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segunda-feira, 22 de julho de 2019

FORO DE SÃO PAULO

O FORO DE SÃO PAULO: CONTEXTO DE FORMAÇÃO E O DESAFIO DE INTEGRAR A AMÉRICA LATINA.
O Foro de São Paulo origina-se durante um seminário organizado na cidade de São Paulo entre os dias 02 e 04 de julho de 1990, convocado pelo Partido dos Trabalhadores, com o objetivo de debater a organização e a estratégia da esquerda na América Latina e Caribe, ocorrendo numa conjuntura histórica extremamente desfavorável para o pensamento e as organizações de esquerda. A crise do bloco socialista na Europa Oriental6 que culminou com a ascensão dos Estados Unidos como a única superpotência mundial e o fim da União Soviética era apenas um dos problemas enfrentados pela esquerda latino-americana naquele contexto de transição7. Este processo seria acompanhado pela retomada das ideias liberais, que por sua vez  pressionavam as esquerdas em todo o mundo e a América Latina e o Caribe não passaram incólumes a todo esse processo. No caso, a crise não se restringiu à Europa ou ao colapso do modelo soviético, mas sim, significou um fracasso mais profundo de todos os programas, velhos e novos, para melhorar os problemas da humanidade; significando a crise de qualquer narrativa transformadora fora do marco do capitalismo8.                                                          
4 GARCIA, Marco Aurélio. GARCIA, Marco Aurélio. Dez anos de política externa. In: Lula e Dilma: 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil. São Paulo: Editora Boitempo. 2013. 

Diversos segmentos da sociedade se mobilizaram em denúncia a postura de “conivência” por parte do governo brasileiro em relação ao processo de nacionalização dos ativos da Petrobrás na Bolívia, não sendo também incomum manifestações de cunho racistas ou belicistas.    

6 HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve século XX 1914-1991. São Paulo. Editora Companhia das Letras. 2008. 7 SADER, Emir. A Vingança da História. São Paulo: Editora Boitempo. 2003.


Como afirma o historiador marxista Eric Hobsbawm:
O colapso da URSS, claro, chamou a atenção basicamente para o fracasso do comunismo soviético, ou seja, da tentativa de basear toda a economia na propriedade universal, pelo Estado, dos meios de produção e no planejamento central que tudo abrangia, sem qualquer recurso efetivo ao mercado ou aos mecanismos de preço. Todas as outras formas históricas do ideal socialista haviam suposto uma economia baseada na propriedade social dos meios de produção, distribuição e troca (embora não necessariamente propriedade central do Estado), a eliminação da empresa privada e da alocação de recursos por um mercado competitivo. Daí esse fracasso ter solapado também as aspirações do socialismo não comunista, marxistas, ou qualquer outro, embora nenhum desses regimes ou governos houvesse de fato ter alegado ter estabelecido economia socialista. (HOBSBAWM: 2008 pp. 542). 

O fracasso do modelo soviético confirmava para os “teólogos” do liberalismo que nenhuma economia poderia funcionar sem bolsa de valores9: o fim do bloco socialista abriu uma avenida para a agenda neoliberal e esta não se reduziu às repúblicas convertidas ao capitalismo do leste europeu.     
A América Latina sentiu os efeitos dessa guinada quase que imediatamente, porém, as experiências neoliberais começaram a ser introduzidas na região bem antes do colapso do Socialismo Real; não sendo errado afirmarmos que a região foi o berço e o laboratório do neoliberalismo10. A facilidade com que o neoliberalismo avançou sobre a América Latina, grosso modo, se justificou em dois aspectos: a crise do endividamento externo pelo qual passavam grande parte dos países da região- de modo geral associada  às incompetências imanentes do Estado- e o descontrole inflacionário que atingiu grande parte dos países após a entrada da economia mundial em um quadro recessivo. Podemos dizer que este argumento constituiu a pedra de toque do discurso neoliberal hegemônico; o Estado era incapaz de gerar o crescimento sendo, portanto, responsável pelos desequilíbrios inflacionários. Esse discurso se desdobrou em vitórias eleitorais significativas de propostas vinculadas ao projeto neoliberal, como Fernando Henrique Cardoso, Menem e Fujimore, como também, deslocou e converteu tradições nacionalistas, socialdemocratas e socialistas ao receituário neoliberal, tamanha era a dramaticidade do momento.
                                                         
 8 HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve século XX 1914-1991. São Paulo. Editora Companhia das Letras. 2008.   9 HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve século XX 1914-1991. São Paulo: Editora Companhia das Letras. 2008. 

