Bunker da Cultura Web Rádio

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O intervencionismo estatal promove crises economicas

 


Os anticapitalistas têm antecipado a grande crise que traria o colapso final e irreversível do capitalismo desde o início de sua existência. Karl Marx acreditava ter descoberto uma série de “leis” econômicas que inevitavelmente levariam à queda do capitalismo, como a “tendência da taxa de lucro a cair” ou o empobrecimento do proletariado.

Para os anticapitalistas, as crises econômicas sempre, acima de tudo, foram uma fonte de esperança – de que o capitalismo finalmente entraria em colapso sobre si mesmo. Infelizmente para eles, suas esperanças foram frustradas inúmeras vezes. Em muitos aspectos, os anticapitalistas são um pouco como um culto apocalíptico, anunciando destemidamente novas datas para o fim do mundo depois que suas profecias anteriores não foram cumpridas e a vida continuou normalmente.

Na crise financeira de 2008, os anticapitalistas acreditavam que o tão esperado fim do capitalismo havia finalmente chegado. Quando o capitalismo sobreviveu a essa crise, eles foram forçados a ter esperanças  na crise do coronavírus de 2020-21. Mesmo nos primeiros dias da pandemia de Covid-19, os intelectuais de esquerda frequentemente expressavam suas esperanças de que a pandemia finalmente alcançasse o que eles sonhavam durante a crise financeira de 2008, ou seja, uma reorganização fundamental da sociedade e a derrota final do capitalismo. William Davies, um sociólogo britânico, publicou um artigo no The Guardian sob o título: “A Última Crise Global Não Mudou o Mundo. Mas Esta Poderia”.

As crises fazem parte do capitalismo e, mesmo que os efeitos de curto prazo tragam grandes problemas para as empresas e seus trabalhadores, elas têm efeitos muito positivos a médio e longo prazo, que é o a que o economista político austríaco Joseph Schumpeter estava se referindo quando criou o termo “destruição criativa”.

Porém, quando os políticos interferem, as crises muitas vezes pioram e duram mais do que o necessário. O economista dos EUA Thomas J. DiLorenzo compara a abordagem adotada pelo governo americano sob o presidente Martin Van Buren para lidar com a depressão de 1837 com a resposta do presidente Franklin D. Roosevelt para a Grande Depressão de 1929. Van Buren seguiu uma política de laissez-faire inequívoca e resistiu a todas as propostas de ação direta do governo e intervencionismo, o que levou a um fim muito rápido da crise.

Em contraste, Franklin D. Roosevelt lançou seu “New Deal [Novo Acordo]”, que contou com uma série abrangente de programas governamentais e seguia uma política anticapitalista e intervencionista. Ao contrário do mito espalhado pelos anticapitalistas de que o “New Deal” encerrou a crise, as políticas de Roosevelt, na verdade, a prolongaram. O desemprego, que tinha sido tão baixo quanto 3,2% em 1929, subiu para 14,6% em 1940. A taxa média de desemprego de 1933 a 1940 foi de 17,7%. O PIB per capita nos Estados Unidos era de US$ 857 em 1929 e ainda estava pouco acima desse nível onze anos depois, à US$ 916, em 1940. As despesas de consumo pessoal, que totalizaram US$ 78,9 bilhões em 1929, caíram para US$ 71,9 bilhões em 1940.

E a crise financeira global de 2008? Os políticos e a mídia culparam a “desregulamentação” dos mercados financeiros, mas mesmo os economistas britânicos Paul Collier e John Kay, que argumentaram erroneamente que o “fundamentalismo de mercado” chegou a dominar a política econômica nas sociedades ocidentais nas últimas décadas, são forçados a admitir: “Aqueles que culpam a desregulamentação pela crise financeira não reconhecem que há hoje, e houve em 2008, muito mais regulamentação financeira do que nunca: o Estado era cada vez mais ativo, mas cada vez menos eficaz.”

Em nenhum lugar há menos princípios econômicos de livre mercado do que no mundo das finanças. Nenhum setor é tão fortemente regulamentado e supervisionado pelo Estado, com a possível exceção do setor de saúde. O fato de que precisamente as duas áreas da economia que são mais estritamente reguladas pelo Estado são as mais instáveis deve dar aos críticos do capitalismo um motivo de reflexão. É claro que os regulamentos são necessários em ambas as áreas, mas o slogan “mais regulamentação ajuda mais” está claramente errado.

A grande maioria das crises são simplesmente características do fluxo e refluxo regular de ondulações econômicas normais, ou seja, as intensificações e desacelerações cíclicas do crescimento econômico, que desaparecem após alguns meses ou até mesmo um ano. Inegavelmente, muitas das crises que ocorreram nos últimos 120 anos foram desencadeadas, ou pelo menos consideravelmente agravadas e prolongadas, pelo intervencionismo populista de líderes políticos.

Rainer Zitelmann

BRASIL Patrimonialista

 Estamos inseridos no contexto de um Estado Patrimonial. Essa é a nossa marca de fábrica. Max Weber (1864-1920), que estudou a forma em que surgiram os Estados Modernos, considerava que houve duas formas de aparição das organizações políticas estatais no início da Modernidade: Estados Contratualistas e Estados Patrimoniais.



Os Estados Contratualistas surgiram ali onde, ao longo da Idade Média, se consolidou o feudalismo de vassalagem, o qual, na Modernidade, deu ensejo a sociedades integradas por classes que lutavam pela posse do poder e estavam diferenciadas ao redor da defesa dos seus interesses materiais. Weber identificou duas classes sociais que se contrapuseram naqueles países onde, historicamente, houve feudalismo de vassalagem: a Nobreza e a Burguesia. A primeira, defendendo os seus interesses como representante da elite armada que garantiu, para si, a propriedade da terra e a segunda, ao redor das novas possibilidades econômicas aparecidas nas cidades medievais, conquistando espaços para a venda de produtos ou de serviços, mediante as chamadas “cartas de foral” que beneficiavam a comerciantes e artesãos. Surgiu, à sombra dessa realidade, a expressão alemã: “Die Stadtluft macht frei” (“O ar da cidade torna a gente livre”).

Ora, essas duas classes se contrapuseram na “luta de classes”, no seio do Estado Moderno. Não conseguindo se eliminar mutuamente, as classes opostas assinaram o chamado “Contrato Social”. A classe dos nobres zelava pelos interesses dos proprietários das terras. A classe dos burgueses defendia os interesses dos comerciantes e artesãos, que partiram para se enriquecerem com a venda dos seus produtos e serviços. As classes contrapostas na chamada “luta de classes”, representavam no Parlamento os seus interesses e nele se digladiavam verbalmente na busca de negociação e de equilíbrio consensual, dando ensejo, assim, a regimes de tipo parlamentar com estabilidade institucional e com paz social.

Os Estados Patrimoniais ou Patrimonialistas organizaram-se ali onde a sociedade não se diferenciou em classes que lutavam pela posse do poder, em decorrência de que não houve nelas feudalismo de vassalagem, tendo surgido, na modernidade, um poder patriarcal originário, que se consolidou como o único soberano, sendo identificado esse fenômeno por Weber da seguinte forma: “um poder patriarcal original que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, passando a trata-las como posses particulares” [Weber, Economía y sociedad, 1ª edição em espanhol, tradução de J. Medina Echavarría et alii, México: Fondo de Cultura Económica, 1944, 4 volumes]. O Estado Patrimonial, dominado pelo Rei, tratava os que se acolhiam à sua proteção como posses familiares, dando ensejo à confusão básica entre público e privado.

Historicamente, os Estados Contratualistas surgiram na Europa Ocidental, onde houve feudalismo de vassalagem. Os Estados Patrimoniais consolidaram-se ali onde não houve esse tipo de dominação feudal, ou seja, nos confins da Ilha Européia, no Principado de Moscou e nas Monarquias Ibéricas. O poder nesse contexto teve sempre donos, que não abriam mão da sua dominação de tipo patriarcal e tradicional, e que cooptaram inclusive as instâncias espirituais da religião e das igrejas.

O exemplo típico de Estado Patrimonial é o Império Russo, fundado em 1547 por Ivã IV o Terrível e que se fortaleceu na Modernidade com o domínio da Dinastia Románov (1613-1917), a qual realizou a proeza de incorporar à Rússia, por dia, durante trezentos anos, aproximadamente 130 quilômetros quadrados. Essa foi também a modalidade de poder que vingou no Oriente, no Egito dos Faraós, nos Impérios Mesopotâmicos, no Império Bizantino e no Império Chinês, quando se consolidou a dinastia Qing (1644-1912). Essa foi, por último, a modalidade de poder centralizador que se estendeu na América Pré-colombiana inca e asteca, entre o ano 1000 e a chegada dos conquistadores espanhóis a partir de 1492.

