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quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A história esquecida do socialismo e do ocultismo

 Karl Marx e Friedrich Engels são os nomes que vem usualmente à cabeça quando as pessoas escutam a palavra “socialismo”. Estes dois não eram, contudo, os criadores do socialismo, mas sim criadores de uma variante específica, fundada numa análise objetiva das condições econômicas e dos interesses de classe. Eles tiveram grandes dificuldades para distinguir o socialismo “materialista” deles do socialismo “utópico” de seus predecessores.   

Aos utópicos, disseram Marx e Engels, faltava um envolvimento rigoroso com as forças produtivas reais e com os antagonismos de classe. Os utópicos eram pseudorreligiosos e quase místicos, soando mais como profetas do que como cientistas. Eles elaboravam com entusiasmo projetos para cidades ideais, mas “quanto mais detalhados eram”, escreveu Engels, “mais não conseguiam evitar em recair em puras fantasias”.

Os materialistas venceram o debate. Quando falamos de socialismo hoje, geralmente nos referimos a uma tradição que se expressa em conceitos marxistas: o proletariado, a burguesia, a consciência de classe. Mas esquecido largamente está o léxico, por exemplo, da utopia saint-simoniana: regeneração social, associação universal, mulher-messias.

Se os socialistas de hoje sabem pouco sobre as primeiras filosofias socialistas, sabem menos ainda sobre a fascinante relação entre o socialismo utópico e o ocultismo. As correntes socialistas não-marxistas dos séculos XIX e início do XX estavam intimamente interligadas a movimentos ocultistas esotéricos. Onde se encontra um, o outro geralmente estava por perto. Embora possamos estar relutantes em admitir isso, a história socialista apresentou mais do que algumas sessões espíritas em meio às greves.

O diálogo entre socialismo e ocultismo começou na França no início da década de 1830, quando os socialistas pré-marxistas iniciaram uma busca pelo conhecimento oculto e pelas leis universais, os quais eles esperavam que libertariam a humanidade. Esta busca continuou nos Estados Unidos nas décadas de 1840 e 1850, quando as comunas socialistas utópicas serviram de refúgios para peregrinos espirituais, os quais fugiram das igrejas tradicionais, mas mantiveram suas crenças em fenômenos sobrenaturais e na revelação divina de mistérios ocultos. 

Pelo início da década de 1870, o socialismo materialista estava ganhando terreno na classe trabalhadora americana. Os Cavaleiros do Trabalho tinham acabado de ser fundados, marcando a chegada do movimento sindical, e a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) de Marx, centrada na luta de classes marxista, estava ganhando força. Curiosamente, uma seção local da AIT passou a ser liderada por uma abolicionista, sufragista e famosa curandeira espiritual chamada Victoria Woodhull, quem decidiu concorrer à presidência em 1872, sob a bandeira do grupo. O próprio Marx reclamava de Woodhull e de sua facção de “espiritualistas” de “classe média”. Ele os considerava como “vigaristas” e “escória”, desviando o movimento do caminho certo.

Para começo de conversa, como uma médium acabou infiltrada numa organização marxista? Só conseguimos entender este episódio, reconhecendo que, embora a ideologia materialista da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) estivesse a léguas de distância das teorias esotéricas dos espiritualistas, o socialismo e o ocultismo foram vizinhos por muitas décadas. Encontros ocasionais desse tipo continuariam até que os parâmetros materialistas do movimento operário fossem oficialmente estabelecidos e o canto da sereia do fascismo atraísse os ocultistas para a direita. Até então, não era incomum encontrar socialistas convictos que se aventuravam na adivinhação ou tentavam fazer contato com os mortos.

Socialismo e o ocultismo francês 

Em 1825, ano de sua morte, o reformista social francês Henri de Saint-Simon publicou um livro chamado Nouveau Christianisme (Novo Cristianismo). Como escreve Egil Asprem, estudioso de esoterismo e religião, o projeto de Saint-Simon foi o de “rejuvenescimento da Cristandade, livrando-a do clero corrupto e estabelecendo uma religião progressista e ‘positiva’ dedicada ao aperfeiçoamento e à regeneração da humanidade — aqui, na Terra. Para essa tarefa crucial era a elevação dos pobres”.