10 Foi no combate à hiperinflação boliviana que Jeffrey Sachs pôde testar os modelos de estabilidade monetária que depois foram exportados para países europeus, como também no Chile de Pinochet que os economistas da Escola de Chicago aplicaram suas propostas econômicas de desregulamentação e abertura econômica.   
 
No entanto, estas medidas e sua aplicação de maneira irrefletida e automática na região não se desdobraram em resolução dos problemas políticos, sociais e econômicos― para não dizer culturais, como o quadro de corrupção endêmica― da região, pelo contrário, a abertura para o mercado internacional, as privatizações e políticas de controle fiscal e monetário não contribuíram para superação dos impasses.  Em muitos dos casos o déficit público aumentou, paralisando o Estado em sua capacidade de investimento e reconverteu grande parte das economias da região à condição de primário-exportadoras, além da completa e evidente incapacidade de resolução da grave crise social. 
É neste cenário que surge a proposta de formação do Foro de São Paulo, num contexto no qual a forças que não se dobraram ao grande consenso em torno das ideias liberais se encontravam em grande isolamento em seus respectivos países e isso não era diferente no caso do Brasil e na realidade política encontrada pelo PT no país. O Partido dos Trabalhadores saíra fortalecido das eleições de 1989, mas sabia que as ideias e valores do neoliberalismo ganhavam grande adesão na opinião pública e que o enfretamento a este modelo exigia um nível de articulação política que mobilizasse e envolvesse outras dimensões e recursos. Mesmo quando a derrocada soviética ainda não era um fato consumado, esta, enquanto tendência política já era, em muito, desacreditada por diversas perspectivas da esquerda latino-americanas e, especificamente, no caso do PT, esta crítica já fazia parte do seu código genético12. Para o PT era fundamental a criação de um espaço mais amplo e plural de articulação das esquerdas na América Latina e este lugar era o Foro de São Paulo.  
                                                         
 11 SADER, Emir. A Vingança da História.São Paulo: Editora Boitempo. 2003.  


Como bem afirma a declaração final do primeiro encontro do Foro de São Paulo, este se constitui a partir do esforço de diversas organizações de esquerda da América Latina em construir um espaço de troca de experiências e reflexão sobre os rumos dos projetos progressistas no continente.  Como fica claro neste trecho da declaração do primeiro encontro do Foro:
Este Encontro é um primeiro passo de identificação e aproximação aos problemas. Desenvolveremos um novo encontro no México, onde continuaremos somando inteligências e vontades à análise permanente que iniciamos, aprofundaremos o debate e procuraremos avançar com propostas de unidade de ação consensuais na luta anti-imperialista e popular. Promoveremos também intercâmbios especializados em torno dos problemas econômicos, políticos, sociais e culturais que a esquerda continental enfrenta. (FORO DE SÃO PAULO: 1990 pp.1112) 

 O Foro de São Paulo era uma iniciativa que buscava construir unidade na diversidade e reorganizar a esquerda em meio ao refluxo do campo progressista. Embora significasse um espaço sem qualquer tipo de centralismo e tivesse no respeito às diferenças um pilar, o Foro preservou características do campo da esquerda tradicional, como a defesa de uma sociedade justa, combate à desigualdade, a afirmação de valores democráticos populares- tendo em vista também o contexto de transição democrática na maioria dos países da região- o fim do bloqueio econômico a Cuba. No entanto, carregava implicitamente a crítica às experiências vinculadas ao socialismo real, mas sem desmerecer seus feitos e o papel do Estado como importante elemento de regulação social-econômica.  Embora preservando muitas tradições, o Foro de São Paulo se organizou a partir de um esforço de renovação das perspectivas de esquerda latino-americanas que, se por um lado, afirmava não desejar qualquer tipo de reprodução das experiências vinculadas ao socialismo real, por outro, não defendia a substituição desses regimes por propostas capitalistas. 
                                                         
 12 COSTA, Izabel Cristina Gomes da. Os petistas e a crise do Socialismo real:os desafios da renovação e as heranças das esquerdas tradicionais. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: v. 3, nº 66, p. 309330. 2013.  


