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quinta-feira, 30 de maio de 2019

Acreditar em ideias socialistas pode tornar você uma pessoa infeliz

Em meu campus universitário, o maior e mais ativo clube estudantil era a "União Revolucionária dos Estudantes" (que segue muito ativo), também conhecido como a confraria dos alunos marxistas.

Embora eu, já àquela época, não concordasse com as idéias socialistas, uma coisa sempre me chamava a atenção: todos aqueles alunos pareciam profundamente infelizes.

Eles sempre entravam nas salas de aula com um olhar raivoso e viviam constantemente resmungando e se queixando de tudo e de todos. E as reclamações não se limitavam apenas aos "malefícios do capitalismo", mas também às infindáveis frustrações e injustiças que aparentemente dominavam suas vidas pessoais e acadêmicas.

Sempre tentei entender se havia alguma conexão entre a disfunção de suas vidas e sua ideologia socialista.

Para aqueles jovens revolucionários, cada frustração de suas vidas era culpa de outra pessoa. Se eles não recebiam as notas que juravam merecer, a culpa era de algum professor burguês. Se eles não recebessem propostas de emprego que levassem em consideração seu profundo intelecto, então era óbvio que o sistema capitalista os estava perseguindo e oprimindo. A tendência sempre era apontar as "classes inimigas" como as grandes responsáveis não só por todos os "malefícios sociais" como também por suas frustrações e problemas pessoais.

Ao transferir a culpa para terceiros, eles se aliviavam da responsabilidade por seus próprios problemas. Eles desperdiçavam todo seu tempo e energia reclamando, projetado uma auto-piedade e se afogando nessa autocomiseração. E faziam isso buscando solidariedade e reparação, em vez de simplesmente assumirem o controle de suas vidas e tentarem resolver seus problemas. Como resultado, suas frustrações iam apenas se avolumando.

Essa atitude também os privava daquele que é um dos grandes prazeres da vida: vivenciar a alegria trazida pela empatia que temos ao ver a felicidade alheia. De acordo com o jogo de soma zero característico de sua mentalidade marxista, a prosperidade dos outros ocorria à custa da sua própria. Consequentemente, eles se ressentiam de todas as pessoas mais bem-sucedidas que eles. E eles se tornaram tão preocupados em puxar as pessoas para baixo e arrastá-las para sua própria infelicidade, que acabaram ficando com pouca ou nenhuma energia para realmente tentar algum aprimoramento próprio.

Se aqueles meus camaradas estudantes algum dia tentassem impor o socialismo ao país, não seria necessário recorrer a nenhuma teoria econômica para concluir que causariam uma profunda e ampla miséria (econômica, social e mental). E o que é realmente irônico é que eles aparentemente não percebiam que a grande miséria de suas vidas já estava sendo causada pela própria ideia do socialismo, a qual residia apenas em suas mentes.

As raízes psicológicas do socialismo

E, apesar de tudo isso, e não obstante o fato de toda a lógica e evidência econômicas mostrarem que o liberalismo clássico e o capitalismo enriquecem e libertam toda a sociedade ao passo que o socialismo escraviza e empobrece, aqueles jovens socialistas ainda assim se mantinham firmemente convictos e apegados à sua ideologia. Por quê?

De acordo com Ludwig von Mises, não se trata simplesmente de uma questão de ignorância econômica ou de um erro intelectual generalizado. Antes, trata-se de uma questão psicológica. Ele foi ainda mais adiante e argumentou que as raízes do socialismo estão na neurose.

[A] raiz da oposição ao liberalismo não pode ser compreendida recorrendo-se ao método da razão. Tal oposição não se origina da razão, mas de uma atitude mental patológica — isto é, do ressentimento e de uma condição neurastênica que se poderia chamar de "complexo de Fourier", assim denominado em razão do socialista francês do mesmo nome.