Como sair do Patrimonialismo? Destaquemos, de entrada, que a nossa formação política não ocorreu em virtude de um contrato social entre as classes sociais em pugna, como ocorreu na Europa Moderna. Somos filhos da modalidade Patrimonialista, exportada pelos conquistadores portugueses no século XVI e aperfeiçoada, sucessivamente, até a consolidação, no século XIX, do Império Brasileiro e perpetuada depois, num viés autoritário, pela República, com a derrubada do Império pelos militares, em 15 de novembro de 1889.

O poder, no Brasil, “sempre teve donos”, frisava o jurista Raimundo Faoro, no seu livro de 1958 intitulado: Os donos do poder – Formação do patronato político brasileiro [1ª edição, Porto Alegre: Globo]. Esses donos foram, primeiro, os Capitães Gerais, que ocuparam as terras descobertas “em nome do Rei de Portugal e da fé católica”. O Império português não conferiu uma organização muito definida a essas “léguas de sesmaria”, deixando que os Capitães Gerais fossem ocupando os novos territórios, aplicando lhes, do ângulo legal, uma estrutura familística e clânica. Na ocupação das terras americanas os portugueses, aliás, deram continuidade à prática da “presúria”, ou seja, à ocupação das terras arrebatadas aos infiéis em nome do Monarca e do Cristianismo.

Essa era o tema das pesquisas do notável jurista português e historiador do direito administrativo, Marcelo Caetano (1906-1980), que estudou a história da legislação lusitana em terras coloniais, e que destacava o seu caráter particularista. Os territórios conquistados aos infiéis, na guerra de setecentos anos contra os sarracenos e, depois, na nova guerra contra os infiéis indígenas americanos, eram identificadas como “Terras do Rei”, que o Monarca distribuía entre os seus colaboradores e aliados, reforçando o patrimonialismo originário. Quando João das Regras (1357-1404) conseguiu, nas Cortes de Coimbra de 1385, a coroação do Mestre de Avis com o nome de Dom João I de Portugal (1357-1433), fazendo emergir a primeira burocracia de funcionários públicos a partir dos fiéis servidores da Casa Real, consolidou-se a estrutura patrimonialista e familística da Monarquia Portuguesa.

Ao longo do século XIX, por força da vinda da família real para o Brasil, em decorrência da invasão napoleônica, houve um ponto de equilíbrio entre a estrutura patrimonialista do Estado e a criação de instituições de governo representativo. A primeira tentativa desenvolveu-se ao ensejo da criação, por Dom João VI (1767-1826), do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822). As instituições de tipo parlamentar já tinham sido pensadas por Dom João VI como uma forma de diminuir o poder da pachorrenta burocracia patrimonial herdada de Portugal, a fim de fazer emergir as instituições do governo representativo, as únicas que poderiam garantir a estabilidade num contexto de crise continuada entre o patrimonialismo modernizador pombalino e a sociedade, ameaçada de crescente radicalização por conta do democratismo de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Esse filósofo tinha sistematizado o democratismo na obra intitulada Do Contrato Social (1762), que deitou as bases de um poder único e inquestionável o qual, pelo terror policial, garantiria a unanimidade ao redor do monarca.

A fundamentação doutrinária sobre a qual Dom João VI alicerçou a sua Monarquia Constitucional, foi constituída pela magna obra de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) intitulada: Manual do cidadão num Governo Representativo (1835), que se inspirava no pensamento e na reforma política do chefe dos Filósofos Doutrinários, na França, François Guizot (1787-1874).

O segundo momento de consolidação de uma Monarquia Constitucional brasileira, balizada por instituições de Governo Representativo, se deu com motivo da proclamação do Império do Brasil, graças à proclamação da Constituição Imperial de 1824, cujo principal ideólogo foi o jurista e homem de Estado, já mencionado, Silvestre Pinheiro Ferreira. O eminente constitucionalista alicerçou os seus conceitos fundamentais no pensamento do filósofo precursor dos Doutrinários Franceses, Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), concretamente na sua obra intitulada: Princípios de Política (1810).

O Brasil experimentou, ao longo do Segundo Reinado (1841-1889), um invejável período de estabilidade política decorrente do equilíbrio entre os poderes públicos, com a garantia da representação de interesses e a estabilidade ensejada pelo Poder Moderador, nos momentos de crise. Assim identificava Guizot a estabilidade institucional conquistada pelo Império brasileiro: “Abri a obra em que Benjamin Constant representou tão engenhosamente a realeza com um poder central, um poder moderador, elevado por cima dos acidentes, das lutas da sociedade, e que somente intervém nas grandes crises. Não é essa, por assim dizer, a atitude do soberano de direito no governo das coisas humanas? É necessário que haja nessa ideia algo de muito apropriado para impressionar os espíritos, quando passou com tal rapidez dos livros aos fatos. Um soberano fez dela, na Constituição do Brasil, a base mesma do seu trono: a instituição real é representada nela como um poder moderador, erguido por sobre os poderes ativos, à maneira de espectador e juíz das lutas políticas” [Guizot, Historia de la civilización en Europa, tradução espanhola de Fernando Vela, Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 212].

Ora, essa estabilidade caiu por terra com o golpe palaciano desferido pelos militares do Exército contra o Império. A partir de 15 de novembro de 1889 instaurou-se, no outrora pacífico Brasil, o germe da guerra civil entre as facções, cada vez mais radicalizadas. Instabilidade institucional que pretendeu ser remediada mediante modelitos de “democracia meia sola”, como a chamada “Política dos Governadores”, adotada pelo presidente Campos Salles e que terminou reforçando as oligarquias estaduais, em detrimento da autêntica representação de interesses dos cidadãos. A insatisfação crescente deu lugar, na denominada “República Velha” (1889-1930) a conflitos crescentes e à guerra civil, que teve de ser controlada com maior carga de estatismo. O desaguadouro dessa incoerência histórica foi mais autoritarismo, desta vez, elevando ao plano nacional o modelito de “ditadura científica positivista” instituído no Rio Grande do Sul por Júlio de Castilhos (1860-1903). A resultando de tanto desvio foi a guerra civil: primeiro, o conflito de Pica-Paus contra Maragatos (em 1893) e de Borgistas contra Assissistas (em 1922-1923) no Rio Grande do Sul, bem como a Revolução Federalista que conflagrou outros Estados do Brasil. Tudo terminaria pior do que no início com o Estado Getuliano, em 1930, proclamando uma República balizada no poder militar e na exclusão do debate político, sendo o Congresso substituído pelos Conselhos Técnicos Integrados à Administração, à maneira apregoada pelo socialismo saint-simoniano.

O capítulo que se seguiu à centralização do poder foi obra do Estado Novo, proclamado por Getúlio Vargas em 1937, que acabou com as identidades regionais dos estados da Federação, consagrando um modelo corporativista-sindical, inspirado no Nazi Fascismo [respectivamente, de Hitler e Mussolini]. Getúlio, chefe inconteste do Estado, tudo equacionava consultando os tradicionais Conselhos Técnicos Integrados à Administração, que tinham substituído o Congresso no trabalho legislativo já desde 1930.

Quando da sua última chegada ao poder, eleito Presidente em 51, período que terminaria com o seu trágico suicídio em agosto de 54, Getúlio decidiu criar uma República em moldes do que hoje seria uma social-democracia. O plano para a empreitada foi escrito por Oliveira Vianna. Getúlio copiaria, aqui, o plano de Napoleão, quando dos famosos 100 dias, depois de escapar da prisão da Ilha de Elba. O autor do plano napoleônico foi nada menos que Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), que em ágil cambalhota política de crítico feroz do ditador e genocida, passou a ser o seu principal assessor.

O governo militar, após a morte do Marechal Castelo Branco em 1967 e a sua sucessão pela linha dura gaúcha de ex-tenentes positivistas, na época generais, copiou o plano de uma República inspirada na social-democracia. O Marechal Castelo Branco e a alta oficialidade formada na Escola de Comando e Estado Maior do Exército conheciam esses planos do Getúlio, zelosamente conservados na Obra Completa de Oliveira Vianna (1883-1951) que foi preservada pela Escola Superior de Guerra, após a extinção do IBESP. Era, certamente, o plano do general Castelo Branco. Após a sua desaparição e com a sucessão tendo caído em mãos dos gaúchos, o plano inicial foi abandonado e substituído por uma ditadura tecnocrática, que se aproximava mais da que foi configurada ao ensejo do Estado Novo. O estatismo e a centralização seriam as marcas registradas desses novos-velhos tempos. Isso explica o estatismo crescente e o fracasso do ciclo militar, que precisava de um enriquecimento da sociedade a fim de que se modernizasse a indústria privada. Terminou prevalecendo o setor estatal da economia, com as ineficientes empresas públicas as quais, de 39 aumentaram, com os militares gaúchos, para 490 [Na minha obra intitulada: Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro (1ª edição. Londrina: Editora da UEL, 1997, com apresentação de Antônio Paim] relembro amplamente todos os dados apresentados aqui].

