Bunker da Cultura Web Radio

Free Shoutcast HostingRadio Stream Hosting

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Borges de Medeiros e a Vitivinicultura do RS

 A indústria vitivinícola da Serra gaúcha não existiria sem o entusiasmo e o incentivo de um filho de pernambucano que estudou em Recife e acolheu, no Rio Grande do Sul, vários nordestinos que moldaram a história do Estado.

Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961) é mais conhecido do público brasileiro como o elegante cidadão de casaca, colarinho duro e chapéu coco na capa da coleção Nosso Século, da Editora Abril, muito popular nos anos 1980. Ele foi, entretanto, muito mais do que um ícone da moda da Belle Époque.

Nenhum indivíduo na história do Brasil permaneceu por mais tempo em um comando do Executivo do que Borges de Medeiros. Foram 26 anos como presidente (equivalente ao atual governador) do Estado do Rio Grande do Sul: de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928. No intervalo de 1908 a 1913, quando o cargo foi ocupado por seu condiscípulo Carlos Barbosa Gonçalves (1851-1933), Borges assumiu o papel de poder por trás do trono.

Nas três décadas em que mandou e desmandou no Estado mais meridional da federação, Borges teve papel de primeira linha na política nacional, aprovando e vetando aspirantes à Presidência da República. Como líder incontestável do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), foi o mentor de Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, José Antônio Flores da Cunha, João Neves da Fontoura, Maurício Cardoso e muitos outros.

No início deste mês de março, a indústria vinícola gaúcha esteve sob os holofotes da mídia após o resgate de mais de 200 trabalhadores — a grande maioria deles vinda da Bahia — de condições análogas à escravidão no município de Bento Gonçalves.

Eles trabalhavam para uma empresa terceirizada, contratada pelas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, importantes produtoras da região.

O pai de Borges de Medeiros era o advogado pernambucano Augusto César de Medeiros, nomeado promotor público de Caçapava do Sul, na Metade Sul do Rio Grande do Sul. No município, Medeiros casou-se com Miquelina de Lima Borges, de família de proprietários de terras.

Uma das iniciativas de Borges de Medeiros no governo do Rio Grande do Sul foi justasmente o incentivo à indústria de uva e vinho.

A região em que essa atividade prosperou, a Encosta da Serra do Nordeste (hoje conhecida como Serra gaúcha e compreendendo 75 dos 496 municípios gaúchos, incluindo Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi e Flores da Cunha), foi uma das últimas a ser povoadas no Estado. A ocupação tardia teve causas sobretudo econômicas: situada 300 metros acima do nível do mar e coberta de florestas de araucária e pinus, não se prestava à criação de gado que havia sustentado por séculos a economia rio-grandense. A presença de índios da etnia kaingang, os chamados "bugres", tornava a área mais ameaçadora.

Mesmo os primeiros migrantes na segunda metade do século 19 — alemães, franceses, holandeses, poloneses, suecos e suíços — não se aventuraram encosta acima, preferindo terras menos inóspitas e próximas de cursos d'água, como os vales dos rios Caí e dos Sinos. A Encosta da Serra foi destinada aos que chegaram mais tarde, a partir de 1870: os italianos oriundos das províncias do Vêneto e do Trentino (então parte do Império Austro-húngaro).

Em vez de ser alojados em aldeias, como na antiga tradição europeia que remonta à Antiguidade, os migrantes foram distribuídos em lotes independentes organizados em travessões (linhas). O sistema previa a criação de vilas que serviriam como centro comercial e comunitário, mas as linhas acabaram sendo a unidade adotada pelos colonos para a tessitura de seus laços de sociabilidade na nova terra.

Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961) é mais conhecido do público brasileiro como o elegante cidadão de casaca, colarinho duro e chapéu coco na capa da coleção Nosso Século, da Editora Abril, muito popular nos anos 1980

CRÉDITO,

ARQUIVO

Mal servidos pela geografia, os recém-chegados foram favorecidos pela história. Em 1893, pouco mais de três anos após a proclamação da República, o Rio Grande do Sul foi sacudido por uma guerra civil de três anos entre os republicanos, no poder em Porto Alegre, e os estancieiros da Metade Sul que haviam dominado a região desde os tempos coloniais. O conflito, que durou três anos e deixou 10 mil mortos, terminou com a vitória dos primeiros. Derrotados e humilhados, os fazendeiros da Metade Sul assistiram à remoção de entraves políticos à atividade manufatureira e comercial nas regiões de migração, embora a pecuária continuasse sendo o principal ramo da economia do Estado. Além disso, a guerra quase não chegou à Serra. Diferentemente do que ocorreria mais ao sul, a população cresceu e, com ela, o peso econômico de migrantes e descendentes.

O governo do Estado, sob Julio de Castilhos (1892-1898) e, depois, Borges de Medeiros, intuía o potencial agrícola e industrial das regiões de migração. O principal propósito era suprir os grandes centros urbanos, como Porto Alegre e Pelotas, com produtos de subsistência. As próprias colônias foram organizadas em moldes supostamente científicos, de acordo com a ideologia positivista. As primeiras tentativas de plantar uvas, com mudas vindas da Europa, não vingaram. Entusiasta do progresso da região, Borges de Medeiros criou uma estação agronômica para prestar assistência aos colonos e patrocinou a importação de mudas de uva da variedade Isabel ou Isabella, que mais tarde se provou inadequada.

