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quinta-feira, 19 de março de 2020

O Socialismo do Conservadorismo

O Conservadorismo também produz empobrecimento, e tanto assim mais causará quanto mais resolutamente for aplicado.
Todavia, antes de proceder a uma análise sistemática e detalhada das formas peculiares
pelas quais o conservadorismo produz seus efeitos, seria apropriado dar uma rápida
olhada na história, para melhor se entender por que o conservadorismo é de fato
socialismo, e como ele se relaciona com as duas formas igualitaristas de socialismo
anteriormente discutidas.
De grosso modo, antes do século dezoito, na Europa e [p.66] por todo o mundo,
um sistema de “feudalismo” ou absolutismo, que era de fato feudalismo em uma escala
maior, existiu1. Em termos abstratos, a ordem social do feudalismo era caracterizada
por um senhor regional que reclamava propriedade sobre algum território, incluindo
todos os seus recursos e bens, e também muito freqüentemente de todos os homens que
nele morassem, sem tê-los apropriado originalmente por meio do uso ou trabalho, e sem
ter com eles nenhuma relação contratual. Ao contrário, o território, ou melhor, as suas
várias partes e os bens neles havidos, eram ativamente ocupados, usados, e produzidos
por diferentes pessoas antes dele (os “proprietários naturais”). As reinvidicações de
propriedade dos senhores feudais eram então derivadas de ar rarefeito. Portanto, a
prática, baseada nestes alegados direitos de propriedade, de alugar a terra e outros
fatores de produção aos proprietários naturais em troca de bens e serviços fixados
unilateralmente pelo senhor feudal, tinha de ser aplicada contra a vontade destes
proprietários naturais, pela força bruta e violência armada, com a ajuda de uma nobre
casta de militares que eram recompensados pelo senhor feudal pelos seus serviços com
a autorização de participar e compartilhar de seus métodos exploratórios e
procedimentos. Para o homem comum sujeito a esta ordem, a vida significava tirania,
exploração, estagnação econômica, pobreza, fome e desespero.
Como era de se esperar, havia resistência a este sistema. Todavia, bastante
interessante (de uma perspectiva atual), é o fato de que não eram os camponeses quem
mais sofriam com a ordem existente, mas sim os mercadores e viajantes, que se
tornaram os principais oponentes do sistema feudal. Ao comprarem a um preço menor
em um lugar, para então viajarem e venderem a um preço mais alto em um lugar
diferente, como faziam, resultava que sua subordinação a qualquer senhor feudal se
tornasse relativamente enfraquecida. Eles formavam essencialmente uma classe de
homens internacionais, atravessando as fronteiras dos vários territórios constantemente.
Desta forma, para fazerem negócios eles requeriam um sistema legal estável e
internacionalmente válido: um sistema de normas, validas em qualquer tempo e lugar,
definindo propriedade [p.67] e contrato, o que facilitaria a evolução das instituições de
crédito, bancos e seguros, essenciais a qualquer negócio comercial de grande escala.
Naturalmente, isto causava um atrito entre os comerciantes e os senhores feudais, como
os representantes de vários sistemas legais regionais e arbitrários. Os comerciantes
tornaram-se os párias do feudalismo, permanentemente ameaçados e atacados pelas
castas dos nobres militares que almejavam colocá-los sob seu controle3.
Para escapar desta ameaça os comerciantes eram forçados a se organizar e a
auxiliarem-se mutuamente, estabelecendo pequenos entrepostos fortificados nas bordas
dos centros do poder feudal. Como locais de extraterritorialidade parcial e ao menos
parcial liberdade, eles logo atraíram um crescente número de camponeses que fugiam da
exploração feudal e miséria econômica, fazendo crescer as cidades pequenas,
promovendo o desenvolvimento de artesanato e negócios produtivos que não poderiam
emergir nos arredores da exploração e instabilidade legal características da ordem
feudal. Este processo era mais pronunciado onde os poderes feudais estavam
relativamente fracos e onde o poder estava disperso entre um grande número de vários,
bem menores, senhores feudais rivais entre si. Foi nas cidades do norte da Itália, nas
cidades da liga hanseática e nas dos Flandres que o espírito do capitalismo por primeiro
floresceu, e o comércio e a produção alcançaram seus maiores níveis4.
Porém, esta emancipação parcial das restrições e a destagnação do feudalismo
foram apenas temporárias, e foram seguidas por reação e declínio. Isto se deveu em
parte a fraquezas internas no movimento da própria nova classe de comerciantes. Ainda
muito arraigada nas mentes dos homens estava o modo feudal de pensar com relação
aos diferentes lugares consignados às pessoas, à subordinação e ao poder, e à ordem de
ter de ser imposta aos homens por meio de coerção. Portanto, nos novos centros
comerciais emergentes um novo conjunto de regulações não-contratuais e restrições –
agora de origem “burguesa”, foi logo estabelecido: as “guildas”, que restringiam a livre
competição, foram fundadas, e uma nova oligarquia mercante ergueu-se5. Mais
importante, embora, que este processo reacionário [p.68] foi ainda um outro fato. Em
seus esforços para livrá-los das intervenções exploratórias dos vários senhores feudais,
os comerciantes tinham de procurar por aliados naturais. Compreensivelmente, eles
encontraram tais aliados entre aquela classe de senhores feudais que, embora
comparativamente mais poderosos que seus oponentes nobres, tinham o centro de seu
poder a uma distância relativamente mais longa das cidades comerciais que procuravam
assistência. Ao se alinharem com a classe dos comerciantes, eles buscavam estender seu
poder além do atual alcance em detrimento dos outros senhores menores6. Para alcançar
este objetivo eles primeiro garantiam certas isenções das obrigações “normais” que
recaíam sobre os assuntos da ordem feudal aos prósperos centros urbanos, desta forma
assegurando sua existência como lugares de liberdade parcial, e ofereciam proteção
contra os outros poderes feudais das redondezas. Contudo, assim, que a coalizão
lograsse sucesso em sua união de interesses para enfraquecer os senhores locais e o
aliado feudal “estranho” das cidades mercantis tinha enfim estabelecido um poder real
para além de seu próprio território, ele ia adiante e estabelecia-se como um super poder
feudal, ou seja, uma monarquia, com um rei que impunha suas próprias normas
exploratórias sobre aqueles do então existente sistema feudal . O Absolutismo havia
nascido; e não sendo mais do que feudalismo em uma escala maior, o declínio
econômico novamente se estabeleceu, as cidades se desintegraram, e a estagnação e
miséria retornaram.
Não foi antes do fim do século dezessete e do início do século dezoito que,
finalmente, o feudalismo veio a sofrer um verdadeiro ataque pesado. Desta vez o ataque
foi mais severo, porque não era mais tão simplesmente uma iniciativa de homens
práticos – os comerciantes - para garantir esferas de relativa liberdade com o fim de
realizar negócios. Foi progressivamente uma batalha ideológica combatida contra o
feudalismo. A reflexão intelectual nas causas do aumento e declínio do comércio e
indústria que foram experimentados, e um estudo mais intensivo da lei Romana e em
particular, da Lei Natural, as quais ambas haviam sido redescobertas no período da
campanha dos comerciantes para desenvolver uma lei de comércio internacional [p.69]
e justificá-la contra as reivindicações concorrentes da lei feudal tinham levado a uma
compreensão mais sonora do conceito de liberdade, e de liberdade como um prérequisito
para a prosperidade econômica8. Assim que estas idéias, que culminaram com
obras tais como “Dois Tratados sobre Governo”, de J. Locke, 1688, e “A Riqueza das
Nações”, de A. Smith, 1776, espalharam-se e ocuparam as mentes de um círculo de
pessoas fortemente em expansão, a velha ordem perdeu sua legitimidade. O velho modo
de pensar em termos de ligações feudais gradualmente abriu o caminho à idéia de uma
sociedade contratual. Finalmente, como expressões públicas desta mudança no estado
de coisas na opinião pública, a Revolução Gloriosa de 1688 na Inglaterra, a Revolução
Americana de 1776, e a Revolução Francesa de 1789 sucederam-se; e nada mais foi
como antes depois que estas revoluções ocorreram. Elas provaram, de uma vez por
todas, que a velha ordem não era invencível, e faiscaram novas esperanças para um
futuro progresso no caminho que leva à liberdade e prosperidade.
