino, não podem gerar senão um falso conhecimento sobre ele. As ideologias modernas todas têm por base tal concepção unilateral do ser humano. (É por acaso que Dajjal tem um olho só?)

“Religiões? — São apenas construções sociais, humanas, demasiado humanas…” Mesmo a noção de Verdade passa ser tratada por este viés: pensa-se nela como um constructo, um artifício, um jogo de ilusão ou de perspectiva (ignorando que a existência de verdades relativas não invalida a de verdades absolutas). E, julgando que “tudo é construído”, tais ideologias põem-se a afirmar que “tudo deve ser reformado — ou destruído”. Utilizo este termo aqui, “reformado”, para sugerir que essa visão de mundo tem parentesco essencial com os movimentos espirituais anti-tradicionais como a Reforma pelos quais passou a civilização cristã no fim da Idade Média, já que é uma de suas marcas a redução de conteúdos essenciais da religião a meras “convenções sociais”. São estes movimentos que instalaram a “mania revolucionária” nas gerações subsequentes até os dias atuais. E é um erro pensar que apenas aquela civilização passou por este processo: as sociedades islâmicas também têm sua “Reforma”: seitas que em quase tudo se assemelham àquelas protestantes europeias; seitas que, como aquelas, também defendem um “retorno ao começo” ou aos “primeiros dias” da religião – pré-concebendo estes “primórdios”, contudo, de uma forma absurdamente rasa. Mas o “Protestantismo” islâmico também se manifesta na mania, flagrante na confusão mental de jovens ocidentalizados, de pressupor que certas normas tradicionais foram não reveladas, mas construídas pelo homem, e de querer mudá-las, para adaptar a religião aos “novos tempos” ou às novas demandas sociais. Não se entra na questão de se estas demandas, às quais se exige que a religião se adapte, têm por base uma concepção integral de ser humano, isto é, que contemple sua parte divina ou seu compromisso com o Divino. Em outras palavras, não se pergunta qual a concepção de ser humano que está na base dessas ideologias — feministas, raciais, sexuais etc. Afinal, todo sistema de pensamento tem por base, implícito ou explicitamente, uma concepção de ser humano, uma resposta para as perguntas “O que é o homem?” e “Para que ele serve?”. As ideologias modernas, quando não explicitam esta concepção, estão a escondendo, e às vezes até propositalmente. Elas partem de uma concepção, repetimos, extremamente estreita e unilateral — em uma palavra: profana — de ser humano.

A própria ideia de que a Religião deve se adaptar a “novos tempos” é já uma flagrante inversão modernista, pois, na concepção universal das tradições espirituais, são os homens que devem se adaptar a elas, os homens é que devem se adaptar à religião, não a religião aos caprichos dos homens; a história é subordinada à Eternidade, não a Eternidade à história.

O fato é que, quando se coloca um princípio profano qualquer ao lado da religião, mesmo que se o apresente revestido de “boas intenções” e abarrotado de enfadonhos jargões de “justiça social”, exigindo que esta, a religião, adapte-se àquele, o que se tem não é algo diferente de uma Idolatria. O que se está fazendo é simplesmente colocar um segundo ao lado de Deus; uma “segunda lei” ao lado e na mesma estatura que a Sua. É fácil identificar a Idolatria no “pagão” que se curva a uma estátua de madeira. Mas é menos fácil identificar a Idolatria no culto de ídolos mentaisdeuses” conceituais. Igualdade, Fraternidade, Liberdade, Progresso… — são os deuses da religião moderna, são os ídolos da Jahiliyyah ocidental. Ora, não há nada de novo aqui. Há muito sabemos que as ideologias modernas simulam religiões; porém, diferente das religiões tradicionais, as modernas não abrem o ser humano ao Divino: pelo contrário, obstruem a passagem da Luz.

Também é fácil identificar o inimigo quando ele está do lado de fora. É fácil identificar “Islamofobia”, por exemplo, em uma fala de Donald Trump ou de um neonazista europeu. Porém é mais difícil quando ela está do lado de dentro, quando ela aparece assumindo a forma da “defesa dos muçulmanos” ou pelos próprios muçulmanos. As ideologias modernas entram nas comunidades religiosas sempre pela porta da “defesa dos oprimidos”: um “Cavalo de Troia” que, ao entrar, despeja dentro todo o conteúdo corrosivo do pensamento moderno ocidental, subvertendo o modelo próprio destas comunidades, descosmificando-as, bagunçando sua metafísica própria, e tornando seus jovens alienados ou estranhados da própria tradição.

Mas as religiões não falam, também elas, de Igualdade, Fraternidade, Liberdade? Não. Quando as doutrinas religiosas falam em “Igualdade”, por exemplo, não estão falando no sentido profano e moderno do termo, e sim no sentido sagrado: “Igualdade” sempre relativa a um ponto de referência transcendente: Deus ou a Lei Divina. É inconcebível, às tradições religiosas, que a sociedade humana possa prescindir de “desigualdades” no tocante à distribuição de qualidades e atribuições entre seus indivíduos conforme Deus os criou. Uma igualdade absoluta entre homens e mulheres, por exemplo, é inconcebível nesses sistemas, já que nessas sociedades as relações entre os sexos são regidas pela metafísica do Masculino e Feminino que, quando não explícita nos textos sagrados, aparece simbolizada por dualidades como o Sol e a Lua, o Céu e a Terra etc. Seguir tais normas tradicionais não é “diminuir a mulher” mas, pelo contrário, dar a ela a oportunidade de realizar-se integralmente como mulher, o que só é possível estando harmonicamente integrado às leis divinas. Os princípios modernos não têm nada a ver com os religiosos, menos ainda os religiosos com eles, mesmo que carreguem os mesmos nomes (o que é uma famosa artimanha da subversão satânica).

