Passei os últimos dias profundamente mergulhado na
teoria e na história do socialismo do século XX, a pedido da revista National
Review. De um lado, foi fascinante revisitar todos os argumentos em defesa
do sistema; de outro, foi aterrador ler relatos detalhados sobre a experiência em todos
os países que adotaram tal regime.
Se você já fez isso, irá concordar comigo como é
insanamente estranho que o termo e o ideal ainda usufruam alguma credibilidade,
especialmente entre pessoas jovens nascidas após 1989. Exceto a falta de
interesse em história, é muito difícil descobrir qual é o cerne do erro.
Ainda assim, vou
tentar.
Meu principal palpite é que as pessoas que acreditam
defender o socialismo (no caso, pessoas que se identificam com a esquerda
política; a direita tem outros problemas) nunca abordaram o problema da escassez como sendo uma realidade
econômica.
Por escassez, não me refiro a desabastecimentos ou
racionamentos. Antes, refiro-me à ausência de uma abundância infinita de tudo o
que as pessoas querem em um determinado momento. Isso se deve a uma
característica intrínseca do mundo material que impede que você e eu possamos
exercitar exatamente o mesmo controle sobre o mesmo bem material ao mesmo
tempo.
Nós dois não podemos calçar os mesmos sapatos ou
beber água da mesma garrafa ao mesmo
tempo. Ou você come aquele pedaço de picanha, ou eu como. Ou então
dividimos ao meio (e aí um de nós não ficará saciado). Não há uma máquina mágica
de reprodução que faça com que a carne surja do nada.
Escassez também ser refere àquela condição da vida
que impede você de consumir tudo o que você deseja ao mesmo tempo. Cada escolha
que você faz envolve um custo, que é aquilo que você deixou de fazer. Como
muito bem diz o ditado, a cada escolha, uma renúncia. Você está lendo este
texto agora em vez de estar fazendo outra coisa. O custo desta leitura é tudo
aquilo de que você está abrindo mão neste momento. Igualmente, você não pode
caminhar, pescar e nadar ao mesmo tempo. Tudo o que você compra requer o gasto
de um dinheiro pelo qual você trabalhou, e que agora abriu mão de poupar.
É isso que os economistas rotulam de escassez, e é
isso que gera a necessidade de economizar,
isto é, escolher entre vários fins concorrentes. É parte irrevogável da
realidade. Não importa qual seja a prosperidade que você esteja vivenciando,
não interessa qual tipo de avanço tecnológico venha a surgir; a realidade da
escassez sempre estará conosco. O mundo material dos seres humanos sempre irá
exceder aquilo que está disponível, não importa quanta riqueza haja,
simplesmente por causa da realidade da escassez.
Logo, é necessária uma maneira racional e pacífica
para lidar com ela.
A
solução
Foi a constatação desta realidade, ao longo da
profunda história da experiência humana, que nos impeliu a uma solução melhor
do que incessantes conflitos físicos para se conseguir algo para comer. Há aproximadamente 150.000
anos, gradualmente descobrimos os benefícios sociais da propriedade
privada, do comércio, do cumprimento de contratos, da criação de complexas
estruturas do capital, da liberdade de empreendimento, e da escolha do consumidor.
Também descobrimos, muito gradualmente, que aderir a estas convenções sociais
— minhas e suas — permitiu
a divisão do trabalho, a acumulação de capital, a criação de complexas
estruturas de produção, e, como consequência de tudo, aquele fenômeno
incrivelmente mágico: a criação
de mais riqueza.
Já os socialistas imaginam ter outra solução para o
problema da escassez sem ter de recorrer à propriedade privada. Para eles,
basta apenas dizer: "Que haja o socialismo!", e isso irá magicamente abolir o
problema. No entanto, apenas isso pode não soar muito crível. Por que alguém
aceitaria adotar tal arranjo sem uma explicação convincente sobre como ele
funcionaria na prática?
Por isso, o truque utilizado no passado foi pegar todos
os seu desejos por aquilo que lhe parecia impossível e adorná-los em uma
pomposa teoria da história que misturava dialética e a inevitabilidade das
forças sociais, a qual iria solucionar conflitos até então insolúveis que
conduzem a meta-narrativa do progresso — ou algo nessas linhas. Se você
insistir bastante nessa ideia convoluta e souber falar bonito, as pessoas irão
finalmente ceder: "Ok, ótimo, vamos tentar o socialismo".