O Liberalismo, como veio a ser chamado o movimento ideológico que trouxe
estes eventos que sacudiram a terra, emergiu destas revoluções mais forte que nunca e
tornou-se por cerca de mais que meio século a força ideológica dominante na Europa
Ocidental. Foi o partido da Liberdade e da Propriedade Privada adquirida por ocupação
e contrato, consignando ao Estado meramente o papel de garantidor destas normas
naturais9. Com remanescentes do sistema feudal ainda em efeito em qualquer lugar,
ainda que combalidos em sua fundação ideológica, foi o partido que representava uma
sociedade contratualizada, liberalizada, desregulada, interna e externamente, ou seja,
com respeito tanto à política doméstica quanto às relações internacionais. Sob as
pressões das idéias liberais as sociedades européias tornaram-se progressivamente livres
das restrições feudais, e por isto também se tornou o partido da Revolução Industrial,
que foi causada e estimulada por este mesmo processo de liberação. O desenvolvimento
econômico estabeleceu-se a um passo nunca antes experimentado pela humanidade. A
indústria e o comércio floresceram e a formação e acumulação [p.70] de capital
alcançaram novas alturas. Ainda que o padrão de vida não tenha melhorado
imediatamente para todos, tornou-se possível apoiar um número crescente de pessoas -
pessoas que – somente uns poucos anos antes – sob o feudalismo, morreriam de fome
por causa da falta de prosperidade econômica, e que poderiam agora sobreviver.
Adicionalmente, com o crescimento da população crescendo abaixo do crescimento de
capital, agora qualquer um poderia realisticamente manter a esperança de que aumentar
os padrões de vida estava bem perto da próxima esquina.
É em direção contrária a esta retrospectiva da história (aproximadamente
simplificado, obviamente, como foi apresentado) que o fenômeno do conservadorismo
como uma forma de socialismo e sua relação com as duas versões de socialismo
originadas no Marxismo deve ser vista e compreendida. Todas as formas de socialismo
são respostas ideológicas aos desafios postos pelo avanço do liberalismo; mas suas
posições tomadas contra o liberalismo e o feudalismo – a velha ordem que o liberalismo
ajudou a destruir – diferem consideravelmente. O avanço do liberalismo havia
estimulado uma mudança social a um passo, a uma extensão, e em variações não antes
ouvidas. A liberação da sociedade significava que, progressivamente, poderiam manter
uma dada posição social, uma vez adquirida, somente as pessoas que produzissem mais
eficientemente para as necessidades mais urgentes dos consumidores voluntários com o
mínimo custo possível, e por acomodarem-se exclusivamente em relações contratuais
com respeito à aquisição de fatores de produção e em particular, do trabalho. sob esta
pressão, os impérios mantidos unicamente pela força entraram em colapso. Como as
demandas dos consumidores às quais a estrutura de produção passou cada vez mais a ter
de se adaptar (e não vice-versa) estavam mudando constantemente, e o nascimento de
novos empreendimentos tornou-se cada vez menos regulado (tanto quanto isto foi o
resultado da apropriação originária e/ou contrato), a posição de ninguém mais na
hierarquia de renda e riqueza estava garantida. Ao contrário, para cima e para baixo, a
mobilidade social cresceu significantemente, porque nem os donos dos fatores
particulares, nem os dos serviços laborais, estavam mais imunes às respectivas [p.71]
mudanças de demanda. Não havia mais a garantia de preços estáveis ou de uma renda
estável.
O velho marxismo e o novo socialismo social-democrata são as crescentes
respostas igualitaristas a este desafio de mudanças, incerteza e mobilidade. Tal como o
liberalismo, eles bradam pela destruição do feudalismo e o avanço do capitalismo.
Deram-se conta que foi o capitalismo que libertou o povo dos laços feudais
exploratórios e produziu enormes melhorias na economia; e eles entendem que o
capitalismo e o desenvolvimento das forças produtivas, por ele trazido, foi uma etapa
positiva e necessária no caminho em direção ao socialismo. O Socialismo, assim
concebido, compartilha os mesmos objetivos do liberalismo: liberdade e prosperidade.
Todavia, o socialismo supostamente ultrapassa as conquistas do liberalismo ao suplantar
o capitalismo – a anarquia da produção dos competidores privados que causa a já
mencionada mudança, mobilidade, incerteza e agitação no tecido social – como seu
mais alto estágio de desenvolvimento de uma economia racionalmente planejada e
coordenada que evita que as incertezas derivadas desta mudança sejam sentidas em um
nível individual. Desafortunadamente, obviamente, assim como os dois últimos
capítulos suficientemente têm demonstrado, esta é, antes, mais uma idéia confusa.
Porque é precisamente por fazer os indivíduos insensíveis à mudança, por meio de
medidas redistributivas, que o incentivo a adaptar-se rapidamente a qualquer mudança
futura é jogado fora e, por conseguinte, o valor dos bens produzidos, em termos de
avaliações dos consumidores, irá cair. Ademais, é precisamente porque um plano
substitui os vários outros aparentemente descoordenados que a liberdade individual se
reduz, e, mutatis mutantis, o governo por um homem sobre os outros aumenta.
O Conservadorismo, em outra mão, é a resposta anti-igualitarista e reacionária às
mudanças dinâmicas postas em movimento por uma sociedade liberada. É anti-liberal e,
antes de reconhecer os feitos do liberalismo, tende a idealizar e glorificar o antigo
sistema de feudalismo como ordeiro e estável12. Como um fenômeno pósrevolucionário,
ele não advoga necessariamente e completamente [p.72] um retorno ao
antigo status quo pré-revolucionário e aceita determinadas mudanças, ainda que
pesarosamente, como irreversíveis. Porém, é uma grande reviravolta quando as antigas
potências feudais que perderam os seus estados, no todo ou em parte, para os donos
naturais no curso do processo de liberalização, conseguem restabelecer-se às suas
antigas posições, e definitiva e abertamente propagam a conservação do status quo, i.e.,
uma dada distribuição, altamente desigual, da propriedade, riqueza e renda. Sua idéia é
parar ou frear as permanentes mudanças e processos de mobilidade trazidos à tona pelo
liberalismo e o capitalismo tão completamente quanto possível e, ao invés, recriar um
sistema social estável e ordeiro no qual qualquer um mantenha-se inalteravelmente na
posição que o passado tenha lhe consignado13.
