O livro de Peter Leeson, The Invisible Hook: The Hidden Economics of Pirates, explora mais uma fascinante história de como a governança é possível em meio à anarquia. Leeson distingue entre a “mão invisível” (a “ordem oculta” presente na anarquia metafórica do mercado) e o “gancho invisível” (a “ordem oculta” na anarquia literal das sociedades de piratas). O principal argumento é que o próprio interesse individual dos piratas do início do século XVIII os levou a descobrir maneiras criativas de alcançar a cooperação, apesar de sua incapacidade de contar com instituições governamentais formais para resolver seus conflitos ou fornecer regras ou proteção (uma vez que os piratas eram, quase por definição, fora da lei). Curiosamente, descobrimos que as instituições informais de governança das sociedades de piratas, em muitos aspectos, poderiam ser consideradas progressistas.
Não há dúvidas de que os piratas eram pessoas más. De fato, eles roubavam para sobreviver, às vezes recorriam a assassinato, tortura, posse de escravos e aliciamento de pessoas – voluntárias ou não – em uma prática análoga ao que é a conscrição para o serviço militar. Mas, como Leeson aponta, “[através da] necessidade do interesse próprio, delinquentes desordeiros, desagradáveis e violentos conseguiram manter sociedades surpreendentemente ordenadas, cooperativas e pacíficas a bordo de seus navios”.
Sistema de governança
Os piratas viviam de acordo com um rígido código de regras chamado “artigos de acordo” (ou “código de piratas”), que governava seu comportamento e servia como uma constituição para suas sociedades flutuantes. Esse “código de piratas” serviria ao bem público para resolver o problema de falta de colaboração no trabalho que os piratas enfrentavam, já que estaria no melhor interesse de cada indivíduo trabalhar menos que o necessário, mesmo que fingindo esforço.
Os piratas também fizeram provisões previdenciárias em suas constituições. Pagamentos de diversos valores eram feitos aos piratas em decorrência de ferimentos ou membros perdidos em batalha.
A governança dessas sociedades flutuantes de bandidos do mar também tinha uma regra estrita – com os capitães sendo “legalmente” iguais aos membros da tripulação. As tripulações mantinham o “direito irrestrito de destituir qualquer capitão por qualquer razão”. Como uma forma de controle contra a predação dos capitães, estes só adquiriam poder durante batalhas; em tempos de paz, o contramestre era encarregado de resolver disputas, aplicar a disciplina e coisas do tipo.
Leeson contrasta esse relativo igualitarismo com os navios mercantes, nos quais a predação dos capitães era um problema maior devido a uma estrutura de incentivos bem diferente.
As escalas salariais nas sociedades piratas também eram relativamente achatadas. Capitães e contramestres, por exemplo, poderiam ganhar uma vez e meia ou duas vezes mais por cada parte que um membro comum da tripulação recebia, enquanto nos navios mercantes, o salário de um capitão e de um contramestre era de quatro a cinco vezes o de suas tripulações.
O sistema de governança pirata era o que hoje chamamos de democracia constitucional, “[antecipando] a democracia constitucional na França, Espanha, Estados Unidos e, possivelmente, até mesmo na Inglaterra.”
Seria compreensível concluir erroneamente que um famoso capitão pirata de antigamente, como Barba Negra, tenha projetado um sistema assim. Mas essa suposição estaria errada. Como Leeson afirma:
“...na medida em que [o ‘código pirata’] existia como um corpo de regras para toda a profissão, [ele] surgiu de interações piratas e compartilhamento de informações, não de um rei pirata que projetou e impôs um código comum a todos os bandidos do mar atuais e futuros.”
Tolerância relativa
Outro fator de visão avançada da vida pirata foi o tratamento relativo que os negros recebiam nos navios piratas, em comparação com os navios mercantes e navais da época. Os negros muitas vezes recebiam direitos iguais aos dos membros brancos da tripulação e eram mais numerosos do que seus equivalentes nos navios mercantes e navais. (Entre os navios mercantes, os negros eram predominantemente escravos).
Para entender o contexto histórico, vale lembrar que a análise de Leeson sobre a era de ouro da pirataria se concentra nas três primeiras décadas do século XVIII. Para fins de perspectiva, a escravidão permaneceu legal na Inglaterra até 1772 e nas colônias britânicas até 1833.
Alguns piratas de fato possuíam escravos negros. Portanto, esses “bandidos do mar” estavam longe de ser seres humanos particularmente iluminados. Muito pelo contrário. Eles também tinham seus preconceitos. Mas, na medida em que demonstraram um pouco de tolerância, o fizeram porque “se importavam mais com ouro e prata do que com preto e branco”.