Temas como anti-imperialismo e antineoliberalismo são encontrados em todos os documentos analisados por nós do FSP. A aplicação das políticas neoliberais, suas consequências e a sua condição dominante na América Latina daquele período impregnavam as reflexões e documentos do fórum e eram denunciadas resolutamente. Outro aspecto que para nós fica claro é a rejeição ao tipo de integração proposta pelos Estados Unidos, sobretudo a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), mas isso não significa que o Foro já possuísse um modelo de integração sistematizado. Grosso modo, as organizações envolvidas no Foro de São Paulo se aproximaram a partir de sua rejeição comum ao neoliberalismo, como também  através de um relativo  consenso em torno de alguns valores e princípios não muito definidos, mas suficientes para gerar a aglutinação da pluralidade de perspectivas políticas e sociais e isto fica mais claro também neste trecho da declaração do primeiro encontro: 


(...) A análise das políticas pró-capitalistas e neoliberais aplicadas pela maioria dos governos Latino-Americanos e seus trágicos resultados, assim como a revisão da recente proposta de ‘integração americana’ formulada pelo presidente Bush para canalizar as relações de dominação dos EUA com a América Latina e o Caribe, reafirmam a nossa posição de chegarmos a nada positivo por esse caminho. A recente proposta do presidente norte-americano é uma receita já conhecida, mas adoçada para torná-la mais enganosa. Implica liquidar o patrimônio nacional através da privatização de empresas públicas estratégicas e rentáveis em troca de um irrisório fundo no qual os Estados Unidos contribuiriam com U$$ 100 milhões de dólares. Busca a ampliação de nefastas ‘políticas de ajustes’ que levaram a níveis sem precedentes a deterioração da qualidade de vida dos latino-americanos, em troca de uma minúscula e condicionada da dívida externa oficial com o governo imperial.  (FORO DE SÃO PAULO: 1990 pp. 13). 
 O Foro de São Paulo de início se dedica à reflexão e desafios enfrentados pelos diversos partidos que compõem a região, mas afirma que o tipo de integração desejada passava pela legitimação do apoio popular e pelo consenso entre os povos, partindo também do pressuposto que o modelo de integração não deveria agravar diferenças e desigualdades, nem reproduzir relações de cunho imperialista e de subordinação que perpetuassem a condição de subdesenvolvimento e passividade ante os países mais desenvolvidos. Como fica claro neste trecho da declaração do encontro do México em 1991:  

Ante os enormes desafios que temos pela frente não podemos pensar que o melhor caminho para os países da América latina e do Caribe seja de continuar um por si, limitados em seus próprios esforços desatendendo as nossas raízes comuns e as condições comuns vividas hoje pelo o nosso países em relação ao mundo desenvolvido. A solução de fundo das dificuldades e problemas encontra-se hoje na transformação profunda de nossas sociedades e na integração política e econômica da América Latina e Caribe. (FORO DE SÃO PAULO: 1991 pp. 22).

Neste sentido, embora os encontros do Foro de São Paulo não produzam elaborações mais sistemáticas sobre o modelo de integração da América Latina e Caribe, acreditamos que suas formulações influenciaram as proposições políticas do Partido dos Trabalhadores sobre a região e por consequência as políticas assumidas pelos governos do PT. Questões como tática eleitoral a ser adotada pelos diversos partidos no sentido da constituição de frentes antineoliberais compostas com todos os segmentos atingidos, trabalhadores da cidade e do campo, pequena e média burguesia, empresários nacionalistas, nacionalidades e etnias oprimidas, bem como os diversos setores desprotegidos da sociedade para buscarem uma alternativa foram amplamente discutidas pelo fórum13. 
 O Foro também possibilitou a troca de experiências de governos e reflexões sobre propostas institucionais alternativas, fruto do crescimento institucional dos partidos envolvidos na construção do FSP. Outro aspecto muito importante, que também percebemos na política do Estado brasileiro posteriormente, foi a permanente defesa por parte do Foro de São Paulo, da necessidade de reforma dos organismos multilaterais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC e o Conselho de Segurança da ONU14, por exemplo.
 Ao final da década de 1990 os sinais do esgotamento e crise do modelo neoliberal na região eram evidentes, a crise do México (1994), sucedida cinco anos depois pela crise do Brasil (1999) e pouco tempo depois pela da Argentina (2001), se constituíram em sucessivos emblemas negativos da ineficiência do modelo dominante.
                                                         
