O que estava em jogo, ontem, na votação do salário mínimo pelo Senado era muito mais do que um valor financeiro. Este, sabidamente, já estava aprovado pela maioria esmagadora do governo. O que estava em jogo, ali, era o maior valor democrático: o respeito à Constituição Federal. Era a validação, por parte do Legisltivo, de um instrumento que o usurpa e o invalida. Era a consagração do AI-1 de Dilma Rousseff, como este blog denunciou ontem pela manhã fazendo uma analogia com o regime militar, expressão utilizada mais tarde por Itamar Franco(PPS-MG), em suas considerações, durante a votação.
Todos sabiam que o valor de R$ 545 seria aprovado e a luta entre a oposição em minoria e o governo com avassaladora maioria era marcar, em um e outro lado, o estigma do arrocho salarial, da traição aos princípios, o distanciamento ou a aproximação com as promessas da campanha eleitoral. Além, é claro, do caráter anti-democrático ou não da medida governamental. Todos os argumentos foram buscados. A lei delegada de Aécio Neves em confronto com o decreto presidencial de Dilma Rousseff. O salário mínimo trazido ao dólar, um parâmetro sem nenhum valor, a velha mentira petista que anima a sua militância burra e amestrada. Os R$ 600 de José Serra x os R$ 560 de Aécio Neves, tucano contra tucano e o Brasil entrando pelo cano.
Todos sabiam, da mesma forma, que o decreto que estupra a Constituição Federal seria aprovado, movido pelas nomeações para o segundo escalão e pela liberação das emendas. Tanto é que o ponto alto da noite foi a intervenção de um jovem senador, Pedro Taque (PDT-MT), que denunciou a chantagem, com a seguinte declaração:
O artigo terceiro ofende o texto da Constituição, subtraindo um direito do Legislativo. Me disseram que se eu fizesse isso, que eu poderia ser retirado da Comissão de Constituição e Justiça, que eu não teria minhas emendas ao Orçamento liberadas e teria retirado dos cargos de segundo e terceiro escalões indicados para o governo. Mas não serão palavras desta ordem que mudarão minha convicção.
Foi o primeiro senador a silenciar o plenário. O segundo foi uma senadora, Kátia Abreu(DEM-TO), que surpreendentemente anunciou que não votaria nos R$ 560 e nos R$ 600. Absteve-se e deu os motivos. A senadora Kátia Abreu também é presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, que hoje luta contra os poderosos interesses das ongs financiadas pelo agronegócio internacional, que paga laudos de cientistas, campanhas de políticos verdes e até mesmo invasões do MST, para frear a concorrência brasileira no mercado internacional e para transformar o Brasil em um spa ecológico, onde os americanos e europeus virão purgar as suas culpas pela destruição do planeta. Que domina o INCRA e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Que tem fundas raízes no PT. A luta dos agricultores e pecuaristas brasileiros é pela aprovação do Código Florestal Brasileiro. É uma luta apartidária, basta ver que o relator é o deputado Aldo Rebelo(PCdoB-SP).É uma luta quase solitária, basta ver, por exemplo, o quanto os tucanos, aliados dos democratas, paparicam o onguismo e o verdismo da Avenida Paulista.
Kátia Abreu disse o que tinha que dizer, trazendo para o plenário e para o país os verdadeiros motivos pelos quais o governo federal está achatando o salário mínimo. Teve a coragem de atacar quem não foi atacado pela oposição na campanha eleitoral: Lula, o grande culpado, o presidente velhaco que deixou esta herança maldita pela qual o pobre é que vai pagar. Teve a coragem de botar o dedo na ferida tão protegida pelos petistas, peemedebistas e outros favorecidos pela farra e pela gastança que caracterizou o governo Lula. Teve a coragem de dizer que o preço da inflação é muito mais nocivo do que o valor do salário mínimo. Abaixo, o resumo do voto de Kátia Abreu:
A escalada da inflação torna o equilíbrio fiscal a questão mais importante para o País neste momento. Todos os outros interesses precisam ser subordinados a este.
Só chegamos a esta situação pela imprudência fiscal do último governo, mas não é por causa disso que a Oposição deve comprometer o equilíbrio fiscal. Entre preservar o poder de compra dos brasileiros ou dar-lhes a ilusão de um ganho provisório, eu fico com a primeira opção.
Escutei com atenção todos os discursos no Plenário do Senado nesta tarde. Nenhum orador da base do Governo identificou a verdadeira razão pela qual não podemos aprovar um valor maior para o salário mínimo. O País não ouviu dos governistas a verdade dos fatos. Os gastos públicos tiveram crescimento exorbitante. Em 2002, eram 4,87% do PIB. No último ano do governo anterior, saltaram para 7,51% do PIB.
As despesas com pessoal e encargos da União em 2002 somavam 71 bilhões; em 2010 chegaram a 166 bilhões. O déficit previdenciário saiu de 17 bilhões em 2002 para 42 bilhões e 800 milhões em 2010. A dívida interna de 44,7% do PIB passou para 50,2% do PIB. O total dessa dívida hoje é 1 trilhão e 835 bilhões. Esse aumento do endividamento ocorreu em um cenário de crescimento expressivo da arrecadação.
Se tivesse existido um mínimo de responsabilidade fiscal no governo anterior as contas públicas estariam equilibradas e o povo brasileiro poderia contar com um mínimo melhor. Contudo, esse resultado não será possível e tenho receio de que os ganhos da sociedade brasileira, desde o Plano Real, estejam ameaçados por essa política de descontrole. Mesmo com o corte anunciado de 50 bilhões, o crescimento previsto dos gastos em 2011 é de 3,3%.
Se abrirmos mão da responsabilidade fiscal, também as prefeituras, vale dizer todos os brasileiros que estão nos municípios, pagarão um preço elevado por isso.
Defender o equilíbrio fiscal, para mim, é imperativo de consciência, obrigação de quem se dedica à vida pública.
Quero enfatizar que meu voto não representa desrespeito à orientação do meu Partido. Reafirmo minha posição de integrante da Oposição. Meu voto tem uma motivação pessoal: o compromisso com a responsabilidade fiscal e com o controle da inflação.
Embora concorde com a regra em pauta, discordo veementemente da fixação do salário mínimo por decreto. O Congresso Nacional não pode, em hipótese alguma, abrir mão das suas prerrogativas.
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