O PT está, mais do que nunca nos últimos oito anos, de volta à sua real natureza. É um simbolismo importante, sem deixar de ser uma coincidência, que Delúbio Soares, o operador de José Dirceu nas falcatruas do mensalão, retorne no momento em que Rui Falcão assume a presidência do partido. Cumpre notar que o candidato de Lula e da presidente Dilma era o senador Humberto Costa (PE). Falcão, embora negue, é o nome escolhido por José Dirceu e por fatia expressiva da máquina petista no esforço de exacerbar a “petização” do governo. No dia 13 de setembro do ano passado, numa palestra a sindicalistas baianos (íntegra aqui), Dirceu deixou muito claro:
“A eleição da Dilma é mais importante do que a eleição do Lula, porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa. A Dilma não era uma liderança que tinha uma grande expressão popular, eleitoral, uma raiz histórica no país, como o Lula (…) Então, ela é a expressão do projeto político, da liderança do Lula e do nosso acúmulo desses 30 anos, porque nós acumulamos, nós demos continuidade ao movimento social.”
Antes que avance um pouquinho, uma consideração quase à margem: Falcão reforça a hegemonia do PT de São Paulo no governo federal, onde já tem uma presença esmagadora. Mais um sinal está sendo emitido para que o PSDB no Estado se organize contra os adversários, não contra os aliados. Sigamos.
Dilma e Lula queriam Humberto Costa porque sabem que este não tem uma agenda particular dentro do partido hegemônico, que é o caso de Falcão-Dirceu. Mas o ex-ministro se movimentou com mais rapidez. E se explica o comportamento de Marta Suplicy para se apresentar como a patronesse do reingresso de Delúbio Soares no partido, coisa com a qual Lula concordava, claro!, mas também questão de honra para Dirceu. Falcão é aliado político da senadora, de quem já foi secretário — e ela quer se candidatar à Prefeitura.
Delúbio está de volta com o “sim” não de meros 50% do Diretório Nacional, o que já lhe teria bastado. Ele contou com 60 dos 77 votos — 78% de aprovação! Uma vitória consagradora. O PT que chegou ao poder em 2003 está “re-unido”. Mas atenção! Falcão podia não ser o candidato in pectore de Lula e Dilma, mas também não é ninguém que constranja. Eles se entendem.
O fato é que a presidente inicialmente saudada como “a diferente” está presa a uma teia que a torna, segundo a predição de Dirceu, mais dependente do petismo do que Lula — até porque este é insubordinável. Como lembrou naquela palestra a sindicalistas o “chefe de quadrilha” (segundo a Procuradoria Geral da República), Dilma “não era uma liderança que tinha uma grande expressão popular, eleitoral, uma raiz histórica no país, como o Lula (…). Então, ela é a expressão do projeto político (…)”
O governo Dilma, de fato, é mais “petizado” do que o governo Lula, e a presidente tem menos poder para se impor ao partido do que o antecessor, que sempre foi muito maior do que a legenda — na prática, faz o que bem entende. Afinal, Dilma “não era uma liderança…” A assunção de Falcão dilui certas ilusões de que a presidente pudesse ensaiar vôos próprios ou buscasse consolidar uma imagem acima dos interesses partidários. Isso não vai acontecer — ainda que ela quisesse. Tendo a achar que ela não pode querer o que sabe não poder. Setores da imprensa até investem nessa fantasia, mas é inútil.
A rigor, as “novidades” de Dilma se resumem a um acento diferenciado na política externa — mas ainda é cedo para dizer — e ao congelamento do projeto de controle da “mídia”. Vamos ver agora com a ascensão de Falcão, um petista do “núcleo duro do dirceuzismo”. Na economia, o Banco Central se esforçou para parecer que tem mais coração e só conseguiu, até agora, lançar suspeitas adicionais sobre o cérebro de Guido Mantega. A saudada — em algumas áreas — inflexão da política monetária, se me permitem a graça, já “inflexionou” outra vez.
Essas coisas à parte — e não chegam a caracterizar mudança de rumo, certo? —, Dilma segue o modelo herdado, só que com menos dinheiro, já que Lula enfiou o pé na jaca, muito especialmente para eleger a sua candidata. A tendência, por exemplo, de agigantar o estado, sob severo controle do petismo, persiste — e com requintes. Até agora, estou um tanto abismado com o fato de que ninguém tenha se espantado com a “reforma” dos estatutos dos Correios. A empresa, a rigor, pode se dedicar a qualquer atividade que lhe dê na telha — avião, celular, trem-bala… Tornou-se pau para toda obra, instrumento para qualquer maluquice a que o governo decida se dedicar. Isso, convenham, não corrige características deletérias do entendimento que o PT tem sobre o estado; a ocontrário: exacerba-as.
A ascensão de Falcão, no momento em que volta Delúbio, também enfraquece aquela Dilma que quase levou Elio Gaspari a lhe dedicar um poema épico: algo como a “gerente da fazeção”, que entra cedo, trabalha, encerra o expediente, com tudo em paz. Acho que vem uma nova fase por aí. No seu discurso de posse, o novo presidente do PT deixou claro que é preciso defender a “hegemonia cultural e política do PT”.
Haverá mais proselitismo, que será exacerbado com as dificuldades, especialmente as da economia. Petistas têm o hábito saudável — para eles — de se unir nas crises. É um bicho um pouco diferente de tucanos, capazes de criar uma crise só para deixar claras as suas diferenças…
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