Onde vemos um “ismo” ser alçado a um segundo “Absoluto” diante do qual as leis reveladas devem curvar-se, lá se dissimula a velada religião moderna: lá vemos Id(e)olatria.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu

 Este livro de Maurice Joly foi utilizado como fonte na elaboração dos Protocolos Sionistas. Quem já leu os “Protocolos” deveria também ler esta obra, pois muitas das passagens não publicadas nos “Protocolos” são verdadeiras aulas sobre a essência da política, além de retratar fielmente o papel dos partidos políticos nas atuais democracias.

Apresentação

Quando Maurice Joly publicou o seu Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu, em 1864, a França vivia sob a mão de ferro de Napoleão III. Nascido Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho do primeiro Napoleão, ele havia, em 1848, sido eleito deputado da Assembléia Constituinte francesa e, no final do mesmo ano, foi eleito presidente da República com enorme maioria dos votos. Em 1851, planejou um golpe contra o Parlamento, mandou prender e deportar numerosas figuras públicas de várias tendências políticas e, em 2 de dezembro, assinou um decreto que dissolvia a Assembléia Legislativa. Com esse golpe de Estado, Napoleão ganhou poderes ditatoriais. No ano seguinte, chamou um plebiscito pelo qual, com quase a totalidade dos votos, instituiu o Império e transformou-se em Imperador da França com o título Napoleão III. Em 1870, na guerra contra a Prússia, o imperador foi capturado pelo exército prussiano em Sedan. A Assembléia Nacional, que por pressões dos liberais havia sido restaurada, decidiu pela sua deposição e proclamou a Terceira República Francesa.

O parágrafo acima é o início da apresentação do livro “Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu”. [1] Seu conteúdo foi utilizado parcialmente nos Protocolos Sionistas, supostamente elaborado e divulgado durante o Primeiro Congresso Sionista realizado na Basiléia, em 1897.

Quem já leu os “Protocolos” deveria também ler esta obra, pois muitas passagens não publicadas nos “Protocolos” são verdadeiras aulas sobre a essência da política, além de retratar fielmente o papel dos partidos políticos nas atuais democracias – NR.

O tema do Diálogo: a força ou a lei

Maquiavel é representado no Diálogo segundo a visão tradicional que faz dele o defensor do uso da força na política. Essa visão tradicional, que teria dado conteúdo ao termo “maquiavelismo” como símbolo de astúcia dos governantes, foi constituindo-se desde a época do próprio Maquiavel e atravessou os séculos.

Frederico II da Prússia, em 1740, publicou, em francês, uma crítica de O Príncipe, de Maquiavel, intitulada O anti-Maquiavel, na qual afirmava que ia “tomar a defesa da humanidade contra um monstro que quer destruí-la” e oferecer um antídoto ao veneno contido no livro do pensador florentino. Para Frederico II, O Príncipe era uma das obras mais perigosas que já tinham sido publicadas e certamente corromperia os governantes ambiciosos, ensinando-lhes máximas contrárias ao bem dos povos. [2]

Seria esse o motivo da Prússia ter sido varrida do mapa? É óbvio que qualquer ideologia contrária aos interesses das Altas Finanças será combatida e difamada pelos plutocratas – NR.

Breve extrato do livro

Montesquieu: Por que põe sempre os partidos à frente? Sob pretexto de cria-lhes obstáculos, não é aos próprios eleitores que impõe isso? Afinal, os partidos não passam de grupos de eleitores: se os eleitores não podem esclarecer-se com reuniões, por meio de porta-vozes, como poderão votar com conhecimento de causa?

Maquiavel: Vejo que ignora com quais artes, com que astúcia as paixões políticas frustram as medidas proibitivas. Não se preocupe com os eleitores, aqueles animados por boas intenções sempre hão saber em quem votar. Aliás, serei tolerante: não só permitirei as reuniões em prol de meus candidatos como chegarei a fechar os olhos a certas manobras de candidatos populares que farão barulho em nome da liberdade. E basta que lhe diga que os que gritarão mais alto serão meus partidários.

Montesquieu: E como vai regular o voto?

Maquiavel: Primeiro, no que concerne ao campo, não quero que os eleitores votem nos centros de aglomeração, onde poderiam entrar em contato com o espírito de oposição das vilas ou das cidades e ali receber a palavra de ordem que chegaria da capital. Quero que votem por município. O resultado de tal combinação, tão simples na aparência, será no entanto considerável.

Montesquieu: É fácil entendê-lo: você obriga o voto do interior a dividir-se entre as notoriedades insignificantes ou adotar, na falta de nomes conhecidos, os candidatos designados por seu governo. Ficaria muito surpreso caso, num sistema desses, surgissem novos talentos.