Em mensagem à Assembleia Legislativa, em 20 de setembro de 1902, comemorou os sucessos alcançados: "A viticultura tem melhorado visivelmente, devido aos trabalhos que a Estação Agronômica há empreendido com eficácia. A distribuição anual de bacilos das melhores castas de videiras trará dentro em pouco a substituição completa da uva Isabella, que não é a mais própria para a fabricação do vinho, atenta a sua fraqueza alcoólica". E completou: "Mais do que o aumento da produção, que aliás é animadora, importa aperfeiçoar os processos de vinificação e combater as fraudes e falsificações de todo gênero, sobretudo quando consistem na adição aos vinhos de substâncias tóxicas".

A Serra especializou-se na produção de itens essenciais para as cidades em crescimento, mas que pouca atenção recebiam nas regiões de predomínio da pecuária: banha, uva e madeira. Esse tripé impulsionou um desenvolvimento econômico que não seria igualado em nenhuma outra região. Inicialmente destinada ao abastecimento do mercado rio-grandense, a banha tornou-se item de exportação a partir de 1889. Entre 1907 e 1927, o valor exportado cresceu 1000%. O vinho teve ascensão ainda mais meteórica: de 2,1 milhões de litros anuais em 1905 para 20,8 milhões entre 1927 e 1930. Finalmente, a madeira ganhou importância crescente a partir da 1ª Guerra Mundial, respondendo por 2% da receita total de exportações do Estado em 1926-1930.

Às 15h40min do dia 10 de junho de 1910, os sinos das igrejas da vila de Santa Teresa, na Serra, repicaram em júbilo. Era a chegada do primeiro trem à localidade, que passava, naquele dia, por ato assinado pelo presidente do Estado, Carlos Barbosa, um dos passageiros da composição, à categoria de cidade sob o nome de Caxias do Sul. O jornal O Brazil descreveu a cena: "Houve um alvoroço indescritível em todos os corações. Ouvem-se as notas vibrantes do Hino Nacional e da marcha real italiana; vivas e aclamações reboam nos ares; ao longe, ao sinal de um disparo de canhão, uma salva de 21 tiros de morteiros saúda a chegada do trem inaugural".

O domínio de Borges de Medeiros foi inspirado no ideário positivista do filósofo francês Auguste Comte, que preconizava um governo dito científico. O objetivo de uma administração positivista seria promover o progresso por meio da correta aplicação do conhecimento humano em detrimento de valores democráticos como liberdade e representação. O positivismo havia inspirado intelectuais e militares desde os tempos do Império, e uma versão sintética de seu lema "O Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim" foi incorporada à bandeira da República. Na prática, o regime do borgista Partido Republicano Rio-grandense (PRR) era uma ditadura na qual a Assembleia de Representantes (hoje Assembleia Legislativa), com esmagadora maioria governista, reunia-se duas vezes por ano.

"Tirano positivista", definiu-o o poeta e diplomata francês Paul Claudel, enviado ao final da 1ª Guerra Mundial a Porto Alegre para negociar dívidas francesas e belgas no setor ferroviário. "Magro como lobisomem, mesquinho como o demônio", vituperou Ramiro Barcelos, médico e aliado tornado inimigo, no poema Antônio Chimango, obra-prima de sátira política.

Borges de Medeiros

CRÉDITO,

DOMÍNIO PÚBLICO

Legenda da foto,

Nenhum indivíduo na história do Brasil permaneceu por mais tempo no comando do Executivo do que Borges de Medeiros

Há cem anos, oposicionistas promoveram um levante contra Borges que passou à história com o nome de Revolução de 1923. O objetivo do movimento armado era impedir a reeleição do chefe do PRR para um novo mandato. No acordo que pôs fim ao levante, o presidente do Estado comprometeu-se a deixar o governo definitivamente em 1928, quando foi eleito seu pupilo Getúlio Vargas.

Do ponto de vista econômico e social, o Rio Grande do Sul experimentou um boom sob o governo de Borges. Cidades foram criadas, expandidas e melhoradas com avenidas, parques e iluminação pública. Floresceram indústrias, linhas e ramais ferroviários, cais e armazéns para transporte fluvial e marítimo. Fundaram-se bancos, firmas de exportações, escolas, faculdades, tipografias, editoras, teatros. Essas e outras mudanças influenciaram de forma decisiva o Rio Grande atual e tiveram consequências para o restante do país.

A condição de filho de "baiano" — como eram conhecidos no Rio Grande do Sul os naturais da atual região Nordeste — rendeu dissabores a Borges de Medeiros. O historiador Sergio da Costa Franco (1928-2022) assinalou que seus muitos inimigos costumavam acusá-lo de não ter nascido no Rio Grande do Sul, contrariando um preceito da Constituição de 1891 para a ocupação do cargo de presidente do Estado. "A afirmação, de pura hostilidade partidária, não era verdadeira", notou o autor de Julio de Castilhos e sua épocaBorges nasceu em 19 de novembro de 1863 em Caçapava do Sul.

O adolescente Borges de Medeiros ingressou em 1881 na Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo de São Francisco. Na instituição, tornou-se ardente republicano e abolicionista, além de positivista. O curso seria concluído na Faculdade de Recife, em 1885. Segundo Costa Franco, o motivo da transferência teria sido financeiro: na capital pernambucana, o estudante poderia contar com moradia e alimentação fornecidas por familiares do pai.

