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sexta-feira, 26 de abril de 2019

O atual arranjo cambial criada pela social democracia americana.

Pouco se comenta sobre isso, mas o arranjo de taxas de câmbio flutuantes é uma invenção extremamente jovem. Fará apenas 48 anos de idade em agosto deste ano.

No entanto, se você é do tipo que acompanha o que os economistas dizem, terá a impressão de que câmbio flutuante não apenas é uma espécie de lei que jamais deve ser transgredida, como, mais ainda, terá a impressão de que tal arranjo sempre predominou na história do mundo, e que para sempre predominará.

Nada mais falso.

A história da civilização ocidental, desde a Renascença em diante (em outras palavras, toda a história do capitalismo moderno), é majoritariamente uma história de moedas estáveis, atreladas ao ouro e à prata — e, em alguns casos, feitas realmente de ouro e de prata. Moedas flutuantes, com efeito, sempre existiram, mas sempre eram marginais, sem nenhuma importância. Os países de economia mais bem sucedida sempre tiveram uma moeda estável, atrelada ao ouro.

E foi assim até 1971. 

Em 1971, o mais bem-sucedido e mais influente país era, obviamente, os Estados Unidos, o qual, até então, sempre utilizara, desde o seu surgimento em 1789, uma moeda atrelada ao ouro. Os primeiros 182 anos da história americana ocorreram sob um padrão-ouro.

Aliás, a história é ainda maior: esses 182 anos de moeda americana atrelada ao ouro foram, na realidade, uma continuação de 600 anos anteriores de moedas européias atreladas ao ouro. 

E então, do nada, "algo aconteceu" — e deu-se início ao atual arranjo de moedas flutuantes, que perdura até os dias de hoje.

Este foi o evento econômico mais importante do século XX (sim, mais importante do que a queda do comunismo, pois a moeda afeta o padrão de vida de todas as pessoas do globo). O que foi que aconteceu para gerar este arranjo?

Para começar, podemos citar as coisas que não aconteceram. Não houve nenhum desastre econômico que deu início a este novo arranjo. Não houve nenhum fracasso monumental do sistema de padrão-ouro global, até então conhecido como o sistema de Bretton Woods. Não houve nenhuma reunião de líderes governamentais de todas as partes do mundo, em algum hotel de luxo, para criar um novo sistema global de moedas flutuantes. Não houve nem sequer uma proposta para se estabelecer um sistema global de moedas flutuantes.

Não houve tratados, referendos ou discussões, como os que precederam a criação da zona do euro. Quando o sistema global de moedas flutuantes primeiramente surgiu, no dia 15 de agosto de 1971, era para ser apenas uma medida temporária. Ninguém imaginou, à época, que um novo sistema estava surgindo par ficar.

O sistema global de moedas flutuantes, esse mesmo sistema que temos hoje, surgiu por acidente.

Como ocorreu

O ano era o de 1965. Economicamente, os EUA estavam no auge. Foi um dos melhores anos para a economia americana no século XX. Pergunte a qualquer americano que era um adulto à época e ele provavelmente concordará com essa afirmação.

Em 1965, os EUA estavam no padrão-ouro havia 176 anos. A classe média americana havia alcançado o apogeu da prosperidade, sendo a inveja de todo o mundo. Em termos relativos, o nível de prosperidade da época jamais seria equiparado novamente. Outros países como Alemanha, Japão e até mesmo o México estavam enriquecendo rapidamente, uma vez que eles também participavam do padrão-ouro global, tendo suas respectivas taxas de câmbio fixadas em relação ao dólar (o qual, por sua vez, tinha um valor fixo em relação ao ouro).

Em 1965, os EUA estavam vivenciando um boom econômico gerado pelos cortes de impostos sancionados pelo presidente Kennedy em 1963, e que entraram em vigência em 1964. Porém, e infelizmente, o então presidente Lyndon Johnson começou a aumentar os impostos novamente, pois tinha de pagar pela Guerra do Vietnã e, principalmente, pelos vastos e inéditos programas sociais que ele havia criado em seu programa A Grande Sociedade.

Já em 1969, o presidente Nixon dobrou os impostos sobre ganhos de capital, elevando a alíquota máxima para quase 50%. Houve uma recessão.

De olho nas eleições de 1972, Nixon começou a fazer de tudo para reativar a economia. Em 1970, ele colocou Arthur Burns na presidência do Federal Reserve, o Banco Central americano. Para reverter a recessão, Burns deu início a uma agressiva política monetária expansionista, reduzindo os juros e expandindo a oferta monetária e de crédito, sempre de acordo com os princípios das doutrinas keynesianas e monetaristas da época.

Isso deu origem aos fenômenos econômicos que hoje são conhecidos como "os choques da era Nixon". As tentativas de se implantar "políticas monetárias arbitrárias" entraram em conflito com o sistema de padrão-ouro vigente da época, que não permitia arbitrariedade na política monetária. 

Essa política monetária expansionista aumentou enormemente a quantidade de dólares no mundo. E quanto mais esses dólares se acumulavam nas mãos de governos estrangeiros, mais estes governos exigiam que fossem restituídos em ouro. O país mais agressivo em suas exigências era a França, liderada pelo principal conselheiro monetário de Charles De Gaulle, o economista defensor do padrão-ouro clássico Jacques Rueff. Isso gerou uma severa redução no estoque de ouro em posse do governo americano.

Com o tempo, a situação do governo americano foi se deteriorando até que as coisas chegaram a um momento decisivo. Nixon teria de abrir mão ou de sua política monetária frouxa ou do padrão-ouro. 

No dia 15 de agosto de 1971, um domingo, Nixon foi à televisão e disse que o governo americano não apenas não mais iria restituir dólares em ouro, como também declarou o fim do sistema de Bretton Woods, desatrelando completamente o dólar do ouro.

Ato contínuo, todos os outros países do mundo repentinamente se viram em uma situação sombria: quando o dólar estava atrelado ao ouro, estes países podiam simplesmente atrelar suas moedas ao dólar, e isso faria com que eles automaticamente também estivessem em um padrão-ouro (esse, em suma, era o sistema de Bretton Woods).  
Agora, no entanto, com a saída dos EUA do sistema de Bretton Woods, o dólar não mais tinha nenhuma ligação com o ouro. Pior ainda: o dólar começou a afundar em relação ao ouro (com a onça do ouro indo de US$ 35 para mais de US$ 600).

Todas as moedas estavam à deriva, sem nenhuma definição precisa para seu real valor.

Por um tempo, vários países tentaram se manter no jogo simplesmente mantendo suas respectivas moedas atreladas ao dólar, que agora era totalmente flutuante.

Mas em 1973 todos abriram mão. Haviam chegado ao limite. Não mais era possível atrelar suas moedas a uma moeda que agora era completamente fiduciária e que estava se desvalorizando acentuadamente. Os países desatrelaram suas respectivas moedas do dólar e, com isso, as moedas mundiais começaram a flutuar entre si.   

Consequência: o mundo entrou em um colapso inflacionário. A década de 1970 foi a década da inflação de preços — que alcançou níveis até então inéditos (nem a Suíça escapou) — e do declínio econômico.

A popularidade de Nixon se evaporou por completo, e ele se tornou o único presidente americano da história a ser ejetado do cargo no meio de seu mandato.

E assim se "consolidou" o arranjo cambial e monetário sob o qual vivemos até hoje: as moedas são destituídas de qualquer tipo de definição e os Bancos Centrais são livres para manipular a oferta monetária ao seu bel-prazer. 
E as consequências disso são vivenciadas diariamente.
Nathan Lewis

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