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quinta-feira, 12 de abril de 2012

ROSAS....NACIONALISTA?!



por Marcos Ghio



Muito se tem escrito sobre a figura insigne de quem foi o grande fundador da integridade nacional da Argentina, o brigadeiro dom Juan Manuel de Rosas. Não obstante, há um acontecimento de sua história que não foi tratada adequadamente, nem com a amplitude suficiente, isso quando não foi eludido e diminuído em sua importância, apesar de sua enorme transcendência, em razão do tema para muitos urticante de que se tratava. Isso se refere à relação que teve Rosas com a Companhia de Jesus durante seu governo.

Em relação a isso recordemos brevemente os fatos. Em 1836, quando se encontrava na plenitude do poder e quando havia concentrado sobre si funções ditatoriais, Rosas convidou à Companhia a voltar ao país após sua anterior expulsão que se remontava à época colonial, em 1767. Isso se devia a que o Restaurador, que se encontrava nesse então em uma dura batalha contra a modernidade, representada a nível intelectual pelo setor rivadaviano e iluminista, componente do partido unitário, tratava de lhe contrapôr a ação organizada do catolicismo tradicional. Os jesuítas gozavam no mundo então de um grande prestígio intelectual e educativo, sendo reputado seu método, o da Raio Studiorum, como de um elevadíssimo e muito eficaz nível. Foi assim, como desde seu retorno à Argentina, brindou-se à Companhia um alto crédito, outorgando-se a ela os melhores edifícios e mobiliários escolares de que se dispunha.

Não obstante, apesar das excelências mencionadas, e não obstante o bom desempenho educativo que os mesmos demonstravam, em pouco tempo de seu retorno começaram a gestar-se duros conflitos com o Restaurador. Os mesmos se deveram fundamentalmente a que tal Ordem, em razão dos princípios pelos quais se regia, não queria aceitar certas obrigações que se exigiam nesse então ao clero secular no exercício de suas funções. Por exemplo, se sentia reticente em aceitar que nos sermões religiosos se indicasse a necessidade de que todos os fiéis aderissem à Santa Causa Federal. Porém houve um fato que aguçou ainda mais as diferenças e foi quando se impôs que a imagem de Rosas e inclusive a de sua esposa, dona Encarnación Ezcurra, tivessem que ser colocadas nos altares das Igrejas de forma obrigatória e fossem veneradas pelas multidões como se tratasse de seres de natureza sagrada, assimiláveis aos maiores santos da religião e se exigisse por sua vez do clero que lhes rendesse reverência e que fossem incluídas nas próprias atividades litúrgicas. Isso se chocava em demasia com as normas da Companhia, para a qual o poder político era uma instituição tão somente de caráter temporal e carecia consequentemente, em todos os seus membros, de atributos espirituais e de sacralidade, sendo essa uma dimensão e prerrogativa atribuída exclusivamente à Igreja.

É de destacar em relação a isso que tal postura representada nesse tempo à posição que tradicionalmente havia sustentado no seio do catolicismo a corrente que assumira a denominação guelfa durante o conflito das investiduras que foi travado em plena Idade Média; para esta o governante devia ser meramente um bom administrador, encarregado de assegurar o bem comum e de tão somente ajudar à Igreja, ainda que apenas subsidiariamente, na função santificadora e pastoral que esta tinha com as almas; porém encontrando-se em si mesmo carente de qualquer crisma ou caráter de sacralidade. Recordemos em relação a isso a teoria do teólogo jesuíta Francisco Suárez, verdadeiro antecedente da democracia moderna, para o qual ao monarca o poder vinha de Deus, porém tão somente através da mediação do povo e da Igreja, enquanto intercessora, sendo assim pois simplesmente um delegado ou um mero representante, em qualquer momento substituível por um contrato constituído entre as partes (ainda que não simples multidão, como em Rousseau) da nação.

Essa atitude de dessacralizar o poder político, que nos jesuítas assumirá a forma mais exacerbada no seio da Igreja, ao retirar ao governante qualquer função de caráter espiritual e transcendente, ficando reduzido a um papel meramente humano e portanto pecaminoso, era o que por outra parte gerava de forma indireta uma grande coincidência com a postura dos unitários liberais, os quais justamente também criticavam e combatian em Rosas essa pretensão "soberba e tirânica" de creditar a seu governo um caráter sagrado, na medida em que teria sido undigo pela própria Providência Divina.



Esta foi não bostante, apesar de tais críticas, a grande intuição e originalidade que teve o regime de Rosas, o que propriamente o distinguiu de outros e que portanto o situa propriamente como um governante guibelino, o único que teve a Argentina em toda a sua história; ela consiste em ter concebido o sagrado não como uma realidade ausente do mundo e encontrável apenas em igrejas e conventos, senão como um princípio que devia estar vivo e presente em todas as ações sociais dos homens, atuando o governante, através de uma autêntica liturgia do Estado, como um verdadeiro pontífice, quer dizer, como um centro espiritual através do qual os demais integrantes da comunidade se reconheciam a si mesmos em uma dimensão transcendente. A função política era assim qualitativamente diferente da social; se enquadrava em uma instância de espiritualidade e de sacralidade da qual toda a sociedade participava, assim como também e de maneira eminente o próprio clero através da administração dos ritos, brindando os sacramentos e consagrando as ações.

