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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Teologia da Prosperidade e Charlatanismo Neopentecostal

O relato que se segue é um testemunho de um indivíduo cuja profissão de fé é católica, e como tal, o texto está sujeito a juízos de valor e observações de cunho pessoal, embora haja um profundo empreendimento no sentido de assegurar a descrição tal qual expressa segundo realidade e objetividade dos fatos. É necessário, porém, para uma análise mais aprofundada acerca da teologia da prosperidade e das tendências judaizantes nas denominações neopentecostais, o uso de material primário e, se possível, o contato direto com o meio.

Como Opera o Mercado de Fé

Não se pode emitir nenhum juízo de valor acerca dos integrantes de seitas neopentecostais senão precedido de uma breve explicação acerca do meio onde estão eles inseridos. O faço, a começar por um exercício mental de tentar explicitar o funcionamento do discurso evangélico. Faz-se mister, portanto, compreender o que se passa na cabeça daqueles que – ao menos publicamente – se propõe a pregar o Evangelho: me refiro aos pastores, categoria a qual conta com um seleto grupo de comunicadores, cuja mente empreendedora transcende inimaginavelmente o que se pode captar durante uma pregação. Não estou eu de maneira nenhuma sendo categórico nesta consideração, não posso omitir que no decorrer do tempo em que frequentei esse tipo de organização, por vezes me vi diante de sujeitos verdadeiramente crentes e bem intencionados, normalmente aqueles que receberam algum tipo de instrução religiosa formal em universidades. Contudo, mesmo esses bons expoentes de crentes, são, via de regra, subordinados à “pastores executivos” e, invariavelmente, por omissão ou complacência, compactuam com suas práticas desonestas as quais citarei em seguida.
Não se pode deixar de notar uma pregação muito uniforme entre a maioria dos pastores – inclusive entre seitas diversas – percebe-se um mesmo timbre de voz, uma mesma linguagem corporal, os mesmos maneirismos e vícios de linguagem, como que se aprendessem a pregar mediante a macaqueação um do outro. A manipulação empreendida por essa casta que opto por chamar de “pastores executivos”, é desmedida e tem por finalidade tão somente o lucro monetário individual, usado em primeira instância para assegurar-lhes o luxo de quem jamais fez um voto de pobreza e, em segundo lugar, para expandir o seu mercado de fé.
A multinacional IURD (Igreja Universal do Reino de Deus ), com sede no Templo de Salomão (foto acima), em São Paulo, Brasil, fundada em 1977 tornou-se o maior e mais representativo grupo neopentecostal brasileiro. Segundo o IBGE, tem mais de seis mil templos, doze mil pastores e um milhão e oitocentos mil fiéis ao redor do país. Pelas estimativas próprias, são cerca de oito milhões de seguidores e quinze mil pastores espalhados em cento e vinte e sete países, sendo mais popular em nações de língua portuguesa. Uma das maiores organizações religiosas do Brasil e a 29ª maior igreja em números de seguidores do mundo. A quinta instituição de maior prestígio no Brasil, a frente do Poder Judiciário e da Presidência da República. A Rede Aleluia, a qual pertence a Igreja Universal, possui mais de setenta e seis emissoras de rádio AM e FM, que cobrem mais de 75% do território nacional, e mais de vinte retransmissoras da TV Universal. Possui empreendimentos na internet, indústria fonográfica, editoras de livros e revistas e emissoras de televisão como a RecordTV e o Grupo Record e as emissoras de rádio tornando a IURD a maior controladora de concessões de televisão do Brasil, ultrapassando o Grupo Globo em número de emissoras próprias. O bispo e fundador Edir Macedo figurou na revista Forbes em 2015 como um dos 54 brasileiros bilionários com sua riqueza em US$ 1,1 bilhão, o que representaria o equivalente a R$ 3,15 bilhões.
As sessões de encontros – os “cultos”, por eles chamados – são efetuados em horários distintos com base em dois públicos-alvos, os quais são separados com base na idade: o “culto dos jovens”, que conta normalmente com participantes entre doze e dezenove anos e o “culto comum”, com os demais participantes. 
A forma dos cultos é essencialmente a mesma: uma banda, que normalmente conta com guitarristas e bateristas, marca o início e o fim da celebração tocando músicas gospel. Essa parte do culto é comumente chamada de “louvor” e costuma acontecer com uma participação bem ativa dos fiéis, os quais acreditam veementemente que nesse momento, ao cantar, bater palmas, levantar as mãos e, por vezes, pular, estão recebendo o Espírito Santo sobre si. O que acontece nesses ambientes de luz baixa, palmas ritmadas, globos de luz e música alta, é uma espécie de auto indução voluntária à um estado de êxtase no qual o fiel se entrega a música crente de que fala, não com seus sentimentos aflorados pelo contexto geral, mas com Cristo, por mediação do Espírito Santo. Há que se observar que essa indução se concretiza tanto mais pelo som que pelas letras das músicas, as quais são vazias de profundidade teológica, meramente retóricas e pensadas não em qualquer tipo de louvor, mas no seu fácil entendimento por parte de um público pouco ou nada instruído em matéria de religião. O chamado “louvor”, não apresenta grandes distinções quando apresentado para jovens ou para o público geral, em ambos os casos, busca-se tocar os sentimentos do fiel tão somente através da emoção despertada pela música e pelo ambiente. A única variação diz respeito ao volume da música e a ambientação: nos cultos de jovens, o som é consideravelmente mais alto e não raro usa-se luz baixa e globos de luz – quase uma micareta evangélica. 
