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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Juscelino Kubitschek e a anistia dos golpistas para 'pacificar' o Brasil

 Juscelino Kubitschek venceu as eleições presidenciais de 1955, mas ele quase foi impedido de tomar posse por militares e políticos que eram contra o ex-governador de Minas Gerais. Esse movimento tinha entre seus líderes um dos políticos mais controversos da História do Brasil, o jornalista Carlos Lacerda, fundador da Tribuna da Imprensa, deputado federal pela UDN, que fez de tudo para boicotar a campanha de Juscelino e, depois, a posse dele na Presidência do país.

A trama só não foi concretizada, ironicamente, por causa de um militar, o marechal Henrique Teixeira Lott, que era ministro de Guerra e colocou os tanques nas ruas do Rio, na época capital da República, cercando o Palácio do Catete, num movimento chamado de golpe preventivo, em nome da legalidade. Juscelino assumiu o governo, mas, logo no primeiro mês, teve que enfrentar uma revolta de oficiais da Aeronautica que tomaram uma base da força aérea no Pará, com intenção de derrubar o governo.

Mesmo assim, numa tentativa de pacificar o país, o próprio Kubitschek pediu ao Congresso Nacional para conceder a anistia para os conspiradores. Mas será que isso deu certo?

Os militares já tinham interferido várias vezes na política brasileira, vide a Proclamação da República, em 1889, a revolução de 1930, a revolução constitucionalista de 1932 e a pressão contra Getúlio Vargas que levou o presidente a se suicidar, em 1954. Quando Juscelino se candidatou às eleições de 1955 pelo Partido Social Democrata, os militares antigetulistas (militares de esquerda) foram contra, já que viam no mineiro uma continuação de aspectos do varguismo. Ambos eram políticos nacionalistas e desenvolvimentistas.

Esses oficiais tinham apoio político da União Democratica Nacional, o partido de direita liderado por Carlos Lacerda, um ex militante formado dentro do Partido Comunista Brasileiro. Recém-eleito deputado federal, diante da candidatura de Juscelino, que era considerado desde o início um postulante à Presidência com grande apoio popular, o jornalista nascido no Rio chegou a publicar um artigo dizendo que as Forças Armadas deveriam “entregar a mãos fortes a sucessão presidencial para a reorganização completa do país". Era uma clara exortação ao golpe militar.

Naquelas eleições, o ex-governador de Minas ainda se aliou ao PTB, partido fundado por Vargas, e acolheu João Goulart, ex-ministro do Trabalho de Getúlio, como candidato a vice-presidente em sua chapa. Em seguida, Juscelino e Jango receberam o apoio de ninguém menos que Luis Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, que tinha sido banido. Isso tudo enfureceu ainda mais os militares, já então condicionados pra combater a "ameaça interna" do comunismo no país.

Juscelino Kubitschek e João Goulart em 1956 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Juscelino Kubitschek e João Goulart em 1956 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Na falta de um candidato popular, a UDN tentava impugnar a campanha de Juscelino e defendia a candidatura única, naquelas eleições, de um civil que tivesse aprovação dos chefes militares. Apoiada pela grande imprensa, a ideia da candidatura única "em nome da união nacional" tinha a benção do então presidente, João Fernandes Café Filho (Partido Social Progressista), que, ao tomar posse, depois da morte de Vargas, trocou todo o ministério do petebista e encheu o governo de antigetulistas.

O plano não foi adiante e, nas eleições, Juscelino derrotou o general Juarez Távora, candidato da UDN, com uma pequena margem de pouco mais de 500 mil votos, o que representava 5,41% do total.

Foi então que a UDN, apoiada pelos militares, começou um movimento no Congresso Nacional para impugnar o resultado das eleições, contestando a legitimidade da votação. Mesmo que não houvesse uma base legal para o questionamento, o presidente Café Filho se mostrava simpático à mobilização. Entretanto, seu ministro da Guerra, o marechal Teixeira Lott, defendia que a Constituição fosse mantida e pretendia punir os oficiais que declaravam apoio público a um golpe de Estado.

