Você já ouviu falar em Deutsch Jahrndorf? Não? Eu não lhe culpo. Esse pequeno vilarejo
austríaco, situado a pouco mais de cinco quilômetros do rio Danúbio, não tem
nenhum atrativo específico, exceto pelo fato de que fica exatamente na
fronteira de três países.
Ao leste está a Eslováquia. Ao sul está a Hungria. Assim, a uma mera
distância de caminhada, há três povos que falam idiomas completamente
ininteligíveis. A Áustria pertence ao grupo das línguas
germânica ocidentais; a Hungria, ao grupo das línguas
fino-úgricas; e a Eslováquia, ao grupo das línguas
eslavas ocidentais.
Esta incrivelmente rica tapeçaria de idiomas,
culturas, costumes e nacionalidades européias me veio à mente quando assisti ao lamentável espetáculo de confronto entre a polícia espanhola e os
separatistas catalães na ruas de Barcelona, que deixou nada menos que 800 feridos. Por gentileza, alguém me explique
como é possível a União Europeia unir aquilo que a história separou?
A loucura da União
Europeia
Em 2017, o presidente francês Emmanuel Macron declarou
— o que lhe valeu clamores quase que universais — que a União Europeia
precisa de mais unidade, o que inclui a criação de "um orçamento voltado
especificamente para a zona do euro, gerenciado por um Parlamento criado
especificamente para a zona do euro e supervisionado por primeiro-ministro
exclusivo para a zona do euro".
A necessidade de ainda mais centralização de poder
nas mãos de Bruxelas é, aparentemente, a única solução encontrada pelo
establishment da União Europeia após o resultado do referendo britânico que
optou pela saída do Reino Unido da UE.
Com efeito, imagine por um momento que você seja um
cidadão britânico ainda um tanto cético em relação ao Brexit. Você liga a
televisão e vê o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmar o
seguinte:
- Que os 27 países da União Europeia devem adotar o euro e fazer parte do Acordo de Schengen até o fim de 2019.
- Que a Europa precisa de um super-ministro para gerenciar a economia e as finanças, o qual deve ser também o vice-presidente da Comissão Europeia e o presidente do Eurogrupo.
- Que um Fundo Monetário Europeu deve ser criado.
- Que "não somos ingênuos defensores do livre comércio".
Provavelmente,
naquele momento, qualquer eventual ceticismo seu já estaria dissipado. Você
provavelmente diria: "Meu Deus, temos de cair fora disso o mais rapidamente possível!"
O
discurso de Juncker, feito dia 13 de setembro de 2017, não buscou encontrar elementos
para um acordo com o Reino Unido, mas sim fortalecer o atual modelo da zona do
euro, quaisquer que sejam os custos. Foi apresentado como uma oportunidade para
relembrar a todos que seu verdadeiro projeto para a União Europeia é claramente
baseado no dirigisme econômico e
financeiro da França, e muito distante do modelo mais economicamente livre do
Reino Unido, da Irlanda e da Holanda.
E esse é
o grande problema. Todas as mensagens que remetem a "mais Europa" sempre
significam "mais intervencionismo".
Há
algumas semanas, a Comissão Europeia afirmou
triunfantemente que "a Europa saiu da crise graças à ação decisiva da União
Europeia". Ou seja, em vez de tentar entender por que a hiper-regulada e
maciçamente burocratizada Europa demorou mais que o triplo do tempo em relação
a outros países para sair da crise, somos brindados com a clássica afirmação de
que tudo ocorreu bem graças ao poder burocrático.
De acordo
com Juncker e demais burocratas em Bruxelas, se a Europa cresce menos, cria
menos empregos, e demora mais que o resto do mundo para sair da crise, não é
porque há muita burocracia e regulação, mas sim porque há muito pouca.
Cornucópia regulatória
De acordo
com o espanhol Foro Regulación
Inteligente e com os dados oficiais da União Europeia de 2015, os países
membros estão sujeitos a mais de 40.000 regras pelo simples fato de pertencerem
a instituições da UE. No total, incluindo regras, diretivas, jurisprudência, e
especificações setoriais e industriais, estima-se que haja aproximadamente
135.000 regras compulsórias.
Mais: a
alíquota média de impostos que incide sobre os trabalhadores é de 44,9%.
A tributação total representa 41% do PIB
da zona do euro. Consequentemente, um cidadão comum da UE tem de trabalhar
quase metade do ano apenas para bancar seus governos.
A
facilidade de se empreender continua menor (mais
difícil, cara e burocrática) que a das principais economias do mundo. A
burocracia é asfixiante. A União Europeia aprova, em média, 80 diretivas, 1.200 regulações e 700
decisões por ano.
