Para contar os 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, celebrados em 2025, é preciso remontar ao período antes da chegada dos europeus, em que o território era povoado por indígenas. Três etnias predominaram sobre a Serra: kaingang, xokleng e guarani.
No maior município da região, os registros desses povos originários partem de cerca de 1.400 anos atrás, aponta o arqueólogo e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rafael Corteletti. Enquanto os ancestrais kaingang e xokleng habitavam o território onde atualmente está localizada Caxias do Sul, os guaranis ficavam entre o Vale do Caí e o interior do município, em Vila Cristina e Galópolis.

Para contar os 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, celebrados em 2025, é preciso remontar ao período antes da chegada dos europeus, em que o território era povoado por indígenas. Três etnias predominaram sobre a Serra: kaingang, xokleng e guarani.
No maior município da região, os registros desses povos originários partem de cerca de 1.400 anos atrás, aponta o arqueólogo e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rafael Corteletti. Enquanto os ancestrais kaingang e xokleng habitavam o território onde atualmente está localizada Caxias do Sul, os guaranis ficavam entre o Vale do Caí e o interior do município, em Vila Cristina e Galópolis.
— As datas mais antigas da presença dos indígenas em Caxias são, mais ou menos do ano 400, na região de Vila Seca. Os ancestrais kaingang e xokleng, se pegar os registros de Vacaria, Pinhal da Serra, Bom Jesus (nos Campos de Cima da Serra), estão aí há mais de dois mil anos — afirma Corteletti.
Falando de ocupações de povos originários em geral, no Rio Grande do Sul, a data mais antiga é de 12 mil anos atrás. Em sítios arqueológicos de Caxias, por exemplo, é possível encontrar pontas de flecha que sinalizam a presença indígena há cerca de quatro a cinco mil anos.

A origem do termo bugre
Dois anos após a chegada dos imigrantes italianos, em 1877, o município recebeu a denominação oficial de Colônia Caxias. Apesar disso, a localidade também era conhecida como Campo dos Bugres, em referência aos povos indígenas que ali habitavam.
O termo bugre, contudo, era utilizado de forma pejorativa e racista, explica o arqueólogo Rafael Corteletti. Segundo ele, trata-se de uma palavra com origem na Europa medieval, usada para indicar pessoas que não eram cristãs:
— As pessoas consideradas hereges eram chamadas de bugres. Quando os portugueses vieram para a América, os indígenas de qualquer povo eram chamados dessa forma.
O registro um relato do engenheiro belga Alphonso Mabilde, que viveu no Estado entre 1833 e sua morte, em 1892, o qual pode elucidar o entendimento comum da época a respeito das etnias originárias:
"Os indígenas selvagens que habitavam as matas da província do Rio Grande do Sul são conhecidos entre nós pelo nome de bugres. Parece ser o nome de guerreiro que se tem dado para diferenciá-los dos indígenas guaranis que, na época das conquistas do território pelos europeus, não procuravam a vida florestal como os que chamamos de bugres".
O professor Rafael Corteletti complementa que o guarani missioneiro, por exemplo, não era chamado de bugre porque alguns haviam se convertido ao cristianismo, o que casa com o sentido original do termo.

Casas subterrâneas e o apreço pelo pinhão
A dieta dos kaingangs e dos xoklengs, na Serra, era baseada em cultivos, como milho, mandioca, abóbora, amendoim e batata doce. Outra fonte importante da alimentação dos indígenas era a árvore de araucária, que provê o pinhão, mas também atrai a atenção de animais para caça. Entre os bichos que viravam alvo estão porcos do mato, capivaras e pequenos cervídeos.
— Muito da imponência, extensão e produção de pinhão que a floresta de araucária tinha era resultado do manejo desses povos indígenas durante séculos de vida deles no Sul. Quando os brancos chegaram e viram a floresta, ela não era natural, era um produto da ação humana. Tem estudos de paleoecologia, vinculados com a arqueologia, que provam que a floresta de araucária é antrópica, como várias áreas da Amazônia e que têm relação com os povos indígenas com o açaí, a pupunha e a castanha — detalha o arqueólogo Rafael Corteletti.
Entre as armas utilizadas, Corteletti cita que a mais comum era o arco e a flecha, feitos com taquara — uma espécie de bambu — com ponta que poderia ser elaborada com pedra ou até mesmo madeira. Havia ainda as lanças e os "porretes", para corpo a corpo, que são itens encontrados nos sítios arqueológicos. No campo das ferramentas, o machado de pedra era o mais utilizado para a escavação, essencial na construção de moradias.
De acordo com o livro Serra Gaúcha: Etnias e Diversidade, as casas subterrâneas dos povos originários da região serrana tinham, em média, profundidade de dois a três metros, e largura entre quatro e seis metros na superfície, isso porque a estrutura era semicônica.
O interior da cabana, chamada pejorativamente de Buraco de Bugre, abrigava camadas de ocupações, com restos de fogueiras, fragmentos de utensílios de cerâmica, artefatos de pedras polidas ou lascadas e restos de alimentação.
Engenhosidade dos indígenas
Ainda na obra Serra Gaúcha: Etnias e Diversidade há uma citação do mestre em História e doutor em Arqueologia Arno Alvarez Kern, que traça um paralelo da engenhosidade dos indígenas com a necessidade de sobrevivência às condições climáticas locais:
"Essas casas demonstravam capacidade e inteligência dos bugres porque eram soluções aos invernos frios e verões amenos, manhãs de geada e nevascas ocasionais. Casas isoladas ou agrupadas em conjuntos, subterrâneas e semisubterrâneas, circulares, mas eventualmente elípticas".
Tempos depois, contextualiza Corteletti, chegam os guarani, desencadeando ora interações pacíficas, ora conflituosas com os kaingangs, mais situados à oeste, e os xoklengs, à leste, em Caxias do Sul.
Entre as relações amistosas, houve negociações de territórios e a troca de aprendizados como, por exemplo, plantas novas que os guaranis traziam do Paraguai:
— Uma pesquisa em andamento sobre a erva mate, de nome Ilex paraguariensis, diz que foram os guaranis que a trouxeram, e os kaingangs e os xoklengs que aprendem a usar, porque é uma planta de clima tropical. Apesar de ter dificuldade para se adaptar ao frio, os indígenas manejaram a erva mate até que ela conseguisse vingar aqui no Sul.