Para alcançar tal desiderato, o conservadorismo deve advogar, e de fato o faz, a
legitimidade dos meios não contratuais de aquisição e retenção da propriedade e a renda
dela derivada, desde que foi precisamente a confiança exclusiva nas relações contratuais
que causou a aguda permanência de mudanças na distribuição relativa de renda e de
riqueza. Tal como o feudalismo permitia a aquisição e manutenção da propriedade e
riqueza por meio da força, então o conservadorismo ignora se o povo tem ou não
adquirido ou mantido sua dada renda e riqueza por meio de apropriação original e
contrato. Contrariamente, o conservadorismo considera apropriado e legítimo para uma
classe de proprietários já estabelecidos o direito de barrar qualquer mudança social que
estes venham a considerar como uma ameaça à posição relativa que ocupam na
hierarquia social de renda e riqueza, mesmo que os vários donos-usuários individuais
dos vários fatores de produção não tenham contratado isto sob nenhum acordo de tal
natureza. O conservadorismo, portanto, deve ser classificado como o herdeiro
ideológico do feudalismo. O feudalismo, por sua vez, deve ser descrito como o
socialismo aristocrático (o que deverá ficar suficientemente mais claro a partir da
caracterização acima), portanto deve o conservadorismo ser considerado como o
socialismo do regime burguês. O liberalismo, ao qual são respostas ideológicas ambas
as versões de socialismo, a igualitarista e a conservadorista [p.73], alcançou o ápice de
sua influência por volta de meados do século dezenove. Provavelmente seus últimos
grandes feitos foram a revolta contra as leis sobre cereais (“Corn Laws”), na Inglaterra
de 1846, levada a efeito por R. Cobden, J. Bright e a liga que se formou contra a lei dos
cereais, e as revoluções de 1848 da Europa Continental. Portanto, devido às fraquezas
internas e inconsistências na ideologia do liberalismo14, as dissensões e a divisão
causadas pelas aventuras imperialistas das nações-estado, e “last but not least” por
causa do apelo que as diferentes versões do socialismo com suas várias promessas de
segurança e estabilidade tiveram e ainda têm para um público arraigado a uma
generalizada rejeição pela mudança dinâmica e mobilidade15, o declínio do liberalismo
se estabeleceu. O Socialismo progressivamente o suplantou como uma força ideológica
dominante, por conseguinte revertendo o processo de liberalização e mais uma vez
impondo mais e mais elementos não contratuais na sociedade16. Em diferentes lugares e
épocas, diferentes tipos de socialismo encontraram apoio na opinião pública em
diferentes níveis, de tal forma que hoje traços de todos eles podem ser encontrados,
coexistindo em níveis diferentes em todos os lugares e compondo seus respectivos
efeitos de empobrecimento no processo de produção, na manutenção da riqueza, e na
formação do caráter. Entrementes, é a influência do socialismo conservador, em
particular, que deve ser ressaltada, especialmente porque tem sido freqüentemente
subestimado ou sobrevalorizado. Se hoje as sociedades da Europa ocidental podem ser
descritas como socialistas, isto se deve muito mais à influência do socialismo do
conservadorismo do que o das idéias igualitaristas. É o modo peculiar com que o
conservadorismo exerce sua influência, todavia, que explica porque freqüentemente não
é reconhecido. O Conservadorismo não apenas molda a estrutura social por meio de
emissão de políticas; especialmente nas sociedades tais como as européias, onde o
passado feudal nunca fora completamente sacudido, mas, ao contrário, onde um grande
número de remanescentes feudais sobreviveu mesmo no pico do liberalismo, uma
ideologia tal como o conservadorismo também tem exercido sua influência, de forma
bem discreta, ao simplesmente manter o status quo e deixando as coisas continuarem a
serem feitas de acordo [p.74] com as antigas tradições. Quais são então os elementos
conservadores específicos nas sociedades atuais, e como elas produzem o
empobrecimento relativo? Com esta questão, voltamos à análise sistemática do
conservadorismo e seus efeitos econômicos e sócio-econômicos. Uma caracterização
abstrata das normas sobre propriedade sublinha o conservadorismo e uma descrição
destas normas em termos da teoria natural da propriedade será novamente o ponto de
partida. Há duas destas regras. A primeira, o socialismo conservador, assim como o
socialismo social-democrata, não incriminaI a propriedade privada. Pelo contrário: tudo
– todos os fatores de produção e todo o patrimônio usado de forma não-produtiva –
podem, em princípio, serem privativamente apropriados, vendidos, comprados,
alugados, com a exceção – novamente – apenas em tais áreas como educação, tráfico,
banco central, comunicação, e seguros. Todavia, secundariamente, nenhum proprietário
possui toda a sua propriedade e toda a renda que pode ser auferida de sua utilização.
Antes, parte dela pertence à sociedade dos atuais proprietários e recipientes de renda, e a
sociedade tem o direito de distribuir a renda e a riqueza, presentes e futuras, aos seus
membros individuais de tal modo que a antiga e relativa distribuição de renda e riqueza
sejam preservadas. Da mesma forma, também é direito da sociedade determinar a
extensão da renda e da divisão de riqueza a serem administradas, e o que exatamente é
necessário para preservar uma dada renda e distribuição de riqueza.
Da perspectiva da teoria natural da propriedade, o arranjo que o
conservadorismo faz da propriedade novamente implica uma agressão contra os direitos
dos donos naturais. Os donos naturais das coisas podem fazer o que quiserem com elas,
tanto quanto não mudem, sem consentimento, a integridade física da propriedade de
qualquer outra pessoa. Isto implica, em particular, seu direito a mudar a sua propriedade
ou de alocá-la em diferentes usos de forma a se adaptar antecipadamente às mudanças
de demanda e assim preservar ou possivelmente incrementar o seu valor; também isto
lhes dá o direito de colher privativamente os benefícios do valor acrescido da
propriedade que resultam das mudanças de demanda não-previstas – de mudanças,
[p.75] que lhes trouxeram sorte, dado que eles não as previram ou provocaram.
Contudo, ao mesmo tempo, desde que, de acordo com a teoria natural da propriedade,
qualquer dono natural está apenas protegido contra a invasão física e a aquisição e
transferência de títulos de propriedade sob a forma não-contratual, resulta também que
qualquer um, de forma constante e permanente corre o risco de, por meio de mudanças
na demanda ou das ações que outros proprietários venham a realizar com as suas
propriedades, ver o valor da sua propriedade cair abaixo do nível em que antes se
encontrava. De acordo com esta teoria, contudo, ninguém possui o valor de sua
propriedade e, portanto, ninguém, em qualquer tempo, tem o direito de preservar e
restabelecer o valor de sua propriedade. Comparativamente, o conservadorismo busca
precisamente tal preservação ou restabelecimento do valor e sua relativa distribuição.
Entretanto, isto só se torna possível, obviamente, se a redistribuição na consignação dos
títulos de propriedade tiver lugar. Desde que o valor da propriedade de ninguém
depende exclusivamente da realização de suas próprias ações com a sua propriedade,
I No inglês, “outlaw”, colocar fora da lei, declarar ilegal.
mas também, e inescapavelmente, das ações de outras pessoas realizadas com os meios
escassos sob o controle delas (e além delas, de outros), se uma pessoa ou um grupo de
pessoas quiser preservar o valor presente das suas propriedades, seria necessário que
possuíssem de direito todos os meios escassos (muito além daqueles realmente
controlados ou utilizados por esta pessoa ou grupo). Mais além, este grupo deve
literalmente possuir os corpos de todas as pessoas, já que o uso que uma pessoa faz de
seu próprio corpo pode também influenciar (aumentar ou diminuir) o valor das
propriedades existentes. Então, de modo a alcançar o objetivo do conservadorismo, uma
redistribuição dos títulos de propriedade deve ocorrer à revelia das pessoas donasusuárias
dos recursos escassos para as pessoas que, quaisquer que tenham sido seus
méritos como produtores no passado, na verdade não usam ou adquirem
contratualmente aquelas coisas cuja utilização tinha ocasionado a mudança na dada
distribuição de valor.
Com este entendimento, a primeira conclusão com respeito aos efeitos
econômicos gerais do conservadorismo está na mão: com os donos naturais das coisas
total ou parcialmente expropriados em favor dos não usuários, não-produtores [p.76] e
não-contratantes, o conservadorismo elimina ou reduz o incentivo aos primeiros para
fazerem algo sobre o valor da propriedade existente e adaptá-las às mudanças na
demanda. Os incentivos para se estar atento e se antecipar às mudanças na demanda,
para rapidamente ajustar a propriedade existente e usá-la de uma forma consistente com
tais circunstâncias modificadas, a aumentar os esforços produtivos, e para poupar e
investir são reduzidos assim que os possíveis ganhos de tal comportamento não podem
mais ser privativamente apropriados, mas serão socializados. Mutatis mutantis, aumenta
o incentivo para não se fazer nada que venha a evitar o permanente risco de queda do
valor de propriedade abaixo de seu nível presente, tanto quanto as possíveis perdas de
tal postura não tenham mais de ser privativamente apropriados, mas antes, serão
também socializadas. Portanto, desde que todas estas atividades - a prevenção do risco,
o acompanhamento, a adaptabilidade, o trabalho e a poupança – são custosas e
requerem o uso de tempo e possivelmente outros recursos escassos, ao mesmo tempo
em que poderiam ser usadas em meios alternativos (como por exemplo, em laser e
consumo), haverá menos das antigas atividades e mais das últimas, e como
conseqüência o padrão geral de vida irá cair. Portanto, é de se concluir que o objetivo
conservadorista de preservar o valor presente e a distribuição de valor existente entre
diferentes indivíduos pode apenas ser alcançada às expensas de uma relativa queda no
valor geral dos novos produtos produzidos e na manutenção dos já existentes, ou seja,
uma redução na riqueza social.