O arcabouço mental socialista pode ser resumido em uma palavra: ressentimento. Como escreveu Mises:

O ressentimento ocorre quando alguém odeia tanto uma outra pessoa, por esta encontrar-se em circunstâncias mais favoráveis, que este alguém até mesmo se prepara para suportar pesadas perdas, se a pessoa odiada ao menos pudesse também se prejudicar. Muitos dos que atacam o capitalismo sabem muito bem que sua situação, sob qualquer outro sistema econômico, seria menos favorável. Não obstante, com pleno conhecimento deste fato, defendem uma reforma, isto é, o socialismo, porque anseiam que o rico, a quem invejam, também sofra com isso.

O psicólogo Jordan B. Peterson também caracterizou o socialismo como sendo conduzido tanto pelo ressentimento quanto pela promoção do ressentimento. Em um painel, disse ele sobre o marxismo:

Há o lado negro disso tudo, que é o que afirma que todos aqueles que têm mais que você só conseguiram isso porque roubaram de você. E essa afirmação realmente possui grande apelo perante aquele instinto mais Caim do espírito humano. Qualquer um que tenha mais do que eu conseguiu suas posses de uma maneira corrupta, e isso justifica não só minha inveja, como também minhas ações para tentar "nivelar o jogo", por assim dizer, e ainda parecer virtuoso ao fazer isso.
Há uma crescente filosofia do ressentimento que creio estar sendo hoje conduzida por um patológico etos anti-humano.

Aqueles que se perderam em uma descendente espiral de ressentimento prefeririam fracassar a serem bem-sucedidos se isso significasse que seus inimigos de classe também iriam sofrer conjuntamente. A frase "o sofrimento adora companhia" é particularmente aplicável à mentalidade socialista.

Como explicou Mises, as pessoas frequentemente recorrem ao ressentimento e à busca por bodes expiatórios porque isso oferece consolo, por mais efêmero que seja:

No caso do fracassado social, que é nossa única preocupação aqui, a consolação consiste em acreditar que sua incapacidade de alcançar as sublimes metas a que aspira não deve ser atribuída à sua própria incapacidade, mas às deficiências da ordem social. O descontente espera da derrocada desta ordem social o sucesso que o sistema existente lhe recusou.

É por essa razão que Mises diz que "para o homem moderno, o socialismo tornou-se um elixir contra a adversidade terrena."

E esta atitude compulsiva, insalubre e perniciosa é o que ofusca a mente do "guerreiro de classes", tornando-o impermeável a novas idéias. Como escreveu Mises, o socialismo frequentemente se resume a um mecanismo de defesa contra um complexo de inferioridade:

O neurótico se aferra à sua "mentira salvadora" e, quando tem de escolher entre renunciar a ela ou à lógica, prefere sacrificar a lógica. A vida seria insuportável para ele não fosse o consolo que encontra na ideia do socialismo. Ela lhe diz que não é ele, mas o mundo, que falhou por ter-lhe causado o fracasso. Esta convicção o resgata de sua decrépita autoconfiança e o libera do tormentoso sentimento de inferioridade.

Somente você pode alterar suas circunstâncias

Por sorte, esse tipo de neurose pode ser curada, mas requer grande esforço do indivíduo. Como escreveu Mises:

Não se pode mandar todo mundo que sofre do complexo de Fourier para um tratamento psicanalítico; o número dos pacientes é muito alto. Não há remédio para este caso senão o tratamento da doença pelo próprio paciente.

E o ponto de partida para conduzir esta auto-terapia é que cada indivíduo aceite o fato de que o ressentimento, a inveja e a busca por culpados irão trazer apenas frustração, estagnação e sofrimento desnecessário.

Todos somos responsáveis por melhorar nossas próprias vidas, por mais difícil e demorada que possa ser essa tarefa. Recorro novamente ao renomado professor de psicologia Jordan Peterson, que construiu sua carreira e seu reconhecimento majoritariamente no fato de ajudar indivíduos a abandonarem o ressentimento e a auto-piedade e passarem a assumir responsabilidade por suas próprias vidas. Ele argumenta que, muito melhor do que a agitação política e os atritos, oferecer esse tipo de ajuda é a melhor maneira de ajudar ideólogos a crescerem, amadurecerem e abandonarem suas tendências neuróticas que os levam a se apegar a idéias socialistas e a outros credos tóxicos.