As relações tecidas na esfera familiar e acadêmica levaram Borges a manter importantes laços com nordestinos, alguns dos quais acolheu no serviço público e no setor privado no Rio Grande do Sul. Um deles foi o jurista potiguar Manuel André da Rocha (1860-1942), de Natal. Ele assumiu em 1890 a comarca de Lagoa Vermelha, no interior do Rio Grande do Sul. Posteriormente, foi chefe de polícia, procurador-geral do Estado e presidente do Superior Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul. Sua função mais notória, porém, foi a de diretor da Faculdade de Direito de Porto Alegre, hoje Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. André da Rocha permaneceu à frente da instituição durante 40 anos.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Terras Prometidas

 


Família de camponeses da região de Ramallah
entre 1900 e 1910

O termo árabe “al Nakba”, traduzido como “a catástrofe”, traz a conotação de uma miséria profunda e se refere à expulsão de 750 mil palestinos do território onde foi criado o Estado de Israel em maio de 1948.

Mais recentemente, os estudos da área começaram a empregar o termo “Nakba continua” para enfatizar que o processo de expulsão, que teve seu auge naquele 1948, continua até hoje. Em 1967, outros 350 mil palestinos foram deslocados.

Fora dos períodos de guerra, o deslocamento forçado ocorre por outros meios, seja através de leis e dispositivos discriminatórios, seja através de da invasão e do roubo de casas palestinas por colonos radicais – evento recorrente em Jerusalém oriental.

O primeiro a chamar atenção para o caráter contínuo da Nakba não foi um historiador, mas Elias Khoury, escritor libanês e ex-combatente da liberdade (“fida’i” em árabe). Ferido aos redor dos 20 anos, trocou o rifle pela caneta e passou a coletar fragmentos de histórias palestinas e a tecer narrativas que registram o longo e ininterrupto sofrimento desse povo, bem como sua resiliência.

A concomitância e a intrínseca relação entre o ápice da Nakba e a criação do Estado de Israel gerou enormes disputas historiográficas. A versão dos chamados velhos historiadores israelenses foi retratada pela imagem de um Davi israelense contra um Golias árabe.

O jovem Estado de Israel, nascido das cinzas do Holocausto europeu, teria enfrentado uma terrível força árabe, cujo desejo seria eliminar o país e lançar os judeus ao mar.

A guerra de 1948, segundo tal narrativa, seria uma guerra de defesa. Os palestinos teriam fugido a mando de seus líderes para dar lugar à entrada dos exércitos árabes.

Um dos primeiros historiadores palestinos, Aref al Aref, era no ocasião o comissário-assistente do distrito de Ramallah e foi encarregado de receber o negociador da ONU, o conde sueco Folke Bernadotte, em julho de 1948, pouco após a queda e massacre de Lydd e Ramla.

Sessenta mil habitantes dessas duas cidades tinham sido forçados a uma marcha de morte em que centenas deles pereceriam desidratados e exauridos antes de chegar a Ramallah. O conde Bernadotte foi informado pelos oficiais israelenses de que os palestinos fugiram a mando de seus líderes.

Aref al Aref conta que ele prontamente levou o conde Bernadotte para encontrar alguns desses líderes, para ouvir seus relatos, nas cavernas onde tinham se refugiado. Foram encontros como esse que certamente fizeram com que Bernadotte reportasse à ONU que “nenhum acordo será justo e completo se não for garantido o reconhecimento do direito de os refugiados árabes voltarem para suas casas, de onde foram desalojados”.

O conde Bernadotte foi assassinado poucos meses depois pelo grupo Lehi, comandado na época por Yitzhak Shamir, que passaria de terrorista procurado pelas autoridades inglesas a primeiro-ministro de Israel em 1983.

O mito do êxodo voluntário dos palestinos perdurou por três décadas, não obstante os relatos de Folke Bernadotte, Aref al Aref e do historiador Walid Khalidi, que, na década de 1950, foi o primeiro a comprovar sua falsidade com pesquisas em arquivo.

Como se alegava que as altas lideranças árabes haviam emitido ordens pelo rádio para que os palestinos fugissem, Walid Khalidi revirou o acervo das gravações radiofônicas árabes de 1948, mantido no Museu Britânico, em Londres, onde não encontrou nenhum registro nesse sentido.

O personagem Adam, do mais recente romance de Elias Khoury publicado no Brasil, “Meu nome é Adam” (editora Tabla), pergunta, muito pelo contrário: por que não fugiram?

Cerca de 15 mil palestinos morreram na Nakba de 1948, e foram registrados mais de 30 massacres como o de Deir Yassin, ocorrido em 9 de abril daquele ano, e o de Tantura, caso investigado por Teddy Katz, aluno do historiador israelense Ilan Pappé na Universidade de Haifa, que, depois de defender sua dissertação de mestrado em 1998, foi pressionado pela direção da faculdade a alterar suas conclusões.

Na década de 1980, surgiu uma onda de publicações acadêmicas dos chamados novos historiadores israelenses, que, mais de duas décadas após os historiadores palestinos a quem ninguém deu ouvidos, também refutarem a velha narrativa sionista do êxodo voluntário. Fizeram-no principalmente a partir de arquivos nacionais e militares israelenses abertos 30 anos após 1948.