Provavelmente agora tem se tornado mais aparente que do ponto de vista da
análise econômica, haja uma estrita similaridade entre o socialismo do conservadorismo
e o socialismo social-democrata. Ambas as formas de socialismo envolvem uma
redistribuição dos títulos de propriedade retirando-os dos produtores/contratantes, em
prol dos não produtores/não contratantes, e ambos, portanto, separam o processo de
produção e contratação da verdadeira aquisição de renda e riqueza. Ao fazê-lo, ambos
fazem da aquisição de renda e riqueza uma questão política – uma questão que, no curso
da qual, uma pessoa ou um grupo [p.77] impõe sua vontade com respeito ao uso dos
meios escassos sobre a vontade de outros, recalcitrantes; ambas as versões do
socialismo, embora em princípio reinvindiquem a propriedade de toda a renda e riqueza
produzida em favor dos não-produtores, permitem que seus programas sejam
implementados de um modo gradual e levado a efeito em vários graus; e ambos, como
conseqüência de tudo isto, devem, à extensão que a política respectiva é certamente
implementada, levar ao relativo empobrecimento.
A diferença entre conservadorismo e o que tem sido denominado como
socialismo social-democrata repousa exclusivamente no fato de que eles apelam a
pessoas diferentes ou a diferentes sentimentos nas mesmas pessoas sobre aquilo que as
levem a preferir um modo diferente pelo qual a renda e a riqueza extraídas extracontratualmente
dos produtores sejam redistribuídas aos não–produtores. O socialismo
redistributivista consigna renda e riqueza a não-produtores, independentemente de seus
méritos passados como donos da riqueza e recipientes da renda, ou mesmo tenta
erradicar as possíveis diferenças. O conservadorismo, em outra mão, aloca renda a nãoprodutores
de acordo com seu passado, renda desigual e posição da riqueza e busca
estabilizar a existente distribuição de renda e as existentes diferenças de renda18. A
diferença é então meramente do tipo social-psicológico: ao favorecer diferentes padrões
de distribuição, eles garantem privilégios a diferentes grupos de não-produtores. O
socialismo redistributivista favorece particularmente os sem-posses entre os nãoprodutores,
e especialmente põe em desvantagem os com-posses entre os produtores; e,
de acordo com isto, tende a encontrar seus apoiadores, na maioria, entre os primeiros e
seus inimigos entre os últimos. O Conservadorismo garante vantagens especiais aos
com-posses entre o grupo de não-produtores e, portanto, tende a encontrar seus
defensores principalmente nas fileiras do primeiro e espalhar o desespero, a
desesperança e o ressentimento entre o último grupo de pessoas.
Contudo, embora seja verdadeiro que ambos os sistemas de socialismo sejam
muito similares [p.78] sob um ponto de vista econômico, a diferença entre eles com
respeito às suas bases sócio-psicológicas ainda provoca um impacto sobre suas
respectivas economias. Na verdade, este impacto não afeta os efeitos de
empobrecimento geral resultantes da expropriação dos produtores (tal como descrito
acima), o que ambos têm em comum. Ao contrário, influencia as escolhas que o
socialismo social-democrata, em uma mão, e o conservadorismo, em outra, fazem entre
os específicos instrumentos ou técnicas disponíveis para alcançar seus respectivos
objetivos distribucionais. A técnica favorita do socialismo social-democrata é a
tributação, tal como descrita e analisada no capítulo precedente. O Conservadorismo
também pode usar este instrumento, logicamente, e certamente deve fazê-lo em certa
extensão, senão ao menos para financiar a imposição de suas políticas. Todavia, a
tributação não é a sua técnica predileta, e a explicação para isto deve ser encontrada na
sócio-psicologia do conservadorismo. Dedicada à preservação de um status quo de
posições de renda, riqueza e status desiguais, a tributação é simplesmente muito
progressiva como um instrumento para alcançar objetivos conservadores. Recorrer à
tributação significa que se permite que as mudanças na distribuição de riqueza e renda
ocorram primeiro, e somente depois então de ganharem existência, retificam-se as
coisas novamente e restaura-se a velha ordem. Entretanto, proceder deste modo não
apenas pode gerar maus sentimentos, particularmente entre aqueles que por meio de
seus próprios esforços têm ultimamente melhorado sua posição relativa por primeiro e
são então cortados de volta novamente, mas também, ao deixar o processo ocorrer e
então tentar desfazê-lo, o conservadorismo enfraquece sua própria justificação, ou seja,
sua razão de que é legítima uma dada distribuição de renda e riqueza porque esta é uma
daquelas que sempre têm sido efetivadas. Então, o conservadorismo prefere, em
primeiro lugar, que as mudanças não ocorram, e prefere usar medidas políticas que
prometam fazê-las, ou antes, que prometam ajudar a fazer tais mudanças menos
aparentes.
Há três tipos gerais de medidas políticas: controle de preços, regulações e
controle de comportamento, todos os quais, para se estar certo, são medidas socialistas
[p.79], como o são a tributação, mas todos estes, de forma suficientemente interessante,
têm geralmente sido negligenciados para a finalidade de se avaliar o seu grau geral de
socialismo nas várias sociedades, assim como a importância da tributação, por sua vez,
tem sido exaustivamente avaliada19. Discutirei estes esquemas políticos conservadores
adiante.
Qualquer mudança de preços (relativa) evidentemente causa mudanças na
posição relativa das pessoas como fornecedoras dos respectivos bens ou serviços. Então,
com o fim de fixar suas posições, observar-se-ia que tudo o que seria necessário era
congelar os preços – esta é a lógica conservadora para a introdução do controle de
preços. Para checarmos a validade desta conclusão, os efeitos econômicos do controle
de preços precisam ser examinados20. Para começarmos, assumimos que um seletivo
controle de preços para um produto ou um grupo de produtos tenha sido decretado e que
o mercado de preços atual tenha sido regulado de tal forma que por um preço acima ou
abaixo não possa ser vendido o produto. Agora, tanto quanto o preço fixo seja igual ao
preço de mercado, o controle de preços será simplesmente inócuo. Os efeitos peculiares
do controle de preços podem somente ocorrer quando esta identidade não mais exista.
Como qualquer controle de preços não elimina as causas que levariam às mudanças de
preços, mas simplesmente decretam-nas, desprezando-lhes qualquer atenção, tais
mudanças ocorrem logo que ocorram quaisquer modificações na demanda, por qualquer
razão. Caso a demanda aumente (e os preços, caso não houvesse controle, subiriam com
ela), então os preços fixados tornam-se um efetivo preço máximo, ou seja, um preço
acima do qual é ilegal vender. Se a demanda diminui (e os preços, sem controles,
cairiam), então os preços congelados tornam-se efetivamente um preço mínimo, ou seja,
um preço abaixo do qual se torna ilegal vender.
A conseqüência da imposição de um preço máximo é uma excessiva demanda
pelos bens fornecidos. Nem todos os que desejam comprar pelo preço fixado podem
fazê-lo. Tal desabastecimento perdurar-se-á tanto quanto não se permita que os preços
aumentem com a demanda, e então, nenhuma possibilidade existe para os [p.80]
produtores (que assumidamente já estivessem produzindo a um ponto em que os custos
marginais, isto é, os custos de produzir a última unidade do produto em questão,
igualam-se à receita marginal) direcionarem recursos adicionais para a linha de
produção específica, de modo a então aumentar a produção sem incorrerem em perdas.