Em uma sessão de perguntas e respostas, ele aconselhou dizer o seguinte a tais pessoas:

Veja, adoraríamos que você pudesse prosperar como indivíduo. Abandone essa sua mentalidade baseada em cultos coletivistas. Saia das sombras, das demoníacas sombras de sua possessão ideológica, dê um passo em direção à luz e se torne uma pessoa iluminada e plenamente desenvolvida.

O antídoto tanto para o socialismo quanto para o ressentimento derrotista é a reflexão individual e a ação. Se a pessoa fizer o esforço de olhar para si própria e tentar se auto-aprimorar, ela irá descobrir que seu ressentimento começará a desaparecer, a auto-suficiência irá crescer, e sua vida irá melhorar.

E abandonar idéias socialistas será um excelente efeito colateral disso tudo.
Daniel Sanchez

quarta-feira, 29 de maio de 2019

9 razões por que Ernesto Araújo é um inepto que não conhece história

O fenômeno do imbecil coletivo - antes restrito a esquerda - agora toma também a direita. E o pior: se encarna até em personagens que, pela sua condição profissional, deviam prezar pela inteligência aguçada dos fatos e das coisas. Falo aqui no sr. Ministro das relações exteriores e aluno de Olavo de carvalho, Ernesto Araújo. 

Recentemente Araújo lançou um artigo em seu blog "Metapolitica", aproximando - como é de costume na esfera olavética - marxismo e nazismo numa tentativa espúria de santificar a direita. Sim o objetivo é esse: canonizar a direita liberal-conservadora como a única via possível, decente, digna, moral. Aqui o objetivo não é discutir, agora, se nazismo e marxismo prestam. Na verdade esta tendência a abordar as ideologias primariamente por um crivo maniqueísta - é bom ou mau? - beira a infantilidade. Sou professor e costumo receber perguntas deste tipo quando leciono sobre guerras e revoluções, coisa absolutamente compreensível para mentes inexpertas e que ainda não entendem que o mundo é mais "cinzento" que "preto no branco".  O que não é compreensível é que alguém que se considera um intelectual se comporte da mesma maneira. Um aluno a gente perdoa, um diplomata não. 


Não vamos nos ater a refutar ponto a ponto mas a fazer alguns apontamentos gerais que derrubam os pés de barro das alegações de Ernesto. 

Primeiro que fique claro: aliança liberal - conservadora é a bola quadrada. Uma impossibilidade lógica fácil de compreender. Chegamos aqui a pensar que o sr. Araújo fosse razoavelmente inteligente, quando, tempos atrás, nos deparamos com alguns artigos seus, mas foi um rotundo engano. O sr. Araújo pensa que é alguém livre de ideologia mas não é. O sr. Araújo é alguém que reconta a história conforme a conveniência política da hora. 

Sobre a questão de o nazismo ser de esquerda ou não, o sr. Araújo ignora, por exemplo, que:

1- Se Hitler e o NSDAP eram de esquerda, por que Otto Strasser saiu do partido nazi e fundou o Partido Nacional-Socialista revolucionário e que postulava a luta de classes?

2-Por que Hitler fez acordos com os barões da indústria alemã assegurando-lhes a propriedade privada dos meios de produção caso viesse a governar um dia, desagradando a ala strasserista do NSDAP? 

3-Sim o nazismo era anticapitalista mas por que era contra o "capitalismo internacional" e não por que fosse defensor da coletivização dos meios de produção. Como bem mostra o historiador Tyrrel:

 "Hitler entendia que a terra era destinada à coletividade do povo mas o que se produz nela com o talento individual era de posse privada". 

