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quarta-feira, 15 de julho de 2020

“Universalizar o ensino superior” é charlatanismo populista!

Não há quem não se sinta o próprio Aristóteles ao proferir que “o problema do Brasil é a educação”. Tão repetida é esta máxima do vocabulário nacional que seu proferidor logo se vê envolto por uma aura de incontestável erudição e sabedoria, e, com ares de um verdadeiro estadista, resplandece crédulo de ter sepultado meio século de problemáticas sociais. Contudo, experimente você, ao ouvir essa brilhante e nunca antes proferida análise, indagar seu articulador “o que exatamente deveria ser feito no sentido de melhorar o arranjo educacional no Brasil?” e surpreenda-se com a inocuidade de suas proposições, via de regra, embasadas no entendimento de que “mais investimento” seria análogo a “maior qualidade”.
Ora, bastaria uma breve pesquisa no site oficial do governo para verificar que os gastos – ou, para os partidários de populismos baratos, “investimentos” – em educação no Brasil, tiveram um crescimento exponencial nas últimas décadas, atingindo hoje, inclusive, seis por cento do PIB – uma porcentagem superior a de inúmeros países desenvolvidos que consagra o Brasil enquanto o terceiro país que mais “investe” em educação, segundo a OCDE. Nem em função disto, porém, o Brasil têm apresentado qualquer melhora significativa no que se refere ao desempenho dos estudantes nos exames internacionais: no PISA, os estudantes brasileiro configuram-se entre os piores do mundo, atrás de países como o México, o Catar e a Malásia.
A causa da danosa conjuntura que hoje enfrentamos, embora evidente, não poderia jamais sair da boca de qualquer burocrata de Brasília dado a sua impopularidade: o projeto educacional hoje em vigência no Brasil, embora potencializado pelos governos petistas, impera desde o Regime Militar e se caracteriza pela primazia da quantidade em detrimento da qualidade. Uma vez compreendido o ensino superior, não enquanto um ambiente de proliferação intelectual, mas na condição de um meio através do qual o indivíduo pode alçar-se a um novo patamar social, todas as políticas de Estado passaram a atuar no sentido da expansão do contingente universitário e das instituições de ensino superior, acentuando desigualdades e obstaculando a ascensão econômicas dos indivíduos indispostos ou impossibilitados a formação acadêmica.
A ideia de inserir futuros profissionais indiscriminadamente ao ensino superior constitui em si utopia inatingível: não pode uma sociedade subsistir apenas de médicos, engenheiros e pesquisadores sem ninguém que supra demandas indispensáveis de primeira ordem, como pedreiros, garis, etc. Evidentemente, uma categoria superior do ensino voltada não aos indivíduos superiores mas sim às massas, não tem rezão de sê-lo, a não ser senão que sua finalidade resida tão somente na formação de mão de obra qualificada que mantenha o funcionamento da máquina pública, jamais na formação de verdadeiros filósofos, sociólogos, historiadores, linguistas e intelectuais dos mais distintos setores das humanidades – dado que se manifesta por auto-evidência na constatação de que apenas vinte e dois por cento dos universitários brasileiros são plenamente alfabetizados, segundo o Inaf (Indicador de Analfabetismo Nacional). À medida em que supõe-se a integração de gerações inteiras no ensino superior, tornando-o universalmente acessível, o mesmo deixará de ser superior e tornar-se-á uma extensão do igualmente ineficiente ensino básico.
De uma perspectiva pragmática a “democratização” do acesso ao ensino superior também não é menos danosa que a imoralidade intrínseca ao projeto: em dados atualizados de 2019, a dívida do Fies atingia 13 bilhões de reais espoliados dos cofres públicos, resultando no endividamento perpétuo de milhares de estudantes que entrarão no mercado de trabalho devedores; o decréscimo qualitativo da produção acadêmica brasileira justificou todo o projeto de “contingenciamento” de verbas e o confronto a “balbúrdia” universitária e; os escândalos de corrupção do Prouni, que envolvem, inclusive, o pagamento de bolsas para pessoas mortas e inexistentes, dispensam comentários.
O resultado deste empreendimento é a síntese de muitas das problemáticas que hoje afligem, sobretudo, às novas gerações: aumentou-se a cobrança formal por especialização na inclusão do indivíduo no mercado de trabalho, contudo a especialização em si, permanece a mesma e a cobrança por diplomas, mestrados e doutorados, não serve senão para atenuar a estratificação social e compor um contingente nunca antes visto de trabalhadores informais e desempregados. Em função desta conjuntura, a presente geração será a primeira a sair da casa dos pais após os vinte e cinco, não raro, após os trinta anos!
Posta à mesa a absoluta incompetência do ensino superior brasileiro que, além de alcançar a alcunha de maior produtor mundial de analfabetos funcionais, não obstante, consagrou figuras como Marilena Chauí, Sérgio Cortella e Márcia Tiburi como expoentes da “intelectualidade” nacional, conclui-se, por inexorável silogismo, que o aumento de gastos com o ensino superior, em nada contribuiu para a melhoria da educação educação mas, ironicamente, o aumento do investimento têm se provado inversamente proporcional a aptidão dos estudantes brasileiros nos exames internacionais.
Ora, mais urgente que alavancar questionamentos relativos a não-correspondência entre educação e escolarização, é a conscientização acerca do verdadeiro cartel em que transfiguraram-se as instituições públicas de ensino superior as quais, incapazes de formar intelectuais, compuseram uma elite com o qual é necessário conciliar para adquirir um meio de subsistência no mercado de trabalho. A elite dos bacharéis instituiu no Brasil a ideia de que o conhecimento não se basta a não ser quando devidamente positivado por algum acadêmico corrupto cuja diligência criminosa ateou fogo, não apenas no Museu Nacional, mas no futuro de seus alunos condenados ao analfabetismo perpétuo.
Assim, seria demasiada pretensão concluir este escrito prescrevendo um decálogo acerca de como resgatar a intelectualidade nacional mediante o sistema de ensino, haja em vista, inclusive, que um projeto dessa magnitude não caberia em planos de governo, cujo mandato se estende por tempo definido, apenas, talvez, em verdadeiros projetos de Estado inabarcáveis por nosso obsoleto modelo democrático-liberal. O que, porém, pode-se fazer, à nível individual, é compreender que a educação, tanto mais que mero direito assegurado pela constituinte, é resultado de um ato de vontade individual, e tratar de educar-se a si mesmo.
Eduardo Salvatti

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