Um novo entendimento foi produzido pela pesquisa do historiador israelense Benny Morris, ao redor de 1987, comprovando que os aproximadamente 750 mil palestinos que se tornaram refugiados em 1948 tinham sido, de fato, expulsos.

Caía por terra, definitivamente, a versão do êxodo voluntário. A discussão, no entanto, passou a girar em torno dos motivos da expulsão. Morris, após titubear, chegaria à conclusão de que expulsão foi consequência inelutável da guerra de 1948, motivo pelo qual foi duramente criticado pelo cientista político judeu norte-americano Norman Finkelstein, que chamou a tese de Benny Morri de “o meio termo feliz”, já que reconhecia a expulsão, mas negava a motivação.

Vários autores, palestinos e israelenses, como Nur Masalha e Avi Shlaim, fizeram então importantes contribuições ao debate historiográfico e ao processo de desconstrução da mitologia sionista. Contudo, o próximo grande avanço historiográfico viria com o resultado da publicação, em 2006, do principal livro de Ilan Pappé, “A Limpeza Étnica da Palestina”.

Nele, o autor demonstrou como, nos anos 1940, o Fundo Nacional judaico financiou projeto secreto de mapeamento do território da Palestina, ainda sob o mandato britânico.

O levantamento incluiu os nomes e a localização dos vilarejos, qualidade das terras de cada aldeia, sua produção agrícola, o número de pomares, o número de árvores em cada pomar e até de frutos em cada árvore, as fontes de água, carros e carroças, a população masculina adulta, os nomes de todo suspeito de ser um combatente do movimento de resistência do campo, nome das lideranças e descrição do interior das casas dos “mukhtars” (líderes/prefeitos), indicando que os espiões judeus eram recebidos com a típica hospitalidade árabe no interior das casas.

Os arquivos dos vilarejos, construídos de maneira completamente clandestina ao longo da décadas de 1940, registraram dados extremamente detalhados e cada vez mais relativos às capacidades militares e de resistência dos residentes árabes.

Segundo Ilan Pappé, essa informação foi usada, primeiro, para entender quais terras seriam as mais cobiçadas para a formação do Estado judeu quando chegasse o momento; segundo, que tipo de força de resistência poderia ser encontrada em cada região e em cada aldeia. Os ‘arquivos dos vilarejos” teriam fornecido a base de dados para a elaboração do Plano D (Dalet), o plano de guerra do Exército israelense em 1948 ou, na visão de Pappé, o plano para a limpeza étnica da Palestina.

O termo pode ser entendido como um política deliberada de remoção de populações civis de seus territórios, por meio da violência e do terror, para viabilizar a ocupação por seus perpetradores. Assim difere da ideia de genocídio, ação intencional de extermínio de grupos étnicos-raciais, nacionais ou religiosos.

Os ataques aos vilarejos seriam conduzidos inicialmente pelas milícias sionistas Haganá, Irgun e Lehi, mais conhecidas como bando Stern, e teriam início assim que aprovada a partilha da Palestina em votação da Assembleia Geral da ONU, em 29 de novembro de 1947.

A ação do Haganá em Wadi Rushmiyya, bairro árabe de Haifa, em dezembro de 1947, foi considerada o marco inicial da limpeza étnica da Palestina. A Haganá aterrorizou os 75 mil habitantes árabes da cidade, incitou-os a fugir e explodiu suas casas para que não tivessem para onde retornar.

Segundo Ilan Pappé, a primeira fase da limpeza étnica foi realizada de dezembro de 1947 a março de 1948, período marcado por ataques ainda esporádicos das milícias sionistas e episódios de resistência, emboscadas e contraofensivas palestinas. Em março, foi finalizado o referido Plano Dalet, alterando e acirrando as características do conflito.

Esse plano foi elaborado com base nos dados reunidos nos arquivos dos vilarejos e traçava as regiões que o movimento sionista deveria tentar conquistar para além das fronteiras designadas pela ONU.

Determinava também os métodos a serem empregados: segundo Pappé, cercar e bombardear vilarejos e núcleos populacionais, atear fogo a casas, propriedades e bens, expulsar os moradores, demolir suas casas e, finalmente, plantar minas nos destroços para impedir o retorno dos moradores expulsos. Cada unidade paramilitar recebeu relação específica de vilarejos e bairros que seriam seu alvo.

O Plano Dalet era a quarta e última versão de planos anteriores que tinham descrito apenas vagamente como a liderança sionista pretendia lidar com a presença de tantos palestinos na terra que o movimento nacional judeu reivindicava. Nas palavras de Pappé, “o quarto e último traçado dizia clara e inconfundivelmente: os palestinos têm de sair”.

Para Walid Khalidi, o objetivo do plano foi tanto quebrar a resistência palestina quanto criar um fato consumado que nem a ONU, os Estados Unidos ou os países árabes conseguiriam reverter. Isso explica, diz Khalidi, a velocidade e a virulência dos ataques aos centros populacionais árabes.

À medida que o plano militar era executado, dezenas de milhares de palestinos seriam forçados a marchar, levando apenas as roupas do corpo, formando rios de refugiados que inundaram os países árabes fronteiriços na esperança de, em breve, retornar.

