O principais mecanismos de
patrocínio são a Lei de Incentivo à Cultura e os programas de
apoio cultural das próprias estatais. Através deles, empresas
públicas atualmente investigadas pela justiça, repassaram – e
continuam repassando – milhões de reais para movimentos de esquerda, ao
passo que diversos produtores culturais queixam-se cada vez mais das
dificuldades em conseguir os mesmos patrocínios para projetos muitas vezes
menores.
Atualmente, apenas 26% dos
projetos inscritos no Ministério da Cultura conseguem de fato captar recursos
através da Lei. Mesmo assim, mostras culturais, congressos, fóruns e marchas de
aliados ao governo recebem literalmente milhões de reais em repasses, além de
palestras de políticos de alto escalão e figuras influentes do Partido dos
Trabalhadores. Conheça alguns deles.
1) INSTITUTO PAULO FREIRE – R$
599.011,18
O dinheiro foi usado para
patrocinar alguns eventos do Instituto, entre eles o Fórum Mundial de
Educação, que se afirma um movimento “de educação popular e de
enfrentamento ao neoliberalismo, seja em esferas públicas, governamentais ou
não, coletivas ou de pesquisa”. A Carta do Fórum da edição de 2008,
assinada pelos organizadores, afirma:
“As relações sociais
capitalistas, atualmente materializadas através da globalização neoliberal, têm
se mostrado incapazes de promover condições de vida digna para a maioria da
população mundial. Fundamentadas na propriedade privada dos meios de produção,
na exploração do trabalho dos povos, na divisão da sociedade em classes e na
degradação do meio ambiente, têm tido, entre suas conseqüências fundamentais, a
prática da guerra como meio para a solução de problemas, o individualismo, a
xenofobia, a homofobia e a perseguição às minorias e a mercantilização da
vida.”
Do Fórum, nasceu o Fórum
Mundial de Educação Profissional e Tecnológica (FMEPT), em 2009, que
vem organizando atividades regularmente desde então no mesmo modelo do antigo.
Entre os palestrantes que já passaram pelo evento, que conta com patrocínio do
Governo Federal e do Governo do Estado da Bahia (que desde 2007 é governado
pelo PT), estão o ex-presidente Lula, o teólogo Leonardo Boff e o ex-Ministro
da Educação e atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Este ano, o evento ainda tentou
trazer ao Brasil a militante cubana Mariela Castro, filha de Raúl Castro, mas
sua participação foi cancelada.
2) SINDICATO DOS QUÍMICOS DO
ABC – R$ 100.000,00
Em 2008, o Sindicato dos Químicos
do ABC recebeu um patrocínio de R$ 100 mil de estatais para o lançamento
do livro “Memória dos 70 anos: Sindicato dos Químicos do ABC”, em
comemoração aos 70 anosde atuação do Sindicato.
Quem patrocinou? Os dados
divergem. O sindicato consta na lista de patrocínios do BNDES, com o valor
de R$ 100 mil, mas no sistema do Ministério da Cultura, existe um
patrocínio no mesmo valor em nome da Petrobras. Por outro lado, o Sindicato não
consta na lista de projetos patrocinados da estatal. Além do patrocínio
público, o livro recebeu mais R$ 161.300,00 da Petroquímica União S.A.,
atualmente controlada pela Braskem, empresa do conglomerado Odebrecht, e mais
R$ 32.281,66 da Companhia Brasileira de Cartuchos, que atua sob o sistema de
economia mista (contrato 074992).
Todos os patrocínios foram
captados pela Lei Rouanet e o livro teve a ínfima tiragem de 3 mil exemplares –
dos quais, 90% foram doados para bibliotecas, universidades e órgãos públicos.
Na ocasião do lançamento, marcaram presença o então presidente Lula, o
Ministro da Previdência Social, José Pimentel, o prefeito de Santo André, João
Avamileno (PT), e Arthur Henrique, presidente da CUT.
3) CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS
TRABALHADORES NA AGRICULTURA (MARCHA DAS MARGARIDAS) – R$ 845.000,00
35 mil mulheres chegaram em
Brasília em marcha na última quarta-feira: eram as Margaridas, em sua maioria
camponesas e sindicalistas, que pediam mais investimentos no campo, reforma
agrária e a cabeça de Eduardo Cunha. Sim, literalmente.