Rosas, desse modo e a partir dessa ótica, não foi simplesmente mero "defensor da soberania nacional", imagem à qual o reduziu a historiografia marxista e ainda a de certo nacionalismo; ele representa a primeira tentativa séria de querer instaurar a religião como prática no seio de toda a vida social e principalmente na função metapolítica à qual se assignava um valor mais elevado e transcendente que o que habitualmente possui no mundo moderno. O Estado, através da figura de seu chefe, o Caudilho, era uma dimensão metafísica, sobreposta ao resto da sociedade e presente absolutamente em tudo através de seu crisma e prestígio sagrado que informava ainda à mais insignificante das ações humanas. Se equiparava assim à figura do antigo rei das monarquias tradicionais, assim como à do sacro imperador medieval. Era de tal modo o oposto exato aos atuais "governos" da modernidade que cada vez governam menos e administram mais, que apesar de estarem constantemente reduzindo-se de forma quotidiana, se intrometem cada vez com maior vigor e de maneira totalitária na vida privada das pessoas com seus pentes informáticos e suas corrupções minúsculas.

A recusa dos jesuítas em participar de tal vida simultaneamente política e religiosa representa uma nova irrupção do espírito judaico-cristão no seio de nossa sociedade, em sua tentativa de secularizar tal poder e aprisionar o religioso nos templos e na vida privada, humanizando o Estado e coadjuvando assim com o impulso em direção à grande decadência burguesa em que hoje vivemos. A ação jesuítica representa a dessacralização da existência através do menoscabo de sua função mais elevvada, a política, e de sua figura principal, o Caudilho, o qual fica reduzido ao rol de mero servidor do povo e de "suas necessidades". Este mesmo fato, esta atitude de franca rebelião frente ao poder político havia sido em seu momento a causa da primeira expulsão da Companhia em plena época colonial, o que coincide historicamente com o período em que se operará a fundação de nosso Estado, o Vice-Reinado do Rio da Prata.

A atitude de Rosas de expulsar os jesuítas foi um ato de altíssima dignidade e de reafirmação do verdadeiro e tradicional catolicismo perante as tendências secularizadoras e antropocentricas representadas pela Companhia.

Não obstante é de destacar aqui que tal medida foi insuficiente pois a ação já realizara por esta, contaminando a outras ordens ao retirar-lhes o caráter espiritual e converte-las em verdadeiras burocracias, impedirá que a ação cultural e educativa que Rosas pretendia realizar fosse substituída por outra. Recordemos em relação a isso as permanentes denúncias e perseguições que os grandes místicos espanhois pertencentes a ordens diferentes dos jesuítas, como um São João da Cruz ou uma Santa Teresa, para não citar a outros, tiveram que padecer em mãos dos mestres espirituais pertencentes à Companhia por terem pretendido sair de uma via puramente humana e discursiva e alcançar a esfera da contemplação infusa, que não estava al alcance de todo o mundo e que portanto estabelecia hierarquias espirituais em nada aceitáveis para um espírito massificador, "humanista e democrático" próprio de tal Ordem, a qual representa um verdadeiro antecedente teológico da moderna democracia cristão. Quer dizer que Rosas não pôde contar com um substituto adequado de uma Ordem religiosa que atuasse na função educativa necessária para a formação de elites alternativas diante da intelectualidade unitária. Foi a carência de uma escola rosista o que explica o rápido colapso de tal movimento após a derrota de Caseros.

Um capítulo a parte merecem as interpretações que diversos "rosistas" modernos realizam acerca das disavenças entre Rosas e a Companhia. Caracterizados pela miopia e pela obsequência clerical que sempre os caracterizou, reduzem o conflito a um mero mal entendido entre as partes. Assim pois interpretam que como "Os jesuítas são um organismo supranacional Rosas não estava em condições de entender nada que não fosse nacional. O mal entendido era inevitável" (Carlos Ibarguren). Ou também, posto que os jesuítas teriam sido tão somente assépticos educadores, indiferentes ao problema político, isso teria se chocado com o exclusivismo federal para o qual, ou se estava a favor ou contra o regime, pelo que a atitude de "não interessa" os teria convertido automaticamente em unitários (Revista Estudios, n.351, pgs.307-312, Bs.As. setembro de 1940). Nada mais ingênuo do que isso, que é ignorar o caráter político e intrigante que sempre teve a Companhia desde as origens de sua história, pelo que resultaria absurdo supor que com o regime de Rosas teria havido uma exceção.

O aprofundamento por parte dos historiadores não sujeitos a preconceitos ou compromissos ideológicos em relação a essa perspectiva guibelina aberta por Rosas permitira perfilar os passos de uma nova corrente nacionalista não comprometida com nenhum dos setores do regime.

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