Filas, racionamento, favoritismo, ágio e mercado negro tornar-se-ão características
permanentes da vida. Os desabastecimentos e outros efeitos colaterais irão até mesmo
aumentar, tanto quanto a demanda em excesso pelos bens com preços controlados
derramar-se sobre todos os outros bens não-controlados (em particular, obviamente,
sobre os substitutos), aumentando seus preços (relativos), e desse modo criando um
incentivo adicional para mover os recursos das linhas de produção de bens com preços
controlados para as de preços não-controlados.
Com a imposição de um preço mínimo, ou seja, de um preço acima do potencial
mercado de preços e abaixo do qual a venda torna-se ilegal, mutatis mutantis, produz-se
um excesso de oferta sobre a demanda. Haverá uma superabundância de bens
produzidos que simplesmente não pode encontrar compradores. Além disso, novamente:
esta superabundância irá continuar enquanto não seja permitido diminuir os preços de
acordo com a redução na demanda pelo produto em questão. Lagos de leite e vinho,
montanhas de manteiga e grãos, apenas para citarmos alguns exemplos, irão se
desenvolver e crescer; e assim que a capacidade de armazenagem se esgote será
necessário repetidamente destruir o excesso da produção (ou, como alternativa, pagar
aos produtores para não produzirem mais o excedente). A produção do excedente será
agravada pelo fato de que o preço artificialmente alto atrairá até mesmo um maior
investimento de recursos a este campo particular, o qual então irá faltar em outras linhas
de produção onde haja no presente uma maior necessidade por eles (em termos de
demanda de consumo), e onde, por conseqüência, os preços dos produtos irão aumentar.
Preços máximos ou mínimos, em qualquer caso os controles de preços irão
resultar em relativo empobrecimento. Sob qualquer circunstância eles levarão a uma
situação em que haja uma superabundância de recursos (em termos de demanda de
consumo) alocados em linhas de produção de reduzida importância e uma insuficiência
de recursos disponível em linhas [p.81] de maior relevância. Os fatores de produção não
mais poderão ser alocados de modo que as mais urgentes necessidades sejam satisfeitas
por primeiro, as subseqüentes em segundo lugar, etc., ou, mais precisamente, de modo
que a produção de um produto não se estenda acima (ou reduza-se abaixo) do nível ao
qual a utilidade do produto marginal desça abaixo (ou permaneça acima) da utilidade
marginal de qualquer outro produto. Ademais, a imposição de controle de preços
significa que as necessidades menos urgentes serão satisfeitas às expensas da redução da
satisfação das necessidades mais urgentes, e isto significa dizer nada mais que o padrão
de vida irá diminuir. Que as pessoas desperdiçem seu tempo debatendo-se por bens
porque estes estão sob um suprimento artificialmente baixo ou que tais bens sejam
rejeitados porque estão mantidos por um suprimento artificialmente alto, são apenas os
sintomas mais óbvios desta reduzida riqueza social.
Entretanto, isto não é tudo. A precedente análise também revela que o
conservadorismo não pode nem mesmo alcançar seu objetivo de estabilidade
distributiva por meio do controle parcial de preços. Com preços apenas parcialmente
controlados, distorções na renda existente e posição da renda ainda devem ocorrer, dado
que os produtores das linhas de produção não controladas ou das linhas de produção
com controle de preços mínimos serão favorecidos às expensas daqueles cujas linhas de
produção são controladas, ou submetidos a produtos com preços máximos. Portanto,
continuará a haver um incentivo para os produtores individuais cambarem as suas
respectivas linhas de produção para outras, mais lucrativas, com a conseqüência que as
diferenças de acompanhamento do mercado e a habilidade de se antecipar e
implementar tais mudanças lucrativas virão à tona e resultarão em distorções na ordem
estabelecida. O Conservadorismo, então, se está de fato comprometido em sua
dedicação em manter o status quo, será orientado a constantemente alargar o círculo de
bens sujeitos ao controle de preços até um ponto que não poderá mais parar até que
alcance algo perto de um completo controle ou congelamento de preços22. Somente se
os preços de todos os bens e serviços, tanto de capital quanto de consumo, forem
congelados até um dado nível, e o processo de produção for então completamente
separado da demanda – ao invés de desconectar [p.82] a produção e a demanda a apenas
uns poucos pontos ou setores sob um controle parcial de preços – parecerá ser possível
preservar completamente uma ordem distributiva existente. Sem surpresa, embora, o
preço a ser pago por tal conservadorismo levado às últimas conseqüências seja ainda
maior que aquele de preços apenas parcialmente controlados23. Com um controle de
preços generalizado, a propriedade privada sobre os meios de produção está, de fato,
abolida. Ainda pode haver proprietários privados nominalmente, mas o direito de
determinar o uso de sua propriedade e de engajá-la em qualquer troca contratual que
seja considerada benéfica está perdido completamente. A conseqüência imediata desta
silenciosa expropriação dos produtores será uma redução na poupança e no
investimento e, mutatis mutantis, um aumento no consumo. Dado que ninguém mais
pode cobrar o preço do fruto do trabalho pelo que o mercado poderia suportar, há
simplesmente uma razão a menos para trabalhar. Além disso, como os preços são fixos,
independentemente do valor que os consumidores atribuam aos produtos em questão, há
uma razão a menos para se preocupar com a qualidade do tipo particular de trabalho ou
produto que ainda forneça ou produza, e então a qualidade de cada um e de todos os
produtos irá cair.
Todavia, bem mais importante que isto é o empobrecimento que resulta do caos
alocacional criado pelo controle universal de preços. Enquanto todos os preços dos
produtos, incluindo aqueles de todos os fatores de custos e, em particular, do trabalho
são congelados, a demanda pelos vários produtos ainda muda constantemente. Sem o
controle de preços, estes seguiriam a direção desta mudança e, portanto, criariam um
incentivo para a mudança constante das linhas de produção menos valiosas para as mais
valiosas. Sob o controle universal de preços, este mecanismo está completamente
destruído. Caso aumente a demanda por um produto, um desabastecimento irá se
desenvolver, dado que os preços são proibidos de subirem, e então, devido ao fato de
que a lucratividade de produzir um produto em particular não tem sido alterada, nenhum
fator de produção adicional será atraído. Como conseqüência, o excesso de demanda,
não satisfeito, irá espalhar-se sobre outros produtos, aumentando [p.83] a demanda por
eles acima do nível que de outro modo seria estabelecido. Todavia, aqui novamente,
não se permite que os preços subam com a demanda aumentada, e novamente um
desabastecimento irá ocorrer. Continuando, o processo de mudança da demanda pelos
produtos mais urgentemente procurados para os de secundária importância, e destes
para produtos de relevância ainda menor, desde que, de novo, a intenção de comprar de
nem todos seja satisfeita, irá se repetir continuamente. Finalmente, quando não haja
mais alternativas acessíveis e o papel-moeda que o povo ainda tenha em mãos para
gastar guarde um valor intrínseco menor que até mesmo o mais barato produto
disponível para venda, o excesso de demanda irá espalhar-se por todos os produtos cuja
demanda tinha originalmente declinado. Então, mesmo naquelas linhas de produção
onde uma abundância havia emergido como conseqüência do declínio da demanda, mas
onde a correspondente queda de preços não era permitida, as vendas irão novamente
subir como conseqüência da demanda insatisfeita em qualquer outro lugar na economia;
a despeito do preço fixado artificialmente alto, os excessos de produção tornar-se-ão
vendáveis; e com a lucratividade então restaurada, mesmo aqui uma emigração de
capitais será evitada.