Maquiavel: A ordem pública necessita menos homens de talento do que gente devota ao governo. A capacidade suprema está sentada no trono e entre aqueles que o rodeiam; em outro lugar, aliás ela é inútil; ela chega a ser quase nociva, porque só pode ser exercida contra o poder.

Montesquieu: Seus aforismos cortam como faca: não tenho argumentos para combatê-lo. Por favor, retome a seqüência de seu ordenamento eleitoral.

Maquiavel: Pelas razões que acabo de expor-lhe, tampouco quero nenhum escrutínio de listas que deturpe a eleição, que permita a coalizão de homens e de príncipes. Por sinal, dividirei os colégios eleitorais em um certo número de circunscrições administrativas, nas quais só haverá espaço para a eleição de um único deputado e onde, portanto, cada eleitor só poderá escrever em sua cédula um único nome.

[1] Maurice Joly, Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu, Editora UNESP, São Paulo 2009, pág. 212 et seq

[2] Frederico II, L´anti-Maquiavel, La Haye, 1740.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Tratado de paz com a Alemanha

 

Não existe um Tratado de Paz com a Alemanha. Nem por parte do Brasil nem por parte de qualquer país do mundo. A explicação é simples: somente o governo do Reich alemão poderia assinar tal acordo e restabelecer as relações diplomáticas com a comunidade internacional.

Mais de 60 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, pode parecer que o título deste artigo seja algo um tanto quanto ultrapassado. Afinal, existem inúmeras situações que nos parecem mostrar uma relação de plena normalidade com a atual República alemã.

Campanhas eleitorais, representantes eleitos, corpo diplomático, participação em eventos esportivos, forças armadas, reunificação alemã, departamento de proteção da Constituição… Enfim, podemos observar que existem ingredientes que deveriam fazer parte de um organismo nacional soberano. Mas a análise pormenorizada desta situação nos revela estranhos aspectos e curiosos paradigmas da atual Alemanha.

Comecemos por uma rápida consulta no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Este nos revela que foram celebrados os tratados de paz com a Itália, em 10 de fevereiro de 1947 (decreto n° 28.369), e com o Japão, em 8 de setembro de 1951 (decreto n° 30.948). Segundo informações de uma funcionária do próprio Ministério, datada de dezembro de 2007, ela informa “que não possuímos no banco de dados da DAI (Divisão de Atos Internacionais) os respectivos decretos e nenhuma referência quanto a um Tratado de Paz com a Alemanha do pós-guerra”.

De fato, a procura será infrutífera, pois não existe um Tratado de Paz com a Alemanha. Nem por parte do Brasil nem por parte de qualquer país do mundo. A explicação é simples: somente o governo do Reich alemão poderia assinar tal acordo e restabelecer as relações diplomáticas com a comunidade internacional, pois era um governo reconhecido por esta comunidade e escolhido legitimamente pelo povo. Outra alternativa é a atual Alemanha conquistar a legitimidade que a permita assinar tal tratado.

Aos incrédulos, os fatos.

Desrespeito ao Direito Internacional vigente

Com a derrota da Wehrmacht – as forças armadas alemãs, todo o território do Reich foi dividido entre alguns paises aliados, formando diferentes áreas de ocupação. A atuação direta destas forças ocupantes através das Leis Militares ditadas pelo Quartel-General Supremo da Força Expedicionária Aliada (SHAEF – Supreme Headquarters Allied Expeditionary Force) infringiu diversos ordenamentos jurídicos referentes à condução da guerra, estabelecidos na Convenção de Haia em 1907, e da qual participou a delegação brasileira liderada por Rui Barbosa. Estas leis desrespeitam principalmente o que determina os artigos 42-45 sobre a condução das hostilidades. Mais aqui.

Podemos citar aqui como desrespeito à Convenção de Haia:

– o assassinato, a violentação e expulsão de milhões de alemães residentes nas regiões da Prússia oriental, Pomerânia, Silésia, Sudetos, Romênia, Iugoslávia e outras regiões do leste europeu.

– o tratamento desumano aos prisioneiros de guerra alemães (Sinzig, Bad Kreuznach)

– os castigos coletivos (execução da guarnição do Campo de Dachau depois de deporem as armas e se entregarem; Tribunal de Nürenberg)


General Keitel executado por decisão de um tribunal parcial,
onde os juízes não eram de países neutros

– formação de um governo “supervisionado” pelos exércitos ocupantes.

A derrota de um país não leva ao seu desaparecimento; ele não deixa de existir como Estado – NR.

Ministro alemão confirma a falta de soberania da Alemanha desde o fim da Segunda Guerra. Leia mais no artigo Schäuble – A crise é necessária para a união política – NR.

A partilha

Como podemos observar no mapa acima, as potências vencedoras dividiram o território do Reich alemão entre Estados Unidos, Inglaterra, França, União Soviética e Polônia. A parcela que coube a este último país simplesmente caiu no esquecimento por parte da atual “comunidade internacional” e deve provocar espanto a vários leitores.