A elaboração da nova Constituição de 1988, seria a oportunidade para sedimentar os planos de desenvolvimento democrático e liberal do Brasil. No entanto, sabemos que a empreitada não foi, propriamente, o desenho de um caminho de maior participação da sociedade civil. A proposta de adoção do voto distrital, peça-chave para instaurar uma autêntica democracia representativa, no seio da Comissão de Constituição e Justiça presidida pelo ex-governador do Paraná e Senador pelo PSDB, José Richa (1934-2003) terminou sendo torpedeada pela figura carismática do Senador Mário Covas (1930-2001), Senador pelo PSDB de São Paulo, que manteve inalterado o mecanismo do voto proporcional, em mãos dos chefes dos Partidos e longe das necessidades de representação política da sociedade civil. Covas traiu o seu parceiro de sigla partidária, o probo ex-governador do Paraná, que defendia o voto distrital e o modelo parlamentarista.

A Constituição de 1988 terminou sendo, como frisava notável estudo elaborado por intelectuais liberais, o “avanço do retrocesso”. Um Estado corporativista com manutenção da vetusta estrutura sindical getuliana, a representação política mumificada no voto proporcional e sem bases doutrinárias claras, o acúmulo de vantagens do Poder Judiciário que passaria, nas décadas seguintes, a configurar um Superpoder, um regime social de direitos sem deveres, juros tabelados, foram as medidas que configuraram uma colcha de retalhos com pretensões de Constituição. O fenômeno terminou sendo flagrado pela obra intitulada: Constituição de 1988: o avanço do retrocesso [obra organizada por Paulo Mercadante, com a participação de Antônio Paim, Diogo de Figueiredo Moreira, Ives Gandra da Silva Martins, José Carlos Mello, José Guilherme Merquior, Miguel Reale, Oscar Dias Corrêa, Ricardo Lobo Torres, Ricardo Vélez Rodríguez, Roberto Campos, Ubiratan Borges de Macedo, Vicente Barretto, e Wilton Lopes Machado, Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1990, 164 pp.].

À sombra da hipervalorização do Judiciário, na mencionada Carta, houve um empoderamento cada vez maior desse Poder Público, até desaguar no fenômeno da judicialização da política e da ditadura escancarada do Judiciário, via STF, que desencarcerou o ex-presidente Lula da Silva, o qual tinha sido condenado em todas as instâncias da Justiça por enriquecimento ilícito, ao ensejo do Mensalão e do Petrolão.

Lula voltou à cena política como candidato à Presidência da República em 2022, a Operação Lava-Jato foi destruída, tendo sido criado um obscuro pano de fundo de ilicitudes perdoadas, que tumultuaram ainda mais a já confusa cena do empoderamento do Poder Judiciário e de desvalorização do Legislativo, cujos membros estão sendo progressivamente perseguidos pelo STF, na medida em que mostrem força no seio da opinião pública. Chegamos, em 2023, à instauração da ditadura de Lula e do STF, com todas as contradições inerentes a esse autêntico “angu” inconstitucional, que tumultua a vida dos brasileiros, que prende manifestantes desarmados sem o devido processo legal, que os está condenando por terrorismo a mais de 17 anos de prisão e que deixa no limbo de soluções improvisadas a saída institucional. O jornalista Paulo Polzonoff Jr, da Gazeta do Povo de Curitiba, deixou registrado, no título do artigo publicado por esse jornal em 18-11-2024, o clima de incerteza hoje vivido pela sociedade brasileira: “STF é incapaz de lidar com os problemas mais sérios do Brasil”.

Concluindo: como indica o título deste artigo, tratava-se de encontrar, na evolução histórica do Estado brasileiro, a possibilidade para uma “saída” do Patrimonialismo. O que se vê, no entanto, a partir da análise das premissas históricas, é que não foi possível elaborar essa saída, na medida em que foram sendo fechadas, uma a uma, as possibilidades de reforço ao poder da sociedade, via aprimoramento da representação, no Congresso, e de valorização dele na condução da máquina do Estado.

Do ângulo econômico, o que o PT apresentou nos últimos anos, ao ensejo do 3º governo de Lula, é mais do mesmo estatismo trasnoitado e vazio, que já fez o estrago esperado de deixar desequilibradas as contas públicas, com o setor estatal gastando infinitamente mais do que podia. Voltam a inflação e a recessão. As empresas estatais estão sendo – como nas passadas administrações de Lula – o canal por onde flui o gigantesco rio do Tesouro desviado para o PT e comparsas.

Eis o que, a respeito dos governos Lula, escrevia em 2014 o mestre Antônio Paim: “(…) seria justamente o PT que empreenderia um passo que bem pode estar destinado a fechar-nos de vez à realização daquele que seria o nosso autêntico projeto nacional. Trata-se de que haja conseguido enterrar de vez o projeto de constituição da ALCA. Ao invés de estarmos integrados ao que seria o provável desfecho do atual ciclo da globalização – a criação do mercado constituído pela junção dos Estados Unidos com a União Européia – ingressaremos num período de marginalização cujas dimensões e consequências serão certamente funestas” [Antônio Paim, “Prefácio da Segunda Edição”, in: Momentos decisivos da história do Brasil. 2ª edição revista e ampliada. Campinas: Vide Editorial, 2014, pp. 13-14].

O que prevalece, infelizmente, é o reforço de uma “polícia do Estado”, com as novas medidas tomadas em prol do funcionamento mais eficaz da Polícia Federal. Falta, de todas as formas, transparência em face da política traçada pelo Executivo e pelo Judiciário, para garantir o bom funcionamento do Estado, em benefício da sociedade brasileira. Só o autoritarismo crescente do Executivo e do Judiciário não garantem a estabilidade social nem o desenvolvimento da economia. Muito pelo contrário: o autoritarismo só reforça o status quo, de um poder que pretende se firmar como inatingível pelos cidadãos. E que os persegue, com toda a sanha institucional, sem que haja transparência na forma de julgar os detidos por presuntos crimes contra a ordem política vigente.

As Forças Armadas, por último, foram colocadas à margem do processo político, como corporação que cuida de si mesma, mas sem identificar as suas responsabilidades em face da segurança do país. A fronteira mais sensível, do ângulo estratégico, para o Brasil, a denominada “Calha Norte”, na qual as Forças Armadas construíram uma estrutura organizacional sofisticada para garantir a segurança das fronteiras, em face do crime organizado e das ambições estrangeiras, simplesmente está sendo desmontada por Lula, para ocupar esse espaço com entidades e “movimentos sociais” dóceis ao Executivo e ideologicamente enquadrados dentro dos ideias da esquerda latino-americana.

A história não contada do Dia de Ação de Graças

 

Todos os anos, nesta época, crianças em idade escolar em todos os Estados Unidos aprendem a história oficial do Dia de Ação de Graças, e jornais, rádio, TV e revistas dedicam muito tempo e espaço a ela. É tudo muito colorido e fascinante.

Também é muito enganador. Esta história oficial não é nada parecida com o que realmente aconteceu. É um conto de fadas, uma coleção caiada e higienizada de meias verdades que desviam a atenção do verdadeiro significado do Dia de Ação de Graças.

A história oficial conta que os peregrinos embarcaram no Mayflower, vieram para a América e estabeleceram a colônia de Plymouth no inverno de 1620-1621. Este primeiro inverno é difícil e metade dos colonos morre. Mas os sobreviventes são trabalhadores árduos e tenazes e aprendem novas técnicas agrícolas com os índios. A colheita de 1621 é abundante. Os peregrinos celebram e dão graças a Deus. Eles estão gratos pela nova e maravilhosa terra abundante que Ele lhes deu.

A história oficial mostra os peregrinos vivendo mais ou menos felizes para sempre, repetindo a cada ano aquele primeiro Dia de Ação de Graças. Outras primeiras colônias também passaram por momentos difíceis no início, mas rapidamente prosperaram e adoptaram a tradição anual de agradecer por esta nova e próspera terra chamada América.

O problema com esta história oficial é que a colheita de 1621 não foi abundante, e os colonos não eram trabalhadores ou tenazes. O ano de 1621 foi de fome e muitos dos colonos eram ladrões preguiçosos.

Em sua History of Plymouth Plantation, o governador da colônia, William Bradford, relatou que os colonos passaram fome durante anos porque se recusavam a trabalhar no campo. Eles preferiam roubar comida. Ele diz que a colônia estava repleta de “corrupção” e de “confusão e descontentamento”. As colheitas eram pequenas porque “muito era roubado de noite e de dia, antes de se tornar escasso para consumo”.

