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sábado, 18 de julho de 2020

A FAMILIA ROMANA PARTE II

Nesta segunda parte acerca da família romana, depois de haver estudado as metas socioculturais dos romanos, os diferentes tipos de matrimônio e a cerimônia ritual da boda, trataremos diversos aspectos, tais como a lua de mel, o nascimento e a imposição do nome, assim como a vida religiosa dentro da própria família.
Depois da boda era comum, como assim ocorria em outras tradições europeias, que os recém-casados tomassem hidromel durante todo o ciclo lunar para influir no gênero do futuro filho, para que esse fosse homem. O hidromel foi uma das primeiras bebidas que foram consumidas pelos nossos antepassados, sendo anterior inclusive à cerveja a o vinho. Sabe-se da constância do seu consumo por praticamente todos os povos europeus: celtas, romanos, gregos, saxões, vikings etc., e inclusive se tem conhecimento de sua existência entre os maias durante a época pré-colombiana. Esta bebida era composta por mel e água, que mesclados durante um tempo prolongado e expostos ao calor do sol fermentavam, formando uma bebida alcoólica de coloração âmbar. Foi uma bebida muito difundida e seu consumo era abundante; atribuíam-lhe propriedades energéticas, digestivas, relaxantes, mas também relacionadas com a própria fertilidade, de modo que seu consumo depois da boda era habitual, pois esta bebida além de condicionar o gênero do filho também ajudava a fertilidade da mulher durante o período em que era consumida, aumentando desse modo as possibilidades de ficar grávida.
O mel abandonado acaba diluindo-se pelo efeito da água da chuva e devido às leveduras que estão presentes nela, junto as que as abelhas trazem junto ao pólen, se produz o fenômeno da fermentação, dando-se assim uma transformação dos carboidratos em álcool etílico e dióxido de carbono e como consequência disso se dá lugar a uma solução hidroalcoólica mais comumente conhecida como hidromel.
Juntamente com isso deve-se frisar que o hidromel era uma bebida consumida pelos deuses, era por assim dizer um néctar divino que tinha atribuído em si propriedades muito saudáveis. Mas também deve-se adicionar o caráter medicinal do próprio mel, sendo destacável sua presença no conjunto de dietas europeias de modo a prevenir possíveis enfermidades e infecções, assim como para fortalecer o indivíduo. Como detalhe acerca disso constata-se que a dieta grega era constituída por alimentos básicos como leite e mel.
Em Roma o hidromel seria conhecido sob o nome de agua mulsum, e na Grécia antiga como melikatron. Dentro dos costumes romanos, a mãe da noiva deixava toda noite no quarto nupcial uma vasilha à disposição dos noivos que continha hidromel durante todo um período lunar que durava 28 dias, daqui provém a famosa expressão “lua de mel”.
Na sociedade romana os pais não tinham obrigação nem moral e nem jurídica de aceitar todos os filhos nascidos do matrimônio, por esse motivo era comum a exposição dos recém nascidos, ou seja, seu abandono público, para que fossem adotados por outras famílias. Era, por assim dizer, uma prática habitual e legal e se dava em todas as famílias, tanto nas patrícias como nas plebeias. Normalmente o abandono dos filhos legítimos estava motivado pela miséria no caso de alguns e em outros para evitar uma divisão muito grande da herança.
Larário pictórico em Pompeia, com duas cenas. Na primeira, no alto, um ritual com dois Lares portando sítula e ritão. Na segunda, embaixo, duas serpentes agatodemo (símbolo associado à sorte, saúde e sabedoria) diante de um altar ladeado por duas cornucópias, com ofertas em cima. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles). Créditos: Wikimedia Commons
Por este motivo que acabamos de frisar, para que um filho, fruto de um matrimônio, tivesse a condição de filho era preciso que fosse colocado aos pés do pater familias e que este o levantasse, acolhesse em seus braços e o coloque sobre seus joelhos, reconhecendo-lhe dessa forma como seu filho e comprometendo-se a criá-lo e educá-lo. Assim, um cidadão não teria o filho sem que literalmente o pegasse e levantasse pois era o chefe da família que tomava a decisão de aceitá-lo ou não.
Passados 8 ou 9 dias se impunha o nome ao filho, dependendo do gênero do mesmo. Com a imposição do nome, se colocava no colo do bebê a bulla, uma bolsa de forma esférica em que se colocava alguns amuletos que o livraram de “mau-olhado” ou de outros malefícios de cunho espiritual.
Diferente do que se pode pensar, o nome que era imposto à nova criatura, não era algo superficial, nem meramente rotineiro, mas que acarretava dar ao novo indivíduo um nome com o qual se designava sempre alguma qualidade particular, imaginária ou real, na maioria das vezes elogiosa que o recém nascido possuía, ou que se supunha ou se desejava por parte dos progenitores que o filho possuísse ou chegasse a cultivar. Desta forma os nomes tinham um poder invocador que estava assentado nas raízes vitais de uma comunidade ou povo; “um nome, um presságio” diziam os antigos. Não era nenhuma futilidade a imposição do nome, já que esta se encontrava revestida do correspondente ritualismo, mas também pelas implicações que envolviam o fato do sujeito portar um nome imposto por seus progenitores. A isto, atribuía-se grande importância, dando a esse ato de imposição um caráter transcendente onde o recém-nascido era personalizado através do nome.