Anexar parte do território conquistado ou formar outro Estado dentro de suas fronteiras significou um grave desrespeito ao Direito Internacional Público. Da mesma forma, é uma contravenção deste Direito quando o vencedor depõe o governo legítimo constituído e estabelece um novo governo-marionete, o qual deve ser visto como instrumento das forças de ocupação.

Já em 1944, quando a Alemanha ainda estava longe de perder a chamada “Segunda Guerra Mundial” e lutava arduamente nas duas frentes de combate, os aliados estabeleciam leis e decretos para controlar futuramente os primeiros passos da Alemanha do pós-guerra.

Os aliados se permitiram confiscar o Reich alemão

O alto-comando norte-americano decidiu confiscar todo o país com suas províncias, estados, distritos e todos seus imóveis, como podemos conferir na promulgada lei SHAEF-52. Esta colocava sob administração e controle dos aliados todo o território alemão e suas propriedades.

Governo do domínio estrangeiro

Após a partilha do território, formaram-se dois pseudo-estados denominados por um lado República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental), sob influência dos Estados Unidos, França e Inglaterra, e por outro lado a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), sob influência da União Soviética. De acordo com o pronunciamento feito em 8 de setembro de 1948 por aquele que é considerado o pai da Grundgesetz da Alemanha Ocidental, deputado Carlo Schmid, esta Lei Fundamental não é uma Constituição, mas sim um Estatuto de Ocupação e ademais, a Alemanha Ocidental não pode ser considerado um Estado, mas sim uma Forma de Organização de uma Modalidade do Domínio Estrangeiro.

Com a unificação alemã, a Grundgesetz (Lei Fundamental) estendeu-se na prática à Alemanha Oriental. E como ponto crucial da atual Questão Alemã, ela é considerada a própria Constituição Federal – uma constituição que não existe, porém, que origina organismos públicos como o Departamento de Defesa da Constituição – o Bundesamt für Verfassungsschutz!

Para que o leitor tenha uma idéia de como a vontade do povo alemão foi ceifada ao longo do tempo, na década de 50 era reconhecida publicamente como território alemão a situação de fronteira correspondente a 31 de dezembro de 1937,

Durante as campanhas eleitorais da década de 50, a propaganda partidária reforçava a ideia da Alemanha de fato. Imperavam lemas do tipo “Trata-se do todo”.

Já na década de 70, esta vontade do alemão de existir como povo só aparecia em tese, ou melhor, na esfera jurídica. Na decisão de 31 de julho de 1973, o Supremo Tribunal de Justiça – órgão que nasceu das decisões do governo instaurado pelos vencedores da guerra, reconheceu que o Reich alemão não desapareceu com a derrota do exército (BVerfGE 2, 266; 3, 288; 5, 85; 6, 309). Ele apenas se tornou momentaneamente incapaz para negociar em nome do povo alemão devido à ocupação do pós-guerra.

Para aqueles que dominam o idioma de Goethe, a rádio alemã Hessischen Rundfunk, noticiou em 1990 a confirmação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, onde as fronteiras de 1937 são reconhecidas.

Situação atual

O governo alemão se encontra numa situação desconfortável, pois tem de utilizar medidas repressivas contra aquela parte da população que já identificou as incoerências e não se cala ante às transgressões jurídicas provenientes desde o término dos conflitos bélicos.

A Alemanha atual ainda é um satélite das forças de ocupação. Seu governo permite a presença de milhares de militares estrangeiros em seu território, ainda vinte anos depois da queda da ameaça comunista. Seu governo abdica de territórios sob ocupação polonesa, que os próprios aliados reconheceram uma vez como sendo territórios alemães. Seu governo aprovou recentemente – e a contragosto, a construção de um memorial em homenagem às vítimas da expulsão dos territórios do leste. Seu governo incentiva até hoje a entrada de imigrantes estrangeiros em território alemão, sem consulta ou debate popular para esclarecer as consequências de tais medidas. Uma pequena amostra dos conflitos sócio-econômico-culturais que advêm de tal política pôde ser vista durante a revolta dos descendentes de imigrantes nos subúrbios de Paris, em novembro de 2005. Seu governo não consegue parar a emigração da força jovem produtiva alemã, que encontra melhores condições de vida no estrangeiro do que em sua própria pátria. Seu governo lança mão do código penal para reprimir a liberdade de expressão da população. Seu governo é indiferente ao assassinato anual de milhares de alemães através da prática indiscriminada do aborto.

Conclusão

O povo alemão está desaparecendo como povo. Sua história não merece o atual governo, pois este atende como diretriz primária os interesses das forças estrangeiras presentes no país. Todas suas resoluções, desde 1945, são nulas. Está mais do que na hora da população dar um basta e clamar por uma Assembleia Constituinte, onde então teríamos a promulgação de uma verdadeira Constituição. Ainda teríamos a esperança de assegurar para as próximas gerações a oportunidade de vivenciar a cultura original da terra dos músicos, poetas e filósofos.

objetivo de guerra nr. 1 dos vencedores pode ser constatado atentando-se às conversas entre Roosevelt e Stalin, os quais almejavam a quebra da exclusividade racial e cultural do povo alemão – NR.