Nos banquetes das colheitas de 1621 e 1622, “todos tiveram a barriga faminta saciada”, mas apenas brevemente. A condição prevalecente durante aqueles anos não foi a abundância que a história oficial afirma, mas a fome e a morte. A primeira “Ação de Graças” não foi tanto uma celebração, mas a última refeição dos condenados.

Mas nos anos seguintes algo muda. A colheita de 1623 foi diferente. De repente, “em vez de fome, Deus lhes deu abundância”, escreveu Bradford, “e as coisas mudaram, para a alegria dos corações de muitos, pelo que eles agradeceram a Deus”. Depois disso, escreveu ele, "nenhuma necessidade ou fome geral ocorreu entre eles até hoje". Na verdade, em 1624, foram produzidos tantos alimentos que os colonos puderam começar a exportar milho.

O que aconteceu? Após a fraca colheita de 1622, escreve Bradford, "eles começaram a pensar em como poderiam cultivar tanto milho quanto pudessem e obter uma colheita melhor". Eles começaram a questionar a sua forma de organização econômica.

Isso exigia que "todos os lucros e benefícios obtidos pelo comércio, tráfego, transporte, trabalho, pesca ou qualquer outro meio" fossem colocados no estoque comum da colônia, e que "todas as pessoas desta colônia tirariam sua carne, bebida, roupas e todas as provisões do estoque comum". A pessoa deveria colocar no estoque comum tudo o que pudesse e levar apenas o que precisasse.

Este “de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo a sua necessidade” foi uma das primeiras formas de socialismo, e é por isso que os peregrinos estavam morrendo de fome. Bradford escreve que "jovens mais capazes e aptos para o trabalho e o serviço" reclamavam de serem forçados a "gastar seu tempo e energia trabalhando para as esposas e filhos de outros homens". Além disso, “o homem forte, ou habilidoso, não tinha mais na divisão de alimentos e roupas do que aquele que era fraco”. Assim, os jovens e fortes recusavam-se a trabalhar e a quantidade total de alimentos produzidos nunca foi adequada.

Em 1623, para corrigir esta situação, Bradford aboliu o socialismo. Ele deu a cada família uma parcela de terra e disse-lhes que poderiam ficar com o que produzissem ou negociá-lo como quisessem. Por outras palavras, ele substituiu o socialismo por um livre mercado, e isso foi o fim da fome.

Muitos dos primeiros grupos de colonos criaram estados socialistas, todos com os mesmos resultados terríveis. Em Jamestown, fundada em 1607, de cada carregamento de colonos que chegava, menos da metade sobreviveria aos primeiros doze meses na América. A maior parte do trabalho estava sendo realizada por apenas um quinto dos homens, e os outros quatro quintos optaram por ser parasitas. No inverno de 1609-10, chamado de "The Starving Time", a população caiu de quinhentos para sessenta. Depois, a colônia de Jamestown foi convertida num livre mercado e os resultados foram tão dramáticos como os de Plymouth.

 Por Richard J. Maybury

domingo, 24 de novembro de 2024

PROGRESSISMO TUPINIQUIM

 


Existem, basicamente, duas visões de mundo: a liberal-conservadora e a chamada “progressista”. Essas refletem perspectivas muito distintas em termos progresso, modos de comportamento e valores.
Especialmente, a perspectiva liberal acredita em um Estado limitado, focado em proteger direitos individuais e promover a liberdade econômica, com menos intervencionismo estatal. É o setor privado o responsável pelo crescimento econômico, gerador de empregos, de renda e de riqueza.
Na visão “progressista”, o Estado é o indutor do crescimento. Portanto, esse deve regular a economia, e gastar a rodo, na promessa de justiça social e, assim sendo, na redistribuição de renda.
Desnecessário ser especialista nesta temática para constatar o quão emblemático é o “governo petista”, de Luiz Inácio da Silva, no que se refere a tais distinções.
Contudo, embora a “espada” progressista seja erguida para proteger os diretos e às liberdades dos fracos e oprimidos, nunca pensei que ainda estaria no plano terreno para enxergar os guerreiros sociais esquerdistas, apoiando à censura, à escassez de liberdade de expressão, à ditadura da toga, e o devasso terrorismo sangrento.
Mas vamos ao pragmatismo. A alardeada “preocupação com o povo”, afinal Lule é o “pai dos pobres”, necessita e impõe abusivos gastos governamentais (vide programas sociais contraproducentes), tributação escorchante e, evidente, o aumento da ineficiente máquina pública. Este é o modo de ser e fazer o Brasil crescer…
Já a ótica liberal, sustenta-se na disciplina fiscal (aquela que qualquer “dono de casa” conhece e sente), e na liderança do setor privado na economia. Deveriam existir uma tributação justa, com menor nível de impostos, e muito menos intervencionismo estatal, esse que distorce completamente os mercados, inibindo a concorrência e as inovações.
Sem dúvidas, é essencial impulsionar o crescimento do capital humano, por meio de um melhor ensino, arquitetado para fazer frente os novos desafios de uma economia digitalizada. Embora negligenciado, é mandatório alavancar a pífia produtividade nacional.
Nesta direção, a retórica e ação “progressista”, populista e despropositada, é ampliar o acesso à educação, eliminando barreiras ao ingresso dos “grupos marginalizados” no ensino superior, por exemplo. Novamente, vem-me à mente à expressão “a rodo”.
A indispensável “qualidade”, pois é, “a gente (vermelha) vê depois”...
A falta de qualidade educacional pode ser amplamente comprovada pelos fatos expressos nos comparativos internacionais (vide Pisa). O foco está na doutrinação ideológica, ao invés de estar centrado nas competências básicas, no ensino básico, na leitura, na escrita e na matemática, por exemplo.
O que desejo clarificar, é que mais uma vez, tal visão de mundo “progressista”, deixará (e tomara que seja possível deixar) uma herança maldita, quase que intransponível para os próximos governantes.
A completa irresponsabilidade fiscal do governo “progressista”, apesar de alarmante, tem sido impressionante. A divida pública brasileira deve alcançar 80% do PIB até final de 2024, continuando a crescer para os próximos anos (IFI).
Qualquer sujeito com um mínimo de conhecimento econômico sabe que essa situação resultará em inflação contínua de gastos públicos descontrolados, ocasionando mais empréstimos, mais impressão de moeda, e o caos.
A genuína despreocupação com o bolso do contribuinte, e o foco na irresponsável na gastança com o dinheiro público se constituiu, mais uma vez, em uma tragédia anunciada.
O “pai dos pobres”, novamente, deixará as contas para esses mesmos pobres, aqueles de carne e osso que esse alude defender.
O Ministério da Fazenda brasileiro-soviete, revisou a projeção do IPCA, índice que mede à inflação. Adivinhem! Em 2024, há uma subida de 4,25% para 4,4%. Evidentemente, superando a meta de inflação planejada.
Tal inflação corrói a capacidade de compra dos brasileiros, que já não comem à picanha e bebem a cervejinha prometida pelo salvador da pátria.
A receita - do fracasso - “progressista”, quase todos conhecem: criam o caos e, posteriormente, apresentam-se como aqueles capazes de resolver a anarquia e a devastação geradas por eles próprios!
Será que nessa “república” pairarão os ares liberais?
O país necessita de estratégias pró-crescimento sustentável, de verdade!
O tema deveria ser singelo: corte de impostos, para criar um ambiente de negócios favorável, impulsionando o crescimento, uma forte disciplina fiscal, a fim de conter a farra com o dinheiro público, e o correspondente endividamento nefasto. É mister reduzir o do tamanho do Estado - ineficiente. Em tempos rubros, impossível.
Para que todos saibam, a visão de mundo liberal, é aquela que não quer deixar o dinheiro nas mãos de corruptos incompetentes.
O dinheiro, compulsoriamente, tem que ficar nos bolsos - e nas mesas - daqueles que o ganham, com sangue, suor e lágrimas! Simples assim.

Alex Pipkin


quinta-feira, 21 de novembro de 2024

ERIKA HILTON E A FALÁCIA DA PEC 5x2

 


Dirijo-me não aos políticos demagógicos de sempre, que, por predileção ideológica ou oportunismo fisiológico, agora tentam mais uma vez vender gato por lebre, mas aos cidadãos comuns, trabalhadores, muitos dos quais têm se deixado iludir e, é forçoso dizer, manipular, nos últimos dias, com uma proposta cujo teor e consequência não parecem vislumbrar de fato.

