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domingo, 8 de maio de 2016

COMPLEXO DE FOURIER


Mas a raiz da oposição ao liberalismo não pode ser compreendida lançando-se mão do método da razão.  Tal oposição não se origina da razão, mas de uma atitude mental patológica — isto é, do ressentimento e de uma condição neurastênica que se poderia chamar de "complexo de Fourier", assim denominado em razão do socialista francês do mesmo nome. 
No que se refere ao ressentimento e a malevolência invejosa, pouco se tem a dizer.  O ressentimento ocorre quando alguém odeia tanto uma outra pessoa, por esta encontrar-se em circunstâncias mais favoráveis, que este alguém até mesmo se prepara para suportar pesadas perdas, se a pessoa odiada ao menos pudesse também se prejudicar.  Muitos dos que atacam o capitalismo sabem muito bem que sua situação, sob qualquer outro sistema econômico, seria menos favorável.  Não obstante, com pleno conhecimento deste fato, defendem uma reforma, isto é, o socialismo, porque anseiam que o rico, a quem invejam, também sofra com isso.  De tempos em tempos, ouvimos socialistas dizerem que mesmo a carência material será mais facilmente suportável em uma sociedade socialista, porque as pessoas compreenderão que ninguém é melhor do que outro. 
Em todo caso, também se pode lidar com ressentimento por meio de argumentação racional.  Afinal, não é assim tão difícil deixar claro para uma pessoa, que esteja cheia de ressentimento, que o mais importante para ela não é tornar pior a situação de seu semelhante que esteja em melhor condição, mas melhorar a sua própria situação. 
Combater o complexo de Fourier é muito mais difícil.  Trata-se de uma doença séria do sistema nervoso, uma neurose, que é mais propriamente uma preocupação do psicólogo do que do legislador.  No entanto, este complexo não pode ser negligenciado, ao se investigarem os problemas da sociedade moderna.  Infelizmente, os profissionais da saúde, até aqui, têm-se preocupado muito pouco com os problemas apresentados pelo complexo de Fourier.  Na verdade, praticamente não chegaram a ser percebidos por Freud, o grande mestre da psicologia, nem mesmo por seus seguidores, nas teorias da neurose, embora seja para com a psicanálise que estejamos em débito, por ter sido ela que nos abriu o único caminho que nos leva a uma compreensão sistemática e coerente das desordens mentais desse tipo. 
Aproximadamente uma entre um milhão de pessoas obtém êxito na satisfação de sua ambição de vida.  O resultado final dos esforços de uma pessoa, mesmo que seja favorecida pela fortuna, acaba sendo muito menos do que desejam os sonhos da juventude.  Planos e desejos esbarram em milhares de obstáculos, e a capacidade de cada um se revela por demais frágil, para alcançar as metas que se tinha estabelecido no íntimo.  O fim das esperanças, a frustração dos planos, a sua própria incapacidade em face das tarefas que ele próprio se atribui — tudo isto constitui a experiência mais profundamente dolorosa de todo homem.  São, de fato, a sorte comum dos homens. 
Há dois modos pelos quais o homem pode reagir a esta experiência.  Um deles nos é indicado pela sabedoria prática de Goethe:
Julgas tu que devesse eu odiar a vida,
 E evadir-me no ermo
 Porque nem todos os sonhos de criança
me floresceram?
Assim clama o Prometeu, de Goethe.  E Fausto percebe, no "momento mais sublime", que "a última palavra de sabedoria" é:
Nenhum homem merece a liberdade ou a vida
Se não as conquista a cada dia. 
Esta vontade e este espírito não podem ser subjugados por qualquer infortúnio terreno.  Quem aceita a vida como ela é e não se permite abater-se, não precisa buscar refúgio para sua derribada autoconfiança no conforto de uma "mentira salvadora".  Se o tão esperado sucesso não se aproxima, se as vicissitudes da vida destroem, num piscar de olhos, o que havia sido penosamente construído por anos a fio de trabalho duro, a pessoa simplesmente procurará aumentar ainda mais seus esforços.  Poderá encarar de frente o desastre sem se desesperar. 
O neurótico não pode suportar a vida real.  A vida lhe é muito crua, muito dura, bastante rotineira.  Para torná-la suportável, o neurótico não tem, como o homem saudável, força para "prosseguir, a despeito de tudo".  Isto não combinaria com sua fraqueza.  Em vez disso, busca refúgio numa ilusão.  A ilusão, segundo Freud, é "ela própria algo desejado, um tipo de consolação".  Caracteriza-se por sua "resistência a agir pela lógica e pela realidade".  Por conseguinte, de nada adianta procurar convencer o paciente de sua ilusão, por meio da demonstração conclusiva de seu absurdo.  Para que possa recuperar-se, o próprio paciente deve suplantá-la.  Ele deve procurar entender por que não deseja encarar a realidade e por que se refugia nas ilusões. 