Os adeptos das ideias de Saint-Simon foram os primeiros a serem chamados de “socialistas”. Mas, embora o socialismo tenha se associado axiomaticamente ao laicismo anos mais tarde, seus fervorosos precursores durante o período da Monarquia de Julho na França eram tudo menos isso. O estudioso de religião Julian Strube explica:

Os saint-simonianos e outros socialistas se viam a si mesmos lutando contra uma fragmentação social e uma “frieza” que supostamente resultaram do ateísmo e do materialismo do século XVIII. Aos seus olhos, essas circunstâncias eram responsáveis ​​pela ruptura dos laços sociais, enquanto constituíam a força motriz por trás do “mercantilismo” egoísta que sufocava as classes mais baixas.

O surgimento do capitalismo coincidiu com um processo de desencantamento, o qual parece ter sugado toda a magia do mundo. Os saint-simonianos estiveram, em protesto e por desafio a esta alienação gélida, interessados em lançar uma contraofensiva coberta por um sentimento cloroso e romântico. Strube revela o quão intenso e abertamente religioso era o movimento deles:  

Os saint-simonianos viam a si mesmos como os arautos de uma nova Era de Ouro, a qual superaria a fragmentação social e realizaria uma unidade harmoniosa entre religião, ciência e filosofia. Declararam a si mesmos uma “igreja”, a église saint-simonienne… [e] consideravam a si mesmos não como os teóricos de uma doutrina político-econômica, mas como “apóstolos”, pregando as revelações de seu “profeta”, Saint-Simon.

Em 1848, aconteceram dois eventos alteradores de mundo: Marx e Engels estrearam sua vertente materialista do socialismo com a publicação de O Manifesto do Partido Comunista; e na Europa uma série de revoluções entraram em erupção, as quais arrastaram o socialismo ao reino da política real de alto risco.  A partir de então, o socialismo materialista estava em ascensão e o socialismo utópico em declínio. Mas o legado do utopismo foi longo, tendo produzido muitas ideias, pensadores, ativistas e experimentos no mundo real que persistiriam por décadas.

Retrato tirado depois da morte do ocultista socialista Alphonse-Louis Constant, também conhecido como Éliphas Lévi. (Projecto Gutenberg)

Isso também gerou uma outra linha de pensamento totalmente distinta: o ocultismo.

Como Strube mostra, o ocultismo surgiu na França não apenas após o utopismo, mas diretamente dele. O amplamente considerado fundador do ocultismo, Alphonse-Louis Constant, com o pseudônimo de Éliphas Lévi, estava profundamente envolvido no movimento socialista saint-simoniano pré-1848. De fato, ele apresentou pela primeira vez suas ideias sobre a magia cabalística em uma revista socialista francesa. 

A primeira publicação radical de Constant [Éliphas Levi], em 1841, foi La Bible de la liberté (A Bíblia da Liberdade), a qual Strube descreve como “uma mistura extravagante de ideias socialistas, místicas, românticas e feministas”, ideias comuns entre os saint-simonianos da época. Na década de 1850, Constant, agora escrevendo sob seu pseudônimo, publicou obras como Dogme et rituel de la haute magie (Dogma e Ritual de Alta Magia), Histoire de la magie (História da Magia) e La clef des grands mystères (A Chave dos Grandes Mistérios). Essas obras se tornaram os textos fundamentais do movimento esotérico, influenciando fortemente, mais tarde, ocultistas posteriores a Constant [Éliphas Levi], como Madame Helena Blavatsky e Aleister Crowley. Em poucas palavras, o fundador do ocultismo era um socialista.

Ilustrações tiradas da obra do ocultista socialista Alphonse-Louis Constant, também conhecido como Éliphas Lévi. (Projeto Gutenberg).

