Por Hebert Blumer [*]
A descrição das estratégias e táticas bolcheviques feita pelo professor Selznick teve como base uma análise cuidadosa de escritos leninistas e stalinistas, comentários feitos por terceiros, registros de investigações e audiências que tratam das atividades comunistas e, aparentemente, um considerável acervo de materiais protegidos pelo governo federal. Ele se mostra incrivelmente à vontade com esses materiais, ao ser capaz de reconhecer o que há de essencial em meio ao vasto volume de materiais sobre o procedimento comunista, ao entender suas implicações e ao compreender suas inter-relações.
Um resumo dos pontos principais de sua análise pode ser apresentado, embora em detrimento da riqueza de se adentrar profundamente a questão. O objetivo dos comunistas, demonstra Selznick, não é tanto doutrinar as massas de pessoas com uma ideologia ou tomar o controle do governo no estilo revolucionário tradicional, mas, em vez disso, buscar a conquista das unidades funcionais estratégicas em uma sociedade – grupos como sindicatos, organizações de veteranos, grupos de jovens, desempregados, na verdade, qualquer grupo que ofereça uma base para operações expansionistas. Portanto o esforço dos comunistas tem como prioridade número um a procura por pontos de apoio iniciais em grupos e instituições que possam oferecer, por sua vez, meios de se moverem, progressivamente, em direção à usurpação cada vez maior do poder, até que o controle do aparato social de uma coletividade esteja garantido. O ponto de partida para que seja empregada essa forma de trabalho é a criação do partido comunista – um “partido de combate”, que consiste em uma elite de agentes de confiança completamente doutrinados, habilmente treinados e rigidamente disciplinados. A integridade do partido de combate é desenvolvida e preservada pelo isolamento psicológico de seus membros e pela proibição rígida de disputas internas a respeito de metas ou objetivos. Isso fornece uma membresia confiável e fortemente unida,que pode ser mobilizada, manipulada, posicionada e dirigida conforme seja necessário à política e à estratégia empregadas pelo líder que esteja na direção.
O partido de combate é o instrumento empregado para utilizar a energia potencial encontrada nas massas e dirigi-la aos objetivos do partido. A massa é concebida não como um agregado amorfo e difuso, mas como um conjunto de grupos e organizações especializados que estão vantajosamente posicionados e que são, ou podem ser, fontes de poder. Tais grupos e instituições tornaram-se os alvos para os esforços que os comunistas empregam na busca pelo poder. Existem quatro princípios ou demandas pelos quais o partido de combate é guiado nessa persistente busca pelo poder: (1) desenvolver meios de abordar seus grupos-alvo; (2) neutralizar elites concorrentes que possam estar se esforçando para controlar esses grupos-alvo; (3) legitimar quaisquer posições de poder que sejam conquistadas, de modo que tais posições de poder sejam reconhecidas e aceitas pelas pessoas como autoridades sancionadas; e (4) mobilizar os grupos capturados, de forma que possam ser postos em movimento em conformidade com as diretrizes desejadas pelo partido. O professor Selznick analisa de forma eficaz (a) o conjunto de estratégia desenvolvido pelos comunistas em relação a essas quatro demandas e (b) muitas das táticas operacionais utilizadas para implementar tais estratégias. Apenas algumas das estratégias precisam ser mencionadas aqui: a formação, nos grupos-alvo, de equipes clandestinamente treinadas[1];seus esforços mútuos para ganhar cargos decisórios; o descrédito de funcionários e grupos internos que estejam em seu caminho; a prontidão para cumprir rigorosamente as metas nas organizações-alvo como um meio de mover-se em direção ao poder; a participação em frentes unidas, fazendo exigências impossíveis e, depois, jogando em outros grupos a responsabilidade pela quebra da frente unida; o ato de levar a atividade conspiratória não só aos bastidores dos órgãos públicos, como também para além de seus muros. Em geral, como mostra o professor Selznick, a busca pelo poder por parte dos comunistas é marcada pela alta adaptabilidade e rapidez nas táticas. Em última instância, os comunistas procuram desenvolver, progressivamente, uma rede fluida de poder e controle dentro de grupos e instituições estabelecidos, e, desse modo, no momento propício, encontrar-se-ão em posição de deslocar a autoridade constitucional em uma dada sociedade.
Com base na sua profunda análise sobre tais estratégias e táticas, o professor Selznick apresenta um capítulo final intitulado “Problems of Counteroffense” (“Problemas da Contraofensiva”), no qual, sabiamente, comprova que a estratégia passo a passo dos comunistas fornece os mesmos itens de conhecimento que podem ser utilizados para bloquear e anular o esforço comunista. A forma como ele trata esse assunto revela, claramente, a estupidez dos esforços gerais hoje em voga na repressão do comunismo em âmbito nacional, particularmente as táticas, amplamente usadas, de minar e desacreditar os sujeitos que são exatamente os arquirrivais dos comunistas na luta pelo controle de grupos e instituições.
Para voltar a um pensamento expresso por este resenhista no parágrafo inicial, esta ponderada e penetrante análise da estratégia comunista de conquista do poder revela precisamente coisas muito importantes sobre a estrutura do nosso tipo moderno de sociedade – tais como os centros estratégicos de poder, o fato de se mudar o foco da liderança para a membresia, as formas fundamentais de funcionamento interno das instituições e organizações, a coordenação e manipulação de pessoas, as atividades conspiratórias encobertas sob a fachada de organizações notáveis e a captação e utilização de poder. Na verdade, é precisamente na identificação dos procedimentos por meio dos quais a organização é formada e por meio dos quais as unidades sociais operacionais são controladas que a estrutura de funcionamento da nossa sociedade moderna é descoberta. Esse tipo de enfoque, é de se notar, é bastante diferente do estabelecido pela discussão sociológica convencional sobre organização social. O professor Selznick tem procurado traçar um panorama geral da situação em suas discussões, especialmente no capítulo intitulado “Vulnerability of Institutional Targets” (“Vulnerabilidade de Alvos Institucionais”). O tratamento que ele dá à natureza da “sociedade de massas” parece a este resenhista ser, de longe, o melhor na literatura disponível. Ele certamente merece ser estudado em seus pormenores por sociólogos.
A discussão ora apresentada aponta para a fraqueza número um da análise extraordinariamente bem feita que o professor Selznick fez, qual seja a ausência de uma maior atenção aos muitos casos em que as estratégias e táticas comunistas provaram ser ineficazes. Esse é exatamente o exemplo do que significa organização recalcitrante. Esses casos tornam-se as pistas para a exumação da organização sólida de uma sociedade em funcionamento. É de se esperar que o professor Selznick prossiga nos seus estudos sobre tais assuntos, pois eles oferecem o que seja, talvez, a linha mais frutífera de desenvolvimento de uma análise realista e significativa de organização social.
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[*] Herbert Blumer. “Review of The Organizational Weapon: A Study of Bolshevik Strategy and Tactics by Philip Selznick”. Mead Project, 2007.
Tradução: Gleice Queiroz
Revisão: Rodrigo Carmo
[1] Equivale às células de base, aos núcleos de base ou às organizações de base previstas nos estatutos partidários da extrema esquerda. Para melhor compreensão da composição, finalidade e funcionamento da organização de base, recomenda-se a leitura dos artigos 34 – 37 do estatuto do PCdoB, bem como do artigo “Organizações de Base: os alicerces do PCdoB”.
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