Isso coloca o nazismo na condição de  "terceira posição nacional" e não de esquerda ou direita.  É comum nos meios direitistas e esquerdistas do Brasil reduzir tudo a estas duas categorias. Todavia "esquerda" e "direita", são conceitos cambiantes e relativos e não ajudam muito a entender a realidade múltipla da política. O PT é de direita em face ao PSTU e de esquerda em face ao PSDB. Logo, para entender uma doutrina política não podemos nos valer tão só desta categoria relativística, mas sobretudo duma análise acurada da substância das doutrinas em tela. Por exemplo: tanto o bolchevismo quanto o nazismo falavam de um "novo homem". A uma mente superficial isso pode parecer equivalência mas sabemos que não é. O cristianismo também fala do "novo homem", nem por isso pode ser classificado como irmão do nazismo ou do bolchevismo. O novo homem soviético e o novo homem nazista são tão distantes que jamais se encontram a não ser para se digladiar: não há a mínima chance de conexão ou simbiose aí. Estar a direita, no século 19, era ser contra a igualdade de todos perante a lei. Já hoje o direitista padrão defende a igualdade perante a lei contra as políticas afirmativas da esquerda que postulam privilégios legais para grupos marginalizados. Essa atitude de classificar tudo em termos de direita/esquerda está no plano da sub-intelectualidade e de um método que se baseia apenas na aparência das coisas. Foi Platão quem disse que as aparências eram enganosas e ele tem toda a razão. Sofista é justamente aquele que, não conseguindo ir além das aparências para subir ao céu das idéias, se fixa na doxa produzindo um conceito enganoso da realidade. O sr. Araújo é um sofista. 

4- Foi o nazismo quem lutou contra a URSS e não os EUA. Quem fez acordo com o comunismo em Yalta e Teerã dividindo o mundo com o bolchevismo foram os EUA e a Inglaterra capitalista, países de tradição liberal, e não a Alemanha nazista. 

5- No Mein Kampf, Hitler deixa claro que seu objetivo principal consistia em destroçar a URSS e o bolchevismo. Seu intento não era atacar a Europa Ocidental mas a Rússia. As coisas mudaram em 1939 por que a Inglaterra declarou guerra a Alemanha, obrigando o III Reich a abrir dois fronts na década de 40. 

6- A União Soviética não foi a primeira a tentar um acordo com o Terceiro Reich, mas a última. A Liga das Nações, formada majoritariamente por países capitalistas, antes mesmo do Pacto nazi-soviético - meramente tático, coisa evidenciada pela Operação Barbarossa - já havia concedido a Hitler o direito aos Sudetos e Áustria. Forçar uma proximidade ideológica entre URSS e Terceiro Reich é pura ignorância de fatos que deveriam ser comezinhos para um diplomata. 

7-  Se analisarmos as grandes crises históricas, notaremos que todas elas terminaram por provocar uma concentração do poder nas mãos de um líder mais ou menos autocrático: a Primeira Revolução inglesa desaguou no poder pessoal de Cromwell; a Revolução Francesa, naquele de Robespierre e, sobretudo, anos depois, no de Napoleão; o resultado da revolução dos escravos negros de Santo Domingo foi a ditadura militar, primeiro, de Toussaint Louverture, e mais tarde de Dessalines; a Revolução Liberal na França de 1848 levou ao poder pessoal de Luís Bonaparte ou Napoleão III. A categoria de totalitarismo para dizer que "nazismo é de esquerda"  pode servir, no máximo, à análise comparada das formas práticas de governo a que se recorrem em situações de crise mais ou menos agudas mas nunca para determinar substâncias. Assim, se nos esquecemos do caráter formal dessa categoria e a absolutizarmos, corremos o risco de constituir uma família de irmãos gêmeos demasiadamente numerosa e heterogênea. No que se refere ao período entre as duas grandes guerras mundiais do século XX, são inúmeras as crises que culminaram na instauração de uma ditadura pessoal. De fato, uma análise mais atenta permite observar que esse é que vai ser o destino de quase todos os países da Europa continental e do Hemisfério Norte Ocidental. Os únicos que ficaram fora disto foram os dois países de origem anglo-saxã: EUA  e Inglaterra. Mas inclusive esses países, a despeito de terem atrás de si uma sólida tradição liberal e de gozarem de uma situação geográfica e geopolítica particularmente favorável, viram a manifestação da tendência à personalização do poder, à acentuação do poder executivo sobre o legislativo, à restrição do rule of law: nos Estados Unidos, bastou uma ordem de F. D. Roosevelt para que os cidadãos estadunidenses de origem japonesa fossem presos num campo de concentração. Quer dizer, a análise das práticas de governo, na qual se funda a categoria de totalitarismo, acaba atacando, ou ao menos roçando, até mesmo os mais insuspeitos países. Isso demonstra, por a mais b, que o sr. Araújo não sabe do que fala. 

