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quinta-feira, 8 de junho de 2017

O mito do “milagre econômico de esquerda” em Portugal

De 21 de junho de 2011 a 26 de novembro de 2015, Portugal foi governado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, do Partido Social-Democrata. Em Portugal, o Partido Social-Democrata é considerado de direita.
Sob os social-democratas, políticas de austeridade — no caso, corte de gastos e aumento de impostos — foram implantadas. Vários indicadores melhoraram, sendo o principal deles a forte queda nas taxas de juros de longo prazo, que desabaram de astronômicos 15% para irrisórios 2,5%.
A economia, após três anos de recessão — 2011, 2012 e 2013 — voltou a crescer em 2014 e 2015.
No dia 26 de novembro de 2015, António Luís Santos da Costa, do Partido Socialista, se tornou o novo primeiro-ministro. Desde então, ele se tornou o novo — e único — bibelô das esquerdas mundiais, que não se cansam de repetir que a atual coalizão de esquerda que governa Portugal está obtendo resultados espetaculares em termos de crescimento econômico, criação de emprego e redução do déficit fiscal após haver abandonado a insuportável austeridade imposta pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI).
Qual o problema com esta narrativa? Simples: ela é completamente mentirosa. O atual governo de esquerda de Portugal não só não abandonou as políticas de austeridade, como ainda as aprofundou em alguns aspectos.
Portugal, mais austeridade que na Espanha
Como dito, a coalizão de esquerda liderada por António Costa começou a governar Portugal em 26 de novembro de 2015. Para agradar à sua base eleitoral, suas primeiras medidas realmente implicaram a reversão de algumas reformas recomendadas pela Troika: a jornada de trabalho dos funcionários públicos foi reduzida de volta para 35 horas semanais [quando funcionários públicos trabalham menos, a economia produz mais], as aposentadorias voltaram a ser reajustadas pelo índice de preços, algumas privatizações foram paralisadas e o salário mínimo foi aumentado em 5% em 2016 e mais 5% em 2017 (o atual e já reajustado salário mínimo português, de 649 euros, é 21% menor que o espanhol).
Só que nada disso significa uma reversão das políticas de austeridade.
Para começar, os gastos públicos do governo português encolheram nada menos que 9% sob o governo de Passos Coelho, de 2010 ao final de 2015. Em 2016, já sob António Costa, mantiveram-se absolutamente estáveis.
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Gráfico 1: evolução dos gastos governamentais em Portugal
Vale ressaltar: não foi uma mera "redução na taxa de crescimento", como fazem em vários outros países. Foi corte de gastos, mesmo. Se um corte de 9% nos gastos do governo não é mais considerado austeridade, então a esquerda ficou moderada.
Como consequência deste brutal corte de gastos, o déficit do governo, que estava em astronômicos 11,1% do PIB, caiu para míseros 4,4% do PIB sob Passos Coelho. Já o socialista António Costa aprofundou ainda mais a redução do déficit, levando-o para míseros 2%.
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Gráfico 2: evolução do déficit público em Portugal
Em decorrência da redução dos gastos do governo e do acentuado encolhimento dos déficits, as taxas de juros de longo prazo (determinadas pelo mercado e essenciais para que haja investimentos produtivos em vez de especulativos) desabaram:
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Gráfico 3: evolução dos juros dos títulos de 10 anos em Portugal
Para efeitos comparativos, peguemos um país semelhante: a Espanha.
Durante este mesmo período, o governo espanhol cortou gastos até o final de 2012, voltando a aumentá-los a partir dali. Do início de 2013 até hoje, o governo espanhol — sob o comando do "direitista" Mariano Rajoy — já aumentou seus gastos em mais de 10%.
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Gráfico 4: evolução dos gastos governamentais na Espanha

O déficit do governo espanhol também caiu, mas bem menos que o do governo português.
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Gráfico 5: evolução do déficit público na Espanha

Como consequência, os juros de longo prazo da Espanha — um país muito mais rico que Portugal — é apenas 1,46 ponto percentual menor, sendo que sua queda também foi bem menos acentuada.
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Gráfico 6: evolução dos juros dos títulos de 10 anos em Portugal
Consequentemente, quando se afirma — corretamente — que Portugal reduziu, em 2016, seu déficit público para menos que 3% pela primeira vez desde a crise econômica de 2008 (gráfico 2), vale ressaltar que isso ocorreu inteiramente por meio do corte de gastos.
Em 2015, o gasto público de todos os níveis de governo de Portugal foi de 48,3% do PIB ao passo que as receitas totais foram de 44% do PIB. Resultado: um déficit equivalente a 4,4% do PIB (déficit este que já era substantivamente menor que o de 7,2% de 2014). Em 2016, sob o governo socialista, as receitas do governo caíram de 44% do PIB para 43,1%, de modo que todo o ajuste, em 2016, se deu por meio do gasto, o qual caiu de 48,3% do PIB para 45,1% do PIB.
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Gráfico 7: gastos governamentais em Portugal (todos os níveis de governo) em relação ao PIB
Um gasto público de 45,1% do PIB é o nível mais baixo desde 2007.
Ou seja, o "superkeynesiano" e "anti-austeridade" governo de esquerda de Portugal reduziu o tamanho do setor estatal em relação à economia portuguesa ao nível mais baixo em uma década.
Entendido tudo isso, a única argumentação possível seria dizer que esta grande contenção do gasto público não afetou o dinamismo da economia porque o governo luso sabe da importância de se impulsionar a recuperação econômica com aumentos do investimento público. Mas nem isso: o investimento público em Portugal caiu sob o governo socialista. Foi de 2,3% do PIB em 2015 para 1,5% do PIB em 2016, o nível mais baixo desde 1995 (início da série histórica). Com efeito, o investimento público em Portugal, em 2016, foi menor que o espanhol.
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Gráfico 8: taxa de investimentos públicos em relação em PIB em Portugal (linha vermelha) e na Espanha (linha preta)
Em definitivo, o governo português "de esquerda" simplesmente manteve e, em alguns casos, até mesmo aprofundou em 2016 a austeridade de seu antecessor Pedro Passos Coelho.
Por que então este governo está sendo louvado pela esquerda como "anti-austeridade"? Majoritariamente, por causa da retórica: havia alguns cortes de gastos adicionais programados pelo governo Passos Coelho que o atual governo não implantou (em cujo caso a austeridade seria ainda maior). Mas isso de modo significa uma "rebeldia anti-austeridade".
No mais, o número de empregados já vinha crescendo desde 2013, não havendo qualquer alteração significativa a partir de 2016.
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Gráfico 9: evolução no número de pessoas empregadas em Portugal
Igualmente, o número de desempregados também vinha caindo continuamente desde 2013.
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Gráfico 10: evolução no número de pessoas desempregadas em Portugal

Finalmente, o ritmo de queda do desemprego apenas manteve a tendência já iniciada em 2013.
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Gráfico 11: evolução da taxa de desemprego em Portugal
Conclusão
Definitivamente, Portugal não é nenhum exemplo de políticas anti-austeridade e de rebeldia à Troika.
Que a esquerda esteja recorrendo a Portugal como exemplo prático de sua agenda econômica é um grande mistério.
É claro que o atual governo pode realmente vir a adotar, no futuro, uma agenda econômica realmente de esquerda, passando a aumentar os gastos e o intervencionismo. Isso é algo impossível de prever. Porém, até agora, isso não foi feito.
O que é certo é que, até o momento, utilizar Portugal de 2016 como exemplo de êxito de políticas anti-austeridade e expansionistas de esquerda é uma grande burla intelectual.

Juan Ramón Rallo
é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

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