Para a salvação deste povo, iria ajudar muito fazer valer o que o último parágrafo da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha mostra, em seu artigo 146:

Art. 146.* [Período de validade da Lei Fundamental] Esta Lei Fundamental, que vale para todo o povo alemão após a completa união e liberdade da Alemanha, perde sua validade no dia em que uma Constituição entrar em vigor, a qual seja determinada soberanamente pelo povo alemão.

* Art. 146 nova redação devido EVertr. de 31.8.1990 (BGBl. II Pág. 889,890).

“… no dia em que uma Constituição entrar em vigor …”.

Marcelo Franchi

sábado, 9 de abril de 2022

O PASSADO AJUDA A ENTENDER A ORIGEM DA GUERRA NA UCRÂNIA

 No século 9 a Europa era assolada pelos vikings. Ao contrário da crença popular, o que chamamos de vikings não era um povo só. Enquanto as tribos do que hoje constituem Noruega e Dinamarca se voltaram para oeste, colonizando a Bretanha e se aventurando pela Europa Ocidental e Central, os varegues (oriundos da Varângia, uma parte da atual Suécia) se voltaram para leste.

Mais que apenas guerreiros, eram também comerciantes, e buscavam o intercâmbio de âmbar e mel em troca das especiarias e tecidos do Oriente. Para conseguir tais produtos, precisavam chegar até Constantinopla, capital do Império Bizantino e a porta de entrada das mercadorias da Rota da Seda na Europa.

Além de guerreiros e comerciantes, eram também excelentes construtores navais. Como transporte até a Cidade dos Imperadores, usavam seus longos barcos a remo. Saindo do Mar Báltico, penetraram no Golfo da Finlândia e depois nos rios Neva e Lovat. Por terra, carregaram suas embarcações até a foz do Rio Dnieper e depois no Desna e no Oka, até chegarem ao Mar Negro e, finalmente, em Bizâncio.

No caminho até Constantinopla, os varegues foram estabelecendo relações com os povos eslávicos locais. Estes, por conta da então incipiente organização política – em comparação com os reinos da Europa Ocidental e do Oriente –, aceitaram o domínio e a proteção dos varegues, a quem também chamavam de povos rus, ou rusos (remadores), por conta de seus barcos a remo.

À medida que o comércio com os bizantinos foi crescendo, vários assentamentos rus foram sendo fundados nos territórios que hoje compreendem as atuais Rússia, Belarus, Polônia, Lituânia e Ucrânia.

Tamanho era o intercâmbio que, por volta do ano 862, um príncipe varegue de nome Rurik fundou Novgorod (Cidade Nova, em tradução literal), a capital do que viria a ser seu império, o Estado Rus, ou simplesmente, Rússia. Rurik é o primeiro soberano de um Estado russo e progenitor dos monarcas que mais tarde viriam a ser chamados de czar, ou “césar”.

A importância da unidade política que acabara de criar era tanta, que todos os monarcas russos, até 1568, eram seus descendentes. Com sua morte, em 879, o poder passou para seu cunhado, Oleg, que, pensando na expansão dos domínios rus, percebeu que uma pequena aldeia entre os lados do Dnieper, chamada Kyiv, era mais estratégica para o Mar Negro (e para Constantinopla) do que Novgorod.

Após sua conquista, em 882, a pequena cidade cresceu rapidamente, tornando-se a nova capital do reino: Rus de Kiev, ou Rússia de Kiev – um grande império eslavo-nórdico que já incluía boa parte da atual Rússia europeia, da Ucrânia e de Belarus e que, agora, se voltava para o sul, para a Cidade dos Imperadores.

A convivência entre varegues e bizantinos era peculiar. Apesar de ter o comércio como motivador, o choque de impérios era, por vezes, pacífico, por vezes, agressivo. Com a nova capital voltada para Constantinopla, os russos tentaram mais de uma vez conquistar a cidade. No entanto, apesar de algumas vitórias militares, os romanos resistiram.

O intercâmbio cultural entre os povos também viria a ter um profundo impacto nos países que viriam a ser a Rússia e a Ucrânia modernas. Além da cristianização do Rus de Kiev, empreendida após a conversão do príncipe Vladimir I em 988, o contato (ainda nos primórdios do Império Rus) com os missionários cristãos bizantinos, São Cirilo e São Metódio, daria origem ao alfabeto cirílico, usado até hoje nas nações eslavas.

O Estado Kievano floresceu entre os séculos 9 e 13. Apesar de organizado e de ser comparável em esplendor aos reinos europeus, desde o início, o Rus de Kiev tinha um grande problema: a sucessão.

Igor, filho de Rurik, que ainda era uma criança quando seu pai morreu, só chegaria ao poder com a morte de Oleg – depois sendo ele mesmo assassinado. Na obra Le Malheur Russe – essai sur la meurtre politique (A infelicidade russa – um ensaio sobre o assassinato político, em tradução livre), a historiadora francesa Hélène Carrère d’Encausse analisa a ocisão política como uma forma de ascensão ao poder na Rússia, algo que remonta ao tempo em que Kiev se situava no centro do mundo russo.

Desde então, os problemas sucessórios foram dando origem a várias linhagens e enfraquecendo a unidade central do Rus. Até que uma nova ameaça surgiu, vinda do leste, trazendo fogo e fúria: os cavaleiros mongóis. Não houve nada que pudesse salvar o império.

