Por Dra. Regilene Santos do Nascimento
O artigo 7º, XXVIII da CF/88, prevê que todo trabalhador tem direito a um seguro contra
acidente de trabalho bem como a ser indenizado em caso de CULPA ou DOLO do empregador.O artigo 225 da CF/88 prevê que TODOS (e não só os trabalhadores) têm direito a uma sadia qualidade de vida.
O inciso VII desse mesmo artigo 225 da CF/88 prevê que o Poder Públicodeve “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e meio ambiente.”
Meio ambiente é tudo que está fora do indivíduo, daí ter-se: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural, MEIO AMBIENTE INTERNO DO TRABALHO.
Se ao Poder Público compete “controlar o emprego de técnicas, métodos e substâncias que possam comprometer o meio ambiente e a vida”, certo também é o correlato dever de esclarecer, definir e impor essas mesmas e exatas normas técnicas de controle ambiental que devem ser cumpridas pelos empregadores PARA QUE AS QUALIDADESDOS MEIOS AMBIENTES INTERNOS DO TRABALHO NÃO SEJAM COMPROMETIDAS, MINORADAS OU DIZIMADAS.
Se as qualidades dos meios ambientes internos dos trabalhos estiverem comprometidas, haverá risco à vida daqueles que ali se mantêm a maior parte dos seus dias.
Esses riscos, chamados ocupacionais, são de cinco ordens: os físicos, os químicos, os biológicos, os ergonômicos e os mecânicos.
Dentro da competência estatal acima mencionada, o Ministério doTrabalho e Emprego vem editando Normas Regulamentares cada vez mais específicas, que visam a proteção do grupo laboral coletivo e não somente deste ou daquele indivíduo.
A NR/MTE no 01 decreta a obrigatoriedade de as empresas públicas e privadas observarem as normas técnicas em medicina e segurança no trabalho, verbis:
“1.1. As Normas Regulamentadoras – NR, relativas à segurança emedicina do trabalho, são de observância obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.”
Importante destacar que essas normas regulamentares, resultantes da previsão inserta no inciso VII do artigo 225 da Carta Magna,não são de cumprimento cogente por parte exclusivamente dos empregadores, tendo em vista que, os empregados que as descumprirem se sujeitam à possibilidade de serem demitidos por justa causa. Inteligência do sub-item 1.8.1 desta ante mencionada NR no 01 do Ministério do Trabalho e Emprego.
Ora, do cotejo entre a ordem constitucional inscrita neste artigo 225, VIIcom o conteúdo do inciso IV do artigo 1o também da CF/88: valor social do trabalho c/c a livre iniciativa, tem-se que esses últimos são partes de uma integral, partes indissociáveis do sistema econômico, vez que tanto empregado quanto empregador devem atentar ao valor social do trabalho.
Melhor explicando: a forma redacional legislativa revela a intenção da leino que diz respeito à ordem hierárquica de importância.
Ora, em assim sendo, se o legislador constituinte não tivesse tido a intenção de conjugar valor social do trabalho com a livre iniciativa, os teria erigido em incisos distintos e não será demasiado dizer que teria precedido aquele deste último e assim não o é.
Some-se a esse argumento o fato de a previsão constitucional não se referir ao valor social do trabalhador antes sim DO TRABALHO.
Mais: do cotejo entre os incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV(valor social do trabalho c/c livre iniciativa) desse artigo 1o constitucional com o inciso IV do artigo 3o (promoção do bem de todos) e com o caputdo artigo 225 (direito de todos a um meio ambiente equilibrado), ambos também da Lei Suprema, um meio ambiente interno do trabalho não é direito subjetivo que possa ser invocado individualmente, senão COLETIVAMENTE, donde se tem que, eventual dano moral que resulte de um acidente de trabalho, que por sua vez decorrerá da não observação das normas técnicas regulamentares impostas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) detém natureza igualmente coletiva, à medida que as lesões à dignidade não se limitará a deste ou daquele empregado senão do grupo como um todo.
“ Sobre os bens socioambientais incide um direito coletivo que se sobrepõe ao direito de domínio.” ([1])
Mais: considerando-se que o direito à saúde é um direito social (artigo 6oda CF/88) e como tal, PODER-DEVER DE TODOS OS INDIVÍDUOS PARA COM TODOS OS OUTROS, a impossibilidade jurídica à pretensão individual a danos morais decorrentes de acidente de trabalho tem fundamento na teoria do ilícito funcional ([2]), segundo a qual, verbis:
“ ... uma das notas próprias do Estado Social é a relativização dosdireitos, à luz de sua função social.
... .
Denominamos ilícito funcional o ilícito que surge do exercício dos direitos. Não haveria, aqui, a princípio, contrariedade ao direito, porquanto o ato não figura entre aqueles vedados pelo ordenamento. A contrariedade surge quando há uma distorção funcional, ou seja, o direito é exercido de maneira desconforme com os padrões aceitos como razoáveis para a utilização de uma faculdade jurídica.
... .
A existência do direito não é único padrão de referência. Não basta,atualmente, ter direito. A análise ganhou uma ótica funcional. A dimensão social é valorizada, impedindo que, a pretexto do exercício de um direito, atos de conteúdo socialmente perversos sejam praticados.
... .
... . É preciso que a atuação concreta do direito não redunde em desconfortos sociais consideráveis, invertendo o pólo da equação, SUBORDINANDO O INTERESSE COLETIVO AO INDIVIDUAL.” - grifei.