13 FORO DE SÃO PAULO. Declarações Finais dos Encontros (1990-2014). Disponível em: http://forodesaopaulo.org/declaraciones_finales/. Acessado em 10\06\2015. 14 FORO DE SÃO PAULO. Declarações Finais dos Encontros (1990-2014). Disponível em: http://forodesaopaulo.org/declaraciones_finales/. Acessado em 10\06\2015.  

Socialmente, os índices também indicavam o aumento da desigualdade e pobreza na região como nos mostra Sader: 
Os dados são claros: o aumento em nove pontos percentuais na taxa de pobreza da região, de 35% em 1982 para 44% em 2002, e em cinco pontos na taxa de indigência, de 15% para 20%, nesse período, justamente aquele marcado pela generalização na aplicação das políticas de ajuste fiscal e de desregulação econômica.  (SADER: 2003 pp.120).
 Com isso, da mesma maneira que no início da década de 1990, uma onda de propostas alinhadas à agenda neoliberal obtiveram sucessivas vitórias eleitorais, a tendência agora se invertia, as mesmas propostas desmoronavam na própria insuficiência e contradições insolúveis. E é na passagem dos anos 1990 para os anos 2000 que temos o encerramento da hegemonia e crise do discurso neoliberal; é na passagem de século que as cortinas se abrem oportunizando e submetendo ao duro teste da realidade as forças políticas e sociais que se reaglutinaram em torno do Foro de São Paulo em busca de construir uma alternativa ao modelo neoliberal.     

3) A INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA NOS ANOS LULA: PRINCÍPIOS, PRÁTICAS E INFLUÊNCIAS DO PASSADO. 
Ao tomar posse em janeiro de 2003, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva estava envolto por fortes expectativas em relação aos rumos de seu governo. Estas expectativas também eram verificadas no cenário internacional diante dos temores de diversos investidores com o que poderia vir a ocorrer no país diante do primeiro governo de um partido de oposição no Brasil15. Embora não tivéssemos tido debates mais profundos acerca do tema de política externa durante a campanha eleitoral, era fato que todos estavam atentos em como um partido com um histórico do Partido dos Trabalhadores iria se sair na condução das relações diplomáticas16. Neste sentido, o
                                                         
 15 Sobre o processo de transição do governo FHC (1994-2002) para o governo Lula e as questões referentes às relações internacionais do Brasil ver: SPEKTOR, Matias. 18 Dias. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2014. 16 É importante lembrarmos que o tema de política exterior sempre esteve presente nos programas de governo do Partido dos Trabalhadores, sendo que, nos anos iniciais é possível percebermos um tom mais militante e radicalizado em seus documentos referentes à temática. Todavia, com o passar do tempo, as concepções do partido sofreram modificações e ponderações conforme ganhava força a perspectiva de conquista da Presidência da República, levando a um novo equilíbrio no que diz respeito à relações entre concepções político-ideológicas, de um lado, e análise de correlação de forças e governabilidade, de tema de política externa apareceria já no discurso do novo presidente, em 01 de janeiro de 2003 durante sessão solene do Congresso Nacional, onde em poucas linhas os elementos que permeariam a inserção internacional do país a partir de então seriam exprimidas conforme a fala de Lula:
 
Esta Nação, que se criou sob o céu tropical, tem que dizer a que veio: internamente, fazendo justiça à luta pela sobrevivência em que seus filhos se acham engajados; externamente, afirmando a sua presença soberana e criativa no mundo. Nossa política externa refletira também os anseios de mudança que se expressaram nas ruas. No meu Governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento de desenvolvimento nacional. (SILVA, Luís : 2003 pp. 8-9)