A imposição de um controle generalizado de preços significa que o sistema de
produção tornou-se completamente independente das preferências dos consumidores,
para cuja satisfação a produção era até então realmente direcionada. Os produtores
podem produzir qualquer coisa e os consumidores não terão outra escolha a não ser
comprá-la, qualquer que seja. Consoante, qualquer mudança na estrutura de produção
que seja feita ou ordenada para ser feita sem a ajuda oferecida pelos preços livremente
flutuantes não é nada senão vagar nas trevas, substituindo um rol arbitrário de bens
oferecidos por outro igualmente arbitrário. Simplesmente não há mais conexão entre a
estrutura de produção e a estrutura de demanda. No âmbito da experiência do
consumidor isto significa, como bem descrito por G. Reisman, “...alagar as pessoas com
camisetas, enquanto fazê-las descalças; ou inundá-las com sapatos enquanto fazê-las
sem camisas; de dar-lhes enormes quantidades de papel para escrita, mas nenhuma
caneta ou tinta, ou [p.84] vice-versa; ...certamente de dar-lhes qualquer combinação
absurda de bens.” Contudo, obviamente, “...meramente dando aos consumidores
combinações desequilibradas de bens é em si mesmo equivalente a um maior declínio
na produção, porque isto representa justamente um tanto de uma perda em bem-estar
humano”.O padrão de vida não depende simplesmente de alguma quantidade física de
produção total; depende muito mais da própria distribuição ou proporção dos vários
fatores de produção específicos para a produção de uma composição bem equilibrada de
uma variedade de bens de consumo. O controle universal de preços, como a “ultima
ratio” do conservadorismo, evita que uma bem distribuída composição seja alcançada.
Uma ordem e estabilidade são apenas aparentemente criadas; na verdade elas são um
meio de criação de um caos alocacional e arbitrariedade e, portanto, drasticamente
reduzem o padrão geral de vida.
Em adição, e isto leva à discussão sobre o segundo instrumento político
conservador, ou seja, as regulações, mesmo que os preços sejam totalmente controlados,
isto pode somente garantir uma ordem existente de renda e distribuição de riqueza se for
assumido irrealisticamente que os produtos, tais como seus produtores, são
“estacionários”. Mudanças na ordem existente não podem ser reguladas, embora, se
houver novos e diferentes bens produzidos, novas tecnologias para a produção sejam
desenvolvidas, ou apareçam no mercado novos produtores. Tudo isto levaria a rupturas
na ordem existente, dado que os produtos, tecnologias e produtores antigos, sujeitos
como são ao controle de preços, iriam então ter de competir com novos e diferentes
produtos e serviços (os quais, pelo só fato de serem novos, ainda não teriam tido seus
preços controlados), e eles provavelmente perderiam alguma parcela de sua distribuição
de renda estabilizada para os novatos no curso desta competição. Para compensar tais
distorções, o conservadorismo poderia uma vez mais fazer uso da tributação, e
certamente o faz em certa extensão. Contudo, deixar as inovações ocorrerem primeiro
sem impedimento e então tributar os ganhos dos inovadores para assim resgatar a velha
ordem é, como já explicado, um instrumento muito progressivo para uma política [p.85]
conservadorista. O conservadorismo prefere as regulações como meio de prevenir ou
frear as inovações e as mudanças sociais que elas acarretam.
O mais drástico modo de regular o sistema de produção seria simplesmente
proibir qualquer inovação. Tal política, note-se, tem os seus aderentes entre aqueles que
reclamam do “consumismo” dos outros, ou seja, sobre o fato que hoje existam tantos
bens e serviços no mercado, e que desejam congelar ou mesmo reduzir esta atual
diversidade. Também, e por razões levemente diferentes, entre aqueles que querem
congelar a atual tecnologia de produção com o medo que as inovações tecnológicas,
como dispositivos que poupam mão-de-obra, “destruissem” os empregos (existentes).
Entretanto, uma proibição completa de toda mudança inovadora dificilmente tem sido
tentada seriamente – talvez com a recente exceção do regime de Pol Pot – devido a uma
falta de apoio na opinião pública que poderia não se convencer que tal política não fosse
extremamente custosa em termos de perdas de bem-estar. Bastante popular, embora,
tem sido uma abordagem apenas ligeiramente mais moderada: enquanto nenhuma
mudança é regulada em princípio, qualquer inovação precisa ser oficialmente aprovada
(aprovada, diga-se, por outras pessoas que não o próprio inovador) antes que possa ser
implementada. Deste modo, o conservadorismo argumenta, assegura-se que as
inovações sejam com certeza aceitáveis, que o progresso seja gradual, que possa ser
introduzido simultaneamente por todos os produtores, e que todos possam compartilhar
de suas vantagens. Compulsoriamente, ou seja, por meio de coação governamental, os
cartéis são os mais populares instrumentos para o alcance deste efeito. Ao requerer que
todos os produtores, ou todos os produtores de uma indústria, tornem-se membros de
uma organização supervisionária – o cartel – torna-se possível evitar o excesso de
oferta, visível a todos, resultante de uma política de preços mínimos – por meio da
imposição de cotas de produção. Mais adiante, as distorções causadas por qualquer
medida inovadora podem então ser centralmente monitoradas e moderadas. Contudo,
enquanto este método tem ganhado terreno constantemente na [p.86] Europa e em
alguma menor escala nos Estados Unidos, e enquanto alguns setores da economia já
estejam, de fato, sujeitos a controles similares, o instrumento regulatório
conservadorista-socialista mais popular e mais freqüentemente usado é o do
estabelecimento de padrões pré-definidos para categorias pré-definidas de produtos ou
produtores para os quais todas as inovações devem estar conformes. Estas regulações
arrolam os tipos de qualificações que uma pessoa deve preencher (outras além das
“normais” de ser um legítimo proprietário das coisas e de não causar nenhum dano à
integridade física da propriedade de outras pessoas por meio de suas próprias ações) de
modo que tenham o direito de se estabelecer como produtores de alguma coisa; ou
estipulam os tipos de testes (tais como, os relacionados aos materiais, aparência ou
medidas) que um produto de um dado tipo deve ser submetido antes de ser permitido
entrar no mercado; ou prescrevem testes definidos que qualquer melhoramento
tecnológico deve sofrer para que possa se tornar um novo método aprovado de
produção. Com tantos meios regulatórios as inovações não podem nem ser
completamente reguladas, nem pode ser completamente evitado que algumas mudanças
possam ser até mesmo bastante surpreendentes. Porém, como os padrões pré-definidos
com os quais as mudanças precisam se conformar devem ser necessariamente
“conservadores”, ou seja, formulados em termos dos produtos, produtores ou
tecnologias existentes, eles servem ao propósito do conservadorismo naquilo em que
eles irão certamente ao menos frear a velocidade das mudanças inovadoras e a
amplitude de possíveis surpresas.
Em qualquer caso, todos estes tipos de regulações, mais das primeiramente
mencionadas e menos das últimas, levarão a uma redução do padrão geral de vida25.
Uma inovação, com certeza, somente pode ser bem-sucedida, e então permitir ao
inovador romper com a ordem existente de renda e distribuição de riqueza, se for de fato
mais bem valorizada pelos consumidores que os outros antigos produtos concorrentes.
A imposição de regulações, contudo, implica uma redistribuição dos títulos de
propriedade dos inovadores aos produtores, produtos e tecnologias já estabelecidos.
Portanto, ao socializar parcial ou totalmente [p.87] os possíveis ganhos de renda e
riqueza originadas de mudanças inovadoras no processo de produção e “mutatis
mutantis”, ao socializar total ou parcialmente as possíveis perdas da não inovação, o
processo de inovação será desacelerado, haverá menos inovadores e inovações, e ao
invés, irá emergir uma tendência reforçada de manterem-se as coisas como são. Isto
significa nada mais que o processo de aumentar a satisfação dos consumidores pela
produção de bens mais bem valorizados e serviços mais eficientes e menos custosos
será trazido a uma estagnação, ou ao menos prejudicado. Então, mesmo que de uma
forma diferente que os controles de preços, as regulações irão fazer a estrutura de
produção desalinhar-se com a demanda também. Adicionalmente, enquanto isto possa
ajudar uma distribuição existente de riqueza, deve ser novamente pago com um declínio
geral na riqueza geral incorporada nesta mesma estrutura de produção.
Finalmente, o terceiro instrumento de política especificamente conservadorista é
o controle de comportamento. Controles de preços e regulações congelam o lado do
suprimento de um sistema econômico e conseqüentemente o separam da demanda.
