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domingo, 16 de outubro de 2011

A filosofia e a política: um apólogo histórico

As lições da filosofia não vêm somente da obra, mas também da vida dos filósofos, cujos eventos, muitas vezes, têm a carga dramática e sapiencial dos mitos. A reflexão me ocorre a partir de um episódio da vida de Diógenes de Sínope, que sempre me fascinou, desde que ouvi falar dele. Trata-se do célebre encontro entre o filósofo e Alexandre, o Grande, narrado por Plutarco e por Diógenes Laércio.

Certa vez, o imperador, em visita a Corinto, quis conhecer o famoso filósofo e o encontrou encostado a uma coluna, aquecendo-se ao sol da manhã. Trocaram algumas palavras e Alexandre, impressionado, perguntou a Diógenes se poderia fazer alguma coisa por ele, ao que o filósofo teria respondido, sem maior cerimônia: “Dá para sair da frente do sol?”

Segundo uma outra versão do encontro, que me parece menos plausível, o imperador teria encontrado o filósofo remexendo uma pilha de ossos humanos, na qual, disse Diógenes, estar procurando os ossos de Filipe, pai de Alexandre. E acrescentou, mordaz, como convinha a um cínico: “Não consigo, porém, distinguir os ossos dele dos ossos de um escravo”.

Sempre impressionado, Alexandre teria respondido que, não fosse Alexandre, o Grande, gostaria de ter sido Diógenes, o Cínico. Se, de fato, expressou esse desejo, deixou claro que aproveitou as lições de seu tutor, Aristóteles. Compreendeu que o grau de liberdade e independência de que Diógenes desfrutava só podia ser superado pela liberdade e independência de alguém na sua posição – quase única na história da humanidade, pois poder semelhante ao de Alexandre talvez só tenham possuído César, Augusto e Gengis Khan.

Mas, voltando à primeira versão do encontro, note-se que ela revela um Diógenes profundamente cínico – e cínico, vale lembrar, vem de “cinos”, que significa cão, em grego, remetendo à agressividade dos filósofos da escola cínica. Mais do que isso, contudo, creio que ela traz uma lição sobre a filosofia da qual a ignorância filosófica moderna, especialmente a marxista, sequer suspeitou. Se não, vejamos.

No episódio, Diógenes personifica a filosofia, ao passo que Alexandre é a personificação da política. E, portanto, a filosofia pede à política que saia da frente do Sol, cuja luz – a luz da verdade – está escondendo. Ao esconder o Sol, a política presta um desserviço à filosofia, descaracterizando-a e transformando-a em ideologia. A filosofia, enfim, não pode se manter à sombra da política e de suas necessidades pragmáticas, sem deixar de ser filosofia.

Como já disse, em outra ocasião, parafraseando uma das teses contra Feuerbach, a filosofia se limitou a explicar o mundo, quando passou a querer transformá-lo, deixou de ser filosofia.

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