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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Contra os pobres

 

Vamos levantar a hipótese de que um governo seja contra os pobres. Que tipo de medidas esse governo poderia tomar? Talvez pudesse escravizar os pobres, valendo-se de legislação que permita e institucionalize essa prática abominável; depois poderia libertá-los sem se preocupar, minimamente, em permitir inclusão, integração e desenvolvimento, deixando-os morar em barracos provisórios e sem reconhecer títulos de propriedade sobre as próprias posses, impedir de fato de ligar luz, água, gás, telefone legalmente.

Dessa forma, os miseráveis não poderiam pedir a uma empresa que asfaltasse a rua; não poderiam usar os próprios ativos (seus barracos) para abrir uma loja, empreender e melhorar de vida. Seriam também obrigados a deixar alguém em casa o dia inteiro, pois, sem título legal, poderia ser tomada por alguém a qualquer momento. Provavelmente, então, um filho ficaria em casa sem estudar.

Se esses pobres ousassem empreender e capitalizar o tempo em casa, inventando um trabalho, como cuidar das crianças dos vizinhos, cozinhar e vender comida, costurar, fazer cabelos, unhas, depilação, vender produtos básicos diretamente da porta de entrada, esse governo imaginário poderia proibir as creches informais, poderia pedir uma licença e um curso custoso para virar cabeleireiro e esteticista, poderia aumentar os requisitos higiênicos e de qualidade de comida e roupa, jogando milhões no mercado informal.

Se, ainda assim, alguns obstinados tentassem vender produtos na rua, aí seria fácil proibir vendedores ambulantes de pipoca, algodão-doce, churros, relógios, balões, sorvetes, pôr um monte de fiscais a apreender a mercadoria. E para pagar esses fiscais, seria preciso aumentar os impostos sobre os pobres.

Quando alguns desses pobres conseguissem construir ou comprar uma humilde moradia, o governo poderia tranquilamente expropriá-la para construir ruas, pontes, estádios, deixá-los ao próprio destino ou mandá-los a bairros-dormitórios nas periferias das cidades. Agora, finalmente, esses pobres seriam menos visíveis e talvez se consiga desincentivá-los a vir às praias e à Zona Sul.

Mas suponhamos que ainda alguns cabeças-duras tentem transportar as pessoas no centro por um preço acessível; nesse caso se poderia proibir o transporte voluntário, alegando motivos de segurança (funciona sempre) e chamando-os de “piratas”, “clandestinos” ou “perueiros”.

E se, por acaso, alguns desenvolvessem espíritos antigoverno, e se nesses bairros abandonados surgissem outros grupos de poder (quem diria!), imaginemos, vendendo cigarros, licores ou droga, se poderia então proibir tudo e punir sumariamente os recalcitrantes. Afinal, com a justificativa de que as drogas fazem mal, será fácil prender jovens, pais, filhos e mães, destruindo famílias inteiras e o tecido social.

Vamos supor agora que alguns bem-intencionados critiquem o governo e peçam uma inversão de marcha – poderiam propor ajudar os pobres, por exemplo, com “mais educação” (um bom slogan para o horário eleitoral). Aí o governo poderia criar escolas estatais para pobres com o dinheiro dos próprios pobres, ensinando disciplinas pouco úteis para passar da miséria à classe média (filosofia, sociologia, antropologia), mas muito úteis para criar súditos obedientes (lê-se cidadãos críticos), em lugar das únicas disciplinas com as quais pobres do mundo inteiro melhoraram de vida (ciência, matemática, português). Com militantes no lugar de professores e deturpando a ciência com conteúdo ideológico, a obra é completa.

Para fazer tudo isso, precisa de muito dinheiro, claro. A arrecadação do imposto de renda dos ricos não basta, é preciso taxar os pobres, mas com a informalidade da economia é difícil. A única solução é taxar o consumo. Aí não tem como escapar, a arrecadação do governo aumenta e talvez alguns deles nem notem.

Agora qualquer aumento de gasto é financiado pelos pobres; todas as vezes em que falaremos em “gasto social”, estaremos na verdade gastando o dinheiro dos pobres!

Qualquer referência a fatos reais é puramente casual.

 

*Este artigo foi originalmente publicado como capítulo do livro “O Futuro da Democracia”, org. Ângela Francesca Grando Veit e Pedro Maciel Echel. Porto Alegre: Buqui, 2017. Série “Pensamentos Liberais”, 21ª edição.

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