Pouco se comenta sobre isso, mas o arranjo de taxas
de câmbio flutuantes é uma invenção extremamente jovem. Fará apenas 48 anos de idade em agosto deste ano.
No entanto, se você é do tipo que acompanha o que os
economistas dizem, terá a impressão de que câmbio flutuante não apenas é uma espécie
de lei que jamais deve ser transgredida, como, mais ainda, terá a impressão de
que tal arranjo sempre predominou na história do mundo, e que para sempre
predominará.
Nada mais falso.
A história da civilização ocidental, desde a Renascença
em diante (em outras palavras, toda a história do capitalismo moderno), é
majoritariamente uma história de moedas estáveis, atreladas ao ouro e à prata
— e, em alguns casos, feitas realmente de ouro e de prata. Moedas flutuantes, com efeito, sempre
existiram, mas sempre eram marginais, sem nenhuma importância. Os países de economia mais bem sucedida sempre tiveram uma moeda estável,
atrelada ao ouro.
E foi assim até 1971.
Em 1971, o mais bem-sucedido e mais influente país
era, obviamente, os Estados Unidos, o qual, até então, sempre utilizara, desde
o seu surgimento em 1789, uma moeda atrelada ao ouro. Os primeiros 182 anos da história americana ocorreram sob um padrão-ouro.
Aliás, a história é ainda maior: esses 182 anos de
moeda americana atrelada ao ouro foram, na realidade, uma continuação de 600
anos anteriores de moedas européias atreladas ao ouro.
E então, do nada, "algo aconteceu" — e deu-se
início ao atual arranjo de moedas flutuantes, que perdura até os dias de hoje.
Este foi o evento econômico mais importante do século
XX (sim, mais importante do que a queda do comunismo, pois a moeda afeta o padrão
de vida de todas as pessoas do globo). O
que foi que aconteceu para gerar este arranjo?
Para começar, podemos citar as coisas que não aconteceram. Não houve nenhum desastre econômico que deu
início a este novo arranjo. Não houve
nenhum fracasso monumental do sistema de padrão-ouro global, até então conhecido
como o sistema de
Bretton Woods. Não houve nenhuma reunião
de líderes governamentais de todas as partes do mundo, em algum hotel de luxo,
para criar um novo sistema global de moedas flutuantes. Não houve nem sequer uma proposta para se
estabelecer um sistema global de moedas flutuantes.
Não houve tratados, referendos ou discussões, como
os que precederam a criação da zona do euro. Quando o sistema global de moedas flutuantes primeiramente surgiu, no
dia 15 de agosto de 1971,
era para ser apenas uma medida temporária. Ninguém imaginou, à época, que um novo sistema estava surgindo par ficar.
O sistema global de moedas flutuantes, esse mesmo
sistema que temos hoje, surgiu por acidente.
Como ocorreu
O ano era o de 1965. Economicamente, os EUA estavam no auge. Foi um dos melhores anos para a economia
americana no século XX. Pergunte a
qualquer americano que era um adulto à época e ele provavelmente concordará com
essa afirmação.
Em 1965, os EUA estavam no padrão-ouro havia 176
anos. A classe média americana havia alcançado
o apogeu da prosperidade, sendo a inveja de todo o mundo. Em termos relativos,
o nível de prosperidade da época jamais seria equiparado novamente. Outros países como Alemanha, Japão e até
mesmo o México estavam enriquecendo rapidamente, uma vez que eles também
participavam do padrão-ouro global, tendo suas respectivas taxas de câmbio fixadas
em relação ao dólar (o qual, por sua vez, tinha um valor fixo em relação
ao ouro).
Em 1965, os EUA estavam vivenciando um boom econômico
gerado pelos cortes de impostos sancionados pelo presidente Kennedy em 1963, e
que entraram em vigência em 1964. Porém,
e infelizmente, o então presidente Lyndon Johnson começou
a aumentar os impostos novamente, pois tinha de pagar pela Guerra do Vietnã e,
principalmente, pelos vastos e inéditos programas sociais que ele havia criado
em seu programa A Grande
Sociedade.