A análise de Strube sobre a obra de Constant [Éliphas Levi] não encontra qualquer ponto de ruptura: em vez disso, suas ideias se situavam de forma bastante harmoniosa entre o socialismo utópico e o esoterismo eclético, ambos os quais preocupados com a busca de leis universais ocultas que, uma vez reveladas, libertariam a humanidade. Marx e Engels encontraram essas leis na dinâmica da luta de classes e nas contradições internas do capitalismo; Éliphas Lévi as encontrou nas correspondências secretas entre as letras do alfabeto hebraico e as cartas de tarô, no andrógino Baphomet, quem reconciliava todos os opostos cósmicos, a luz astral que registrava todos os pensamentos e ações humanas como um banco de memória universal, e a convicção de que Jesus Cristo era na verdade um iniciado nos mistérios egípcios, quem tinha descoberto como manipular essas forças invisíveis — tudo isso poderia ser dominado através da magia ritual, para alcançar nada menos do que a regeneração da humanidade e o estabelecimento de um socialismo teocrático universal governado por magos iniciados.

A relação entre o socialismo não-marxista e o esoterismo persistiu até o fim do século XIX. Esoteristas franceses continuaram a publicar em jornais socialistas, quando também alertavam contra a ambição e a validade do movimento sendo erodida pelas “políticas baixas” dos materialistas. A resposta dos materialistas a eles, enquanto isto, variaram abertamente entre hostilidade e ridicularização, até a uma espécie de divertida curiosidade, temperada por conselhos amigáveis para que se concentrassem em questões práticas.

Quando a organização esotérica mais influente do final do século XIX, a Sociedade Teosófica, fundou seu primeiro capítulo na França, chamado Loja Ísis, realizou sua reunião inaugural nos escritórios da Revue socialiste — uma revista socialista ecumênica que também publicou o famoso manifesto de Engels contra os utópicos. A Loja Ísis foi fundada em 1887 por Louis Dramard, quem anteriormente tinha escrito um artigo na Revue, exortando seus companheiros socialistas a reconhecerem “o valor intrínseco do ocultismo”.

Dramard morreu pouco tempo depois no Magrebe, lutando pelos direitos dos trabalhadores argelinos. Morreu como um socialista tanto quanto foi um esoterista. Ele não era um caso isolado. Por mais constrangedor que pudesse ter sido para os materialistas da época, havia muitos socialistas sérios que acreditavam que um mundo melhor existia além do capitalismo — e que desvendar as leis ocultas que regem a humanidade e o cosmos aceleraria sua chegada.

Do outro lado do Atlântico, não foi o nome de Saint-Simon, cujos seguidores misturaram ocultismo e socialismo, o responsável por influenciar as comunas, mas sim dois de seus contemporâneos, o utopista francês Charles Fourier e o utopista galês Robert Owen. Os dois foram direta e indiretamente responsáveis ​​pela criação de dezenas de comunas, muitas das quais também funcionavam como centros de experimentação espiritualista.

Owen só se aproximou de um sistema de crenças esotéricas, chamado de “espiritualismo”, aos oitenta anos de idade, tendo abraçado por muito tempo um socialismo utópico mais secular, o qual enfatizava comunidades igualitárias planejadas. Nos últimos anos de sua vida, ele “viu o espiritualismo como uma extensão natural de seus princípios cooperativos — uma crença na interconexão de todos os seres, transcendendo o plano físico”.

Retrato de Charles Fourier, pintado por Jean Gigoux. (Fonds Françoise Foliot/Wikimédia França).

Mas a vida dele não era repleta de bolas de cristal e tabuleiros Ouija. Além do seu interesse pelo cooperativismo, Owen esteve profundamente envolvido no início do movimento operário britânico e nos precursores dos sindicatos. Marx falou favoravelmente de Owen em muitas ocasiões.

Embora a filosofia de Fourier fosse muito mais idiossincrática do que a de Owen, no típico estilo francês da época, ele também nem era um ocultista. Sua crença fundamental era que os seres humanos, alienados do seu trabalho, poderiam organizar a sociedade de uma forma mais racional, a qual promovesse harmonia, igualdade, fraternidade e prazer tanto no trabalho quanto no lazer. Para este fim, ele propôs a criação de “falanges”, ou sociedades comunais, organizadas em torno de princípios-chave racionais.