Uma das principais e mais carismáticas lideranças da resistência palestina, Abd al-Qadir al-Husseini foi morto na batalha de Al-Qastal em abril de 1948. O segundo líder, Hassan Salameh, que conduziu a resistência camponesa “al-jihad al-muqaddas”, caiu na batalha de Ras al-Ayn, em junho de 1948. A derrota palestina foi selada independentemente do posterior ingresso dos países árabes na guerra.

Os países árabes votaram contra a resolução 181 da ONU, que determinou a partilha da Palestina. Jamais concordaram com a instauração do mandato britânico (administração civil britânica que operou de 1920 a 1948) e, assim como os palestino, não aceitavam que uma porção dos territórios árabes fosse entregue para o movimento sionista.

Assim que declarada a fundação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, ingressaram na guerra. O objetivo era, alegadamente, impedir a criação do Estado sionista. Na prática, boa parte das tropas enviadas eram irregulares, com voluntários mal armados e mal treinados, que tinham por objetivo acudir ao apelo dos irmãos palestinos.

A exceção era a Jordânia, com pretensões de anexar as terras férteis da margem ocidental do rio Jordão. A monarquia hachemita tinha o maior exército árabe da época e, na avaliação de Walid Khalidi, não fosse por ela e pela participação do Egito, os palestinos teriam perdido todas suas terras em 1948.

Israel foi criado em 78% do território da Palestina histórica, não nos 52% designado pela ONU. Nessa porção majoritária do território da Palestina histórica, permaneceram apenas cerca de 150 mil palestinos. A Faixa de Gaza recebeu 200 mil refugiados, cujos descendentes representam 70% da população atual. Outros 550 mil palestinos fugiram principalmente para a Cisjordânia, a Jordânia, a Síria e o Líbano.

Salman Abu Sitta, expulso de Be’er Sheva aos dez anos, refugiou-se com a família em Gaza e depois foi para Londres, onde se doutorou em engenharia civil. Ele mapeou os 530 vilarejos palestinos esvaziados, destruídos e eliminados pelas invasões das milícias sionistas e das Forças de Defesa de Israel, de finais de 1947 até o armistício de 1949, e demonstrou que é falso o argumento de que não há espaço para o retorno dos refugiados palestinos às suas terras.

Dado que os historiadores palestinos foram largamente ignorados, foi a partir da pesquisa apresentada por Ilan Pappé em “A Limpeza Étnica da Palestina” que se formou uma nova compreensão acerca da Nakba.

Não seria mais o caso de dizer que a expulsão dos palestinos existiu, mas em decorrência da guerra, nem que ela foi um objetivo sistematicamente perseguido apenas durante a guerra, mas que a guerra foi iniciada no dia seguinte à aprovação da partilha da Palestina pela ONU para realizar um plano que previa a desocupação para a criação de um Estado étnico e majoritariamente judeu.

Desnecessário dizer que a tese de Ilan Pappé desagradou profundamente o establishment sionista. O historiador trocou a Universidade de Haifa pela de Exeter, no Reino Unido, mas não deixou de fazer enorme sucesso entre os israelenses que lutam pela conquista dos direitos palestinos e acreditam que devem encontrar formas menos segregacionistas e mais compartilhadas de viverem juntos, do rio ao mar.

Como dizia Edward Said, nenhum povo quer ter que olhar para trás e reconhecer os horrores da sua própria história. Ao mesmo tempo, dizia ele, somente o reconhecimento dos sofrimentos mútuos – dos judeus no Holocausto e dos palestinos na Nakba – poderá gerar a reparação e os elos necessários para uma vida em comum. Enquanto a Nakba continua e se agrava, o reconhecimento da catástrofe apenas começa.

Arlene Clemesha
Professora de história árabe da USP

Folha de São Paulo, 26 de novembro de 2023.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

 Sempre que olharmos os assentamentos ilegais por parte de Israel, bem como a revolta palestina (e com razão) frente a tal situação em que se vive atualmente, recordaremos que no dia 1º de Junho, Eichmann, o pacificador, foi, por ironia do destino, executado pelas mesmas mãos das autoridades que representam um Estado pelo qual ele tanto lutou.

O pacificador injustiçado

Karl Adolf Eichmann nasceu em Solingen, na Alemanha, em 19 de Março de 1906, e foi assassinado em Jerusalém, Israel, em 01 de Junho de 1962, depois de ter sido seqüestrado na Argentina.

Eichmann era o filho maior de uma família de cinco irmãos que foram de Solingen a Linz, na Áustria. Adolf era considerado estrangeiro na Áustria e não pôde conseguir trabalho, enquanto que seus irmãos menores eram considerados austríacos ao terem nascido neste país. O pai de Adolf tinha entre suas amizades a de Ernst Kaltenbrunner, dirigente nacional-socialista de origem austríaca, cuja sede do Partido estava em Linz. Kaltenbrunner auspiciou o ingresso de Eichmann ao N.S.D.A.P. austríaco.

No 1º de Abril de 1932 ingressou ao NSDAP da Áustria sob número de afiliado 899.895 e no mesmo dia ingressou nas Schutzstaffel com o número 4.532, sendo transferido para Berlim em 1º de Outubro de 1934.


Karl Adolf Eichmann

Bernard Shaw dizia que apesar de ser considerado o mestre da ironia, jamais teria tido a idéia de construir a tal “Estátua da Liberdade” justamente nos Estados Unidos. No caso de Eichmann, também nos parece uma grande ironia: perseguição, difamação, seqüestro e enforcamento enquanto “atos nobres” – NR.