A segunda parte do culto, intercalada com o “louvor”, é a pregação, que costuma tomar em média uma hora. No curso da pregação, o pastor deve discorrer acerca de algum tema específico. Nesse aspecto, pode-se dizer que a pregação, quando direcionada aos jovens, ensina algum código de conduta e fornece alguma base – ainda que distorcida – das noções de fé. Existe por parte dos pastores um verdadeiro empenho em transmitir para os jovens algo além do puro sentimentalismo e, nessas circunstâncias, é inclusive omitida qualquer menção a dízimo ou ofertório, tendo em vista que os jovens não haverão de oferecer grandes quantias. Trata-se de uma estratégia de longo prazo adequar os jovens a doutrina da seita, e usá-los como instrumento de conversão de seus semelhantes. 
Em disparado, o Brasil é o maior país pentecostal. Ingressando no Brasil em torno de 93 anos atrás, o país tem hoje 21 milhões de evangélicos. Segundo o Pew Research Center um estudo realizado entre 2013 e 2014 os protestantes já representam 26% da população brasileira. A maior taxa de crescimento está entre os pentecostais.
Se fôssemos traçar um tipo ideal do jovem neo pentecostal, o descreveríamos como alguém geralmente do sexo feminino – uma vez que as seitas trabalham muito mais com valores sentimentais do que com doutrinas, atraem muita participação feminina – com pouca instrução formal em religião ou preso unicamente no debate interno protestante (calvinismo, anglicanismo, arminianismo, etc), com pouco ou nenhum engajamento político ou partidário, na quase totalidade dos casos pertencentes a seitas onde foram incluídos desde o berço por seus pais, os quais muitos integraram mal e porcamente a Igreja Católica – isto é: foram batizados e portanto se consideram “ex-católicos”. Esse é outro aspecto interessante: a alegação de haverem “ex-católicos” na seita ou, muitas vezes, o pastor alegar ser um, vale de argumento para descartar qualquer debate com católicos ou integrantes de demais tradições religiosas. O ódio, a difamação e as mentiras, são uma prática sistemática contra outras crenças, sobretudo contra o espiritismo, a umbanda e o catolicismo. 
A pregação, quando dirigida ao público adulto, transgride o ideal de transmitir qualquer ensinamento, mas se expressa precisamente na continuação do estado de êxtase previamente induzido pela música. Os temas são de ordem mais geral: não mais de fala de castidade, de faculdade, de estudos ou de valores absolutos, mas do poder de Deus e, mais especificamente, como ele pode ajudar os fiéis – não raro, o “ajudar” diz respeito a questões financeiras, o clássico “Dê seu carro para o pastor que Deus lhe devolverá uma limousine”.
Tenta-se ganhar novos adeptos mediante a pregação de eventos concretos, embora inventados. Por vezes, o pastor se apresenta como uma espécie de super-herói que a cada pregação conta uma nova história – com riqueza de detalhes – sobre como desencorajou alguém a cometer suicídio, ou como salvou um gato de uma árvore, etc. O convencimento dos novos visitantes se dá pela credulidade inabalável por parte dos fiéis que escutam a pregação, não há nas seitas, membro ativo nenhum que house duvidar nem das histórias mais cabulosas. Demanda demasiada fé esta crença cega, de quem descrê nos milagres dos santos, nas aparições e profecias já concretizadas de Nossa Senhora, mas que não pestaneja em por as mãos no fogo para afirmar que “o pastor da minha igreja cura câncer com imposição de mãos”. Diante deste cenário, o pregador se sente absolutamente confortável para inventar a história que quiser. Certa vez ouvi de um pastor que ele havia sido chamado para exorcizar uma casa habitada pelo próprio demônio, quando, ao tentar entrar pela porta da frente, foi surpreendido ao ver as portas e janelas todas se fecharem – segundo o relato – ele adentrou a casa pela porta dos fundos e exorcizou o demônio dando-lhe um susto, para ver-lhe gritar e correr porta à fora. Aqueles que ouviam o cômico relato, porém, dirigiam ao pastor toda a credulidade devida a um líder de seita.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi o forte caráter de seita expresso na organização dos chamados “cultos de cura e exorcismo”, os quais são geralmente frequentados somente pelos fiéis mais adeptos e fervorosos, não nas sextas-feiras ou nos finais de semana, mas ao longo da semana sem avisos espalhados pelos pavilhões, de forma que esses cultos só chegam ao conhecimento daqueles que frequentam a seita com certa frequência, dando um ar de misticismo acerca disso, como que se tratasse de um conhecimento somente a disposição dos “iniciados” ou o que quer que o valha. Esses cultos são destinados somente a supostas curas e exorcismos, organizam-se filas de pessoas intercaladas com atores – estes conhecidos somente pelos pastores – a serem curados. O papel dos atores é muito simples e por vezes beira o absurdo, ouvi relatos de um evangélico que testemunhou ter visto um cadeirante, após uma imposição de mãos, levantar-se e tornar a andar.
Não quero ser leviano em afirmar que todos que ali alegam ter recebido algum tipo de cura sejam charlatões ou tenham parte no esquema dos pastores, não raro, vê-se participantes leigos reagindo ao culto com a certeza de que foram curados ou de que alguma força maligna em seu corpo o impede de se aproximar do pastor. Trata-se, em última instância, de uma lavagem cerebral que vale-se da ignorância de um povo desamparado, ocorrida diante dos nossos olhos e chancelada pelas autoridades as quais em nada se preocupam com esse estelionato sistêmico. 