Sendo assim, o novo governo procurava deixar claro que o seu projeto de política externa encontrava-se, umbilicalmente, atrelado ao projeto de desenvolvimento nacional que havia sido estagnado após a década neoliberal17, que o país havia enfrentado anteriormente. Neste horizonte a nova política exterior seria denominada pelo então chanceler, Celso Amorim, de “altiva e soberana” 18 procurando construir um maior protagonismo do país nas grandes questões internacionais, que não se contentava em ser apenas expectador do processo decisório, mas também um construtor da arquitetura da “comunidade internacional” neste início do século XXI.  Desse modo, o projeto de inserção internacional do Brasil iria elencar como área prioritária19 para os
                                                                                                                                                                          outro. Mesmo assim, isto não fora suficiente para apaziguar os ânimos internacionais com a vitória de Lula à presidência da República. 17 O período referente à década de 1990 e a ofensiva neoliberal no Brasil seria marcado pela retração do Estado nas diversas áreas da vida social, ocasionando efeitos no mundo do trabalho, com altos índices de desemprego, no mundo da indústria com a desnacionalização do polo industrial brasileiro, dentre outros. 18 Ao construir um exercício de memória sobre um breve período da Era Lula, o então chanceler Celso Amorim recorda-se de ter usado esta expressão, pela primeira vez, em data já próxima ao da posse de Lula onde seu nome para ministro, juntamente com três outros, fora anunciado no salão de um hotel em Brasília. Após a anúncio fora chamado para falar, muito brevemente, sobre os rumos gerais da política exterior brasileira do novo governo sendo que, nesta ocasião, tais termos foram utilizados. Posteriormente, esta expressão seria utilizada em documentos e, acrescentado, o termo “soberana” na proposta de campanha da presidenta Dilma Rousseff. Sobre tais episódios ver: AMORIM, Celso. Breves narrativas diplomáticas. São Paulo: Benvirá, 2013.  19 Além da América do Sul as demais áreas prioritárias da política externa brasileira nos anos Lula seriam, respectivamente, a África Ocidental, a Ásia e a Europa e América do Norte. Para mais informações ver: MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Resumo Executivo de Política Externa (2003-2010).


próximos anos a região da América do Sul, sendo que, tratava-se de pensar um novo modo de integração com os vizinhos, não mais atrelado ao ideário do Consenso de Washington, mas sim elevarmos o relacionamento a um novo patamar. 
Este novo patamar seria marcado pelo adensamento das relações entre os vizinhos sul-americanos e a construção de uma agenda de projetos e ações, marcada pela pluralidade de temas e por um forte teor criativo. Neste contexto, a integração sulamericana seria cimentada em dois pilares, a saber, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) que seria revitalizado e ganharia novos contornos e a União das Nações SulAmericanas (Unasul) órgão que, a nosso ver, pode ser entendido como a expressão concreta na construção de um passo além na integração regional. Sobre tais alterações, nos dizem Marcelo Mariano, Haroldo Ramanzini e Rafael de Almeida:

A motivação do intercâmbio econômico enquanto elemento central da cooperação e da integração regional, prevalecente nos anos 1990, não é, atualmente, a única força motriz dos movimentos de cooperação entre os países sul-americanos, embora continue presente, (...). A dimensão política e a ênfase no fortalecimento da autonomia nacional e regional passam a ser questões centrais de alguns desses processos, fruto também da percepção que a integração e a cooperação regional exigem determinadas ações que as forças do mercado por si só não são capazes de realizar. Os aspectos econômicos não são desconsiderados, mas busca-se contextualizá-los a partir de uma perspectiva mais ampla, que leva em consideração outras variáveis, que trazem também novos desafios. (MARIANO, RAMANZINI JUNIOR, ALMEIDA: 2014 p. 123)

Diante deste novo contexto, o Mercosul que representa, historicamente, o nível comercial e de investimentos da integração entre os vizinhos sul-americanos teria um avanço para outras áreas como a educacional, política e científico-tecnológica. Além disso, ganharia em sua estrutura a criação do Fundo de Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem) cujo objetivo seria reduzir as disparidades entre os estados-membros; dado que o bloco sempre enfrentara críticas em relação às disparidades econômicas entre seus membros. Por outro lado, a Unasul pode ser entendida enquanto uma expressão firme do governo Lula assim como demais presidentes sul-americanos para um passo mais denso na integração, afinal, o novo organismo não seria entendido enquanto uma resposta ao movimento econômico que acontece fora do continente, mas sim, enquanto uma necessidade endógena de maior união na região. 
                                                                                                                                                                          Brasil: 2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa- 20032010/resumo-executivo.  