Contudo, Fourier assumiu para si a tarefa de mesclar ciência e religião na busca de uma grande “teoria das harmonias universais”. Além dos princípios básicos de seu pensamento, encontram-se nos escritos de Fourier muitos floreios cheios de capricho, como sua enumeração das “doze paixões” que movem a humanidade e sua taxonomia detalhada de tipos de personalidade.

Os adeptos franceses de Fourier não perderam tempo ao fazerem das filosofias dele, mesmo durante sua vida, uma quase-religião e interpretá-las de maneiras esotéricas. Já em 1832, seu seguidor Just Muiron afirmava que as ideias de Fourier estavam em sintonia com as de figuras como Franz Mesmer, um curandeiro que se utilizava do transe (nome do qual deriva o termo “mesmerizar”), e Emanuel Swedenborg, um místico cristão, quem promovia uma cosmologia de múltiplos céus e infernos correspondentes a estados espirituais. Os fourieristas ainda iriam debater o lugar apropriado da espiritualidade em sua ideologia por décadas, com críticos internos acusando os esoteristas de “blasfêmia contra o progresso lógico”.



Um trabalho traduzido pelo socialista utópico Charles Fourier. (Arquivo da Internet)






















Nos Estados Unidos, onde os reais experimentos fourieristas e owenistas abundavam, diversos fatores convergiram para a proliferação de crenças e práticas esotéricas. O primeiro foi o crescente número de peregrinos espirituais pós-cristãos, geralmente protestantes que haviam abandonado suas igrejas tradicionais, mas que não tinham abraçado o secularismo radical, ficando à deriva, em busca de uma alternativa. Muitos se sentiram atraídos pelas ideias do já mencionado Swedenborg; uma comuna fourierista localizada em Massachusetts, a Fazenda Brook, era repleta de seguidores de Swedenborg. Para esses moradores da comuna, a experimentação social igualitária e o sincretismo espiritual faziam parte do mesmo grandioso projeto milenarista.

A segunda influência crucial foi o crescimento do espiritualismo americano, o mesmo sistema de crenças que teve Owen como um convertido tardio. O espiritualismo nasceu em 1848 — o mesmo ano das revoluções europeias e da publicação do O Manifesto Comunista —, quando as irmãs Fox, do interior do estado de Nova York, afirmaram se comunicar com espíritos por meio de batidas misteriosas, dando início a um movimento que se espalhou rapidamente pelos Estados Unidos. O movimento encontrou terreno certamente fértil entre os reformadores progressistas, à medida que os círculos espiritualistas se tornaram espaços onde as mulheres poderiam falar publicamente como médiuns e afirmarem sua autoridade espiritual, em uma época que, de modo contrário, negava-se a elas a liderança política e religiosa.

Muitas sufragistas e abolicionistas proeminentes, incluindo Susan B. Anthony e Sojourner Truth, participaram de atividades espiritualistas, considerando a comunicação com os mortos como algo compatível com suas campanhas por justiça terrena. Um espiritualista abolicionista registrou uma suposta conversa que teve com o fantasma de um senhor de escravos da seguinte maneira:

Pergunta – As raças negra e branca não se associam no mundo espiritual?

Resposta – Todas estão lá e podem se associar se quiserem. 

Pergunta – O senhor se sente de alguma forma incomodado por ter tido escravos em vida?

Resposta – Não acredito mais como antes, mas sempre os tratei com bondade, e isso é um pensamento que me deixa bem. Boa noite, Reverendo Pierpoint.

A sobreposição era tão acentuada que qualquer pessoa interessada em socialismo durante esse período inevitavelmente se depararia com ideias espiritualistas, visto que as mesmas salas de aula, jornais e redes sociais que promoviam a economia cooperativa também abrigavam sessões [séance] espíritas, discursos em transe e debates sobre o apoio do mundo espiritual à reforma social. Nesse ambiente radical, as fronteiras entre a organização política e a experimentação espiritual eram notavelmente permeáveis, com os reformistas transitando fluidamente entre discussões sobre direitos trabalhistas, igualdade de gênero, justiça racial e mensagens do além.