Para reforçar o ponto de que a tolerância dos piratas estava mais ligada a considerações de custo-benefício do que à bondade de seus corações, considere que 1719 marcou o ano em que a guerra do Governo Britânico contra a pirataria começou com força total. A probabilidade de um pirata ser julgado e condenado aumentou significativamente a partir de então. Assim, sabendo que um escravo poderia testemunhar contra os piratas em um tribunal – argumenta Leeson –, os piratas tornaram-se mais inclinados a convidar os negros a se juntarem a eles como piratas livres após 1719. Aqueles que recebiam esse convite “tinham direito de voto igual na democracia pirata e provavelmente fariam jus a uma fração igual do saque.”
Em relação a outra área de tolerância social, Leeson cita o historiador B.R. Burg, que argumenta que os piratas eram “uma comunidade de homossexuais”. Claro, havia piratas casados (com mulheres) e aqueles que procuravam prostitutas. De fato, as mulheres geralmente não eram permitidas a bordo dos navios piratas para evitar distrações sexuais que pudessem interferir no sucesso da pirataria.
Embora Leeson escreva que acha que Burg pode estar exagerando a extensão da homossexualidade entre as tripulações piratas, é razoável concluir que “a homossexualidade não estava confinada aos que viviam em terra firme”, e especialmente se as tripulações piratas tivessem, de fato, uma representação relativamente alta nessa área, poderíamos encontrar mais tolerância social também.
“No entanto, ideias esclarecidas sobre igualdade ou os direitos universais do homem não produziram a tolerância pirata. Em vez disso, considerações simples de custo-benefício impulsionadas pela estrutura de compensação do emprego criminoso dos piratas foram responsáveis por essa tolerância.”
Redução de danos
Leeson argumenta que os piratas usavam suas bandeiras (incluindo a notória Jolly Roger) para sinalizar sua disposição de matar e torturar tripulações de navios-alvo que resistissem com armas ou que escondessem tesouros ou os jogassem ao mar para evitar que fossem saqueados pelos piratas. Essas bandeiras eram altamente eficazes, já que as tripulações dos navios-alvo muitas vezes não ofereciam resistência e permitiam que o saque ocorresse com facilidade. A Jolly Roger e suas variantes serviam como uma ameaça credível devido à reputação que os piratas haviam construído por, de fato, cometerem formas sádicas de tortura às tripulações e capitães que oferecessem resistência, escondessem tesouros ou os jogassem ao mar.
No entanto, o principal objetivo dos piratas era lucrar através do roubo – não “explodir suas presas em pedaços... [ou brutalizar] seus cativos”. Ironia do destino, “os motivos ignóbeis dos piratas – ganância egoísta – suavizaram os danos sofridos pelas vítimas dos piratas.”
Evasão da conscrição
Pode-se imaginar que um grupo de homens que roubava para viver não tivesse escrúpulos em recrutar à força seus membros. Mas, como Leeson observa, a conscrição era a exceção, não a regra.
A pirataria era “consideravelmente mais fácil, menos abusiva e oferecia possibilidades de ganho de renda substancialmente maiores” do que a vida na Marinha Real. Como tal, os piratas tinham pouca dificuldade em recrutar novos membros, e as tripulações de navios alvos frequentemente se voluntariavam para se juntar a seus captores piratas.
Leeson observa que, como os recrutas forçados não recebiam parte do saque e os homens livres sim, pode-se pensar que os piratas, como prática padrão, dariam preferência à conscrição do que ao recrutamento de novos membros. Mas, como se constatou, a conscrição era problemática para a autogovernança dos piratas.
Todos os piratas, fossem eles conscritos ou não, tinham que jurar seguir seus artigos de acordo. O acordo unânime e voluntário dos artigos era o motor que permitia a cooperação entre ladrões. Como tal, piratas conscritos eram mais custosos de aceitar como membros. Na verdade, “a conscrição poderia minar o próprio propósito dos artigos.”
Curiosamente, Leeson nota, quando o governo britânico capturava piratas em flagrante e os julgava em tribunal, se o (suposto) pirata conseguisse convencer o tribunal de que sua participação era involuntária, ele tinha uma chance de ser libertado. Assim, muitos “piratas conscritos” estavam, como o Capitão Johnson colocou, “dispostos a serem coagidos.”
Como vemos mais uma vez, os incentivos importam.
Considerações finais
Em conclusão, mesmo em uma sociedade “sem lei” e movida pelo lucro de piratas, descobrimos uma forma peculiar de autogovernança, surgindo espontaneamente. Leeson argumenta que apenas com a economia podemos entender uma sociedade assim, com muitas aparentes contradições.
Sem a economia, escreve Leeson, os piratas são “pacifistas sádicos; homossexuais mulherengos; socialistas sedentos por tesouros; e loucos que enganavam as autoridades. Eles são foras-da-lei furtivos que anunciaram sua presença com bandeiras de caveiras e ossos. São libertários que conscreveram quase todos os seus membros, democratas com capitães ditatoriais e anarquistas sem lei que viviam por um código estrito de regras. São terroristas torturadores que comandam a adoração de homens honestos.”