Primeiramente, não há nade de errado em pretender trabalhar menos horas e até menos dias por semana. Sou o primeiro a felicitar os que defendem que devemos sim ter uma vida fora do trabalho e que viver só para trabalhar é degradante. Buscar um bom equilíbrio entre vida e trabalho significa ganhar um valor por hora suficiente para garantir tranquilidade e tempo livre para as atividades de lazer, para o exercício físico e intelectual, bem como para os estudos e capacitação visando ao progresso profissional e financeiro. Aquiesço inclusive com os que dizem que a redução da jornada é uma tendência “natural” no mundo. Agora, aqui está a chave da questão: tendência natural, não artificial. Há uma diferença muito significativa entre um gradual aumento do equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, com redução de horas trabalhadas, o que só pode ser viabilizado pelo aumento da produtividade nas modernas economias de mercado, e uma redução artificial, feita na canetada.

Os defensores da proposta de Erika Hilton têm se mobilizado nas redes sociais defendendo o fim da jornada 6X1. Ocorre que, ou não leram o projeto, ou estão simplesmente apelando ao sentimentalismo alheio, insistindo em que todos aqueles que se opõem ao projeto são pessoas sem coração. “Imagine alguém ser contra as pessoas poderem descansar 2 dias por semana”. Meus caros, antes de ir panfletar, seja nas ruas ou nas redes sociais, de partir para o ataque, desperdiçando seu precioso tempo livre brigando, poderiam começar por ler o que estão defendendo. 

A proposta da deputada Erika Hilton não é sobre a jornada 6X1, ainda que ela use demagogicamente esse apelo. A única referência a isso está na justificativa, não na PEC em si. O que se propõe é o estabelecimento de uma jornada 4X3, sem mais. Dizer que o projeto simplesmente dá um dia a mais de descanso é puro desconhecimento. Embora o texto não seja claro sobre a questão, a justificativa é, bem como tem sido a demanda dos que se mobilizaram em apoio ao projeto, que tal redução da carga horária de trabalho não viria acompanhada de uma proporcional redução salarial.

Se lerem o projeto, e estiverem minimamente familiarizados com a matemática básica, rapidamente lhes saltará aos olhos um erro crasso e imperdoável. A PEC estabelece “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana (…)” Ora, se o limite de horas diárias não pode exceder oito horas, e a jornada máxima permitida passará a ser de quatro dias por semana, então temos que a carga horária total semanal será de trinta e duas horas e não trinta e seis. A nobre deputada pretende fazer uma alteração tão brusca e profunda das relações de trabalho no Brasil, com inelutável impacto econômico para todos (não apenas os celetistas), e sequer é capaz de fazer uma conta básica? E, antes que apareça alguém me chamando de “capacitista”, lembro que todos temos à nossa disposição calculadoras em nossos celulares e computadores. Além do mais, para que servem os assessores parlamentares? Da última vez em que consultei a tabuada, quatro vezes oito eram trinta e dois. Mas sei lá, em tempos como estes, talvez o trinta e dois tenha passado a se identificar como trinta e seis.

Como a deputada já conseguiu reunir o número de assinaturas necessárias para dar seguimento ao projeto, tal contradição numérica terá que ser enfrentada. Se mantida a carga horária máxima de trinta e seis horas semanais com quatro dias de trabalho, então o limite de horas diário terá que passar de oito para nove horas. Se se insistir em manter o limite diário de oito horas, mas com carga semanal de trinta e seis, então será necessário estabelecer uma jornada de 5×2 ao invés de 4×3, nem que com um limite de quatro horas no quinto dia de trabalho para completar a carga máxima semanal. Se se insiste em manter a jornada de 4×3 (coração do projeto) e o limite de oito horas diárias, então não tem jeito: a carga horária máxima permitida por semana teria que ser de trinta e dois ao invés de trinta e seis, com consequências ainda mais salientes.

O maior problema do projeto é a possibilidade de que a redução da jornada de trabalho pretenda manter os salários nominalmente inalterados. É de se pensar que as consequências disso seriam lógicas para qualquer um, mas recordemos que estamos tratando com quem assassina a matemática básica. Considerando a possibilidade de uma carga horária de 36 horas semanais, teríamos uma redução na canetada de 8 horas em relação ao limite de 44 horas que temos hoje. Isso representaria uma redução de 18% da força de trabalho em uma única tacada. Se o limite for de 32 horas, então a redução seria de 27%.

Imaginemos alguém que hoje ganhe um salário mínimo trabalhando 44 horas semanais. Sendo o salário mínimo atual de R$ 1412, temos um valor por hora de R$6,42. Se sua carga horária for reduzida para 36 horas, mas ele mantiver nominalmente o mesmo salário, então ele passaria a ganhar R$7,84 por hora, o que equivaleria a um reajuste salarial de 22%. Já para uma carga de 32 horas, seu ganho por hora passaria a ser de R$8,82 e o reajuste salarial seria de 37%. Se você vê nisso uma razão a mais para defender o projeto, pensando no quão seria maravilhoso se todos (os celetistas, ao menos) passassem a trabalhar em uma jornada de 4×3, sem redução salarial, com um reajuste de até 37% na hora trabalhada e, o melhor, mantendo seus empregos, peço desculpas de antemão pela grosseria, mas você precisa amadurecer.

Tendo já estabelecido que uma redução da carga horária sem redução salarial proporcional equivale a um reajuste dos salários, podemos pensar, de forma análoga, na impropriedade de o governo conceder reajustes faraônicos. Essencialmente, não há diferença entre defender essa PEC, da forma como ela está, e defender que o governo reajuste o salário mínimo na canetada em 20%, 30%, 50%, 100% e por aí vai. Aliás, por que não chutamos o pau da barraca de uma vez e demandamos um salário mínimo de R$10 mil para “melhorar” nossas vidas? Sinceramente, é triste ter que explicar porque não é possível conceder esse tipo de graça na canetada. Se fosse tão simples assim, poderíamos erradicar a pobreza por decreto. Ocorre que reajustes nominais não servem de nada se não estiverem amparados na atividade econômica de fato, e esse caminho que parece tão simples e evidente para alguns — tanto quanto imprimir dinheiro e distribuir pelas cidades por meio de helicópteros — culminaria inelutavelmente em inflação, tornando o aumento uma ilusão.
Como bem recorda o economista e deputado estadual por São Paulo, Leonardo Siqueira, há três consequências no horizonte, se aprovada a PEC de Erika Hilton com a atual redação: repasse do aumento de custos aos preços, aumento da informalidade, redução do número de contratações e até mesmo a substituição por máquinas.

Ora, a redução da jornada com manutenção dos salários aumentaria os custos das empresas, e é inevitável que ao menos parte desses custos sejam incorporados aos preços. A verdade é que, ao contrário da crença popular, não necessariamente as empresas conseguiriam repassar todo o aumento de custos aos preços, já que a demanda de seus produtos e serviços é afetada, nem sempre de forma proporcional, e temos que muitos seriam demitidos. Não obstante, os que perderiam seus empregos teriam ainda mais dificuldades para encontrar outra ocupação no mercado formal, o que levaria a um aumento da informalidade. Basta que pensemos que 95% dos CNPJS no Brasil são pequenos negócios, o que inclui microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, para vislumbrar como um aumento tão significativo dos custos seria impactante para a geração de emprego. Por fim, convém pensar na substituição do trabalho humano por máquinas e inteligência artificial. Muitos podem argumentar que isso já está acontecendo. E está mesmo: de forma paulatina, muitas funções estão sendo substituídas pela automação e pela IA, em um processo de destruição criativa natural. O que é irônico é que, justamente no momento em que tantos trabalhadores estão ansiosos com essas mudanças, muitos decidam apoiar uma PEC que ajudaria a acelerar o processo. Se, para fazer a substituição de uma determinada função, antes desempenhada por uma pessoa, por uma máquina, ou pela IA, o empresário faz um cálculo econômico em que considera o custo de cada um, um aumento artificial do custo do trabalho humano, por uma canetada estatal, só poderia concorrer para tornar a alternativa não humana mais atrativa.

Neste momento, não é preciso ir além, o que seria inverter o ônus da prova. A própria deputada, proponente da proposta, admite que não dispõe de estudo econômico algum para medir seus impactos. Argumenta que quis fazer uma “provocação”. Ora, isso chega a ser maldoso, para não dizer leviano. O que estão fazendo é explorar a ingenuidade de uma parcela significativa da população.

Os defensores da coisa certamente responderão que o aumento da produtividade e do consumo compensariam a redução da jornada com manutenção dos salários. A pergunta é: estão dispostos a colocar a coisa em prática para “testar”, certos de que não haverá retorno depois do fracasso certo e das irrenunciáveis consequências? O trabalhador não é cobaia para ser usado dessa forma, para ser aliciado com esse tipo de narrativa, sedutora, mas enganosa. Pois o ônus da prova está com eles. Que demonstrem, por qual passe de mágica, por meio de qual alquimia, que um país cuja produtividade cresce módicos 0,1% ao ano, e que está basicamente estagnada desde os anos 80, será capaz de comportar uma redução de jornada sem redução proporcional de salários.