Antes de 1939, quando a Alemanha contemplava a possibilidade de remover os judeus da Europa, Eichmann foi um dos principais interlocutores do Terceiro Reich com o movimento sionista, o qual buscou a possibilidade de se estudar a emigração judaica.

Em 1939, opta-se pela deportação massiva dos judeus alemães a guetos habitados na Polônia, e em 1942, tem-se a Conferência de Wannsee organizada por Reinhard Heydrich, na qual se lança definitivamente a chamada Solução Final que não era outra coisa senão a expatriação de todos os judeus da Europa para fora desta e não, como a história diz, a eliminação física dos judeus. Eichmann, que participa da conferência, fica responsável pela logística das deportações.

Em 1945, depois da queda do Terceiro Reich, Eichmann foge para a Argentina com um passaporte entregado pela Delegação de Gênova do Comitê Internacional da Cruz Vermelha de 01 de Junho de 1950, que lhe reconhece chamar-se Ricardo Klement, natural do Tirol do Sul, Itália. Com este passaporte recebe a autorização de imigração outorgada pelo Consulado Geral da República Argentina em Gênova. Sob a falsa identidade de Ricardo Klement, vive em Buenos Aires uma vida absolutamente normal com sua família. Sem dúvidas, em 1957 é descoberto pelo serviço secreto de Israel, Mossad, os quais tardam dois anos em determinar sua identidade. Eichmann trabalhava como mecânico em uma fábrica.

Em 01 de Maio de 1960 um grupo de “Nokmin” (Vingadores) de espionagem israelense ingressa a Buenos Aires e começa a Operação Garibaldi (nome dado à rua onde Eichmann vivia). Esta equipe dirigida pelo assassino Rafael Eitan e coordenada por Peter Malkin, “especialista em seqüestros”, inicia uma vigilância durante quase duas semanas. Em 11 de maio de 1960 seqüestram o em plena rua enquanto Eichmann chega do trabalho e é enviado a Israel sete dias mais tarde. Ali se submete a um longo e polêmico julgamento, ao termino do qual é condenado à morte pela forca, sentença que se cumpre minutos depois da meia-noite, na madrugada de 01 de junho de 1962.

Suas últimas palavras foram: “Longa vida à Alemanha… Longa vida à Áustria… Longa vida à Argentina. Estes são os países com os quais mais me identifico e nunca irei esquecê-los. Tive de obedecer as regras da guerra e as de minha bandeira. Parto em paz”.

Seus restos foram incinerados e as cinzas dispersadas no mar mediterrâneo por uma nave da Força Naval israelense, em presença de alegados sobreviventes do Holocausto, e fora das águas jurisdicionais de Israel. Deste modo, podia-se evitar que seu túmulo se tornasse ponto de veneração.

Rafael Eitan, o qual dirigiu o grupo que seqüestrou Eichmann foi durante 25 anos oficial de Inteligência no Mossad e dirigiu o criminoso Shin Bet, que em novembro de 1985 foi destituído por ser descoberto como diretor de uma rede de espionagem contra os Estados Unidos.

Para Malkin, o agente que deteve Eichmann havia reconhecido em uma entrevista: “O mais inquietante de Eichmann é que não era um monstro, senão um humano”.

Adolf Eichmann era falante do hebraico e profundo conhecedor do judaísmo. Esteve durante inúmeras ocasiões junto de rabinos ortodoxos para discutir a melhor possibilidade para a tão falada questão judaica. Com a derrota alemã, é obrigado a fugir. Seqüestrado, fora julgado por crimes inventados (matematicamente impossíveis, diga-se de passagem). Como num passe de mágica, de pacificador fora transformado em criminoso ímpar – NR.

Atribui-se justiça ao seqüestro e morte de Eichmann, quando este teria sido uma das figuras de maior esforço pelos conflitos que hoje são tão eminentes no Oriente Médio, ao trazer à mesa a necessidade de criação de um estado judeu, que, no caso, viria a ser situado em Madagascar, certamente um lugar que teria sido muito mais vantajoso que onde Israel se situa bis duas de hoje.

“Comparemos com Madagascar, a quarta maior Ilha do mundo, com cerca de 600 Km², três vezes maior que a Inglaterra, 20 vezes maior que a Bélgica! A Madagascar do Sul, que, com 240 Km², é doze vezes maior que a Palestina, possui terra virgem, solo rico e prospectos favoráveis para a agricultura e a criação de gado. Incomparavelmente mais vantajoso em todos os casos, se comparado com o território sionista atual”.

Sempre que olharmos os assentamentos ilegais por parte de Israel, bem como a revolta palestina (e com razão) frente a tal situação em que se vive atualmente, recordaremos que no dia 01 de Junho, Eichmann, o pacificador, foi, por ironia do destino, executado pelas mesmas mãos das autoridades que representam um Estado pelo qual ele tanto lutou, guiado por um senso de justiça tanto para com judeus quanto para com árabes – coisa que não lhe foi possível presenciar em vida.

“O Plano Madagascar foi, até então, a melhor tentativa de se encontrar uma solução que, de fato, não era necessariamente hostil ao sionismo. Eichmann queria encontrar um solo que ficasse sob domínio judaico. O plano de se facilitar a evacuação de quatro milhões de judeus na Europa para a ilha francesa da Costa Sudeste da África se originou no Departamento Estrangeiro, que passou para a RSHA. Eichmann sempre sustentou tal plano, afirmando que este havia sido sonhado antes ainda pelo pioneiro na questão de um estado judaico, Theodor Herzl”.