Todavia, não impede as mudanças de demanda de virem à existência; apenas faz o lado
do suprimento irrespondível a elas. Além disso, pode ocorrer que as discrepâncias não
apenas emerjam, mas que também se tornem constrangedoramente aparentes. Os
controles de comportamento são medidas políticas criadas para controlar o lado da
demanda. Visam à prevenção ou retardamento das mudanças de modo a fazer a
irrespondibilidade do lado do suprimento menos visível, portanto, completando a tarefa
do conservadorismo: a preservação de uma ordem existente de mudanças de qualquer
tipo que possa causar rupturas.
Os controles de preços e regulações de um lado, e os controles de
comportamento no outro lado são então as duas partes complementares de uma política
conservadorista. Em adição, destes dois lados complementares do conservadorismo,
deve ser argüido que é o lado do controle comportamental o traço mais distintivo de
uma política conservadorista. Embora as diferentes formas de socialismo favoreçam
[p.88] diferentes categorias de pessoas não-produtivas e não-inovadoras às expensas das
diferentes categorias de pessoas potencialmente produtoras e inovadoras, tal como
qualquer outra variante de socialismo o conservadorismo tende a produzir uma gente
menos produtiva e menos inovadora, forçando-as a aumentar o consumo ou canalizar
suas energias produtivas e inovadoras para o mercado negro. Porém, de todas as formas
de socialismo, é o conservadorismo que com parte de seu programa interfere
diretamente no consumo e nas trocas não-comerciais. (Todas as outras formas, com
certeza, têm seu efeito no consumo, também, tanto quanto conduzem a uma redução no
padrão de vida; mas, diferentemente do conservadorismo, deixam o consumidor
sossegadamente a sós com o que lhe resta para consumir.) o Conservadorismo não
apenas aleija o desenvolvimento dos talentos produtivos das pessoas; sob o nome de
“paternalismo”, busca também congelar o comportamento delas em seu papel como
consumidores isolados ou como parceiros de trocas em formas não-comerciais de
trocas, conseqüentemente contendo ou suprimindo o talento de desenvolver um estilo de
vida de consumo que melhor lhes satisfaçam as necessidades recreativas também.
Qualquer mudança no padrão de comportamento do consumidor tem seus efeitos
econômicos colaterais. (Se eu deixo meu cabelo crescer isto afeta os barbeiros e a
indústria de tesouras; se mais pessoas se divorciam isto afeta os advogados e o mercado
imobiliário; se eu começo a fumar maconha isto tem conseqüências não apenas para o
uso da terra agricultável, mas também para a indústria de sorvetes, etc.; e acima de tudo,
todos estes comportamentos desequilibram o sistema de valor existente de quem quer
que se sinta por ele afetado.) Dado que qualquer mudança poderia então aparentar ser
um elemento rompedor com relação à estrutura de produção conservadorista, o
conservadorismo, em princípio, teria de considerar todas as ações - o universo de estilos
de vida das pessoas em seus papéis como consumidores individuais ou trocadores nãocomerciais
como o objeto próprio do controle de comportamento. O conservadorismo
aplicado em toda a sua extensão acumularia ao estabelecimento de um sistema social
em que tudo exceto o modo tradicional de comportamento (o qual é explicitamente
permitido) é criminalizado. Na prática, o conservadorismo [p.89] jamais poderia ir tão
longe, já que há custos conectados com os controles e este teria de se confrontar com
uma crescente resistência por parte da opinião pública. O conservadorismo “normal”,
então, é caracterizado, ao invés, por um número menor ou maior de leis específicas e
proibições que criminalizam e punem várias formas de comportamento não-agressivo de
consumidores isolados, ou de pessoas engajadas em trocas não-comerciais – de ações,
diga-se, que se forem de fato executadas, jamais mudariam a integridade física da
propriedade de quem quer que seja, nem violariam o direito de ninguém de recusar
qualquer mudança que não lhe pareça vantajosa, mas antes, que poderiam (apenas)
romper a ordem “paternal” estabelecida de valores sociais.
Uma vez mais o efeito de tal política de controle de comportamento, em
qualquer caso, é o relativo empobrecimento. Por meio da imposição de tais controles
não apenas um grupo de pessoas é atingido pelo fato de que não lhes ser mais permitido
executar certas formas não-agressivas de comportamento, mas outro grupo se beneficia
destes controles naquilo em que eles não têm mais de tolerar tais formas indesejadas de
comportamento. Mais especificamente, os perdedores nesta redistribuição de direitos de
propriedade são os usuários/produtores das coisas cujo consumo está agora proibido, e
aqueles que ganham são os não usuários/não produtores destes bens de consumo. Então,
uma nova e diferente estrutura de incentivos relativa à produção e não-produção é
estabelecida e aplicada a uma dada população. A produção de bens de consumo tem se
tornado mais custosa desde que seu valor tem caído como conseqüência da imposição
de controles relativos a seu uso, e, mutatis mutantis, a aquisição da satisfação de
consumo por meio de meios não-proudutivos e não-contratuais tem se tornado
relativamente menos custosa. Como conseqüência, haverá menos produção, menos
poupança e investimento, e uma maior tendência, ao contrário, de obter satisfação às
expensas dos outros por meio de métodos políticos, ou seja, agressivos. Além disso, em
particular, tanto quanto as imposições impostas por controles comportamentais
preocupam-se com o uso que uma pessoa possa fazer com seu próprio corpo, o
resultado será [p.90] um valor reduzido relativo a ele, e, conseqüentemente, um
reduzido investimento em capital humano.
Com isto nós alcançamos o fim da análise teórica do conservadorismo como
uma forma especial de socialismo. Mais uma vez, de forma a prover uma cobertura a
esta discussão, algumas observações que possam ajudar a ilustrar a validade das
conclusões acima devem ser feitas. Tal como na discussão do socialismo socialdemocrata,
estas observações ilustrativas devem ser lidas com algumas precauções:
primeiro, a validade das conclusões alcançadas neste capítulo têm sido, podem e devem
se estabelecer independentemente da experiência. Por segundo, tanto quanto a
experiência e a evidência empírica sejam interessantes, desafortunadamente não há
exemplos de sociedades que poderiam ser estudadas para os efeitos do conservadorismo
quando comparado com outras variantes de socialismo e capitalismo. Não há nenhum
caso de estudo quasi experimental que sozinho pudesse nos prover com o que possa ser
considerada uma evidência “irrefutável”. A realidade é antes de tal modo arranjada que
toda sorte de medidas políticas - conservadoristas, social-democratas, marxistasocialistas,
e também capitalista-liberais estão tão misturadas e combinadas, que seus
respectivos efeitos não podem ser usualmente casados de modo preciso com causas
definidas, mas devem ser desnovelados e casados mais uma vez por meios puramente
teóricos.