Fontes:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/13/pec-da-escala-6×1-leia-texto-completo-da-proposta-de-emenda-constitucional.htm
https://abrasel.com.br/revista/mercado/governo-lanca-plano-fortalecer-microempreendedores/#:~:text=Os%20pequenos%20neg%C3%B3cios%2C%20incluindo%20microempreendedores,mantendo%20a%20economia%20local%20din%C3%A2mica.
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/erika-hilton-fim-escala-6×1-nao-tem-nem-estudo-impacto-economico/

A fluoretação revisitada

  

O economista e filósofo Murray Rothbard foi meu mentor e amigo. Ele morreu em 1995, mas seus escritos continuam a advertir o mundo. Como acontece com outros grandes pensadores, a pergunta em meio a uma grande crise é sempre: o que Rothbard pensaria sobre isso?

A crise da Covid gerou uma grande confusão e silêncio no mundo libertário, por razões que explico aqui, mas não tenho muita dúvida de qual teria sido a posição de Murray. Ele se opôs de forma consistente ao uso da violência estatal para reduzir o risco inerente ao mundo natural e estava muito à frente de seu tempo em questões de medicalização compulsória.

Na verdade, ele escreveu detalhadamente sobre a controvérsia a respeito da fluoretação. Sua análise resiste ao teste do tempo. Um juiz federal finalmente decidiu, com três quartos de século de atraso, que o flúor forçado na água representa um “risco irracional” para as crianças. Essa decisão pode finalmente acabar com essa prática.

Em 1992, Murray Rothbard falou o que pensava sobre o assunto na época em que isso era considerado loucura e rabugice. Como era típico dele, não conseguia resistir a se aprofundar em um tópico e apresentar suas conclusões, mesmo quando elas iam contra a cultura política predominante. Seu artigo permanece relevante e apresenta uma pesquisa profunda sobre o que aconteceu com a “saúde pública” nos anos pós-guerra.

Que não haja dúvidas: Murray Rothbard se opunha totalmente ao uso do poder do governo de envenenar o público em nome da saúde pública. Ele explicou com muita precisão e presciência a origem do problema: “uma aliança de três forças principais: social-democratas ideológicos, burocratas tecnocratas ambiciosos e grandes empresários que buscam privilégios do Estado”.

O texto está completamente reproduzido aqui abaixo.

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A fluoretação revisitada

Murray Rothbard

 

Sim, eu confesso: sou um veterano antifluoretação, arriscando-me assim - não pela primeira vez - a me colocar no campo dos “malucos e fanáticos de direita”. Sempre foi um pouco misterioso para mim o motivo pelo qual os ambientalistas de esquerda, que gritam horrorizados com um pouco de ‘Alar’[1] nas maçãs, que gritam “câncer!” de forma ainda mais absurda do que o menino gritou “Lobo!”[2], que odeiam todos os aditivos químicos conhecidos pelo homem, ainda lançam sua aprovação benigna sobre o flúor, uma substância altamente tóxica e provavelmente carcinogênica. Eles não apenas deixam as emissões de flúor livres, como também endossam sem críticas o despejo em massa e contínuo de flúor no abastecimento de água do país.

 

Os prós e contras

Primeiramente, mencionarei os casos gerais a favor e contra a fluoretação da água. O caso a favor é quase incrivelmente fraco, resumindo-se ao suposto fato de reduções substanciais nas cáries dentárias em crianças de cinco a nove anos. Ponto final. Não há benefícios alegados para pessoas com mais de nove anos! Para isso, toda a população adulta de uma área fluoretada deve ser submetida à medicação em massa!

O caso contrário, mesmo sem considerar os males específicos do flúor, é poderoso e esmagador. A medicação compulsória em massa é maléfica do ponto de vista médico, além de ser socialista. É evidente que a chave para qualquer medicamento é o controle da dose: pessoas distintas, em diferentes estágios de risco, precisam de dosagens individuais adaptadas às suas necessidades. E, no entanto, com a fluoretação obrigatória da água, a dose se aplica a todos e é necessariamente proporcional à quantidade de água que se bebe.

Qual é a justificativa médica para que uma pessoa que bebe dez copos de água por dia receba dez vezes a dose de flúor de uma pessoa que bebe apenas um copo? Todo esse processo, além de idiota, é extremamente maligno.

Os adultos - na verdade, as crianças com mais de nove anos - não recebem nenhum benefício da medicação compulsória, mas ingerem fluoretos proporcionalmente à sua ingestão de água.

Além disso, estudos demonstraram que, embora a fluoretação possa reduzir as cáries em crianças de cinco a nove anos, as mesmas crianças de nove a 12 anos têm mais cáries, de modo que, após os 12 anos de idade, os benefícios da cárie desaparecem. Na melhor das hipóteses, então, a questão se resume a: devemos nos sujeitar aos possíveis perigos da fluoretação apenas para poupar os dentistas da irritação de lidar com crianças de cinco a nove anos que se contorcem de um lado ao outro durante a consulta?

Os pais que quiserem dar a seus filhos os benefícios duvidosos da fluoretação podem fazê-lo individualmente, dando a eles pílulas de flúor, com doses reguladas em vez de proporcionais ao acaso, de acordo com a sede da criança. Ou eles podem fazer com que seus filhos escovem os dentes com pasta de dente com flúor. Que tal a liberdade de escolha individual?

Não podemos deixar de mencionar o pagador de impostos que sofre constantemente com as centenas de milhares de toneladas de flúor despejadas no abastecimento de água socializado do país todos os anos. Os dias das empresas privadas de água, outrora florescentes nos Estados Unidos, já se foram há muito tempo, embora o mercado tenha ressurgido nos últimos anos na forma de água engarrafada privada cada vez mais popular (embora essa opção seja muito mais cara do que a água gratuita socializada).

Certamente não há nada de maluco ou excêntrico em nenhum desses argumentos, não é mesmo? Isso é tudo sobre o caso geral a favor e contra a fluoretação. Quando chegarmos aos males específicos da fluoretação, a argumentação contrária se torna ainda mais poderosa, além de aterrorizante.

Durante as décadas de 1940 e 50, quando a pressão bem-sucedida para a fluoretação estava em andamento, os proponentes da fluoretação divulgaram o experimento controlado de Newburgh e Kingston, duas pequenas cidades vizinhas no norte do estado de Nova York, com praticamente a mesma demografia. Newburgh havia sido fluoretada e Kingston não, e o poderoso establishment pró-fluoretação alardeou o fato de que, dez anos depois, as cáries dentárias em crianças de cinco a nove anos em Newburgh eram consideravelmente menores do que em Kingston (originalmente, as taxas de todas as doenças eram praticamente as mesmas nos dois lugares).

OK, mas os oponentes do flúor levantaram o fato inquietante de que, após dez anos, tanto as taxas de câncer quanto as de doenças cardíacas eram agora significativamente mais altas em Newburgh. Como o establishment tratou essa crítica? Rejeitando-a como irrelevante, como uma tática assustadora.

Por que esses e outros problemas e acusações posteriores foram ignorados e anulados, e por que a pressa em impor a fluoretação nos Estados Unidos? Quem estava por trás dessa iniciativa e como seus críticos adquiriram a imagem de “malucos de direita”?

 

O incentivo à fluoretação

A iniciativa oficial começou abruptamente pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, empurrada pelo Serviço de Saúde Pública dos EUA, então no Departamento do Tesouro. Em 1945, o governo federal selecionou duas cidades de Michigan para realizar um estudo oficial de “15 anos”; uma cidade, Grand Rapids, foi fluoretada e uma outra cidade de controle não foi fluoretada. (Estou em dívida com um recente artigo revisionista sobre fluoretação escrito pelo médico Joel Griffiths, no jornal esquerdista[3] Covert Action Information Bulletin.) No entanto, antes que cinco anos terminassem, o governo anulou seu próprio “estudo científico” ao fluoretar a água na cidade de controle em Michigan. Por quê? Com a desculpa de que sua ação foi causada pela “demanda popular” pela fluoretação. Como veremos, a “demanda popular” foi gerada pelo próprio governo e pelo establishment. De fato, já em 1946, sob a campanha federal, seis cidades americanas fluoretaram sua água, e outras 87 aderiram ao movimento em 1950.

Uma figura importante na campanha bem-sucedida pela fluoretação foi Oscar R. Ewing, nomeado pelo presidente Truman em 1947 para chefiar a Agência Federal de Segurança, que englobava o Serviço de Saúde Pública (PHS) e que mais tarde se transformou em nosso amado gabinete de Saúde, Educação e Bem-Estar. Um dos motivos do apoio da esquerda à fluoretação - além do fato de ser uma medicina socializada, para eles um bem em si - era o fato de Ewing ser um certificado Fair Dealer de Truman e esquerdista, além de um defensor declarado da medicina socializada. Ele também era um alto funcionário da então poderosa Americans for Democratic Action, a organização central de “liberais anticomunistas” do país (leia-se: social-democratas ou mencheviques). Ewing mobilizou não apenas a esquerda respeitável, mas também o centro do establishment. A poderosa campanha em favor da fluoretação compulsória foi liderada pelo PHS, que logo mobilizou as organizações de dentistas e médicos do establishment do país.

 

O movimento das relações públicas

A mobilização, o clamor nacional pela fluoretação e a imagem de maluco de direita dos oponentes da fluoretação foram todos gerados pelo homem de relações públicas contratado por Oscar Ewing para dirigir a campanha. Pois Ewing contratou ninguém menos que Edward L. Bernays, que teve a duvidosa honra de ser chamado de “pai das relações públicas”. Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, foi chamado de “The Original Spin Doctor[4] em um artigo de admiração publicado no Washington Post por ocasião do 100º aniversário do velho manipulador no final de 1991.

Como um artigo científico retrospectivo apontou sobre o movimento de fluoretação, um de seus dossiês amplamente distribuídos listou como oponentes da fluoretação “em ordem alfabética, cientistas de renome, criminosos condenados, fanáticos por comida, organizações científicas e a Ku Klux Klan”. Em seu livro Propaganda, de 1928, Bernays expôs os dispositivos que usaria. Falando sobre o “mecanismo que controla a mente do público”, que pessoas como ele poderiam manipular, Bernays explicou: “Aqueles que manipulam o mecanismo invisível da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder governante de nosso país... Nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas ideias sugeridas, em grande parte por homens dos quais nunca ouvimos falar”. E o processo de manipulação de líderes de grupos, “com ou sem sua cooperação consciente”, “influenciará automaticamente” os membros de tais grupos.

Ao descrever suas práticas como o responsável pelas relações públicas (RP) da Beech-Nut Bacon, Bernays relatou como sugeria aos médicos que dissessem publicamente que “é saudável comer bacon”. Pois, acrescentou Bernays, ele “sabe como uma certeza matemática que um grande número de pessoas seguirá o conselho de seus médicos, porque ele [o cara de RP] entende a relação psicológica de dependência dos homens em relação a seus médicos”. Acrescente “dentistas” à equação e substitua “bacon” por “flúor” e teremos a essência da campanha de propaganda de Bernays.

Antes da campanha de Bernays, o flúor era amplamente conhecido na mente do público como o principal ingrediente do veneno para insetos e ratos; depois da campanha, ele foi amplamente aclamado como um fornecedor seguro de dentes saudáveis e sorrisos brilhantes.

Após a década de 1950, tudo estava sendo limpo - as forças da fluoretação haviam triunfado e dois terços dos reservatórios do país estavam fluoretados. No entanto, ainda há áreas do país que não são bem tratadas (a Califórnia tem menos de 16% de fluoretação) e a meta do governo federal e do PHS continua sendo a “fluoretação universal”.

 

Dúvidas começam a surgir

Apesar da vitória blitzkrieg[5], dúvidas surgiram e se acumularam na comunidade científica. O flúor é uma substância não biodegradável que, nas pessoas, se acumula nos dentes e nos ossos - talvez fortalecendo os dentes das crianças, mas e os ossos humanos? Dois problemas ósseos cruciais dos fluoretos - fragilidade e câncer - começaram a aparecer em estudos, mas foram sistematicamente bloqueados por órgãos governamentais. Já em 1956, um estudo federal encontrou quase duas vezes mais defeitos ósseos pré-malignos em jovens do sexo masculino em Newburgh do que em Kingston, onde não havia flúor; mas essa descoberta foi rapidamente descartada como “espúria”.

Curiosamente, apesar do estudo de 1956 e das evidências de carcinogenicidade que surgiram desde a década de 1940, o governo federal nunca realizou seu próprio teste de carcinogenicidade em animais com fluoretos. Finalmente, em 1975, o bioquímico John Yiamouyiannis e Dean Berk, um funcionário aposentado do Instituto Nacional de Câncer (NCI) do próprio governo federal, apresentaram um artigo na reunião anual da Sociedade Americana de Químicos Biológicos. O documento relatava um aumento de cinco a dez por cento nas taxas totais de câncer nas cidades dos EUA que haviam fluoretado a água. As descobertas foram contestadas, mas provocaram audiências no Congresso dois anos depois, quando o governo revelou a congressistas chocados que nunca havia testado o flúor para câncer. O Congresso ordenou que o NCI realizasse esses testes.

Incrivelmente, o NCI levou 12 anos para concluir seus testes, encontrando “evidências equivocadas” de que o flúor causa câncer ósseo em ratos machos. Sob orientação adicional do Congresso, o NCI estudou as tendências de câncer nos Estados Unidos e encontrou evidências em todo o país de “uma taxa crescente de câncer ósseo e articular em todas as idades”, especialmente em jovens, em condados que haviam fluoretado sua água, mas nenhum aumento foi observado em condados “não fluoretados”.

Em estudos mais detalhados, para áreas do estado de Washington e Iowa, o NCI descobriu que, entre as décadas de 1970 e 1980, o câncer ósseo em homens com menos de 20 anos aumentou 70% nas áreas fluoretadas desses estados, mas diminuiu 4% nas áreas não fluoretadas. Tudo isso parece bastante conclusivo, mas o NCI colocou alguns estatísticos sofisticados para trabalhar com os dados, que concluíram que essas descobertas também eram “espúrias”. A disputa sobre esse relatório levou o governo federal a um de seus estratagemas favoritos em praticamente todas as áreas: a comissão supostamente especializada, bipartidária e “livre de valores”.

 

Revisão de “classe mundial”

O governo já havia cumprido sua parte da comissão em 1983, quando estudos preocupantes sobre a fluoretação levaram nosso velho amigo, o PHS, a formar uma comissão de “especialistas de classe mundial” para revisar os dados de segurança sobre os fluoretos na água. É interessante notar que o painel descobriu, para sua grande preocupação, que a maioria das supostas evidências de segurança do flúor praticamente não existia. O painel de 1983 recomendou cautela com relação à fluoretação, especialmente com relação à exposição de crianças ao flúor. É interessante notar que o painel recomendou enfaticamente que o teor de flúor na água potável não fosse superior a duas partes por milhão para crianças de até nove anos, devido a preocupações com o efeito do flúor no esqueleto das crianças e possíveis danos ao coração.

O presidente do painel, Jay R. Shapiro, do Instituo Nacional de Saúde, alertou os membros, no entanto, que o PHS poderia “modificar” as conclusões, já que “o relatório lida com questões políticas delicadas”. Com certeza, quando o cirurgião geral Everett Koop divulgou o relatório oficial um mês depois, o governo federal havia descartado as conclusões e recomendações mais importantes sem consultar o painel. De fato, o painel nunca recebeu cópias da versão final e adulterada. As alterações do governo foram todas no sentido pró-fluoreto, alegando que não havia “documentação científica” de quaisquer problemas em níveis de fluoreto abaixo de oito partes por milhão.

Além dos estudos sobre câncer ósseo do final da década de 1980, estão se acumulando evidências de que os fluoretos levam ao aumento das fraturas ósseas. Nos últimos dois anos, nada menos que oito estudos epidemiológicos indicaram que a fluoretação aumentou a taxa de fraturas ósseas em homens e mulheres de todas as idades. De fato, desde 1957, a taxa de fratura óssea entre jovens do sexo masculino aumentou acentuadamente nos Estados Unidos, e a taxa de fratura de quadril dos EUA é agora a mais alta do mundo. Na verdade, um estudo publicado na Revista da Associação Médica Americana (JAMA), tradicionalmente pró-fluoreto, em 12 de agosto de 1992, descobriu que mesmo “baixos níveis de fluoreto podem aumentar o risco de fratura de quadril em idosos”. O JAMA concluiu que “agora é apropriado revisitar a questão da fluoretação da água”.

 

Conclusão previsível

Claramente, já era hora de outra comissão federal. Em 1990-91, uma nova comissão, presidida pelo veterano funcionário da PHS e pró-fluoretação de longa data Frank E. Young, concluiu de forma previsível que “nenhuma evidência” foi encontrada associando o flúor ao câncer. Com relação às fraturas ósseas, a comissão declarou, sem cerimônia, que “são necessários mais estudos”. Mas não foram necessários estudos adicionais ou exame de consciência para sua conclusão: “O Serviço de Saúde Pública dos EUA deve continuar a apoiar a fluoretação ideal da água potável”. Presumivelmente, eles não concluíram que “ideal” significava zero.