Entre mongóis e césares

Vindos das estepes asiáticas, os mongóis eram um povo nômade que, graças ao gênio de Temujin (mais conhecido como Gengis Khan) – que aliara as técnicas de montar dos cavaleiros das planícies da Ásia à estratégia militar –, conquistaram tudo em seu caminho.

Espalhando o terror por onde passavam, os mongóis construíram um império que ia de Pequim até as portas de Viena, dominando a Ásia Central e boa parte do Oriente Médio. Em 1240, saquearam Kiev e prosseguiram rumo à Europa Central. A expansão parou no ano seguinte, não por terem sido derrotados, mas porque Ogdai Khan (filho de Gengis) morreu, dando origem a uma disputa interna pelo poder.

Ainda que a expansão tivesse cessado, a dominação dos mongóis sobre a Rússia só se encerrou de fato em 1480, depois da Batalha do Rio Ugra, quando foram derrotados pelas tropas de Ivan III, “O Grande”.

Os mais de 200 anos de dominação mongol (chamados pelos russos de tártaros) mudaram de maneira drástica a história do país e fez com que alguns elementos da identidade nacional começassem a ser formados.

A já enfraquecida autoridade de Kiev migrou para Moscou – embora tenha sido saqueada e queimada pelos mongóis em 1278, ela ficava na periferia de seu império e não foi ocupada.

Os soberanos da cidade, da linhagem direta de Rurik, começaram pouco a pouco a fazer frente ao adversário, tornando-se modelo para as demais cidades eslavas. Devido ao crescimento de sua influência, e por terem expulsado os mongóis, o Principado de Moscou se converteu na nova capital russa, passando o nascente império a ser chamado de “Grande Rússia”.

Os moscovitas, por sua vez, passaram a ser denominados de “russos étnicos” – a divisão não era propriamente racial, visto que são todos povos eslavos, mas uma divisão política, simbolizando que os descendentes daquela cidade carregavam os valores da unidade nacional que fez frente ao invasor das terras rus.

É aqui que começa de forma mais acentuada a distinção entre russos e ucranianos. Enquanto lutavam para se livrar dos tártaros, mudanças significativas, que teriam reflexo no que chamamos hoje de Rússia e Ucrânia, ocorreram no resto do Velho Mundo.

No século 14, o Renascimento havia começado na Itália, espalhando-se pela Europa Ocidental e Central. Mas, devido ao domínio mongol e à falta de contato com o resto do continente europeu, “a redescoberta do homem” não chegou ao leste, fazendo com que o país ficasse preso em costumes que se assemelhavam aos da Europa feudal até pelo menos o século 18, quando o czar Pedro I, conhecido como “O Grande”, modernizou a Rússia.

Já em 1453, Constantinopla caiu perante os canhões do sultão Mehmet II, dando fim à Segunda Roma. Dados os laços entre russos e bizantinos, Moscou absorveu características dos romanos, reforçando a autoridade da cidade como capital de um império e bastião do mundo eslavo.

Com a morte de Ivan III, entrou em cena seu filho, Ivan IV, mais conhecido como “O Terrível”. Em seu livro Prisioneiros da Geografia – Dez Mapas Que Explicam Tudo o Que Você Precisa Saber Sobre Política Global, o jornalista e escritor britânico Tim Marshall afirma que Ivan era “um homem para corroborar a teoria de que os indivíduos podem mudar a história. Sem sua personalidade, que misturava completa crueldade e antevisão, a história russa teria sido muito diferente”.

O monarca foi o primeiro a adotar o título de “czar”, ou simplesmente “césar”. A nova denominação não era apenas uma forma de simbolizar o poderio imperial que estava construindo, mas de afirmar a autoridade russa: como um “césar”, mostrava ser o herdeiro de Roma.

Já para os povos do leste, a figura de um czar era também comparável a de um “khan”, como Gengis, ou seja, “o rei dos reis” e, como detentor do título, Ivan buscava mostrar que a Rússia seria de fato um grande império.

Czares protetores

Apesar da crueldade, não se pode, porém, desconsiderar o conhecimento do homem. Ivan entendia que havia grande diferença entre “ser um império” e “pretender ser”. As fronteiras do Czarado da Rússia eram frágeis, sem barreiras naturais entre seus inimigos, e, por isso, não faltavam ameaças aos russos: a oeste, da Comunidade das Duas Nações (composta por uma liga entre Polônia e Lituânia), a leste, da Horda Dourada (a continuação do antigo Império Mongol), a norte, do nascente Império Sueco, e a sul, dos turco-otomanos e os persas.

Conforme mostra Marshall, a solução foi conquistar para não ser conquistado. “A expansão russa avançou a leste para os Urais, ao sul para o Mar Cáspio e ao norte em direção ao Círculo Ártico.

Ganhou acesso ao Mar Cáspio e mais tarde ao Mar Negro, tirando proveito das montanhas do Cáucaso como barreira parcial entre russos e mongóis. Uma base militar foi construída na Chechênia para deter quaisquer potenciais atacantes.”