Sob elogios à Dilma, Lula e muito
dinheiro público, as Margaridas se alojaram no Estádio Mané Garrincha e
interditaram 4 faixas rumo ao Congresso. A manifestação teve apoio do MST e da
CUT, movimentos que também constam na folha de patrocínios das estatais.
Segundo apontam os documentos públicos, o BNDES patrocinou a marcha
deste ano com R$ 400.000,00. Em 2011, a Petrobras cedeu também R$
200.000,00 para a Marcha (contrato 4600356109).
A Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag), que organiza o evento, recebeu também
outros repasses, mas para o “Festival Nacional da Juventude Rural”: R$
45.000,00, em 2010, pela Petrobras (contrato 4600319005), e mais R$ 200.000,00 este
ano através do BNDES.
4) MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA – R$ 1.674.000,00
O MST – Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra –, presidido por João Pedro Stédile, é um
movimento rural que você certamente já ouviu falar inúmeras vezes. O que você
provavelmente ainda não sabe é que a organização não possui representação
legal. Apesar da longa atuação (o movimento existe desde a década de 1980), o
MST não possui CNPJ, o que torna árdua a tarefa de identificar os repasses para
eventos e atuações do grupo, que são feitas em nome de outras entidades, como
sindicatos rurais e associações de assentamentos.
Além de dificultar a
identificação do dinheiro usado nas ações do grupo, a falta de um CNPJ impede
também que as ocupações – e eventuais danos provocados por militantes – sejam
punidos. Em 2009, o presidente do STF, Gilmar Mendes, entendeu na prática o modus
operandi do grupo, ao tentar, sem sucesso, criminalizar as invasões do
MST.
Mesmo assim, é possível
reconhecer diversos repasses do governo que serviram para financiar eventos
diretamente organizados pela instituição, como é o caso dos Congressos
Nacionais do MST.
Só no ano passado, o BNDES e a Petrobras (contrato 4600428133) destinaram R$
1.199.000,00 para aAssociação Brasil Popular (Abrapo)
apresentar a Mostra Nacional de Cultura e Produção Camponesa, que o
ocorreu durante o 6º Congresso Nacional do MST. O evento ainda contou com um repasse de R$ 448
mildo Incra para montar sua estrutura e mais um patrocínio da Caixa
Econômica Federal no valor de R$ 200 mil.
Antes de receber recursos em nome
da Abrapo, que inclusive disponibiliza uma conta bancária em seu nome para
doações ao MST, o movimento contava com outro braço jurídico: a Associação
Nacional de Cooperação Agrícola, ou Anca.
Durante muitos anos, a Anca
captou por meio da Lei
Rouanet R$ 2.555.754,72, dos quais R$ 475.000,00foram
patrocinados pela Petrobras, e em 2004 fechou um contrato com o FNDE
no valor de R$ 3,8 milhões com o objetivo de levar para os
assentamentos o programa Brasil Alfabetizado.
Os repasses, no entanto, chamaram
a atenção do Tribunal de Contas, que investigou e descobriu que o dinheiro foi usado para a compra de 22 mil marmitex,
camisetas e aluguel de equipamento de som. A entidade teve seus recursos bloqueados
e foi obrigada a devolver R$ 8,3 milhões aos
cofres públicos em 2010.
5) CUNHÃ COLETIVO FEMINISTA –
R$ 1.403.629,14
Em 2013, a Petrobras (contrato 4600426602) realizou
um patrocínio ao Cunhã Coletivo Feminista no valorR$ 1,4
milhão.
O movimento possui forte atuação
política. Já saiu em defesa da Petrobras e tem lideranças envolvidas em
diversos protestos públicos, como a Marcha das Vadias e a Marcha das
Margaridas.
Em seu site, a organização se diz apartidária,
mas, junto com a Associação de Mulheres Brasileiras (AMB), onde integra o
conselho administrativo, tem marcado presença em manifestações governistas. Em
março, a organização postou em sua página no Facebook diversas fotos de um
protesto governista ocorrido em João Pessoa. No álbum, há destaque para faixas
com o logo da campanha de Dilma – numa delas é possível ler em um cartaz:
“Votei na Dilma, respeitem minha escolha a democracia eo Brasil” (sic).
