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sábado, 16 de abril de 2022

Id(e)olatria: O Apego Satânico às Ideologias

 Uma religião é integral quando consegue abrir ao ser humano uma relação translúcida com o Divino e Transcendente. Todo o restante, todos os outros “objetivos”, derivam deste. São secundários com relação a este. À luz das tradições religiosas da humanidade, a “Justiça Social”, por exemplo, não constitui um fim em si mesmo; se um estado social hipotético, organizando segundo o princípio moderno da Igualdade, não for eficaz na abertura do ser humano ao Divino e na manutenção desta abertura, ele não pode sequer ser chamado de “justo”. (Somente na Idade Moderna, isto é, em que o Profano se sobrepôs ao Sagrado, a “Justiça” passou a se confundir com a distribuição igualitária dos bens ou ao nivelamento das condições materiais de existência, por exemplo.) Se a luz da Verdade não está a percorrer todo o corpo social, tal sociedade não faz sentido: não corresponde à razão-de-ser da existência humana.

“Justiça” não tem a ver com a extinção de classes sociais ou de relações de poder e dominação. Nas sociedades religiosamente centradas e regidas, Justiça tem a ver com Verdade, e ambas formam uma coisa só (o termo grego diké carrega tal conotação, inclusive, bem como a carrega o indo-europeu rta, raiz etimológica tanto de “Direito” como de “Verdade”). Por isto as leis da polis devem ser ditadas ou inspiradas por Deus (ou pelos deuses ou anjos) aos “Mestres da Verdade” (Aletheia), isto é, profetas ou filósofos, que as transmitem aos homens. Justiça é, portanto, inseparável de Hierarquia. O Cristianismo em seu ápice, ou o Islam em seu ápice, ambos testemunham que a coletividade humana só consegue abrir-se ao Céu organizando-se hierarquicamente. Não há “injustiça” nas relações de poder quando estas existem para manter os homens ligados ao Divino. A verdadeira Injustiça é a obliteração do Sagrado; a privação da relação com o Divino, razão de ser da existência humana, e único elemento capaz de humanizar este ser.

A civilização ocidental moderna é produto desta obliteração, deste esquecimento, desta amnésia coletiva do Sagrado. A tradição védica tem um nome para tal situação: “Adharma”, Irreligião. A tradição islâmica também: “Jahiliyyah”, Ignorância ou Reino da Ignorância, termo que não se refere única e exclusivamente ao período histórico anterior à revelação corânica, mas nomeia toda condição social de privação da luz e desconhecimento das leis divinas, e na qual os seres humanos governam-se por leis inventadas por eles mesmos; é uma condição trans-histórica, portanto; sempre atual.

Todos os sistemas de pensamento surgidos desta moderna civilização ocidental têm base neste eclipse do Divino. São ervas crescidas na sombra que este eclipse lança sobre o mundo. Não é necessário esforço para demonstrar que todos os “ismos” gerados nos últimos cinco séculos têm como base uma concepção ateísta e antropocêntrica de ser humano; já de partida estes sistemas de pensamento tomam como pressuposto que o homem e a sociedade humana podem ser considerados separadamente da dimensão supra-humana, divina e transcendente. As ciências humanas, por exemplo, ao “purificarem” seu objeto de conhecimento, o ser humano, de “poluições” religiosas, pensam estar o enxergando melhor, apreendendo-o melhor, quando na verdade estão o apreendendo pela metade e, ao amputá-lo conceitualmente do Divino, não podem gerar senão um falso conhecimento sobre ele. As ideologias modernas todas têm por base tal concepção unilateral do ser humano. (É por acaso que Dajjal tem um olho só?)