A Fazenda Brook, comuna de Massachusetts povoada por swedenborgianos, existiu apenas por seis anos, de 1841 a 1847, mas nesse curto período a comunidade experimentou sessões espíritas, jogos de adivinhação e uma prática chamada psicometria, que envolvia a obtenção de informações a partir de objetos talismânicos. Em uma destas sessões, escreve Edmund Berger na revista Cosmonaut, um residente que praticava psicometria “encontrou o espírito do próprio Fourier e, segundo relatos, manteve uma conversa com ele”.

A Fazenda Brook estava longe de ser o único lugar onde o socialismo utópico e o espiritualismo americano colidiam. Em Yellow Springs, Ohio, por exemplo, um casal que se casou em uma cerimônia swedenborgiana estabeleceu uma comunidade intencionalmente dedicada à hidropatia, um movimento de “curas pela água” espirituais. Como Berger destaca, o casal inaugurou o Instituto Memnonia, como era chamado, no aniversário de Fourier. Também em Ohio, Berger também diz que um visitante de uma comuna chamada Prairie Home Community ficou surpreso ao ouvir os moradores, envolvidos no árduo trabalho de suas tarefas, “conversarem tão livremente sobre frenologia, fisiologia, magnetismo, hidropatia” e assuntos semelhantes.

Por todo o país, comunidades fourieristas e owenitas se aventuravam na variante americana do esoterismo. Esses socialistas utópicos estavam em uma jornada para descobrir alternativas radicais e revelar verdades últimas que pudessem ajudar a humanidade a viver com mais liberdade e harmonia, e não restringiam sua busca épica ao reino terreno. O socialismo materialista também estava criando raízes, mas, apesar de suas orientações radicalmente diferentes, as duas tradições ainda não ocupavam meios sociais e intelectuais completamente separados. Forças racionalistas dedicadas a promover a luta de classes estavam se consolidando — mas até mesmo os Cavaleiros do Trabalho [Knights of Labor], da classe trabalhadora, tinham um tom decididamente ocultista em seu nome, inspirados por sociedades secretas como a Maçonaria.

Os socialistas materialistas podem se sentir desconfortáveis ​​com essa vertente irracional e antimoderna na história do nosso movimento, mas fatos são fatos. Durante várias décadas na história do socialismo americano, certos autoproclamados socialistas tinham mais probabilidade de lhe entregar um livro de Andrew Jackson Davis, um famoso autor clarividente e espiritualista também conhecido como o “vidente de Poughkeepsie“, do que uma cópia do Manifesto Comunista.

Exorcismo pelo marxismo

Nas décadas seguintes, os Estados Unidos e a Europa testemunharam diversas outras convergências entre socialismo e ocultismo. Por exemplo, quando o socialista Edward Bellamy publicou seu romance socialista utópico extremamente popular, Looking Backward, em 1887, isto inspirou uma nova onda de atividades utópicas socialistas. Clubes Bellamy foram fundados por todo o país, muitos deles autorizados pela já mencionada esotérica Sociedade Teosófica.

“Assim como o espiritualismo e o fourierismo estavam interligados”, escreve o estudioso de religião Dan McKanan, os socialistas bellamyitas “construíram sobre as estruturas organizacionais da Teosofia uma sucessora parcial do espiritualismo que se baseava nas revelações dos misteriosos ‘Mahatmas’ para sua cosmologia, em vez de espíritos mortos”. A Teosofia já estava totalmente imersa em conceitos esotéricos orientais, daí a figura dos “Mahatmas”. Mas ainda não havia abandonado os resquícios do socialismo utópico.

Com o tempo, porém, a crescente hegemonia do marxismo conferiu ao socialismo um tom distintamente materialista e secularista, e a combinação tornou-se cada vez mais difícil de justificar. Quando o socialismo utópico desapareceu, o ocultismo ficou à deriva politicamente. Mas não por muito tempo: os fascistas europeus e americanos estavam cada vez mais interessados ​​nas ideias de Blavatsky e da Sociedade Teosófica.