Os protestos foram marcados pela presença também da CUT,
PCdoB, CTB e militantes carregando bandeiras do PT.
6) CUT – R$ 2.346.133,00
A CUT é histórica aliada do
Partido dos Trabalhadores. Em fevereiro deste ano, a organização saiu às ruas
em defesa da Petrobras “contra os interesses privatistas”.
Apesar da organização ter se
posicionado a
favor do desarmamento no referendo de 2005, na última
quinta-feira, seu presidente, Vagner Freitas (que é filiado ao PT), afirmou durante uma audiência com a presidente
Dilma, sob os gritos de “não vai ter golpe”:
“O que se vende hoje no Brasil
é a intolerância, é o preconceito de classe, contra nós. Quero dizer em alto e
bom tom que somos defensores da unidade nacional, na construção de um projeto
nacional de desenvolvimento para todos e para todas, e que isso implica agora,
neste momento, ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem
derrubar a presidente Dilma Roussef.”
A mesma CUT, que dias atrás
se indignou com o estouro de
uma bomba em frente ao Instituto Lula, ameaça pegar em armas. E tudo isso
regado a dinheiro público.
7) UNIÃO NACIONAL DOS
ESTUDANTES (UNE) – R$ 910.000,02
Assim como a CUT, a UNE recebe
poupudos patrocínios estatais – só pela Lei Rouanet (parte
1 e parte
2) já captou R$ 11.351.662,40, grande parte através do
Fundo Nacional da Cultura ou de repasses do Tesouro. O BNDES (2007 e 2009) e
a Petrobras (contratos 4600328715,
4600346795 e 4600323752 e
projetos 067426 e 045612) são
seus principais financiadores – juntos, desde 2007, já
repassaram 910 milpara a entidade.
As relações entre a petroleira e
o movimento, aliás, são bem próximas: além de receber o apoio, a UNE esteve
junto com a CUT nos protestos “em defesa da Petrobras”.
Em 2011, após o jornal O Globo anunciar que
a entidade receberia um total de R$ 3 milhões em patrocínios
públicos para a realização de um Congresso – na ocasião, a Petrobras contribuiu
diretamente com R$ 260 mil –, os repasses públicos à UNE
viraram manchete.
As críticas, no entanto, foram
rebatidas pelo ex-presidente Lula, que participou do evento e afirmou que não
havia problema algum com seu financiamento. Apesar de ter contado com o
apoio da UNE durante sua reeleição e a campanha presidencial de Dilma, Lula fez
questão afirmar que o patrocínio era isento:
“Você liga a televisão e vê
propaganda de quem? Quem é a propaganda do futebol brasileiro? Quem é a
propaganda das novelas? Para eles, é democrático.”
Fernando Haddad, então Ministro
da Educação, reforçou o discurso do ex-presidente:
“Algumas pessoas imaginam que
é possível comprar a consciência do movimento estudantil com alguns trocados.
Um dinheirinho para organizar um congresso bastaria para pacificar todas as
contradições existentes na sociedade brasileira que provenham da educação.
Estudante não se vende por dinheiro nenhum, muito menos por migalha.”
Sim: aparentemente, R$ 3 milhões
são “migalhas” para Haddad.
No início deste ano, aliás, o
prefeito de São Paulo se desentendeu com manifestações do Movimento Passe Livre
(MPL) na capital paulista. Os protestos, que contavam com a presença da UNE,
pediam o fim das tarifas de ônibus e um transporte público gratuito e de
qualidade.
Tentando diminuir a força do
movimento, Haddad se reuniu com entidades que apoiavam o MPL, como a Juventude
do PT e a UNE. Bastou uma única reunião para que a UNE, que desde 2013 andava
de mãos dadas com o MPL, retirasse seu apoio ao movimento:
“Nos identificamos com a
reivindicação de ter um novo sistema de transporte, mas resolvemos defender
nossa própria pauta: a ampliação do Passe Livre”, afirmou na época a presidente da
organização, Carina Vitral – que há poucas semanas, homenageou Nicolás
Maduro numa rede social.
Quer saber como são financiados
alguns dos principais movimentos sociais do país? Siga as “migalhas”.
Elas levarão para o mesmo lugar: o seu bolso.
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