Já em 1969, o presidente Nixon dobrou os impostos
sobre ganhos de capital, elevando a
alíquota máxima para quase 50%. Houve uma recessão.
De olho nas eleições de 1972, Nixon começou a fazer
de tudo para reativar a economia. Em 1970,
ele colocou Arthur
Burns na presidência do Federal Reserve, o Banco Central americano. Para reverter a recessão, Burns deu início a
uma agressiva política
monetária expansionista, reduzindo os juros e expandindo a oferta monetária
e de crédito, sempre de acordo com os princípios das doutrinas keynesianas e
monetaristas da época.
Isso deu origem aos fenômenos econômicos que hoje são
conhecidos como "os choques
da era Nixon". As tentativas de se
implantar "políticas monetárias arbitrárias" entraram em conflito com o sistema
de padrão-ouro vigente da época, que não permitia arbitrariedade na política monetária.
Essa política monetária expansionista aumentou
enormemente a quantidade de dólares no mundo. E quanto mais esses dólares se acumulavam nas mãos de governos
estrangeiros, mais estes governos exigiam que fossem restituídos
em ouro. O país mais agressivo em
suas exigências era a França, liderada pelo principal conselheiro monetário de
Charles De Gaulle, o economista defensor do padrão-ouro clássico Jacques Rueff. Isso gerou uma severa redução no estoque de
ouro em posse do governo americano.
Com o tempo, a situação do governo americano foi se
deteriorando até que as coisas chegaram a um momento decisivo. Nixon teria de abrir mão ou de sua política monetária
frouxa ou do padrão-ouro.
No dia 15 de agosto de 1971, um domingo, Nixon foi à
televisão e disse que o governo americano não apenas não mais iria restituir dólares
em ouro, como também declarou o fim do sistema de Bretton Woods, desatrelando
completamente o dólar do ouro.
Ato contínuo, todos os outros países do mundo repentinamente
se viram em uma situação sombria: quando o dólar estava atrelado ao ouro, estes
países podiam simplesmente atrelar suas moedas ao dólar, e isso faria com que
eles automaticamente também estivessem em um padrão-ouro (esse, em suma, era o
sistema de Bretton Woods).
Agora, no
entanto, com a saída dos EUA do sistema de Bretton Woods, o dólar não mais
tinha nenhuma ligação com o ouro. Pior ainda:
o dólar começou a afundar
em relação ao ouro (com a onça do ouro indo de US$ 35 para mais de US$ 600).
Todas as moedas estavam à deriva, sem nenhuma definição
precisa para seu real valor.
Por um tempo, vários países tentaram se manter no
jogo simplesmente mantendo suas respectivas moedas atreladas ao dólar, que
agora era totalmente flutuante.
Mas em 1973 todos abriram mão. Haviam chegado ao limite. Não mais era possível atrelar suas moedas a
uma moeda que agora era completamente fiduciária e que estava se desvalorizando
acentuadamente. Os países desatrelaram
suas respectivas moedas do dólar e, com isso, as moedas mundiais começaram a
flutuar entre si.
Consequência: o mundo entrou em um colapso
inflacionário. A década de 1970 foi a
década da inflação de preços — que alcançou níveis até então inéditos (nem
a Suíça escapou) — e do declínio econômico.
A popularidade de Nixon se evaporou por completo, e
ele se tornou o único presidente americano da história a ser ejetado do cargo
no meio de seu mandato.
E assim se "consolidou" o arranjo cambial e monetário
sob o qual vivemos até hoje: as moedas são destituídas de qualquer tipo de definição
e os Bancos Centrais são livres para manipular a oferta monetária ao seu
bel-prazer.
E as consequências disso são vivenciadas diariamente.
Nathan Lewis
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