Um dos principais lugares-comuns utilizados pelos
críticos do capitalismo é o de que este arranjo não apenas não trouxe nenhuma
liberdade para os trabalhadores, como, ao contrário, representou sua
escravização.
Alguns críticos, inclusive, vão ainda mais longe e
dizem que, sob o capitalismo, a única liberdade que há para o trabalhador é a "liberdade
para morrer de fome".
Com efeito, os socialistas de hoje descrevem
a crítica de Marx ao capitalismo como um sistema no qual "os
trabalhadores são duplamente livres — livres para trabalhar e livres para
morrer de fome".
Em outras palavras, sob o capitalismo, os
trabalhadores não têm alternativa senão venderem sua mão-de-obra para os
proprietários do capital com o intuito de garantirem sua própria sobrevivência.
Os socialistas, portanto, afirmam que a
característica singular de uma economia capitalista é a de que as pessoas têm
de trabalhar para não morrerem de inanição.
Dica:
isso vale para qualquer arranjo
Não, não é o capitalismo quem requer que os humanos "trabalhem
para evitar sua morte", mas sim a própria
natureza.
Em um estado natural, seja no meio de uma floresta
ou mesmo em uma ilha deserta, o homem terá de efetuar trabalho produtivo para
obter alimentos para sua sobrevivência. A comida não irá simplesmente surgir,
sem nenhum esforço, dentro de sua boca.
Para cultivar vegetais, ele terá de efetuar esforço físico
na atividade agrícola. Para comer carne, ele terá de fazer esforço físico caçando.
Para outros alimentos, ele provavelmente terá de subir em árvores para pegar os
frutos de seus galhos.
O que nos traz à questão de como um indivíduo opta
por trabalhar para obter os recursos necessários para se alimentar.
De acordo com o portal O
Trabalhador Socialista, não há escolha nenhuma:
O capitalismo depende de um grupo de pessoas que é proprietária dos meios de produção — fábricas, escritórios, maquinários, matérias-primas etc. — e de outro, muito mais numeroso, que não é proprietário de nada disso, mas que tem de trabalhar para o grupo minoritário para poder sobreviver.
Adicionalmente, os socialistas insistem que os proprietários
dos meios de produção não criam nenhum valor, e utilizam seu
poder sobre os trabalhadores para explorá-los em troca de lucros.
Para começar, este é um falso dilema, pois o "grupo"
que é hoje proprietário dos meios de produção não é algo fixo e definitivo. Ademais,
indivíduos são livres para adquirir bens de capital para produzir bens que
gerem renda para eles. Qualquer empreendedor autônomo — mesmo um pipoqueiro
dono de sua carrocinha de pipocas — sabe disso.
A real questão, portanto, é outra: por que tantas
pessoas optam por trabalhar em troca de salários para capitalistas proprietários
dos meios de produção? A quais propósitos os capitalistas realmente servem?
O
real valor dos capitalistas
Comecemos com o exemplo de João.
João não tem nenhum emprego e não é proprietário de
nenhum meio de produção. Sem emprego, sem renda e sem ativos que possam lhe
gerar renda, a única opção que ele tem para alimentar a si próprio e a sua
família é literalmente utilizar suas mãos para produzir bens que satisfaçam a
vontade de consumidores voluntários.
Obviamente, a produtividade de João será próxima de
zero. Na melhor das hipóteses, ele conseguirá cultivar alguns vegetais e abater
alguns pequenos animais para alimentar sua família.
Ou então ele pode fazer pequenas atividades
artesanais com suas mãos utilizando recursos brutos que ele encontrou na
natureza, e então vender este artesanato para quem quiser voluntariamente
comprar.
Se a família de João sobreviver, o máximo a que ela
pode almejar é um nível mínimo de subsistência.
Para se tornar mais produtivo, e assim garantir a sobrevivência
sua e de sua família, João obviamente necessita ter acesso a bens de capital
que lhe permitam aumentar sua produtividade.
Afinal, quanto mais ele conseguir produzir utilizando sua mesma mão-de-obra, maior
será sua receita.
Sendo assim, João agora tem de fazer uma escolha:
adquirir ele próprio bens de capital para que ele possa produzir bens para
vender, ou ir trabalhar para um capitalista que lhe forneça os meios de produção
aos quais João pode aplicar sua mão-de-obra em troca de um salário.
Há vários, mas eis os três principais benefícios fornecidos
pelo capitalista a João, os quais fazem com que João, e a esmagadora maioria
das pessoas, considere ser mais benéfico trabalhar para um capitalista.
1.
Os bens de capital fornecidos pelo capitalista fazem com que o trabalhador seja
muito mais produtivo do que ele seria caso trabalhasse por conta própria
A maioria dos indivíduos possui recursos limitados,
e consequentemente seria capaz de conseguir muito menos bens de capital, e bem
menos produtivos, do que aqueles que o capitalista pode fornecer.
Uma maior produtividade (permitida pelos bens de
capital) irá se traduzir em salários mais altos para os trabalhadores em relação
à receita que ele conseguiria auferir produzindo e vendendo bens fabricados artesanalmente
por conta própria.
