Por que as crenças se “agrupam” de uma certa maneira?
Se alguém acredita que apenas a polícia e os militares devem ter armas, por que essa pessoa também é propensa a apoiar o sistema de saúde público e um salário mínimo imposto pelo governo, e ser contra bolsas educacionais? Em seu livro de 1987, Um Conflito de Visões: Origens Ideológicas das Lutas Políticas, o economista Thomas Sowell apresentou duas visões conflitantes do homem que ele acredita explicar muitas das razões subjacentes ao agrupamento de crenças.
No que ele chama de “visão restringida”, o homem é por natureza falho, egoísta e limitado. Sob a visão restringida, o homem procura lidar com suas falhas e excessos estabelecendo instituições voltadas à restrição: a separação de poderes, constituições etc. Aqueles que empregam a visão restringida veem os abusos de poder por líderes como Napoleão Bonaparte como inevitáveis. Por esta razão, limites devem ser colocados no poder e nas próprias instituições para que seja mais difícil para qualquer indivíduo abusar delas. A ideia é descentralizar o poder para que as falhas do homem não sejam catastróficas.
A “visão irrestrita”, em contraste, vê os abusos de poder como sendo causados por escolhas falhas na eleição de líderes ou de alguma deficiência nas instituições. “Implícita”, escreve Sowell, “está a noção de que o potencial é muito diferente do real, e que existem meios para melhorar a natureza humana em direção ao seu potencial, ou que tais meios podem ser evoluídos ou descobertos, para que o homem faça a coisa certa pela razão certa, e não por recompensas psíquicas ou econômicas ulteriores”. É também central para a visão irrestrita a noção de que os seres humanos são altamente maleáveis; ou seja, que podem ser treinados a serviço de algum ideal.
O livro de Steven Pinker, A Tábua Rasa: A Negação Moderna da Natureza Humana, publicado originalmente em 2002, é baseado em grande parte no trabalho de Sowell. Ele se refere às visões restringida e irrestrita de Sowell como as visões “trágica” e “utópica”, respectivamente. Pinker argumenta que grande parte da visão irrestrita está enraizada na falsa crença de que os indivíduos nascem sem nenhum software pré-programado (ou natureza humana inata). Esta crença na tábula rasa, de acordo com Pinker, era frequentemente baseada em boas intenções; afinal, se nascemos iguais em todos os sentidos, isso também poderia erradicar os conceitos sociais e econômicos de desigualdade, mas o problema é que as ciências comportamentais humanas já demonstraram que a mente humana, na verdade, já vem com uma certa programação biológica inata, que também é única para cada indivíduo.
Os dois parágrafos seguintes, nas palavras de Pinker, explicam as duas visões e os principais intelectuais associados a cada uma:
Na Visão Trágica, os humanos são inerentemente limitados em conhecimento, sabedoria e virtude, e todos os arranjos sociais devem reconhecer esses limites. “As coisas mortais se adaptam melhor aos mortais”, escreveu Píndaro; “da madeira torta da humanidade nenhuma coisa verdadeiramente reta pode ser feita”, escreveu Kant. A Visão Trágica está associada a Hobbes, Burke, Smith, Alexander Hamilton, James Madison, o jurista Oliver Wendell Holmes Jr., os economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman, os filósofos Isaiah Berlin e Karl Popper, e o jurista Richard Posner.
Na Visão Utópica, as limitações psicológicas são artefatos que vêm de nossos arranjos sociais, e não devemos permitir que elas restrinjam nosso olhar do que é possível em um mundo melhor. Sua crença pode ser: “Algumas pessoas veem as coisas como elas são e perguntam ‘por quê?’; eu sonho coisas que nunca foram e pergunto ‘por que não?’” Essa citação é frequentemente atribuída ao ícone do liberalismo dos anos 1960, Robert F. Kennedy, mas foi originalmente escrita pelo socialista fabiano George Bernard Shaw (que também escreveu: “Não há nada que possa ser mudado mais completamente do que a natureza humana quando o trabalho é iniciado cedo o suficiente”). A Visão Utópica também está associada a Rousseau, Godwin, Condorcet, Thomas Paine, o jurista Earl Warren, o economista John Kenneth Galbraith e, em menor grau, o filósofo político Ronald Dworkin.
Nada disso quer dizer que uma determinada pessoa não possa ter crenças políticas caracterizadas por ambas as visões, como podemos observar com certa frequência. “Nem todos os pensadores sociais se encaixam nessa dicotomia esquemática”, escreve Sowell. “John Stuart Mill e Karl Marx, por exemplo, não se encaixam por razões muito diferentes... No entanto, o conflito de visões não é menos real porque nem todos escolheram lados ou se comprometeram irrevogavelmente”, afirma. Nas palavras de Pinker: “Nem toda luta ideológica se encaixa no esquema [de Sowell], mas como dizemos no âmbito das ciências sociais, ele identificou um fator que pode ser responsável por uma grande proporção da variância”. No entanto, quanto mais eu examino as raízes dos argumentos em filosofia econômica ou política, mais parece que Sowell estava no caminho certo.
Ao defender a liberdade em interações com pessoas que não compartilham de nossos pontos de vista, se pudermos ir além dos argumentos superficiais para as crenças subjacentes dos outros, temos uma chance muito melhor de ter discussões mais profundas e significativas.
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