8-  A junção URSS - EUA durante a Segunda Guerra Mundial não foi mera necessidade da hora contra um inimigo em comum mas um consórcio possível graças a identidade ideológica entre os dois sistemas. Em 23 de julho de 1944, Alcide De Gasperi, que se preparava para ser o presidente do Conselho na Itália livre do Fascismo, pronunciou um discurso em que afirmava enfaticamente: " Hitler e Mussolini... inventavam aquela pavorosa legislação antijudaica que conhecemos...porém ao mesmo tempo vejo o povo russo, composto por 160 raças, buscar sua fusão, superando a diversidade existente entre a Ásia e a Europa, essa tentativa, esse esforço pela unificação do consórcio humano". As palavras de De Gasperi são bem significativas: mostram que o ideal soviético era o da cosmópolis; o mesmo ideário se encontra nos EUA com sua religião da liberdade universal. O que é interessante é observar que o sr. Araújo, ao mesmo tempo que se diz anti-globalista, aposta justamente numa leitura globalista da história em que exalta o modelo da cosmópolis estadunidense.

A antítese ao esforço nazi-fascista em defesa da supremacia da Europa era não só o universalismo da democracia americana em sua raiz liberal, onde todos os indivíduos são iguais perante a lei independente de seu valor pessoal, ideologia que justificava o anticolonialismo europeu mas também o bolchevismo da URSS na qual a herança européia vinha sendo contestada e destruída desde 1917. O principal inimigo da Europa, a quem Hitler desejava defender, era a União Soviética, que incitava a revolta dos povos (URSS que nada mais era que a expressão da vontade judaica revolucionária de um imperium utopista) contra o senhorio da Europa e de sua cultura tradicional. A partir da ascensão dos bolcheviques ao poder – escrevia Oswald Spengler –, a Rússia retirou a “máscara branca” para se tornar “de novo uma grande potência asiática, mongol, animada pelo ódio contra a humanidade branca. Logo não havia nada de comum, essencialmente falando, entre nazismo e a esquerda bolchevique. A referência ao fato de que nazismo e comunismo ambos "destroem as estruturas tradicionais da sociedade" vale até para o liberalismo que Araújo apoia, dado que, por onde passou, destruiu as antigas corporações e poderes intermediários. Será que o liberalismo é de esquerda também? O que Araújo usa para identificar esquerda e nazismo são aspectos acidentais. Mas aliás, que estruturas tradicionais o nazismo destruiu que já não estivessem destruídas pelo capitalismo liberal, desde o século 19? A afirmação de Araújo é completamente demencial. Se na Rússia o bolchevismo destruiu a antiga sociedade feudal que ainda restava de pé no campo, o nazismo encontra a Alemanha já na era industrial de massas, onde as antigas hierarquias já haviam desaparecido. O que restava delas, precariamente, era o baronato descendente dos junkers prussianos, justamente com quem Hitler atrelou-se. Falta à análise de Ernesto - é até bondade chamar o artigo em tela de análise, que fique bem claro -  uma avaliação séria sobre as doutrinas nazistas e o bolchevismo, talvez por que Araújo não tenha a profundidade intelectual para fazê-la, preferindo repetir um lugar comum da olavosfera, o que lhe coloca na condição, não de um intelectual sério em busca da verdade mas na de um retórico interessado nos aplausos da platéia cativa: ou seja, na de um sofista.  