Conservadores e o antissemitismo

 Israel Shahak expõe alguns aspectos da aliança entre Conservadores e Antissemitas no final do século XIX e início do século XX. Notem a subversão desta relação em nosso atual momento, onde os autointitulados Conservadores se aliaram ao sionismo como alternativa ao Socialismo Marxista.

Do Livro História Judaica, Religião Judaica

Deve ser apontado que alguns grupos importantes de conservadores Europeus estavam muito preparados para jogar com o anti-semitismo moderno e usá-lo para os seus próprios fins, e que os anti-semitas estavam igualmente prontos a usar os conservadores quando a ocasião surgia, embora no fundo houvesse pouca semelhança entre as duas partes. ‘As vítimas que eram tratadas mais asperamente [pela pena do supramencionado Drumont] não eram os Rothschüds mas os grandes nobres que os cortejam. Drumont não poupava a Família Real… ou os bispos, ou a propósito o Papa’24. Não obstante, muitos dos grandes nobres, bispos e conservadores em geral Franceses foram muito satisfeitos em usar Drumont e o anti-semitismo durante a crise do processo Dreyfus numa tentativa de derrubar o regime republicano.

Este tipo de aliança oportunista reapareceu muitas vezes nos vários países Europeus até à derrota do Nazismo. O ódio dos conservadores ao radicalismo e em particular a todas as formas de socialismo cegou muitos deles sobre a natureza dos seus companheiros de cama políticos. Em muitos casos estavam preparados literalmente para se aliarem com o diabo, esquecendo a velha máxima de que precisamos de uma colher muito comprida para comermos com ele.

A eficácia do anti-semitismo moderno, e da sua aliança com o conservadorismo, dependia de vários factores.

Primeiro, a tradição mais antiga de oposição religiosa Cristã aos Judeus, que existiu em muitos (embora de forma alguma em todos) países Europeus, podia, se apoiada ou pelo menos não contrariada pelo clero, atrelar-se ao carro do anti-semitismo. A resposta real do clero em cada país foi determinada largamente pelas circunstâncias locais históricas, e sociais específicas. Na Igreja Católica, a tendência para uma aliança oportunista com o anti-semitismo era forte em França, mas não em Itália; na Polônia e na Eslováquia, mas não na Boêmia. A Igreja Ortodoxa Grega tinha tendências notoriamente anti-semitas na Romênia, mas seguiu a linha oposta na Bulgária. Entre as Igrejas Protestantes, a Alemã estava dividida profundamente quanto a este assunto, outras (tais como a Letã e a Estônia) tendiam a ser anti-semitas, mas muitas (por exemplo a Holandesa, Suíça e Escandinavas) estiveram entre as primeiras a condenar o anti-semitismo.

Em segundo lugar, o anti-semitismo era amplamente uma expressão genérica de xenofobia, um desejo de uma sociedade homogênea ‘pura’. Mas em muitos países Europeus cerca de 1900 (e de facto até mais recentemente) o Judeu era virtualmente o único ‘estrangeiro’. Isto era particularmente verdadeiro na Alemanha. Em princípio, os racistas Alemães do início do século XX odiavam e desprezavam os Pretos tanto como os Judeus; mas então não existiam Pretos na Alemanha. Claro que o ódio pode ser focado muito mais facilmente no presente do que no ausente, particularmente sob as condições da época, quando as viagens em massa e o turismo não existiam e muitos nunca tinham saído do seu próprio país em tempo de paz.

Em terceiro lugar, os êxitos da aliança, tentada entre o conservadorismo e o anti-semitismo eram inversamente proporcionais ao poder e capacidades dos seus oponentes. E os oponentes consistentes e eficazes do anti-semitismo na Europa eram as forças políticas do liberalismo e do socialismo — historicamente as mesmas forças que continuaram de várias maneiras a tradição simbolizada pela Guerra da Independência Holandesa (1568-1648), a Revolução Inglesa e a Grande Revolução Francesa. No continente Europeu o principal divisor é a atitude para com a Grande Revolução Francesa — falando grosseiramente, todos que são a favor dela são contra o anti-semitismo; todos que a aceitam com desgosto serão pelo menos tendentes a uma aliança com os anti-semitas; os que a detestam e que gostariam de desfazer as suas realizações são o meio em que o antisemitismo se desenvolve.

Não obstante, deve ser feita uma distinção nítida entre conservadores e mesmo reaccionários de um lado e verdadeiros racistas e anti-semitas de outro. O racismo moderno (do qual o anti-semitismo faz parte) embora ajudado por condições sociais específicas, torna-se, quando se fortalece, em uma força que em meu entender só pode ser descrita como demoníaca. Depois de chegar ao poder, e durante a sua permanência, acredito que desafia a análise por qualquer teoria social ou conjunto de observações sociais actualmente compreendidas — e em particular por qualquer teoria conhecida que invoque interesses, sejam eles interesses de classe ou de estado, ou outros que não os ‘interesses’ puramente psicológicos de qualquer entidade que possa ser definida no estado actual do conhecimento humano. Mas com isto não quero dizer que tais forças não sejam conhecíveis em princípio; pelo contrário, devemos ter esperança de que com o crescimento do conhecimento humano venham a ser compreendidas. Mas actualmente não são nem compreendidas nem capazes de serem racionalmente predizíveis — e isto aplica-se ao racismo em todas as sociedades^. A propósito, nenhuma figura política ou grupo de qualquer cor política de qualquer país previu mesmo vagamente os horrores do Nazismo. Só artistas e poetas como Heine foram capazes de vislumbrar algo do que o futuro reservava. Não sabemos como o fizeram; e além disso, muitos dos seus palpites estavam errados.