Segundo o Relatório Executivo do Ministério das Relações Exteriores (20032010), o Tratado Constitutivo da Unasul (Brasília, 23\05\2008) pode ser entendido como o encerramento de um processo iniciado ainda na constituição da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa)20, vista como o primeiro passo “para criar mecanismos institucionais que pudessem alavancar a integração” e que chegaria ao seu ponto chave com a consolidação da Unasul. Consequentemente, esta organização internacional é entendida enquanto o órgão responsável pelo adensamento político da integração, sendo composta por órgãos centrais e Conselhos Ministeriais setoriais que abarcam um amplo leque de temas que apontam para o nível da integração regional desde então.
Na institucionalidade da Unasul seriam criados órgãos especiais para lidar com questões relativas à saúde (Conselho de Saúde Sul-Americano), à ciência e a tecnologia (Conselho de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação), à energia (Conselho Energético da América do Sul) e à defesa (Conselho de Defesa Sul-Americano). Outra iniciativa digna de nota no período fora a inserção da IRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) como órgão técnico do Conselho de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) da Unasul, procurando conectar o sentido estratégico da integração física às demandas econômicas, sociais e culturais dos países. Nesse ponto, é preciso observar que este processo não é imune às críticas que procuram problematizar esta solidariedade brasileira com os vizinhos, afinal, tal comportamento não teria apenas um fundamento moral, mas também estratégico21. 
                                                         
 20 A UNASUL tem como origem a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) formada durante a III Reunião de Cúpula Sul-Americana, realizada em dezembro de 2004, em Cuzco. 21 O processo de integração sul-americano verificado nos anos Lula (2003-2010) não esteve imune às críticas, ao contrário, alguns autores procuram problematizar os rumos tomados desde então com os interesses estratégicos do governo brasileiro por uma maior inserção internacional colocando-se como um polo de poder regional, onde o país desempenharia o papel de liderança. Ao mesmo tempo, esta estratégia teria sua faceta econômica mediante o aumento, exponencial, do fluxo de capitais nos vizinhos sulamericanos mediante a ida de empresas nacionais como a Construtora Odebrecht, Petrobras, Vale, dentre outras. Sobre este processo ver autores como: ACTIS, Esteban. Entre el desarrollo y la solidaridad. La


Entretanto, mesmo com estas problematizações, o que se viu no período de 2003-2010 foram notáveis mudanças nos rumos da política exterior empreendida pelo novo governo, onde o Brasil passou a assumir um intenso protagonismo nas questões mundiais. A ênfase dada às relações com os países do Sul fora marcada por inúmeras manifestações entusiasmadas, mas também, altamente críticas em âmbito interno e externo. Críticos ao governo colocaram a política externa promovida durante a gestão de Lula como demagógica e ineficaz enquanto outros a colocaram como inovadora e original22. Como demonstrado nos parágrafos anteriores, a América do Sul desempenhara um papel protagonista nesta revitalização das relações exteriores do Brasil, estando compatível com o novo momento político e econômico vivido pelos vizinhos, mas também, pelas ideias que permearam o processo decisório da gestão federal que, segundo Miriam Gomes Saraiva, introduziria um grau de novidade nas variáveis referentes ao processo de formulação e implementação da política externa, neste caso, o próprio Partido dos Trabalhadores.
Vista por muito tempo como assunto restrito aos círculos diplomáticos e militares, a política externa foi ganhando espaço nos marcos das políticas públicas e tornando-se interesse de diversos setores da sociedade, inclusive, partidos políticos e suas diversas formas de organização. Nesta chave analítica podemos compreender a relação dos ideais petistas com o que fora visto nas práticas da política sul-americana na Era Lula, afinal, após a derrota de 1989, o partido iria iniciar um processo de maior conhecimento dos problemas nacionais em diferentes áreas e pensar políticas públicas setoriais, além disso, o crescente acumulo decorrente das experiências administrativas em âmbito municipal e estadual também contribuiriam para um melhor conhecimento sobre a política de gabinete, ao mesmo tempo, as questões internacionais também se tornariam um dado a ser levado em consideração nas elaborações programáticas do partido, dado que o processo de redemocratização seria seguido pela avalanche neoliberal da década de 1990 que atingiria, em cheio, as sociedades sul-americanas e os movimentos sociais de então. 
                                                                                                                                                                          politica del capital brasileño y sus consecuencias para la politica exterior sudamericana de Brasil (20032011). In Boletin Meridiano 47. Vol. 13, n. 131, mai-jun. 2012.  ZIBECHI, Raúl. Brasil Potência: entre a integração regional e um novo imperialismo. Rio de Janeiro: Consequência, 2012.  22 Este conjunto de opiniões sobre a política externa posta em prática durante os anos Lula fica nítido quando olhamos a discrepância entre as matérias jornalísticas, editoriais e colunas de diversos comentaristas políticos no período que transmite a impressão de equívocos e fracassos no projeto de política externa empreendido. Todavia, simultaneamente, também temos a produção acadêmica que, quase sempre, tiveram um olhar positivo em relação à atuação brasileira no cenário internacional durante os anos 2003-2010. Acerca das interpretações sobre a política externa no governo Lula ver: FREIXO, Adriano de. FREITAS, Jacqueline Ventapane. Um Tema, múltiplas interpretações: um breve balanço da produção acadêmica sobre a política externa da Era Lula In FREIXO, Adriano [et al]. A Política Externa Brasileira na Era Lula: um balanço. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.  