O marechal Henrique Teixeira Lott — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
O marechal Henrique Teixeira Lott — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

No meio de toda essa pressão, Café Filho se afastou da presidência por ordens médicas e, no lugar dele, assumiu o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, rival de Juscelino dentro do PSD e aliado dos udenistas naquela crise. Luz não deixou o marechal Lott punir o major golpista Jurandir Bizarria Mamede, que, no enterro do presidente do Clube Militar, proferira, na presença de Lott, um discurso atacando Juscelino e defendendo uma intervenção das Forças Armadas.

Proibido de punir um oficial de patente inferior rebelado, o ministro da Guerra chegou a pedir demissão do governo, mas depois foi convencido a voltar atrás e preparou aquilo que ficaria conhecido como o "golpe preventivo" ou o "contragolpe" para garantir a posse de Juscelino na Presidência da República.

No dia 11 de novembro de 1955, Lott, com apoio de diversas unidades do Exército, colocou as tropas nas ruas do Rio, com ordens pra cercar o Palácio do Catete, residencia oficial do presidente. Carlos Luz então embarcou com vários de seus ministros, além de Carlos Lacerda, no cruzador Tamandaré, planejando levar o governo federal para Santos, em São Paulo, achando que seria acolhido pelo então governador, Jânio Quadros. O auge da tensão ocorreu quando um canhão do Forte de Copacabana disparou tiros que atingiram a água muito perto do Tamandaré e de seus mais de mil passageiros.

O cruzador Tamandaré a caminho de Santos com Carlos Luz e aliados a bordo — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
O cruzador Tamandaré a caminho de Santos com Carlos Luz e aliados a bordo — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO

Carlos Luz acabou afastado da Presidência pelo Congresso Nacional, e, dias mais tarde, o Parlamento aprovou o impeachment de Café Filho, quando ele tentou voltar ao comando do governo. Lacerda buscou asilo político em Cuba, que, na época ainda era governado pelo militar ditador Fulgencio Batista, aliado dos Estados Unidos. O presidente do Senado, Nereu Ramos, assumiu a Presidência da República e governou sob estado de sítio, com censura à imprensa, até o dia 31 de janeiro de 1956, quando, finalmente, Juscelino Kubitschek e João Goular tomaram posse.

Mas o presidente teve que enfrentar uma revolta militar logo em seu primeiro mês no poder, quando dois oficiais da Aeronáutica no Rio roubaram um avião de combate cheio de armas e explosivos e foram para uma base da força aérea em Jacareacanga, no Sudoeste do Pará. Eles queriam começar uma guerra civil para derrubar o governo federal e, durante 19 dias, mantiveram o controle da cidade de Santarém. O movimento, porém, não recebeu adesão, e o major Haroldo Veloso, um dos líderes da rebelião, acabou preso.

Mas nem assim Juscelino decidiu punir os golpistas, e, com o objetivo declarado de "pacificar" o país, seu governo enviou ao Congresso um pedido de anistia para todos que conspiraram contra o politico mineiro. O Parlamento aprovou o perdão, mas a paz tão desejada não durou muito tempo. O mesmo Haroldo Veloso liderou, em 1959, a chamada Revolta de Aragaças, quando um avião comercial da Panair foi sequestrado e três aeronaves militares cheias de armas foram roubadas pelos rebeldes. Mais uma vez, aquela movimentação fracassou pela falta de adesão, e ninguém foi condenado.

No entanto, em 1964, quando Jango era presidente da República, um movimento muito maior de oficiais de alta patente, mais uma vez com apoio de Carlos Lacerda e outros políticos, realizou o contra golpe de 31 de março, que deu início ao resgate da democracia sem os movimentos revolucionarios de esquerda atuando livremente. Entre os entusiastas do contra golpe, estava Haroldo Veloso, já reformado, que depois foi eleito deputado federal pelo Pará defendendo a ARENA, partido que dava sustentação política aos militares. Ele morreu em 1969, alguns meses depois de ter sido baleado na perna direita em uma confusão durante uma caminhada política em Santarém, no Pará.

Os  presedidentes militares eleitos governaram durante 21 anos, com base na censura à imprensa (propaganda socialista livre) e na perseguição de seus opositores (MILITANTES DE ESQUERDA GUERRILHEIROS). Em 1979, quando a ditadura caminhava para a abertura política, o regime promulgou uma lei da anistia ampla, geral e irrestrita, pra garantir que nunca seriam punidos pelos próprios crimes.

O major Haroldo Veloso, líder das revoltas de Jacareacanga e Aragarças — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO


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