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quinta-feira, 24 de março de 2011

Lula e Dilma: três meses depois, as diferenças que não querem calar



Lula e Dilma: três meses depois, as diferenças que não querem calar
Por Arnaldo Bloch
O Globo

ABAPORU DE CHUTEIRAS: Imagem marcante do weekend brasileiro do presidente Obama: Dilma conversando com ele diante da tela “Abaporu”, de Tarsila do Amaral.

Sem qualquer juízo de valor, Lula preferia conversas que girassem em torno da cultura do futebol. Pertencente ao acervo do marchand argentino Eduardo Constantini no Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires (Malba), o ícone do modernismo está passando uma temporada em Brasília, na mostra “Mulheres, artistas e brasileiras”, que abre hoje, no Salão Oeste do Planalto, com a presença da presidente.


Sua vinda foi negociada pelo Itamaraty com a Argentina, que está de biquinho por Obama não ter incluído o país em seu tour. O Brasil pleiteia o repatriamento da obra. Coincidência?



TODA RETA É UMA CURVA: Lula era adepto de uma pirotecnia, de uma estridência e de um culto à imagem indiscutíveis. A intuição era seu forte.

Dilma é de um pragmatismo explícito ululante e é amiga do silêncio. Sem o peso de ser um mito de encarnação da identidade nacional (no que isso tem de força e fraqueza), Dilma pode se permitir ser mais direta.


Nas relações internacionais, na articulação e alianças, no trato com a imprensa, onde Lula era sinuoso, Dilma, para não se perder, cultiva a linha reta.



NUNCA ANTES FH: Em sua gestão e na campanha, Lula evitava o reconhecimento a seus antecessores, encampando, subliminarmente, as conquistas do passado e construindo o mito do “nunca antes”. Dilma, na visita de Obama, convidou Fernando Henrique para sentar-se à mesa principal. Pode ser que tenha contado com a sorte.

Se Lula tivesse aceitado o convite, é quase certo que ele estaria sentado ali, e não FH. Com a recusa, ela aproveitou para fazer um gesto de conciliação, e, talvez, dar uma cutucada em Lula.



BOTA NA LAMA: Podia não ser por descaso, nem preguiça, nem superstição, mas é fato que Lula nunca foi chegado a visitar as grandes catástrofes nacionais, enchentes, áreas conflagradas, secas, incêndios, regiões endêmicas.

Dilma, com poucas semanas no Planalto, visitou, ao lado do governador Sérgio abral, o Vale do Cuiabá, região mais atingida nas chuvas do final do ano passado na Região Serrana do Rio, dando a entender que não tem medo de colocar os pés, ou, pelo menos botas, na lama.



A ABA DA MÁQUINA: Numa coisa Dilma e Lula diferem pouco: a fidelidade ao PMDB. Verdade que Dilma deixou o partido de fora das almejadas presidências de Furnas e dos Correios, mas Flavio Decat, nomeado para a estatal de energia, é indicação da ala de Sarney.

Dilma, porém, escolhe peemedebistas de sua confiança, e aproveitou para dar ares de mudança de rumos no enquadramento de Eduardo Cunha. No geral, contudo, pouco mudou: o PT continua no comando da máquina, e o PMDB, na aba.



O APREÇO TEM PREÇO: Lula terminou sua gestão em guerra com a imprensa, depois de uma gestão pontuada por crises com o setor, culminando com a frase “A opinião pública somos nós”.

Dilma, assim que assumiu, cuidou, logo, de paparicar as mídias. O quanto pesaram o genuíno apreço à liberdade de expressão e o cálculo de sobrevivência política é uma conta difícil. Seja como for, o projeto de Franklin Martins de controle dos meios de comunicação continuará podendo ser retirado da gaveta se a situação engrossar.



MUY AMIGOS: Personalista, a política externa de Lula apostou na relação pessoal com os demais governantes e um critério e lealdade todo seu. Quando esteve com Muamar Kadafi, declarou-o amigo de velhos tempos, que o ajudou em momentos difíceis. Cortejou Ahmadinejad e derrapou na curva final. Acumulou tropeços e bateu de frente com aqueles que eram seus admiradores, como ao dizer-se “feliz” em ver os Estados Unidos e a Europa em dificuldades.

Dilma, por sua vez, antes mesmo de assumir deixou claro que fora contra a posição brasileira em relação ao Irã e, em menos de três meses, o Brasil já criticava na ONU as tiranias do Islã, sem que isso melindrasse a cautela da diplomacia pátria. Até quando?



FALO, LOGO EXISTO: Lula mostrou que é um grande orador público, mesmo que muitas vezes fizesse o contrário do que dizia. Adorava falar de improviso. Dilma tem pouco carisma, não é uma boa oradora, lê mal e seu falar está permeado de vícios da linguagem de tecnocrata. Tais limitações a obrigam a ser mais cerebral e ter sempre escritos os seus discursos.

Talvez seu caminho seja mesmo o de nem ousar se comparar a Lula neste quesito, no qual o cara é mesmo imbatível. A vantagem: unificar mais o discurso e os atos, dando menos espaço para a fantasia retórica.




EM NÚMERO DO PAI: Lula saiu com 80% de popularidade. Dilma tem 47%, mais ou menos o mesmo que Lula no início do primeiro mandato.
Dilma é tão popular quanto Lula? Não.
Afinal, candidata da continuidade, herdou boa parte da fama do criador. Além disso,

Dilma está com 40% numa economia que vem de um crescimento de 7,5% do PIB, mas está declinando.

Lula tinha isso num primeiro ano em que teve que tomar medidas muito duras. Dilma sonha crescer 5% este ano, mas não pode deixar a inflação dar as caras...


A FRITURA E A GUILHOTINA: Lula deixava ministros e assessores fritarem em fogo brando, e, obcecado por estar bem com todos (como se sua popularidade não lhe desse boa margem), evitava criticar os desmandos dos aliados. Dilma, que quis proteger sua assessora durante a campanha, agora é rápida no gatilho: quem pisa na bola, por enquanto, dança. Exemplos são os
casos de Abramovay na Senad e de Emir Sader, que sequer tomou posse na Fundação Rui Barbosa depois de dizer que a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, era meio autista.


YES, NÓS TEMOS YES: Embora tenha discursado em português, Dilma prescindiu da tradução simultânea quando Obama discursou e conversou com o presidente americano sem necessidade de intérprete.
Lula nunca ligou para a língua inglesa ou qualquer outra e mostrou que isso não tinha mesmo a menor importância.

Reinou soberano em todos os cantos do mundo, encantando plateias e autoridades, transformou-se no “cara” de Obama e entrou em listas de líderes.



Esta página foi editada a partir de um debate entre Arnaldo Bloch, Carter Anderson, Luiz Antônio Novaes e Merval Pereira

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