Assim o nome era um atributo voluntário transmitido pelo pai ao filho, o qual deveria conservar durante toda a sua vida. Resumidamente, no nome, entendido como rótulo de identificação social, estavam presentes não só as raízes vitais de um povo mas também todos os seus gostos, costumes, sistemas de valores, enfim, sua vida, história e cultura, as quais estavam em suma sintetizadas em seu nome. Deste modo podemos arriscar-nos a afirmar sem medo de estarmos equivocados, que os nomes de um povo expressam a espiritualidade que o inspira e da qual é portador. Assim como a imposição do nome também tem a função de assegurar, transmitir e estender às gerações futuras essa tradição espiritual.
Acerca disto, finaliza-se adicionando que o nome constituía um ato de vontade, uma vontade que encontrava sua referência em uma inspiração que emanava de uma psique e uma espiritualidade comum ao conjunto de integrantes do povo. É assim que o nome exemplifica as raízes que dizem respeito à bagagem espiritual da comunidade e através deste e por meio de novas e únicas entidades encarnadas pelos indivíduos que vai atualizando-se neste tempo a espiritualidade comum; por assim dizer, a comunidade se perpetua através da diversidade, adaptando-se a um ambiente dinâmico e atualizando esse principio inspirador de sua espiritualidade que se encontra em sua origem e que por meio da tradição projeta-se até o futuro.
Um afresco do termopolium de Lucius Vetutius Placidus na cidade de Pompéia, representando o espírito (gênio) da casa central, ladeado por Lares e Penates com Mercury na extrema esquerda, Baco na extrema direita. Créditos: Wikimedia Commons
Digamos que a comunidade não permanece estática, mas sim em constante movimento, em um renovatio (renascimento em latim), e é exatamente isso que perpetua sua existência e possibilita a projeção de sua identidade e potencialidade até o futuro.
Quanto à religiosidade em Roma cabe destacar a existência de um culto privado e um culto público. Nesta dualidade religiosa se encontravam de um lado os deuses de âmbito comunitário e aos que o Império cultuava, e do outro as divindades privadas ou domésticas que eram veneradas por cada família.
Dentro do culto privado encontramos dois tipos de divindades ou espíritos: os Lares e os Penates. Vale ressaltar o fato de que essas divindades privadas ou domésticas eram próprias de cada gens, e que majoritariamente estavam relacionadas com as divindades que protegiam a casa e as atividades domésticas. Existia um lugar específico para eles dentro da casa, como era o átrio, a dependência mais importante, onde havia uma capela ou um simples nicho feito na parede com um altar, onde eram venerados juntamente com a deusa Vesta, vinculada aos cultos domésticos.
Os lares familiares eram representados por meio de estatuetas ou murais, aos quais eram cultuados de forma especial em datas festivas e a quem em todas as refeições diárias se faziam oferendas. A capela onde os lares se encontravam se chamava lararium, e ao final de cada refeição deixava-se algo na mesa para eles e para os demais protetores divinos da família e começava-se qualquer celebração familiar com uma oferenda de perfumes e guirlandas de flores a estas divindades.
Larário pictórico em Pompeia, com duas cenas. Na primeira, no alto, um ritual com dois Lares portando sítula e ritão. Na segunda, embaixo, duas serpentes agatodemo (símbolo associado à sorte, saúde e sabedoria) diante de um altar ladeado por duas cornucópias, com ofertas em cima. Museu Arqueológico Nacional de Nápoles)
Nos limites dos campos cultivados existiam pequenas capelas que estavam dedicadas aos lares, que se encarregavam também de zelar pela prosperidade da fazenda e igualmente ao restante dos deuses exigiam cultos e oferendas.
Em outro lugar da tradição romana encontramos com os deuses Penates, aos quais a família romana também cultuava, neste caso eram divindades protetoras da despensa e da casa em geral e com o tempo, a trindade protetora da casa que estava composta por Vesta, os Lares e os Penates, acabou sendo designada com o nome comum de “Lares familiares”.
Mas o culto doméstico não se limitava unicamente a este tipo de divindades, em outro lugar, não menos importante, encontrava-se os manes, que eram os espíritos dos antepassados mortos que eram invocados para captar sua benevolência. Estava extremamente enraizada a crença de que se não houvesse quem se lembrasse deles e fizesse oferendas em suas tumbas e as cuidassem, suas almas andariam errantes e sem sossego até chegar a converter-se em espíritos de influência nociva. Daqui se derivam as questões relacionadas com os fenômenos espectrais e outros tipos de acontecimentos de caráter paranormal ou sobrenatural que faziam parte da tradição pagã e que não seriam nada mais que, na maior parte dos casos, almas errantes que não haviam passado à outra vida enquanto não se houvesse realizado os correspondentes ritos que possibilitavam o seu passo mais além ou porque se havia descuidado da atenção aos mortos. Para evitar esse mal, uma vez ao ano nas festas funerárias, ofereciam em suas tumbas alimentos e bebidas, flores e presentes juntamente com a oração diária da família e das lembranças que representavam as mascaras de cera dos defuntos que penduravam nas paredes das casas. Em outras ocasiões eram imagens completas.
No culto doméstico era o pater familias quem exercia a função de sacerdote, dirigia as oferendas e pronunciava a oração que devia vir acompanhada dos gestos prescritos para que fosse válida e produzisse o efeito desejado. Não deveria faltar nem sequer uma palavra e essas deveriam ser pronunciadas com voz clara, caso contrário se interrompia a cerimônia e se começava de novo. Nisto consistia o ritualismo inerente aos cultos domésticos e à religiosidade pagã dentro da família romana, o que era estendido à maior parte dos povos indo-europeus.

Fonte Revista Esparta. Tradução de Christa Savitri

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