Somente a teoria da neurose pode explicar o êxito obtido pelo fourierismo, o resultado maluco de um cérebro seriamente tresloucado.  Este não é o lugar para fornecer evidências da psicose de Fourier, citando passagens de seus escritos.  Tais descrições são de interesse apenas do psiquiatra e, talvez, também daqueles que extraiam certo prazer em ler o produto de uma fantasia lúbrica.  Mas o fato é que o marxismo, quando se viu obrigado a deixar o campo da pomposa retórica dialética, o escárnio e a difamação dos seus oponentes e a fazer algumas parcas observações pertinentes à questão, nunca tem algo diferente a oferecer, além do que oferecia Fourier, o "utópico".  De modo semelhante, o marxismo é incapaz de construir um quadro de uma sociedade socialista, sem apresentar dois pressupostos anteriormente apresentados por Fourier, que contradizem toda experiência e toda razão.  Por um lado, pressupõe que o "substrato material da produção", que se encontra "já presente na natureza sem a necessidade de esforço produtivo por parte do homem", está à nossa disposição em tal abundância que se torna desnecessário economizá-la; daí a crença do marxismo em um "crescimento praticamente ilimitado da produção".  Por outro lado, pressupõe que, em uma comunidade socialista, o trabalho se transformará de "um fardo em um prazer" — e que, de fato, se transformará "na necessidade primordial da vida".  Se houver um lugar onde haja superabundância de todos os bens, e o trabalho seja um prazer, sem dúvida, este lugar será a terra de Cockaigne.  [1]
O marxismo, das alturas de seu "socialismo científico", acredita-se capacitado a olhar com desdém sobre o romantismo e os românticos.  Na realidade, porém, seu próprio comportamento não difere do comportamento destes.  Ao invés de remover os empecilhos que se colocam no caminho da realização dos seus desejos, também o marxista prefere que todos os obstáculos simplesmente desapareçam na bruma da fantasia. 
Na vida do neurótico, a "mentira salvadora" tem dupla função.  Não apenas o consola de fracassos passados, mas também mantém a perspectiva do progresso futuro.  No caso do fracasso social, que é nossa única preocupação aqui, a consolação consiste em acreditar que a incapacidade de alguém atingir as sublimes metas a que aspira não deve ser atribuída á sua própria incapacidade, mas às deficiências da ordem social.  O descontente espera da derrocada desta ordem social o sucesso que o sistema existente lhe recusou.  Consequentemente, torna-se inteiramente inútil tentar esclarecer para ele que a utopia em que acredita não é factível e que o único alicerce possível para uma sociedade, organizada sobre o princípio da divisão de trabalho, é a propriedade privada dos meios de produção.  O neurótico se aferra à sua "mentira salvadora" e, quando tem de escolher entre renunciar a ela ou à lógica, prefere sacrificar a lógica.  De outro modo, a vida seria insuportável para ele, na ausência do consolo que encontra na ideia do socialismo.  Ela lhe diz que não é ele, mas o mundo, que falhou por ter-lhe causado o fracasso.  Esta convicção o resgata da decaída autoconfiança e o libera do tormentoso sentimento de inferioridade. 
Assim como um mártir cristão podia mais facilmente suportar o infortúnio que recaiu sobre ele na terra, porque esperava na continuação da existência pessoal em um outro mundo melhor, onde aqueles que na terra tinham sido os primeiros seriam os últimos, e os últimos os primeiros, assim, para o homem moderno, o socialismo tornou-se um elixir contra a adversidade terrena.  Porém, se a crença na imortalidade, numa recompensa futura e na ressurreição forma um incentivo a uma conduta virtuosa nesta vida, o efeito da promessa socialista é bem diferente.  Outro dever não se lhe impõe senão o de dar sustentação política ao partido socialista; mas, ao mesmo tempo, faz surgir expectativas e demandas. 
Sendo este o caráter do sonho socialista, é compreensível que cada um dos partidários do socialismo dele espere, precisamente, o que, até então, lhe tem sido negado.  Os autores socialistas prometem não apenas riqueza para todos, mas também a felicidade no amor para todos, o pleno desenvolvimento físico e espiritual de cada individuo, o desabrochar dos grandes talentos artísticos e científicos em todos os homens etc.  Recentemente, Trotsky afirmou, em um dos seus escritos, que na sociedade socialista "o homem médio alcançará as alturas de um Aristóteles, um Goethe, ou um Marx.  E acima dessa cumeada de montanhas, novos picos surgirão" [2].  O paraíso socialista será o reino da perfeição, povoado por super-homens totalmente felizes.  Toda literatura socialista está cheia desta bobagem.  Mas é justamente esta bobagem que move a maior parte dos seguidores. 
Não se pode mandar todo mundo que sofre do complexo de Fourier para um tratamento psicanalítico; o número dos pacientes é muito alto.  Não há remédio para este caso, a não ser o tratamento da doença pelo próprio paciente.  Por si só, ele deve procurar aprender a suportar o seu destino, sem buscar um bode expiatório sobre o qual possa jogar toda a culpa, e precisa se esforçar para compreender as leis fundamentais da cooperação social. 

[1] País imaginário, onde há luxo e vida ociosa.  (N. do T.)

[2] Leon Trotsky, Literature and Revolution, traduzido por R. Strunsky (Londres, J925), p.  256.  A versão brasileira foi editada sob o título Literatura e revolução, Rio de Janeiro, Zahar, 1969.  Tradução e apresentação de Muniz Bandeira.  (N. do T.)




CAPÍTULO I - Os Fundamentos da Política Econômica Liberal  



Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

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