9- Em suma: EUA/URSS representavam, por suas ideologias de fundo, um cosmopolitismo, quer dizer, repreentavam a idéia de unidade do mundo através da igualdade e liberdade comum a todos os homens. A Alemanha postulava outra coisa: a supremacia da Europa contra a barbárie da massificação liberal/igualitária típica da sociedade pós 1789, ainda que se possa discordar do caminho por ela escolhido em 1933 quando da ascensão do nazismo, o fato inegável é que ela é quem significa, verdadeiramente, uma viragem anticosmopolita. E é essa barbárie significada por EUA/URSS a mesma que está levando-nos ao globalismo, o qual Araújo diz que combate apesar de lhe fazer coro quando defende o ethos americano. 

Rafael G. Queiroz


A Família como Unidade Heroica

Um dos perigos que ameaçam toda reação contra as forças da desordem e da corrupção que estão devastando nossa civilização e nossa vida social é a tendência dessa reação a acabar em formas que são pouco mais significativas do que as da mera domesticidade burguesa. Mais de uma vez ouvimos denúncias do caráter decadente do moralismo em comparação a toda forma superior de direito e de vida. Na verdade, se uma "ordem" tiver valor, ela não deve significar nem rotina nem mecanização despersonalizada. Devem existir nela forças que estão originalmente indomadas e que conservam de alguma forma e até certo ponto sua natureza, mesmo na aderência mais rígida a uma disciplina. Só então a ordem se torna fecunda. Poderíamos expressar isso em uma imagem: uma mistura explosiva e expansiva, quando restrita a um espaço limitado, desenvolve sua eficácia ao extremo, ao passo que, se for colocada em um espaço ilimitado, ela praticamente se dissipa. Nesse sentido, Goethe poderia falar de um "limite que cria", e poderia dizer que no limite o Mestre se mostra. Também é necessário lembrar que, na visão clássica da vida, a ideia do limite – πέρας(1) - foi tomada como a própria perfeição, e foi postulada como o mais alto ideal, não apenas em termos éticos, mas também em termos metafísicos. Essas considerações podem ser aplicadas a vários domínios. No presente ensaio, consideramos um caso particular: o da família.