Certas preocupações de Blavatsky, incluindo suas teorias sobre “raças-raiz” e a evolução espiritual da humanidade através de distintos estágios raciais, pareciam justificar as hierarquias centrais da ideologia fascista. De fato, o uso da suástica pelos nazistas se devia à popularização deste símbolo oriental em círculos ocultistas pela Sociedade Teosófica. Da mesma forma, o uso do termo “ariano” pelos nazistas é uma referência a uma raça antiga que Blavatsky afirmava ser espiritualmente superior e destinada a liderar a evolução humana.

O ocultismo tem há muito tempo perdido força entre os socialistas, felizmente, fazendo apenas raras aparições ocasionais na esquerda não-materialista. Exemplos de seu ressurgimento variam do apocalíptico, como a comuna-que-se-tornou-um-culto-à-morte do Templo do Povo de Jim Jones, ao anedótico, como a predileção de alguns esquerdistas progressistas pela astrologia. Mas não há dúvida de que o esoterismo se sente muito mais à vontade hoje na extrema direita.



O emblema da Sociedade Teosófica. Note o uso da suástica, dentre outros símbolos orientais. (Fonte: The Theosophical Society).

Os movimentos nazistas e neonazistas têm se baseado rotineiramente no paganismo nórdico, no simbolismo rúnico e no misticismo völkisch para construir seus fundamentos ideológicos. Da influência da Sociedade Thule, de cunho ocultista, no nazismo inicial a grupos contemporâneos como os odinistas e wotanistas, a extrema direita tem consistentemente elevado a espiritualidade germânica pré-cristã (ou suas recriações ecléticas dela) como uma suposta alternativa às religiões abraâmicas “estrangeiras”.

A vertente esotérica do fascismo moderno surge e desaparece em ciclos, e ela parece estar surgindo de novo. Os extremistas violentos de extrema direita de hoje devem menos aos Diários de Turner e mais ao Siege, de James Mason, que é uma mistura eclética de satanismo, sadismo, aceleracionismo niilista e ódio fascista pelos supostos inferiores sociais. O ocultismo está sob os termos da direita de outra maneira também. É particularmente interesse o surgimento de temas esotéricos na direita tecnológica, desde os adeptos do filósofo cabalista cibernético Nick Land até “tecnopagãos” e supostos “cultos de Aleister Crowley” no Vale do Silício.

O ocultismo pode ter surgido do socialismo utópico, mas deste socialismo surgiu, também, o materialismo marxista. Onde este último floresceu, o primeiro não teve chance de sobreviver. Uma parábola para ilustrar o princípio: após ser libertado da prisão em 1967, o mais famoso autoproclamado profeta esotérico e líder de culto dos Estados Unidos, Charles Manson, tentou recrutar seguidores na Telegraph Avenue, um ponto de encontro da contracultura em Berkeley, Califórnia. Lá, ele obteve sucesso limitado. O Movimento pela Liberdade de Expressão, explicitamente socialista, estava fresco na memória de todos, e a rua ostentava não uma, mas duas livrarias marxistas. Então, Manson atravessou a baía para tentar a sorte com os hippies no distrito de Haight-Ashbury, que era essencialmente uma gigantesca comuna improvisada durante o Verão do Amor. Suas perspectivas de vida melhoraram, e a Família Manson nasceu.

Pode haver alguma sabedoria no esoterismo dos primeiros socialistas utópicos — particularmente em suas observações sobre a frieza do capitalismo e a necessidade de um certo calor humanista na resistência anticapitalista. Contudo, a política materialista também funcionou como uma profilaxia necessária, incentivando a produtividade política, ao manter os socialistas focados nas dinâmicas terrenas e nas batalhas a serem travadas neste mundo. Nosso movimento sai ganhando com a guinada à direita do esoterismo; a direita pode se distrair com necromancia enquanto nos dedicamos à análise política e econômica racional para fortalecer o movimento operário. A história do socialismo e do ocultismo sugere que o marxismo é um exorcismo eficaz.

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