Apesar da tentativa de encobrimento de Young, as dúvidas estão se acumulando até mesmo dentro do governo federal. James Huff, diretor do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental dos EUA, concluiu em 1992 que os animais no estudo do governo desenvolveram câncer, especialmente câncer ósseo, ao serem expostos ao flúor — e não havia nada de "equívoco" em sua conclusão.

Vários cientistas da Agência de Proteção Ambiental (EPA) se tornaram contrários à fluoretação, com o toxicologista William Marcus alertando que o flúor causa não apenas câncer, mas também fraturas ósseas, artrite e outras doenças. Marcus também menciona que um estudo não divulgado do Departamento de Saúde de Nova Jersey (um estado onde apenas 15% da população é fluoretada) mostra que a taxa de câncer ósseo entre jovens do sexo masculino é nada menos que seis vezes maior em áreas fluoretadas do que em áreas não fluoretadas.

Também está sendo questionada a ideia há muito tempo sagrada de que a água fluoretada pelo menos reduz as cáries em crianças de cinco a nove anos. Vários dos principais defensores da fluoretação, altamente elogiados por seus conhecimentos, foram repentina e amargamente condenados quando estudos mais aprofundados os levaram à conclusão de que os benefícios odontológicos são realmente insignificantes.

No início da década de 1980, o mais proeminente defensor da fluoretação na Nova Zelândia era o principal oficial odontológico do país, Dr. John Colquhoun. Como presidente do Comitê de Promoção da Fluoretação, Colquhoun decidiu reunir estatísticas para mostrar aos céticos os grandes méritos da fluoretação. Para seu choque, ele descobriu que a porcentagem de crianças livres de cáries dentárias era maior na parte não fluoretada do que na parte fluoretada da Nova Zelândia. O departamento nacional de saúde se recusou a permitir que Colquhoun publicasse essas descobertas e o expulsou do cargo de diretor odontológico. Da mesma forma, um dos principais defensores da fluoretação na Colúmbia Britânica, Richard G. Foulkes, concluiu que a fluoretação não é apenas perigosa, mas que nem mesmo é eficaz na redução da cárie dentária. Foulkes foi denunciado por ex-colegas como um propagandista que “promove o charlatanismo dos antifluoracionistas”.

 

Por que o incentivo à fluoretação?

Como o caso a favor da fluoretação compulsória é tão frágil e o caso contra é tão esmagador, a etapa final é perguntar: por quê? Por que o Serviço de Saúde Pública (PHS) se envolveu em primeiro lugar? Como isso começou? Nesse ponto, devemos ficar atentos ao papel fundamental de Oscar R. Ewing, pois Ewing foi muito mais do que um simples negociante social-democrata.

Há muito tempo, o flúor é reconhecido como um dos elementos mais tóxicos encontrados na crosta terrestre. Os fluoretos são subprodutos de muitos processos industriais, sendo emitidos no ar e na água, e provavelmente a maior fonte desse subproduto é a indústria do alumínio. Nas décadas de 1920 e 1930, o flúor estava cada vez mais sujeito a ações judiciais e regulamentações. Em particular, em 1938, o importante e relativamente novo setor de alumínio estava sendo colocado em uma situação de guerra. O que fazer se seu principal subproduto é um veneno perigoso?

Havia chegado a hora do controle de danos ou até mesmo de reverter a imagem pública dessa substância ameaçadora. O Serviço de Saúde Pública, lembre-se, estava sob a jurisdição do Departamento do Tesouro, e o Secretário do Tesouro durante a década de 1920 e até 1931 era ninguém menos que o bilionário Andrew J. Mellon, chefe dos poderosos interesses da “Mellon”[6] e fundador e virtual governante da Aluminum Corporation of America (ALCOA), a empresa dominante no setor de alumínio.

Em 1931, o PHS enviou um dentista chamado H. Trendley Dean para o Oeste dos Estados Unidos para estudar o efeito das concentrações de água naturalmente fluoretada nos dentes das pessoas. Dean descobriu que as cidades com alto teor de flúor natural pareciam ter menos cáries. Essa notícia estimulou vários cientistas da Mellon a entrar em ação. Em particular, o Mellon Institute, o laboratório de pesquisa da ALCOA em Pittsburgh, patrocinou um estudo no qual o bioquímico Gerald J. Cox fluoretou alguns ratos de laboratório, decidiu que as cáries nesses ratos haviam sido reduzidas e concluiu imediatamente que “o caso [de que o flúor reduz as cáries] deveria ser considerado comprovado”.

No ano seguinte, em 1939, Cox, o cientista da ALCOA que trabalhava para uma empresa assolada por reclamações de danos causados pelo flúor, fez a primeira proposta pública para a fluoretação obrigatória da água. Cox passou a percorrer o país pedindo a fluoretação. Enquanto isso, outros cientistas financiados pela ALCOA alardeavam a suposta segurança dos fluoretos, em especial o Laboratório Kettering da Universidade de Cincinnati.

Durante a Segunda Guerra Mundial, as reivindicações de danos por emissões de flúor se acumularam como esperado, em proporção à grande expansão da produção de alumínio durante a guerra. Mas a atenção dessas reclamações foi desviada quando, pouco antes do fim da guerra, o PHS começou a pressionar fortemente pela fluoretação compulsória da água. Assim, o esforço para a fluoretação compulsória da água atingiu dois objetivos de uma só vez: transformou a imagem do flúor de uma maldição em uma bênção que fortalecerá os dentes de todas as crianças, bem como proporcionou uma demanda monetária constante e substancial para que os fluoretos fossem despejados anualmente na água do país.

 

Conexão suspeita

Uma nota de rodapé interessante nessa história é que, enquanto o flúor na água fluoretada naturalmente vem na forma de fluoreto de cálcio, a substância despejada em todas as localidades é, em vez disso, fluoreto de sódio. A defesa do establishment de que “flúor é flúor” torna-se pouco convincente quando consideramos dois pontos: (a) o cálcio é notoriamente bom para os ossos e dentes, portanto o efeito anticárie da água fluoretada naturalmente pode muito bem ser devido ao cálcio e não ao flúor; e (b) o fluoreto de sódio é o principal subproduto da fabricação do alumínio.

O que nos leva a Oscar R. Ewing. Ewing chegou a Washington em 1946, pouco depois do início da investida inicial do PHS, como advogado de longa data, agora advogado-chefe, da ALCOA, ganhando o que na época era um honorário legal astronômico de US$ 750.000 por ano (algo como US$ 7.000.000 por ano em dólares atuais). Depois de alguns anos, após ter sido bem-sucedido em sua campanha, Ewing deixou o serviço público e voltou à vida privada, incluindo seu cargo de consultor-chefe da Aluminum Corporation of America.

Há uma lição instrutiva nessa pequena saga, uma lição de como e por que o estado de bem-estar social chegou aos Estados Unidos. Ele surgiu como uma aliança de três forças principais: social-democratas ideológicos, burocratas tecnocratas ambiciosos e grandes empresários em busca de privilégios do estado. Na saga da fluoretação, podemos chamar todo o processo de “Socialismo da ALCOA”. O estado de bem-estar social não contribui para o bem-estar da maioria da sociedade, mas desses grupos específicos venais e exploradores.

Jeffrey A. Tucker/Murray Rothbard

 

Notas:

[1] Alar é o nome comercial para a ‘daminozida’, um regulador do crescimento de plantas, usado na pulverização de frutas, como maçãs. Desde 1989, é banido nos EUA para o plantio de culturas alimentares.

[2] O autor faz referência a uma fábula de Esopo chamada ‘O Pastor Mentiroso e o Lobo’.

[3] Rothbard utiliza as expressões “left-wing” e “muckraking” para caracterizar o jornal. Embora não haja uma tradução exata, “muckraking” é uma atividade, feita especialmente por jornais, focada em tentar descobrir informações desagradáveis ​​sobre pessoas ou organizações para torná-las públicas.

[4] Expressão idiomática em inglês que se refere a alguém especializado em manipular ou "enquadrar" a informação de maneira a influenciar a opinião pública, geralmente de forma estratégica e tendenciosa.

[5] A Blitzkrieg foi uma tática militar alemã utilizada durante a Segunda Guerra Mundial, caracterizada por ataques rápidos e coordenados para desestabilizar e derrotar rapidamente o inimigo. Utilizava forças combinadas de aviões, tanques e infantaria.

[6] A família Mellon exerceu grande influência nos setores bancário e industrial dos EUA. Sua força financeira culminou na fusão do Mellon National Bank com o Bank of New York em 2007. Esse processo levou à criação do BNY Mellon, um dos maiores conglomerados bancários globais.​