Trata-se de uma regra inviolável: quanto maior a
quantidade de bens de capital utilizados por um trabalhador, maior será sua
produtividade. Um operário americano chega a ganhar até cem vezes mais que um
indiano não porque ele é mais trabalhador ou mesmo mais capacitado, mas sim
porque o americano utiliza cem vezes mais capital físico (máquinas,
ferramentas, instalações industriais, meios de transporte etc.) que seu colega
indiano.
Esse capital físico é o que aumenta a produtividade,
os salários e, consequentemente, o padrão de vida de uma sociedade. A
acumulação de capital, ao tornar o trabalho humano mais eficiente e produtivo,
é o que permite aumentos salariais para todos.
2.
Trabalhar para um capitalista em uma empresa permite ao trabalhador obter uma
renda imediatamente
O capitalista investe hoje (compra maquinários, contrata mão-de-obra e até mesmo pega empréstimos)
na esperança de que suas receitas futuras
compensarão estes gastos incorridos no presente.
Ao passo que o capitalista tem de esperar não apenas
pelo término de todo o processo de produção, como também pela venda dos
produtos finais, para só então eventualmente auferir seu lucro (o que pode
levar anos), o trabalhador assalariado já consegue obter o seu lucro (salário)
de imediato — normalmente, tendo de esperar no máximo um mês após sua contratação.
Os salários auferidos pelos trabalhadores
representam uma antecipação das receitas futuras esperadas pelo capitalista com
a eventual venda dos produtos finais. Tal antecipação não é possível quando o indivíduo
produz autonomamente utilizando seus próprios bens de capital.
Isso é de crucial importância e merece ser
ressaltado: para que um operário de uma fábrica possa fabricar mercadorias,
houve uma montanha de dinheiro investido na fábrica. A empresa investiu,
digamos, $ 10 bilhões (construiu a fábrica, comprou maquinários e paga os
salários) para recuperar, na forma de fluxo de caixa anual, aproximadamente $ 1
bilhão. Serão necessários 10 anos apenas para recuperar todo o capital
adiantado. (Fora a inflação do período)
Ou seja, o capitalista abriu mão de $ 10 bilhões em
consumo presente para receber, anualmente, uma receita de $ 1 bilhão. Tudo
dando certo, daqui a uma década o principal é recuperado (e desvalorizado pela
inflação).
Os trabalhadores que este capitalista emprega
hoje não precisam esperar até que os bens sejam produzidos e
realmente vendidos para receberem seus salários. O capitalista adianta um bem
presente (salário) aos trabalhadores em troca de receber — somente quando o
processo de produção estiver finalizado — um bem futuro (o retorno do
investimento). Existe necessariamente uma diferença de valor entre o bem
presente do qual o capitalista abre mão (seu capital investido na forma de
salários e maquinário) e o bem futuro que ele receberá (se é que receberá).
Já o trabalhador recebe hoje o
valor integral daquilo que ele produz e que só será vendido no futuro.
Consequentemente, há um inevitável desconto no valor dos salários pagos, pois o
valor futuro de algo é trazido ao seu valor presente. Sempre que o valor futuro
de algo é trazido ao seu valor presente, o valor presente é menor. São os juros
intertemporais.
(Confira toda a explicação em detalhes neste artigo).
3.
O capitalista arca com o risco dos potenciais prejuízos
Apetite por risco e disponibilidade para assumi-los são
atitudes cuja oferta é bastante escassa.
A maioria das pessoas não está disposta a se
arriscar a perder seu capital (ou a pedir emprestados fundos que terão de ser
pagos, com juros, no futuro) caso seus bens produzidos não sejam valorizados
pelos consumidores a um preço maior do que os custos de produção.
Apenas os capitalistas aceitam incorrer neste risco.
Para
concluir
Em suma, o sistema de salários permite que: 1) os
trabalhadores ganhem mais do que ganhariam individualmente; 2) recebam
antecipadamente (sem ter de esperar que todos os produtos finais sejam
vendidos), e 3) terceirizem o risco de prejuízos nos investimentos (o que pode
dizimar um capital próprio) para o capitalista.
O capital não explora o trabalhador. Ao contrário:
ele aumenta o valor da mão-de-obra ao fornecer ao trabalhador as máquinas e
ferramentas de que ele necessita para produzir bens e serviços que os indivíduos
valorizam. E, assim, permite não apenas a sobrevivência do trabalhador, como também
um crescente padrão de vida.
Não fosse o capital disponibilizado pelos
capitalistas (maquinário, ferramentas, matéria prima, insumos, instalações
etc.), a mão-de-obra não teria como produzir estes bens de qualidade altamente
demandados pelos consumidores. Consequentemente, os trabalhadores nem sequer
teriam renda.
Logo, não apenas a crítica do "livre para morrer de
fome" está totalmente errada (mesmo porque a exigência que todos trabalhem para
sobreviver não é do capitalismo, mas sim da própria natureza), como, ao
contrário, a realidade é que o capitalismo presta o valioso serviço de fazer
com que a situação dos trabalhadores seja melhor do que seria sem ele.
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