Tão logo você acredita que isso é possível, então
várias outras coisas também magicamente se tornam dignas de ser experimentadas:
serviços de saúde gratuitos, educação gratuita, renda universal garantida, bens
e serviços gerais gratuitos, e tudo isso em conjunto com uma redistribuição
universal de renda sem que isso prejudique a criação de riqueza.
O fato de tais idéias serem levadas a sério sem
nenhuma consideração quanto aos custos, e sem nenhuma consideração de que tais
estruturas poderiam criar problemas para o exercício da liberdade humana, é uma
atitudes que podem ser rastreada à negação da escassez.
Na forma mais extrema, a cegueira coletiva em
relação à escassez pode levar um indivíduo a acreditar que criar o comunismo é
apenas uma questão de apertar um interruptor na máquina da narrativa da
história.
Comece pelo indivíduo
Façamos um
experimento mental. Vamos tentar criar o socialismo sobre um
único bem. Vamos tentar fazer isso com sapatos em uma economia formada por
apenas três pessoas. Você e dois amigos. Cada um de vocês possui um par de
sapatos e vocês calçam sapatos do mesmo tamanho.
E aí um de vocês estala o dedo e diz: "Que haja o
socialismo!".
No início, nada parece mudar. Mas aí então você
observa que seu amigo tem sapatos mais elegantes, os quais você agora quer
calçar. Ato contínuo, você diz: "Agora eu é que vou usar os seus sapatos".
E ele responde: "Mas aí eu não poderei calçá-los
também". E então você retruca: "Sim, mas agora vivemos sob o socialismo, o que
significa que você tem de abrir mão deles."
Mas isso é confuso. É fato que, só porque agora há o
socialismo, isso não significa que uma pessoa tem o direito de possuir os
sapatos de outra. Verdade. Porém, no mínimo, isso também significa que nenhum
indivíduo pode reivindicar propriedade exclusiva sobre seus próprios sapatos.
Neste caso, surgirão vários tipos de novas dúvidas sobre como decidir quem irá
calçar os sapatos de quem.
Como decidir? Bom, há a possibilidade de se buscar a
unanimidade. Ou então você pode instituir o voto da maioria. Dois de três. Uma pessoa certamente
irá odiar os resultados. A consequência é que você agora passou a incentivar a
manipulação dos resultados por meio da organização de facções. Isso tende a
gerar mais desconfiança, mais intriga, mais conflitos, mais ressentimentos e
mais brigas. E tudo isso pode, por sua vez, levar a outra consequência: o mais
forte entre vocês três assumirá o poder de decidir.
Agora, você tem uma ditadura.
E todo esse arranjo totalitário foi muito facilmente
criado, com apenas três pessoas, tão logo você decidiu impor o socialismo sobre
um único bem.
Já está claro que aquela tão desejada utopia dos
sapatos não prosperou. Anunciar a existência do socialismo não produziu nenhum
sapato novo. Não mudou absolutamente nada na natureza dos seres humanos naquele
ambiente. Não alterou nada do mundo material. Tudo o que ela fez foi remodelar
as regras. Antes, as pessoas estavam satisfeitas com suas posses; agora, elas
fervem de ressentimento e inveja daquilo que as outras pessoas têm.
Agora, minha proposição é esta: se o socialismo não é
capaz de funcionar em um caso tão simples e pequeno quanto este, como pode alguém
acreditar que todos estes problemas irão desaparecer caso a ideia de
propriedade comunal seja expandida para toda a sociedade e para todos os bens
existentes?
A lógica mostra que é bastante provável que a
tentativa irá apenas expandir este problema fundamental para toda a sociedade.
A
questão é simples
O socialismo, no sentido moderno, surgiu no século XIX
como parte de uma revolta anti-liberal. A nova doutrina se subdividiu em várias
facções: religiosa, sindicalista, nacionalista, utópica, científica, moralista,
nacionalista etc. Você escolhe. Mas todas elas têm em comum este mesmo e
inacreditavelmente simples erro: elas foram incapazes de reconhecer a
necessidade de se economizar. Como consequência,
todas elas acabaram criando caos e conflito (e homicídios em massa).
A alternativa à fantasia socialista é a propriedade,
o livre comércio, a concorrência e a produção — e tudo por meios voluntários,
sem usar de violência contra indivíduos pacíficos e suas respectivas propriedades.
Se você deseja uma ordem social sensata e humana, realmente não há alternativa.
Que o socialismo como uma ideia tenha sobrevivido centenas
de anos é um tributo à capacidade da mente humana de imaginar ser capaz de
criar aquilo que a realidade sempre irá se recusar a tornar possível.
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