“Religiões? — São apenas construções sociais, humanas, demasiado humanas…” Mesmo a noção de Verdade passa ser tratada por este viés: pensa-se nela como um constructo, um artifício, um jogo de ilusão ou de perspectiva (ignorando que a existência de verdades relativas não invalida a de verdades absolutas). E, julgando que “tudo é construído”, tais ideologias põem-se a afirmar que “tudo deve ser reformado — ou destruído”. Utilizo este termo aqui, “reformado”, para sugerir que essa visão de mundo tem parentesco essencial com os movimentos espirituais anti-tradicionais como a Reforma pelos quais passou a civilização cristã no fim da Idade Média, já que é uma de suas marcas a redução de conteúdos essenciais da religião a meras “convenções sociais”. São estes movimentos que instalaram a “mania revolucionária” nas gerações subsequentes até os dias atuais. E é um erro pensar que apenas aquela civilização passou por este processo: as sociedades islâmicas também têm sua “Reforma”: seitas que em quase tudo se assemelham àquelas protestantes europeias; seitas que, como aquelas, também defendem um “retorno ao começo” ou aos “primeiros dias” da religião – pré-concebendo estes “primórdios”, contudo, de uma forma absurdamente rasa. Mas o “Protestantismo” islâmico também se manifesta na mania, flagrante na confusão mental de jovens ocidentalizados, de pressupor que certas normas tradicionais foram não reveladas, mas construídas pelo homem, e de querer mudá-las, para adaptar a religião aos “novos tempos” ou às novas demandas sociais. Não se entra na questão de se estas demandas, às quais se exige que a religião se adapte, têm por base uma concepção integral de ser humano, isto é, que contemple sua parte divina ou seu compromisso com o Divino. Em outras palavras, não se pergunta qual a concepção de ser humano que está na base dessas ideologias — feministas, raciais, sexuais etc. Afinal, todo sistema de pensamento tem por base, implícito ou explicitamente, uma concepção de ser humano, uma resposta para as perguntas “O que é o homem?” e “Para que ele serve?”. As ideologias modernas, quando não explicitam esta concepção, estão a escondendo, e às vezes até propositalmente. Elas partem de uma concepção, repetimos, extremamente estreita e unilateral — em uma palavra: profana — de ser humano.

A própria ideia de que a Religião deve se adaptar a “novos tempos” é já uma flagrante inversão modernista, pois, na concepção universal das tradições espirituais, são os homens que devem se adaptar a elas, os homens é que devem se adaptar à religião, não a religião aos caprichos dos homens; a história é subordinada à Eternidade, não a Eternidade à história.

O fato é que, quando se coloca um princípio profano qualquer ao lado da religião, mesmo que se o apresente revestido de “boas intenções” e abarrotado de enfadonhos jargões de “justiça social”, exigindo que esta, a religião, adapte-se àquele, o que se tem não é algo diferente de uma Idolatria. O que se está fazendo é simplesmente colocar um segundo ao lado de Deus; uma “segunda lei” ao lado e na mesma estatura que a Sua. É fácil identificar a Idolatria no “pagão” que se curva a uma estátua de madeira. Mas é menos fácil identificar a Idolatria no culto de ídolos mentaisdeuses” conceituais. Igualdade, Fraternidade, Liberdade, Progresso… — são os deuses da religião moderna, são os ídolos da Jahiliyyah ocidental. Ora, não há nada de novo aqui. Há muito sabemos que as ideologias modernas simulam religiões; porém, diferente das religiões tradicionais, as modernas não abrem o ser humano ao Divino: pelo contrário, obstruem a passagem da Luz.

Também é fácil identificar o inimigo quando ele está do lado de fora. É fácil identificar “Islamofobia”, por exemplo, em uma fala de Donald Trump ou de um neonazista europeu. Porém é mais difícil quando ela está do lado de dentro, quando ela aparece assumindo a forma da “defesa dos muçulmanos” ou pelos próprios muçulmanos. As ideologias modernas entram nas comunidades religiosas sempre pela porta da “defesa dos oprimidos”: um “Cavalo de Troia” que, ao entrar, despeja dentro todo o conteúdo corrosivo do pensamento moderno ocidental, subvertendo o modelo próprio destas comunidades, descosmificando-as, bagunçando sua metafísica própria, e tornando seus jovens alienados ou estranhados da própria tradição.

Mas as religiões não falam, também elas, de Igualdade, Fraternidade, Liberdade? Não. Quando as doutrinas religiosas falam em “Igualdade”, por exemplo, não estão falando no sentido profano e moderno do termo, e sim no sentido sagrado: “Igualdade” sempre relativa a um ponto de referência transcendente: Deus ou a Lei Divina. É inconcebível, às tradições religiosas, que a sociedade humana possa prescindir de “desigualdades” no tocante à distribuição de qualidades e atribuições entre seus indivíduos conforme Deus os criou. Uma igualdade absoluta entre homens e mulheres, por exemplo, é inconcebível nesses sistemas, já que nessas sociedades as relações entre os sexos são regidas pela metafísica do Masculino e Feminino que, quando não explícita nos textos sagrados, aparece simbolizada por dualidades como o Sol e a Lua, o Céu e a Terra etc. Seguir tais normas tradicionais não é “diminuir a mulher” mas, pelo contrário, dar a ela a oportunidade de realizar-se integralmente como mulher, o que só é possível estando harmonicamente integrado às leis divinas. Os princípios modernos não têm nada a ver com os religiosos, menos ainda os religiosos com eles, mesmo que carreguem os mesmos nomes (o que é uma famosa artimanha da subversão satânica).

Onde vemos um “ismo” ser alçado a um segundo “Absoluto” diante do qual as leis reveladas devem curvar-se, lá se dissimula a velada religião moderna: lá vemos Id(e)olatria.

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