Até mesmo
as principais (mais ricas) economias da UE continuam significativamente atrás
das líderes em termos de
liberdade econômica. Os custos da hiper-regulação e dos impostos excessivos
sobre os investimentos, a criação de emprego e a inovação são evidentes. A
União Europeia tem uma taxa de desemprego que é praticamente o dobro da dos
outros países desenvolvidos, e a tributação afeta severamente o crescimento das
pequenas e médias empresas: a
proporção de desenvolvimento das pequenas e médias empresas em relação às
grandes é metade da dos EUA.
A Comissão Europeia não apenas gosta de impostos altos, como também é partidária da tributação dupla. Em específico, os chamados impostos "verdes" são a grande piada. Os consumidores pagam pelos maciços subsídios "verdes" repassados pelos governos às empresas do setor industrial, mas também pagam pelos impostos indiretos "verdes" que incidem sobre o preço final de bens de consumo emissores de gás. No final, os cidadãos da UE pagam duplamente: pelos subsídios e por serem tão insensíveis ao ponto de usarem um carro.
Para
Bruxelas, fazer uma "harmonização fiscal e tributária" dos
países-membros significa elevar impostos, regulamentações e
gastos de todos os países. Na prática, o corpo burocrático exige que as outras
nações da UE tentem alcançar os números da França. Bruxelas não questiona a
asfixia econômica que ocorre na França ou em outros países. Ela exige que as
outras nações alcancem a média de impostos, regulações e gastos que a França,
sozinha, eleva desproporcionalmente.
Frequentemente,
as recomendações da Comissão Europeia não procuram reduzir os desequilíbrios e
promover a competitividade, a atração de capital e os investimentos produtivos.
O que elas fazem é perpetuar um modelo dirigista copiado da França, o qual
apenas gera estagnação e maior descontentamento. No final, na União Europeia, as
políticas públicas são cada vez mais direcionadas a tributar os produtivos para
subsidiar os improdutivos.
Separatismos
No
entanto, e curiosamente, toda essa cornucópia burocrática ainda não estimulou
movimentos separatistas em relação à União Europeia. Por enquanto, o Reino
Unido foi o único.
Eis a
grande esquizofrenia: regiões querem se separar de países, mas querem continuar
apegadas à União Europeia. De um lado, as pessoas ao longo de todo o continente
querem maior autonomia. De outra, cada movimento separatista declara seu apoio
ao projeto de unificação européia.
Na Catalunha, milhões
de pessoas querem se separar da Espanha e já votaram a favor disso. Uma das
principais reclamações é que o orçamento da Catalunha é influenciado por Madri.
Mas ainda não se viu manifestações dos catalães quanto à União Europeia, muito
mais intrometida.
Além da
Catalunha, Madri também tem de se preocupar com as aspirações separatistas do
País Basco.
Na Itália,
a Padânia (região
norte) não sente ter muito em comum com a região sul. O sul da Itália sempre
foi considerado pelos habitantes do norte — que é mais rico, mais limpo e mais
eficiente — como um sorvedouro de recursos. Os habitantes do norte
trabalham para sustentar, via impostos, o dolce far niente dos
habitantes do sul. Em 2014, com
89% dos votos a favor, os cidadãos de Veneza decidiriam em um referendo
simbólico se separar da Itália. Caso houvesse de fato uma secessão de Veneza, a
região da Lombadia e a província de Trento provavelmente fariam o mesmo.
Já a ilha
de Sardenha quer se
separar da Itália e se tornar uma nova Suíça.
A Córsega
também quer se
separar da França.
Na
Bélgica, a região de Flandres não quer se ver junta aos valões.
Eis
uma lista de todos os movimentos separatistas ativos na Europa. Poucos
defendem também a secessão em relação à União Europeia.
Mas, neste
quesito, nada supera a Escócia. Em 2014, o país votou a favor de continuar junto ao Reino
Unido. Em 2016, votou
maciçamente contra o Brexit. Agora, quer
fazer outro referendo para se separar do Reino Unido e permanecer na União
Europeia.
Porém,
essa postura pró-União Europeia não é exclusividade da Escócia. Até mesmo a
mais radical Liga Norte, que defende a secessão do norte da Itália, também é a favor da União
Europeia.
O fato é
que não faz sentido que pessoas insatisfeitas com Madri, Roma, Paris e Londres
queiram que suas vidas seja decidida por Bruxelas. Por exemplo, será que os
catalães, que não querem mais saber de subsidiar os agricultores da Andaluzia,
não vêem problema nenhum em continuar subsidiando os camponeses poloneses da Baixa Silésia? Os
italianos do norte, que não querem mais bancar o dolce far niente dos calabreses, não vêem problema nenhum em
subsidiar os eslavos?
Falando
em Bruxelas, a cidade não apenas é a sede da cada vez mais disfuncional União
Europeia, como também é a capital de Flandres, que quer se separar da Bélgica.
Como
dizem os adolescentes em relação a seus relacionamentos, "é complicado".
Conclusão
Dado este arranjo conformista em relação à
ultra-burocratizada e centralizadora União Europeia, tudo pode acontecer no
continente. Inclusive nada.
Bill Mantum
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