Enquanto a Rússia expandia suas fronteiras, o que hoje é a Ucrânia lutava com seus próprios contratempos. Desde a dominação mongol e o declínio de Kiev, a língua falada no país passou a se diferenciar do idioma falado na Rússia e um sentimento de identidade própria começava (ainda que de forma incipiente) a se formar, diferenciando- os de seus parentes moscovitas.

Entretanto, devido a problemas imediatos, uma cultura própria não teve tempo de se afirmar. Em um tempo de conquistas e reconquistas, o território da Ucrânia encontrava-se dividido desde o século 14 entre os remanescentes dos mongóis, o Ducado da Lituânia e o Reino da Polônia.

Em 1569, com a união que deu origem à Liga Polaco-Lituana, a situação se complicou. Além de exigirem a submissão total dos ucranianos, a Liga contava com forte influência do catolicismo romano, trazendo os “valores latinos” em seu cerne em contraposição com o cristianismo ortodoxo dos ucranianos e sua tradição bizantina oriental.

Tamanha era a diferença cultural que, para a Liga, a palavra para designar russos, ucranianos e também bielorrussos – que já não eram mais um povo só há pelo menos 250 anos – ainda era a mesma, rutenos, a forma em latim para nomear os povos rus, os antigos remadores varegues.

Após anos de dominação e, aproveitando as disputas internas entre poloneses e lituanos – além dos ecos da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) na Europa Oriental – os cossacos ucranianos se revoltaram contra os dominadores e proclamaram sua liberdade.

Constituíram um Hetmanato no que hoje é boa parte da Ucrânia, mas também em partes dos territórios dos modernos Belarus, Moldávia (região da Transnístria) e sudoeste da Rússia.

Este Estado, que começava a desenhar o que viria a ser a Ucrânia, era centrado na autoridade de um hetman (segundo comandante militar mais importante depois de um monarca) – daí o nome Hetmanato.

Por melhores guerreiros que fossem, e por mais bem-sucedidos que tivessem sido, sabiam que era apenas uma questão de tempo até que poloneses e lituanos voltassem a dominá-los. Além disso, havia a ameaça dos otomanos, que, desde que tomaram Constantinopla em 1453 (rebatizando-a de Istambul), se espalhavam pela Europa conquistando tudo em seu caminho.

A solução encontrada pelos cossacos ucranianos estava ao norte: em Moscou. Dada a origem comum e a superioridade militar daquele que já era um império considerável, a proteção dos czares russos era uma saída inteligente para os ucranianos. Em 1654, o Hetmanato assinou com o czarado de Moscou o Tratado de Pereslávia. A Ucrânia recebia sua autonomia, mas ficava sob “o cetro dos czares”.

Em troca, se submetiam à autoridade de Moscou e reconheciam o monarca russo como “o governante de toda a Rus”. O acordo garantiu que a Polônia e a Lituânia retirariam suas forças da região e que os otomanos não seriam mais uma ameaça, entretanto, deu início à “russificação” no país, cujas consequências ressoam até os dias de hoje.

De Pedro I a Napoleão

Em 1682, ascendeu ao poder na Rússia Pedro I, que passaria para a história como “O Grande”. Pedro sabia que seu país era poderoso, mas que ainda contava com problemas estruturais. A defasagem tecnológica em relação ao resto da Europa era nítida e, apesar de numeroso, seu Exército era composto majoritariamente de conscritos com baixa experiência de combate.

Para piorar, a Marinha era praticamente inexistente e incapaz de fazer frente à britânica, à holandesa e principalmente à sueca – a então maior ameaça para a Rússia. O czar empreendeu uma série de mudanças políticas, econômicas, sociais e militares, destinadas a equiparar a Rússia às demais potências europeias.

As mudanças foram desde obrigar os homens a se barbearem, de modo a fazê-los parecer mais “civilizados” – indo contra a ortodoxia russa – até construir uma grande Marinha de Guerra, inspirada na Marinha Real Britânica.

Seguindo os preceitos de seu ancestral Ivan, “O Terrível”, de que é melhor conquistar para não ser conquistado, Pedro atacou a Suécia, dando início à Grande Guerra do Norte (1700-1721). Os suecos já vinham realizando ataques contra a Rússia desde o início de 1700, mas não esperavam uma reação a ponto de ameaçar a integridade territorial.

Por fim, o conflito desandou para um combate geral no Mar Báltico que se arrastou por 21 longos anos, ao final, a Rússia surgiu como potência e Pedro converteu o czarado em Império Russo.

As consequências da vitória também foram sentidas no Hetmanato. Em 1709, em busca de mais liberdade em relação à Moscou, o hetman apoiou Carlos XII contra Pedro I. As forças suecas foram derrotadas na Batalha de Poltava (1709) e depois na guerra, e os ucranianos se encontraram do lado derrotado.

Mesmo depois da morte de Pedro, os czares e czarinas que o sucederam foram, pouco a pouco, submetendo o que restava da autonomia ucraniana à sua autoridade. A desconfiança de que eles poderiam novamente se alinhar a uma potência estrangeira contra a Rússia culminou com a anexação total do país em 1793.

Ao longo dos anos que se seguiram, o império proibiu o uso e o estudo da língua ucraniana e os habitantes foram pressionados a se converter à fé ortodoxa russa. E, como a História não é estática, enquanto a grande nação estendia seus domínios no leste e a Ucrânia se tornava cada vez mais dependente de São Petersburgo – a nova capital fundada por Pedro I em 1703 –, o resto do mundo estava em ebulição.