Teologia da Prosperidade e Tendências Judaizantes

João Calvino, em dissonância com Lutero e com a Igreja Católica, professava o dogma da chamada “predestinação”, segundo o qual, uma vez que Deus é onipotente e está ciente de presente, passado e futuro, sabe também quais almas serão salvas e quais serão condenadas, logo as almas que haverão de ser salvas já estão determinadas e seu proceder na vida terrestre em nada alterará sua sina. Como explicado por Max Webber em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, decorreu da “predestinação”, a crença de que a salvação individual se expressava mediante o acúmulo de riqueza material, de onde deriva a sanha calvinista pelo acúmulo desenfreado e restrições máximas de gastos – ao estilo monoteísta monetário dos reminiscentes da Antiga Aliança. Ademais, a certeza de pertencer a um grupo o qual nasce com a salvação previamente garantida, também retoma tradições religiosas anteriores ao Novo Testamento, as quais remetem a uma ideia de “povo escolhido”, indissociável de “superioridade étnica”.
Por dentro do Templo de Salomão. Sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus. Um dos mais visitados pontos turísticos do Brasil, ultrapassando o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar. Chega a receber cerca de 400 mil fiéis por mês. Até as pedras das quais se fizeram as colunas são de Israel. Uma réplica em tamanho real do Antigo templo, numa tentativa clara de erguer o terceiro templo de Salomão, como descrito na Bíblia.
As denominações neo pentecostais hoje vigentes no Brasil, seguem a linha calvinista e, nesse sentido, aplicam com rigor o materialismo imanentista oriundo da “Reforma”. As seitas, porém, diferem-se do calvinismo tradicional por tomarem parte deliberadamente na causa sionista. Não raro, vê-se estrelas de Davi em pingentes e bandeiras e “Israel” enquanto nome pessoal, não é incomum entre a prole dos crentes mais fervorosos. A defesa desenfreada de Israel, porém, deriva tanto mais de uma ignorância anacrônica e de um profundo desentendimento teológico, que de má fé: os evangélicos, em sua maioria, creem que o “Estado” de Israel, é hoje a mesma terra prometida de que trata o Antigo Testamento, e postulam que quando Cristo retornar para “julgar os vivos e os mortos”, o fará em Jerusalém.
De uma perspectiva teológica, a pregação imanentista da satisfação material – propriamente mundana – também é condenável: segundo o padre Paulo Ricardo, “a teologia da prosperidade se baseia na chamada lei da reciprocidade”, segundo a qual, Deus é passivo de uma obrigatoriedade recíproca para com aqueles que dizem servi-lo. Reduz-se, então, a divindade ao julgo da lei da ação e reação; subjuga-se Deus a um cargo de servidão; e incorre-se na gnose, negando a distinção entre imanência e transcendência.
Fui profundamente marcado pela melancolia de testemunhar tantos jovens de boa fé, se deixando enganar por esse simulacro de religião. Pareceu-me que o faziam por transgredir o valor espiritual da busca pela verdade em detrimento de permanecer com a estabilidade no seu círculo social. Há que se compreender que a enorme maioria desses jovens foram introduzidos a essas seitas pelos pais, e lá compuseram um considerável grupo de amigos unidos pela mesma instituição. A mera consideração de conhecer um cristianismo embasado na sucessão apostólica com vinte séculos de tradição, os soa como uma afronta ao conforto de se saberem estar de acordo com seus amigos e familiares – e de fato é. É nosso dever atuar mediante a oração e a explicação calma e passiva, porém intransigente, na elucidação desses indivíduos quanto ao empreendimento a que estão submetidos. Sejamos, como bem dizia São Josemaria Escrivá, “intransigentes na forma, mas suaves na matéria”.

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