Neste contexto que a experiência do Foro de São Paulo deve ser entendida como este espaço de discussão, ruminação e depuramento de conceitos e propostas sobre os rumos de uma integração sul-americana alternativa aos rumos que foram tomados ao longo da década de 1990. Tal fórum irá definir bases para um novo conceito de unidade e integração continental, passando pela reafirmação da soberania e autodeterminação da América do Sul, ao mesmo tempo, também cria laços de diálogo entre lideranças que, posteriormente, conquistariam os postos de poder mais altos em seus respectivos países.
4) CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto percebe-se como a experiência de constituição do Foro de São Paulo deve ser entendida dentro do contexto histórico que se inaugura a partir de fins da década de 1989 e início dos anos 1990, onde a esquerda sul-americana será atingida pelos efeitos da crise do socialismo real e, posteriormente, a derrocada do URSS que, juntos, inaugurariam uma nova conjuntura internacional marcada pela unipolaridade norte-americana e o triunfo da ideologia neoliberal, chegando ao ponto de alguns autores como Fukuyama decretarem o “Fim da História”23. Neste quadro pessimista e de falência das grandes narrativas críticas ao modelo capitalista, o Foro de São Paulo seria esta tentativa de resistência das esquerdas sul-americanas à onda neoliberal que iria varrer o continente na década de 90. 
Simultaneamente também seria um lócus de reflexão para diversos temas da agenda política do campo progressista sul-americano, dentre eles, a integração. Tratavase, portanto, de se pensar a integração diante dos desafios que a nova conjuntura mundial, regional e local anunciava para estes diversos grupos políticos tentando, paralelamente, pautar um projeto alternativo integracionista para além, somente, da questão econômica. Conforme dito anteriormente, o desenrolar da década de 90 iria  colocar os limites da agenda neoliberal, inclusive, no campo da política externa24 abrindo caminho para a conquista, paulatina, do poder de diversas frentes progressistas que compunham o FSP em seus respectivos países, dentre eles, o Brasil com o Partido dos Trabalhadores. 
                                                         
 23 FUKUYAMA, Francis. The End of History? In The National Interest. Summer, 1989.  

Uma vez no poder, o novo governo iria procurar pôr em prática uma política externa que recuperasse o papel do Estado como componente essencial do projeto de desenvolvimento, sendo que, no que se refere à condução de suas relações exteriores a América do Sul seria alçada ao papel de área prioritária, sendo que, agora a integração seria pensada englobando uma pluralidade de temas e agendas que, até então, pouco haviam estado presentes. Ao mesmo tempo, a Era Lula traria um caráter criativo para o projeto de integração pensando novas instituições que fizessem frente às organizações internacionais tradicionais, sendo importante lembrar, que a conjuntura política do continente, em muito, ajudou na execução deste projeto. Neste sentido, de crise e oportunidade entendemos que aquele espaço de reflexão e proposição do Foro de São Paulo deve ser entendido como peça fundamental nas análises que busquem as raízes históricas do processo que observamos recentemente na região sul-americana; tornandose variável importante para os rumos tomados desde então. 

 

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