Shahak, Israel – História Judaica, Religião Judaica – O peso de três mil anos (1994, p.89-91).

sábado, 25 de novembro de 2023

Brasileiro, brasiliano e o complexo de vira-lata - A origem do nome Brasil e do pátrio brasileiro.

 



Reina entre os povos uma curiosidade sobre a origem e a força dos nomes e do mistério que envolve o seu significado.

O nome é uma identidade e não um rótulo.

Várias tradições antigas afirmam que o nome diz muito da expectativa dos pais quanto ao destino dos filhos. Quando os pais escolhem o nome dos filhos, eles vêm carregado de expectativas.

Essa brevíssima introdução é para despertar a nossa curiosidade de saber a origem do nome Brasil e também do nome brasileiro.

Nos anais de nossa história consta que entre os primeiros brancos que povoaram o Brasil, havia muitos judeus que para cá vieram fugindo da Inquirição da Igreja romana.

Existem outros indícios da forte presença dos judeus na história do Brasil colonial, Brasil império e Brasil república.

A primeira sinagoga de todas as Américas foi em Recife, Pernambuco em 1636.

No Brasil colonial havia um judeu que comercializava o precioso “pau-de-ferro”, ou “pau barzel”, como se dizia ferro em hebraico (fonte da informação: Google).

Pau barzel tornou-se logo “pau brazil”.

Um judeu chamado BARZILAI, vendo a madeira nativa que produzia tinta vermelha e era forte para a construção naval, exportou o “pau-de-ferro” para a Europa e ficou conhecido inicialmente como madeira judaica e depois como “pau do Barzilai”.

De pau barzilai passou para pau brazil.

Portanto, o nome Brasil vem de Barzilai.

Os colonizadores portugueses chamavam, pejorativamente, de brasileiros os índios domesticados que entravam pela mata para trazer para as praias o “pau-brasil” de onde era embarcado para a Europa.

Se observarmos os 193 países reconhecidos pela ONU, nenhum tem o seu pátrio o sufixo eiro.

O sufixo eiro é de profissão: padeiro, engenheiro, pedreiro, marceneiro, etc.

O Sufixo para designar o adjetivo pátrio é ês ou ano: francês, português, japonês, inglês ou então australiano, americano, italiano, mexicano, etc...

Quando Nelson Rodrigues criou a expressão “complexo de viralata”, referia-se a inferioridade que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do mundo. Referia-se ao sentimento que dominou o nosso povo, logo após a derrota da seleção brasileira, no jogo final contra o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, no Maracanã.

O professor Roberto Gambini em uma palestra proferida em 1996 em Campos do Jordão sobre o tema a ALMA ANCESTRAL DO BRASIL, chama a nossa atenção para a ausência de um mito de origem. Temos vergonha, disse o professor Gambini, do nosso passado, que encaramos como se fosse uma imagem vagamente aterradora ou claramente desprezível, ignorando que nas terras onde hoje é o Brasil, havia povos há, pelo menos, 30 mil anos.

Povos que tinham religião, que construíam suas casas e sabiam cuidar de sua saúde.

Equivocadamente começamos a contar a nossa história a partir de um ato chamado descobrimento. Construirmos nossa identidade a partir da visão do colonizador português que nos chamava pejorativamente brasileiros, ou seja, simples trabalhadores sem alma e colhedores do pau brasil.

As imagens primordiais que nos identificam como nacionais nos remete a visão que os colonizadores portugueses tinham de nós como animais sem alma e sem personalidade. Portanto, não éramos gente, e consequentemente, somos marcados pelo complexo de vira-lata com disse Nelson Rodrigues.

Segundo o Dicionário junguiano, Editora Vozes, o termo complexo aparece em Jung na expressão complexo de
tonalidade afetiva, que indica uma estrutura psíquica dotada de forte carga afetiva.

Daí entendemos que o nome brasileiro é inadequado para designar um povo com uma história muito rica, da qual nos orgulhamos.

Definitivamente, não somos só “brasileiros” vira-latas, somos muito mais.

Como comentamos no início, o nome que os nossos “pais” colonizadores escolheram para nós não diz nada de nossa força, personalidade, cultura e história e sim da visão que eles, os colonizadores portugueses, tinham dos que aqui habitavam.

Temos outras expectativas além de somente ignorantes sem alma.

Nome carrega uma identidade e não somente um rótulo.

Que tal assumirmos a nossa identidade de brasilianos?

Não tenho a pretensão de esgotar o assunto. Trata-se de uma mera provocação.

A minha proposta é rever a nossa crença de que somos um simples vira-lata que se alimenta de restos das latas de lixo deixadas nas calçadas do mundo e mudarmos o pátrio que nos identifica para brasiliano.

Luiz Alberto Albuquerque de Carvalho