A família é uma instituição que, erodida pela mais recente civilização cosmopolita, minada em seus fundamentos pelas próprias premissas do feminismo, do americanismo e do sovietismo, demanda reconstrução. Mas mesmo aqui a alternativa indicada acima emerge. Instituições são como formas rígidas em que uma substância originalmente fluida se cristalizou: esse é o estado original que se deve despertar, sempre que as possibilidades vitais inerentes a um ciclo civilizacional específico parecem esgotadas. Somente uma força que age por dentro, como algo que dá sentido, pode ser criativa. Agora, que significado devemos encontrar na família? Em nome do que se deve desejá-la e preservá-la? O significado usual, burguês e "respeitável" dessa instituição é de conhecimento de todos, e vale menos a pena aponta-lo, do que observar o suporte totalmente insuficiente que ele possa fornecer para uma nova civilização. Pode bastar para proteger os vestígios existentes, mas é inútil esconder o fato de que este não é o verdadeiro ponto da questão, que isso por si só é apenas outro "muito pouco". Se alguém deseja encontrar uma das causas primevas da corrupção e da dissolução da família que surgiram nos tempos mais recentes, isso pode ser indicado precisamente no estado de uma sociedade em que a família é reduzida a significar nada mais do que convenção, respeitabilidade burguesa, sentimentalismo, hipocrisia e oportunismo.
Aqui, como em outros lugares, simplesmente dirigindo-nos direta e resolutamente, não apenas para ontem, mas para as origens, podemos encontrar o que é realmente necessário. E essas origens devem ser acessíveis para nós, particularmente se nossa tradição romana da família estiver entre aquelas que trouxeram a mais alta e original expressão do conceito.
De acordo com a concepção original, a família não é uma unidade naturalista nem sentimental, mas uma unidade essencialmente heroica. Sabe-se que a antiga denominação de pater deriva de um termo que designava o líder, (2) o rei. A unidade da família já por esta razão apareceu, portanto, como a de um grupo de seres unidos de maneira viril em torno de um senhor, que aos seus olhos parecia investido de um poder bruto, mas também de uma dignidade majestosa, de modo a despertar veneração e fidelidade. Este caráter da família é, aliás, confirmado, se nos lembrarmos que nas civilizações indo-europeias o pater - assim como o líder - é o homem que exercia um domínio absoluto sobre seus parentes, na medida em que ele era ao mesmo tempo absolutamente responsável por seus parentes diante de cada ordem hierárquica superior; ele também era o sacerdote de suas gens, (3) pois ele, mais do que qualquer outro, representava seu povo diante das divindades; ele era o custódio da chama sagrada, que nas famílias patrícias era o símbolo de uma influência sobrenatural que se unia invisivelmente ao sangue e se transmitia com o mesmo. Nenhum sentimento social suave ou convencionalismo, mas sim algo entre o heroico e o místico fundava a solidariedade do grupo familiar ou popular, (4) transformando-o em uma única coisa unificada através de relações de participação de dedicação viril, de tal modo que ela estava pronta para se levantar unida contra quem quer que pudesse prejudicá-la ou ofender sua dignidade. Com razão, de Coulanges, (5) em seus estudos sobre o assunto, conclui que a antiga família era uma unidade religiosa primeiro, e apenas secundariamente uma unidade da natureza e de sangue.
Que o casamento já era um sacramento muito antes do cristianismo (como, por exemplo, no ritual romano de confarreatio) (6) talvez já seja conhecido do leitor. Menos conhecida, no entanto, é a ideia de que este sacramento não operava como uma cerimónia convencional ou como uma fórmula jurídico-social, mas sim como uma espécie de batismo que transfigurava e dignificava a mulher, levando-a a participar no mesmo “espírito místico” do povo de seu esposo. Segundo um rito indo-europeu, em si muito expressivo enquanto símbolo, antes de se casar, a mulher era Agni, o fogo místico do lar. Ora, isso não é diferente do pressuposto original, pelo qual o marido era identificado com o Senhor da mulher; A fidelidade burguesa não é mais do que a derivação decadente e debilitada dessa relação original. A antiga dedicação da mulher, que dá tudo e nada pede, é a expressão de um heroísmo essencial - muito mais místico ou "ascético", somos tentados a dizer, do que apaixonado ou sentimental - e, em todo caso, transfigurador. De acordo com um antigo ditado:
“Não há rito ou ensinamento especial para a mulher. Deixe-a venerar seu marido como seu deus e ela obterá seu próprio lugar celestial”.
Podemos quase encontrar um paralelo aqui com a concepção de outra tradição, segundo a qual a Casa Solar da imortalidade era reservada, não apenas para os guerreiros caídos no campo de batalha e para os senhores da linhagem divina, mas também para as mulheres que morreram trazendo um filho para a luz do dia: isso era visto como uma oferta de sacrifício, uma oferenda tão transfiguradora quanto aquela trazida pelos próprios heróis.
