Bunker da Cultura Web Radio

Free Shoutcast HostingRadio Stream Hosting

terça-feira, 4 de maio de 2021

O panfletarismo no Brasil


A história do comunismo no Brasil é indissociável de Luiz Carlos Prestes. Sobre isso escrevi em meu livro A filosofia do fracasso: ensaios revolucionários (2020). Mas vamos aqui atentar para o gênero opinativo no jornalismo, que teve no Brasil Luiz Beltrão e José Marques de Melo seus grandes pioneiros nos estudos e no delineamento dos gêneros. O gênero opinativo é dividido por outros subgêneros, entre eles o artigo, a coluna e o editorial. Porém, com as redes sociais, surgem os canais no YouTube, Telegram e páginas no Facebook em que se pode emitir opinião. Ou seja, todos podem emitir opinião. Ela é livre. Entretanto, minha crítica é destinada àqueles que não atentam para a diferença entre elogiar governos, algo natural e que eu mesmo faço, e ser um panfletário na mídia, como foi Maiacovski. Pode-se fazer panfletarismo, contudo; mas fazer isso com disfarce de articulista formador de opinião é maiacovskismo. De Bolsonaro a Lula, há maiacovistas por todos os lados carregando bandeiras em vez de oferecer conteúdo crítico para reflexão à sociedade.

Numa democracia, qualquer panfletário tem o direito de opinar. Faz parte do jogo político; mas – alerto! – tenha cuidado com formadores de opinião. Filtre bem quem você segue, lê, ouve ou assiste. Não caia no conto de que o bom opinador é aquele que diz ou escreve o que você quer ouvir ou ler. Não entre na bolha maiacovskiana de propaganda de políticos. Assim como a propaganda de Maiacovski cegou milhões de soviéticos, muitos formadores de opinião no Brasil fazem piadas com uma pandemia que já ceifou 400 mil vidas e caminha, a passos largos, para meio milhão de mortes – e sem perspectiva para um fim.

O Brasil é diferente da Rússia pré-moderna de Pedro, o Grande, e, outrossim, da URSS stalinista do século XX – ou seja, vivemos em uma democracia. Temos um “Parlamento” representativo que pode criticar o Executivo, exceção feita à Suprema Corte, que não é afeiçoada ao contraditório. Como bem alertou Rui Barbosa, o Judiciário é o pior dos Poderes quando estabelece uma tirania, sendo que deveria ser o contrário, segundo Edmund Burke (1729 – 1797), que em Reflexões sobre a Revolução na França discorreu: “A justiça, por si só, é o maior fundamento político da sociedade civil […]”. O filósofo inglês John Locke (1632 – 1704), conhecido como o pai do liberalismo e peça-chave no desenvolvimento teórico do contrato social nos tempos da Revolução Gloriosa, também disse: “Onde não há lei, não há liberdade”.

Churchill (1874 – 1965), por sua vez, teria dito que a “democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Escrevi sobre isso dia desses; mas os três Poderes, apesar dos problemas, são instituições de nossa democracia que devem ser respeitadas sob garantia de nosso Estado de Direito. Ressalto que, neste ponto do texto, não questiono a democracia. Apenas levanto como reflexão o fato de que a expressão “democracia” tem sido usurpada, às vezes estuprada (sem eufemismos, por favor), por muitos falsos democratas, filhotes de tiranos, que escondem-se sob o teto dessa palavra. A Venezuela, por exemplo, considera-se uma nação democrática. Nicolás Maduro é herói democrático para os revolucionários brasileiros do PT, do PSOL e do PCdoB. Aliás, sobre democracia, Burke também discorre: “A afirmação de que a democracia pura representa a única forma de governo tolerável constitui uma verdade tão universalmente reconhecida a ponto de não se permitir a um homem duvidar de seus méritos, sem que lhe advenha a suspeita de ser um amigo da tirania, ou seja, um inimigo do gênero humano?”. Frase escrita em outro período. Não cairemos aqui em anacronismo; mas a frase, apesar de oriunda do século XVIII, tem aplicações à atualidade.

Edmund Burke, e o cito novamente, aperta a pena e solta a tinta em sua carta contra a Revolução da França: “O que é a liberdade sem a sabedoria e a virtude? É o maior de todos os males possíveis. Pois é apenas estupidez. Vício e loucura sem proteção ou freio. Os que sabem o que é a liberdade virtuosa não podem suportar vê-la desonrada por mentes incapazes em virtude das palavras altissonantes que lhes saem da boca”. Mas, Ianker, pode pensar o leitor, isso é um “contrassenso”, pois nesse caso Burke defende a monarquia. Não! O âmago de sua carta é uma CRÍTICA à Revolução, não uma defesa à monarquia. Burke justamente faz uma critica ao novo poder autocrático que se desenhava a instaurar-se na França. O filósofo britânico defendia que a sociedade passasse por mudanças, sim, porém de forma progressiva, jamais revolucionária. O irlandês, com seu elogiável instinto político, soube bem discernir entre o que estava ocorrendo e o que estava por ocorrer na França, de um lado, e o que foi a Revolução Gloriosa de 1688 – e esse foi um grande alerta que Burke fez aos franceses. Ou seja, em outras palavras, Burke avisou que uma tirania, disfarçada sob um discurso de uma falsa liberdade e contra Luís XVI, assumiria o poder de forma autocrática e a guilhotina cortaria o pescoço de muita gente. Em outro trecho da carta, Burke profere: “[…] sempre considerarei como muito equívoca em seu aspecto a liberdade que não tem como auxiliares a sabedoria e a justiça e não leva em seu séquito a abundância e a prosperidade.” Aqui percebemos outro ensinamento: devemos usar nossa liberdade com sabedoria, com ceticismo, como uma sociedade crítica e não identificada, como reféns da Síndrome de Estocolmo, com nada que se afaste da justiça e da prosperidade.

O Brasil atual da pandemia, assim como a Rússia, também tem imensas terras e, como a pré-São Petersburgo do tsar Pedro, o Grande, está atolado num charco de lodo – porém moral. Maiacovski, um panfletário disfarçado de poeta que não passou de um picareta de rodoviária, é adorado pela classe artística e pela academia brasileira. Assim como ele, todavia, os ex-jornalistas panfletários da nova direita que atua na internet também têm seus adoradores. Likes e mais mais likes! Às vezes, outros interesses…

Tempos modernos em um Brasil com odor fétido de um país ainda amarrado culturalmente em raízes marxistas mofadas, que, por outro lado, se afunda num lodo podre que surge de uma nova direita que deveria seguir o exemplo do que ensina a escola da filosofia conservadora-liberal: o ceticismo! Desconfiar sempre! É assim que uma sociedade pode mudar nossa classe política.

Findo com um recado do grande George Orwell aos jornalistas panfletários do Mito da Caverna: “jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.” Ou seja, todo o resto é “lambeção de botas” de cretinos, como fez o adorador de fascínoras Maiacovski.

REFERÊNCIAS:
Estudo biográfico e tradução de Emílio C. Guerra 2° edição, 1983. Editora Max Limonad Ltda – São Paulo, Brasil.

BURKE, Edmund.

Reflexões sobre a Revolução na França/Edmund Burke; tradução, apresentação e notas de José Miguel Nani Soares – São Paulo: Edipro, 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário