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segunda-feira, 8 de abril de 2019

Cinto da castidade nunca existiu

Quando os cavaleiros medievais partiam para as cruzadas, ficavam longe de casa por anos. E para evitar que suas esposas satisfizessem suas necessidades naturais com o caseiro ou o menestrel local, passaram a contar com a ajuda de um engenhoso aparelho. Feito com ferro e trancado com um cadeado, era uma espécie de armadura íntima que resguardava as partes inomináveis – possuía apenas duas aberturas para que as senhoras pudessem aliviar suas outras, e mais urgentes, necessidades. Assim, as mulheres preservariam a sua fidelidade.
Se parece cômico, um estereótipo da brutal ignorância medieval, é porque, quase certamente é isso.
O primeiro desenho de um cinto de castidade aparece no Bellifortis, um manual militar de 1405, feito por Konrad Kyeser, que apresenta instrumentos de guerra como catapultas, armaduras e aparelhos de tortura. Mas o livro não foi levado a sério nem pelo próprio autor, que incluiu no manual piadas sobre pum, um tema imortal e favorito no humor medieval. Nunca foi encontrada uma prova real do cinto desenhado por Kyeser. Contudo, a narrativa alimentou a imaginação dos homens.
A ilustração presente no Bellifortis / Wikimedia Commons
O objeto começou a aparecer em mais e mais gravuras da época. Na maioria das imagens, eram representados casais, nos quais o marido, sempre mais velho, saía para trabalhar e a sua mulher, nua e usando o cinto de castidade, esperava o amante, que entraria em cena com uma segunda, e estratégica, chave.
De acordo com Albrecht Classen, da Universidade do Arizona, essas ilustrações não passavam da representação sarcástica de um "medo masculino". Os maridos mais velhos temiam que suas mulheres os traíssem com jovens.
Ilustração medieval revela a imaginação fértil dos homens / Wikimedia Commons
Além de o uso nunca ter sido documentado de forma séria, o cinto é medicamente impossível. Uma peça de metal colada nessa parte do corpo por dias significaria uma úlcera de pressão (escara), seguida por gangrena, choque séptico e caixão. “Uma mulher não sobreviveria aos consequentes problemas higiênicos e de saúde depois de vários dias”, explica Classen.
O mito que envolve os cintos de castidade se popularizou entre os séculos 18 e 19, quando se tornou moda falar mal da Idade Média. Era uma tentativa de provar que as novas ideias traziam a “iluminação” contra o passado ignorante, supersticioso, brutal e ridículo. “A verdade sobre os cintos de castidade é que eles são, em grande parte, uma ficção construída nos períodos da Renascença e no início da Modernidade, a fim de conjurar uma meia-idade mais ‘bárbara’ que veio antes”, diz Sarah Bond, professora assistente de estudos clássicos na Universidade de Iowa (EUA).
Os cintos, que já foram expostos em museus são “réplicas” dos séculos 18 e 19, expostas em circos e museus desavisados. Um deles chegou a ser exposto no Museu Britânico, em Londres, como um legítimo artigo medieval. Após descobrirem o equívoco, a instituição removeu o objeto, em 1996.
Mito / Shutterstock
Talvez esses objetos antigos, aliás, tenham sido usados -- mas para outra finalidade que não envolva a fidelidade da parceira. O cinto de castidade é uma fantasia erótica. Em sex shops, é possível encontrá-lo em versões mais confortáveis. E, diferentemente dos mitos antigos, agora os homens também podem utilizar o produto.
Na mesma época em que os avançados cidadãos da Era das Luzes ridicularizavam a era das trevas, existiu algo parecido com o cinto de castidade na vida real. Eram dispositivos anti-masturbação, usados em clínicas psiquiátricas – era o consenso “científico” da época que o “vício solitário” causava todo o tipo de males. Mas essa fica para outra matéria.
Thiago Lincolins

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