Isso poderia nos levar a considerar o próprio significado da geração, mas esse tópico nos levaria muito longe. Lembremo-nos apenas da antiga fórmula segundo a qual o filho primogênito era considerado filho, não de amor, mas de dever. E esse dever era, mais uma vez, de caráter tanto místico quanto heroico. Não se tratava apenas de criar um novo rex para o bem e a força da família, (7) mas também de dar vida àquele que podia absolver seu povo de sua misteriosa obrigação para com os antepassados e para com todos aqueles que produziam grandes famílias (no rito romano, estes eram frequentemente lembrados na forma de inúmeras imagens erguidas no alto durante ocasiões solenes), simbolizadas pela chama familiar perene. Portanto, em não poucas tradições encontramos fórmulas e ritos que trazem à mente a ideia de geração consciente autêntica – geração, não a partir de um ato escuro e semiconsciente da carne, mas através do corpo e ao mesmo tempo através do espírito, literalmente dando vida a um novo ser; no que diz respeito à sua função invisível, dizia-se até mesmo que, em virtude de sua existência, os ancestrais seriam confirmados na imortalidade e na glória.
Destes testamentos, que são apenas alguns dentre os muitos que poderiam ser facilmente reunidos, emerge uma concepção de unidade familiar que, estando além de toda mediocridade burguesa conformista e moralista, e toda presunção individualista abusiva, está igualmente distante de sentimentalismo, paixão e tudo relacionado a fatos sociais ou naturalistas brutos. A família recebe sua maior justificativa quando se baseia em uma fundação heroica. Compreender que o individualismo não é uma força, mas uma renúncia; reconhecer no sangue uma base firme para a família; articular e personalizar esta base através da força da obediência e do comando, da dedicação e da afirmação, da tradição e de uma solidariedade que chegaremos a chamar de guerreira e, finalmente, a personalizá-la também através de uma força de transfiguração íntima - somente por todos esses meios a família virá mais uma vez a ser uma coisa viva e poderosa, a primeira e essencial célula daquele organismo supremo, que é o próprio Estado.
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1 – Grego antigo para “limite”, “fronteira”, “extremidade”; daí a perfeição de uma coisa, seu fim ou seu objeto. Daí também uma decisão final.
2 – A palavra aqui traduzida “líder” é duce no italiano, do latin dux. Significa aquele que guia, que lidera, que comanda; é obviamente conectada etimologicamente ao inglês “duke”, e em tempos modernos foi mais famosamente associado com Mussolini, conhecido universalmente como il Duce durante o Ventennio, os vinte anos de governo fascista.
3 – Latin para “povo, população, raça”, originalmente “poder ou origem geradora”. A centralidade e extensão desse termpo pode ser indicada ao notarmos vários termos ingleses que derivam dele: genialidade, gênio, ingenuidade. Evola faz algumas breves observações sobre o conceito romano da gens em O Arco e a Clava (Arktos, 2018), pp.41-42. O italiano gente, é obviamente derivado diretamente dele, e onde quer que essa palavra apareça no presente ensaio eu o traduzi como “povo”. A tentação de usar nossa palavra “folk” foi resistida por conta de seu peso etimológico radicalmente diferente; ele estava originalmente ligado ao conceito de guerreiro. (Pode ter originalmente significado uma “hoste de guerreiros”.) 
4 - Italiano: gruppo familiare o gentilizio; ou seja o grupo baseado em laços familiars ou em laços da gens (ver nota 2 acima).
5 - Numa Denis Fustel de Coulanges (1830–1889) foi um historiador francês, cuja obra mais famosa, também sua primeira, provavelmente é a aludida aqui por Evola. Ela foi traduzida como “A Cidade Antiga”, um panorama das religiões, leis e costumes das antigas civilizações grega e romana.
6 – A confarreatio era uma forma patrícia de casamento, notável no contexto presente por seus elementos religiosos e espirituais. Por exemplo, uma mulher só poderia se tornar uma Virgem Vestal se ela fosse nascida de pais casados pela confarreatio, indicando assim que ela estava conectada a certa perspectiva de pureza espiritual. Também é notável que ela era, pelo menos originalmente, considerada indissolúvel – algo raro em ritos de casamento, os quais, até o que pode ser corretamente considerado como a revolução cristã no casamento, tendiam (em maior ou menor medida) a permitir o divórcio sob condições bem definidas.
7 Italiano: ceppo. Essa palavra tem uma acepção muito mais ampla do que família, significando também “linhagem”, “estirpe” e “família” no sentido mais científico de um grupo de relações genéticas

por Julius Evola