Não se trata de negar, portanto, a possibilidade de existência de dano moral em razão de acidente de trabalho; o que se está ponderando é que, como a saúde também é qualificada pela doutrina como direito humano e, portanto, imanente a toda e qualquer pessoa natural, um meio ambiente interno de trabalho desequilibrado afeta a todos e não somente a um indivíduo, razão pela qual ilicitude desta envergadura (desatenção aosriscos ocupacionais) que potencialmente seja cometida por um empregador, não afeta nem se vincula a um ou dois empregados, vez que a ordem constitucional atual é permeada pela função social dos institutos.
Aliás, esse argumento tem supedâneo no seguinte ensinamento de Sérgio Resende de Barros, verbis:
“A civilização da sociedade humana principiou antes na forma de deveres objetivos, obrigações sociais, que de poderes subjetivos, direitos individuais, em face do seu governo, em função da sua governabilidade. Mas depois evoluiu da imposição de deveres à composição de deveres com direitos para, enfim, na era em que o governo se constituiu em Estado absoluto, opor-lhe direitos individuais para diminuir sua intervenção na sociedade em favor da liberdade individual e, em seguida,direitos sociais para aumentá-la em favor da igualdade social entre unse outros e, mais recentemente, da solidariedade social entre todos.” -grifei ([3])
Associe-se a esses fundamentos acima alinhados, a dicção hermenêutica sobre a extensão e o significado do instituto DANOS MORAIS, exarada no RE 447.584-7/RJ, da lavra do Excelentíssimo Ministro Cezar Peluso, publicada no DJ de 16.03.07, merecendo especial destaque, verbis:
“ Já ninguém tem dúvida de que, pondo termo às controvérsias inspiradas no silêncio (não eloqüente) do ordenamento anterior, essas regras constitucionais consagraram, de modo nítido e muito mais largo, no plano nomológico supremo, o princípio da indenizabilidade irrestrita do chamado dano moral, concebendo-o, numa síntese, como ofensa a direito da personalidade, sob cuja definição vem considerado, no plano da experiência pré-normativa, não só todo gravame não patrimonial subjetivo, que diz com sensações dolorosas ou aflitivas, inerentes ao sofrimento advindo da lesão a valores da afetividade, senão também o chamado prejuízo não patrimonial objetivo, que concerne à depreciação da imagem da pessoa como modo de ser perante os outros.
... .
... . Na fisionomia normativa da proteção do direito à integridade moral, ao qual serve o preceito de reparabilidade pecuniária da ofensa, a vigente Constituição da República não contém de modo expresso, como o exigiria a natureza da matéria, nem implícito, como se concede para argumentar, nenhuma disposição restritiva que, limitando o valor da indenização e o grau conseqüente da responsabilidade civil do ofensor, caracterizasse redução do alcance teórico da tutela. A norma garantidora, que nasce da conjugação dos textos constitucionais (art. 5o, V e X), é, antes, nesse aspecto, de cunho irrestrito.
... .
Não é mister grande esforço intelectual por advertir em que O VALOR DA INDENIZAÇÃO HÁ DE SER EFICAZ, vale dizer, DEVE, perante as circunstâncias históricas, entre as quais avulta a capacidade econômica de cada responsável,
GUARDAR UMA FORÇA DESENCORAJADORA DENOVA VIOLAÇÃO OU VIOLAÇÕES, SENDO COMO TAL PERCEPTÍVEL AO OFENSOR, e, ao mesmo tempo, de significar, para a vítima, segundo sua sensibilidade e condição sociopolítica, uma forma heterogênea de satisfação psicológica da lesão sofrida. Os bens ideais da personalidade, como a honra, a imagem, a intimidade da vida privada, não suportam critério objetivo, com pretensões de validez universal, de mensuração do dano à pessoa. ... .” - só os negritos são do original.
Ora, se o Poder Judiciário tem por finalidade não só pacificar a sociedade, mas antes disso, RE-EDUCÁ-LA, o que equivale dizer, também detém função didática, o valor de eventual satisfação INDIVIDUAL a dano moral decorrente de acidente de trabalho, não atenderá a efetividade da intervenção jurisdicional à medida que, ressalvado o entendimento pessoal desta Autora, a atual jurisprudência dos tribunais tem adotado, como parâmetro à fixação de condenação pecuniária por danos morais, a premissa de que o valor arbitrado não pode “enriquecer” o Autor nem “empobrecer” o réu.
Ora se assim tem sido, eventual empregador, uma vez condenado a esse título em uma ação individual ou mesmo plúrima, poderá não sentir o “peso da mão estatal” vez que, para não “empobrecê-lo”, não fixará condenação em porte tal que efetivamente leve esse empregador a restabelecer o equilíbrio do meio ambiente interno do trabalho e, assim, adotar medidas que eliminem, ou ao menos neutralizem ao máximo, os riscos ambientais.
Situação diferente é a fixação de condenação em razão de danos morais coletivos, que, tal como acima visto, é a qualidade imanente ao direito subjetivo que realmente se pretende tutelar: o meio ambiente interno ao trabalho, que uma vez em desequilíbrio, não gera danos morais exclusivamente individuais.
Aliás, em coroamento ao raciocínio acima expendido, considerando-se que acidentes de trabalho ocorrem em meios ambientes internos laborais quando mantidos em condições potenciais de riscos biológicos, físicos, químicos, ergonômicos e mecânicos, riscos ocupacionais que afetam TODOS OS EMPREGADOS, o direito de ação é exclusivo do Ministério Público, ex vi da literalidade do artigo 129, III da Carta Magna.
[1] SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos – Proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. SP. Editora Petrópolis. 2005, p. 89)
[2] NETTO, Felipe Peixoto Braga. Teoria dos ilícitos civis. MG. Editora Del Rey. 2003, p. 116, 118, 119 e 121.
[3] BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos – Paradoxo da Civilização. MG. Editora Del Rey. 2003, p. 446.
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