As ideias de progresso científico e de expansão dos direitos do homem, que os franceses chamaram de Iluminismo, haviam dado vazão a uma série de revoltas liberais, algumas se convertendo em revoluções.

Tendo por base os princípios iluministas, os norte-americanos se tornaram independentes da Inglaterra, em 1776, e inspiraram os próprios franceses, que viriam a fazer uma revolução em 1789.

No esteio do processo revolucionário, buscando ao mesmo tempo restaurar a ordem da França e avançar com os ideias de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da Revolução, chegou ao poder Napoleão Bonaparte.

Depois de dar ordem ao caos em que a França se transformara desde que o rei fora deposto e decapitado, Napoleão empreendeu uma série de conquistas e, em 1805, foi proclamado Imperador.

Uma a uma as monarquias europeias foram caindo perante seu Grand Armée (Grande Exército). Até que, em 1812, depois de ter conquistado toda a Europa Continental, o Imperador se voltou para o Oriente, para as terras do leste, e definiu um novo objetivo: dominar o Império Russo.

Os russos combateram ao lado dos austríacos contra os franceses em mais de um embate. Enquanto a Áustria caía, a Rússia permanecia de pé. Sendo um grande estrategista, Napoleão sabia que aquele que dá o primeiro passo no campo de batalha tende a ter vantagem.

O Imperador reuniu um grande Exército (os números eram colossais) e partiu de Paris para tomar Moscou – que, embora não fosse mais a capital russa há mais de um século, sua importância histórica não podia ser negligenciada, e, no caminho para a Rússia estava a Ucrânia.

O sentimento ucraniano era misto em relação ao imperador francês: enquanto uma semente de nacionalismo gerava a ideia de que deviam lutar com os franceses contra o czar Alexander I; uma parte significativa da população, inclusive boa parte dos cossacos, sabia que corriam o risco de substituir um dominador por outro.

Além disso, como a história já mostrava, ao se aliarem a uma potência estrangeira contra a Rússia, e os russos saíssem vitoriosos, as consequências para o país não seriam nada boas.

Houve aqueles que lutassem por Napoleão, mas também pesou na decisão dos ucranianos o fato de o imperador ter prometido a seus aliados austríacos e poloneses que, uma vez que a Ucrânia fosse dominada e a Rússia conquistada, o território ucraniano seria repartido entre eles – e também com os turco-otomanos, que prometeram a Napoleão não interferirem na campanha.

A Rússia se mostrou um oponente à altura de Bonaparte. Mesmo que tenha tomado Moscou, a cidade já se encontrava vazia. Além do resistente general Mikhail Kutuzov, da tenacidade do povo russo, da tática da terra arrasada, que não permite que o inimigo se aproprie de seus víveres e de sua infraestrutura, os “generais Inverno e Lama” – o frio escaldante e a lama que se forma quando a neve começa a derreter (Rasputitsa, em russo) – cobraram seu preço.

A estratégia que fora desenvolvida após a dominação mongol, de que a Rússia precisava de grandes espaços entre ela e as demais potências, havia funcionado: o Grand Armée não conseguiu se manter na vastidão do país.

Pelo contrário, em embates que se estenderam até 1814, o Exército Russo, auxiliado por antigos impérios que haviam se curvado sob Napoleão, fez com que as tropas francesas retrocedessem até Paris. Os russos chegaram a marchar sob a capital francesa (entre eles estava um contingente ucraniano), mas o fim de Napoleão só viria no ano seguinte.

Entre impérios e revoluções

Com a coalizão anglo-prussiana na Batalha de Waterloo (1815), deu-se o fim do domínio francês na Europa – o que se seguiu foi uma tentativa de restauração do Antigo Regime, voltando às monarquias absolutistas que dominavam o continente pré-Revolução. O novo equilíbrio de poder, no entanto, foi estabelecido no Congresso de Viena (1814-1815), em que a Rússia passou a ter um papel central no chamado “Concerto Europeu”.

O sistema foi efetivo por certo tempo, mas não evitou que as revoluções sociais e tecnológicas – principalmente a Revolução Industrial – mudassem a sociedade europeia.

Face a todos esses movimentos e inspirados por tantas ideias novas, os ucranianos passaram a rever antigos conceitos de povo e identidade, agora, permeados pela ideia de Estado-Nação originada com a Revolução Francesa.

A Rússia também experimentou uma grande mudança. Em 1861, depois de séculos, acabou a servidão no país. A prática, que havia terminado no resto da Europa com o fim da Idade Média – muito por conta da ascensão do capitalismo mercantil –, só foi proibida com o czar Alexander II, conhecido como “O Reformador/ O Libertador”.

Ainda que no século 19 tenha sido mantida a relação de Rússia como potência e Ucrânia como parte do Império, essas mudanças são essenciais para entender o percurso das duas nações e o que viria a ocorrer nos anos seguintes ao redor do mundo, com o surgimento de um novo conceito revolucionário, cuja teoria se contrapunha ao liberalismo capitalista e às noções patriarcais: o socialismo.