Com isto em mente, todavia, algo deve ser dito acerca do verdadeiro
desempenho do conservadorismo na história. Mais uma vez, a diferença dos padrões de
vida entre os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental (tomados em conjunto)
permite uma observação que se encaixa com o cenário teórico. Certamente, tal como
mencionado no capítulo precedente, a Europa tem mais socialismo redistributivo –
como indicado aproximadamente pelo grau médio de tributação – que os Estados
Unidos, e é mais pobre devido a isto. Entretanto, mais incisiva ainda é a diferença que
existe entre os dois com respeito ao grau de conservadorismo26. A Europa tem um
passado feudal que é notável até mesmo hoje em dia, e particular na forma de
numerosas regulações que restringem [p.91] o comércio e brecam a entrada, bem como
de proibições de ações não-agressivas, enquanto que os Estados Unidos são
marcadamente livres de seu passado. Em conexão com isto há o fato de que por longos
períodos durante os séculos dezenove e vinte, a Europa tem sido moldada por políticas
de partidos mais ou menos explicitamente conservadoristas mais que qualquer outra
ideologia política, enquanto que um partido genuinamente conservadorista jamais
existiu nos Estados Unidos. Certamente, mesmo os partidos socialistas da Europa
Ocidental foram infectados em grande extensão pelo conservadorismo, em particular
sob a influência dos sindicatos de trabalhadores, e impuseram numerosos elementos
conservadorista-socialistas (isto é, regulações e controle de preços) nas sociedades
européias durante seus períodos de influência (enquanto admissivelmente tenham
abolido alguns dos controles de comportamento conservadoristas). De qualquer modo
então, dado que a Europa é mais socialista que os Estados Unidos e seu padrão de vida é
relativamente menor, isto se deve menos à maior influência do socialismo socialdemocrata
na Europa e mais à influência do socialismo do conservadorismo – tal como
indicado não tanto pelos maiores graus médios de tributação, mas sobretudo pelo
significativo maior numero de controles de preços, regulações e controles
comportamentais na Europa. Devo adiantar-me a citar que os Estados Unidos não são
mais ricos do que poderiam ser e não mais exibem o vigor econômico do século
dezenove não apenas porque adotaram mais e mais das políticas do socialismo
redistributivista com o passar do tempo, mas ainda mais devido a terem se tornado,
progressivamente, vítimas da ideologia conservadorista desejosa de proteger um status
quo de renda e distribuição de riqueza da competição, e em particular, de proteger a
posição dos possuidores entre os produtores existentes, por meio de regulações e
controles de preços27.
Sob um âmbito mais global, outra observação vai de encontro ao cenário
teoricamente construído sobre o fato de o conservadorismo causar o empobrecimento.
Além do chamado mundo ocidental, os únicos países que vão de encontro ao
desempenho econômico miserável dos regimes completamente marxista-socialistas são
precisamente aquelas sociedades na América Latina e Ásia que jamais romperam [p.92]
com seu passado feudal. Nestas sociedades, vastas partes da economia são até hoje
completamente ausentes da esfera e da pressão da liberdade e da competição e, ao
contrário, são travadas em sua posição tradicional por meios regulatórios, caracterizados
como o são, por completa agressão.
No nível das observações mais específicas, os dados também claramente
indicam o que a teoria levaria a esperar. Retornando à Europa Ocidental, poderia haver
pouca dúvida de que os maiores países europeus, Itália e França são os mais
conservadoristas, especialmente se comparados com as nações mais ao norte as quais, à
medida que se relacionam com o socialismo, têm se direcionado mais à sua versão
redistributiva28. Enquanto o nível de tributação na Itália e na França (gastos estatais
como parte do PNB) não é maior que em qualquer lugar da Europa, estes dois países
claramente exibem mais elementos conservadoristas-socialistas do que possa ser
encontrado em qualquer outro. Ambos, a Itália e a França são literalmente aparafusados
com milhares de controles de preços e regulações, de tal forma que é altamente
duvidoso que haja quaisquer setores em suas economias que possam ser chamados
“livres” justificadamente. Como conseqüência (e como poderia ser previsto), o padrão
de vida em ambos é significativamente menor que os da Europa setentrional, como
qualquer pessoa que não esteja viajando exclusivamente em cidades-resorts não pode
falhar em notar. Em ambos, com certeza, um objetivo do conservadorismo parece ter
sido alcançado: as diferenças entre os possuidores e os não-possuidores têm sido bem
preservadas - qualquer um dificilmente encontraria extremas diferenças de renda e
riqueza na Alemanha Ocidental ou nos Estados Unidos tal como na Itália ou França -
mas o preço é uma relativa queda na riqueza social. De fato, esta queda é tão
significativa que o padrão de vida para as classes média e baixa em ambos os países é
ao máximo um pouco maior dos que as encontradas em países mais liberalizados do
bloco oriental, e as províncias da Itália, em particular, onde até mesmo mais regulações
têm se empilhado por cima das já em vigor pelo resto do país, tem ligeiramente deixado
o grupo das nações do terceiro mundo. [p.93]
Finalmente, como um último exemplo que ilustre o empobrecimento causado
pelas políticas conservadoristas, as experiências com o nacional-socialismo na
Alemanha e em uma escala menor com o fascismo italiano deveriam ser mencionadas.
Freqüentemente não é entendido que ambos tivessem sido movimentos conservadoristasocialistas29.
Como tais, ou seja, como movimentos dirigidos contra a mudança e as
rupturas sociais trazidas pelas forças dinâmicas de uma economia livre eles – mais que
os movimentos marxista-socialistas – poderiam encontrar apoio entre a classe dos
proprietários estabelecidos, donos de comércio, fazendeiros e empreendedores. Porém,
extrair desta conclusão que tenham sido movimentos pró-capitalistas ou mesmo o mais
alto estágio no desenvolvimento do capitalismo antes de sua destruição final, tal como
os marxistas normalmente mantêm, é inteiramente errôneo. Certamente, o mais
fervorosamente odiado inimigo do Nazismo e do Fascismo não era o socialismo como
tal, mas o liberalismo. Obviamente, ambos também combateram o socialismo dos
marxistas e bolchevistas, isto porque ao menos ideologicamente eles eram
internacionalistas e pacifistas (escoravam-se na forças da história que levariam a uma
destruição do capitalismo desde dentro.), enquanto o Fascismo e Nazismo eram
movimentos nacionalistas devotados à guerra e conquista; e, provavelmente até mais
importante com relação a este apoio público, porque o marxismo implicava que os
“com-posses” seriam expropriados pelos “sem-posses” e a ordem social então seria
virada de cabeça pra baixo, enquanto o Fascismo e o Nazismo prometiam preservar a
ordem existente. Contudo, e isto é decisivo para a sua classificação como movimentos
socialistas (mais que capitalistas), perseguir este objetivo implica – como tem sido
explicado em detalhes acima – justamente tanto uma negação dos direitos do usuárioproprietário
individual das coisas de fazer com elas o que lhe pareça melhor (provido
que não cause danos físicos à propriedade de outrem ou que se engaje em trocas nãocontratuais),
quanto uma expropriação dos donos naturais pela “sociedade” (isto é, por
pessoas que nem produziram nem contratualmente adquiriram os bens em questão)
como faz a política do Marxismo. Além disso, certamente, para alcançar este objetivo
ambos, o Fascismo e o Nazismo, fizeram exatamente o que sua classificação [p.94]
como conservadorista-socialistas levaria a esperar: estabeleceram economias altamente
controladas e reguladas nas quais a propriedade privada permanecia existente no nome,
mas que de fato tinha se tornado sem significado, desde que o direito de determinar o
uso das coisas possuídas tinha sido quase que completamente perdido para as
instituições políticas. Os nazistas, em particular, impuseram um sistema de quase
completo controle de preços (incluindo o controle sobre os salários), devisaram a
instituição dos planos quadrienais (quase como na Rússia, onde os planos era
qüinqüenais) e estabeleceram um planejamento da economia e comitês de supervisão
que tinham de aprovar todas as mudanças significativas na estrutura de produção. Um
“proprietário” não poderia mais decidir o que produzir e como produzir, de quem
comprar e a quem vender, que preços pagar ou cobrar, ou como promover quaisquer
mudanças. Tudo isto, para se ter certeza, criava um sentimento de segurança. A
qualquer um era consignada uma posição fixa, e os recebedores de salários bem como
os donos de capital recebiam uma renda garantida e, em termos nominais, estável ou até
mesmo crescente. Adicionalmente, gigantes programas de trabalhos forçados, a
reintrodução do alistamento militar obrigatório, e finalmente a implantação de uma
economia de guerra reforçaram a ilusão de uma economia em expansão e
prosperidade. Entretanto, como seria de se esperar de um sistema econômico que
destrói o incentivo para se ajustar à demanda e evita ajustar-se a ela, e que ainda por
cima separa a demanda da produção, este sentimento de prosperidade provou não ser
nada mais que uma ilusão. Na realidade, em termos dos bens que as pessoas podiam
comprar com seu dinheiro o padrão de vida caiu, não apenas em termos relativos, mas
até mesmo em termos absolutos32. Além disso, em qualquer caso, mesmo
desconsiderando aqui toda a destruição causada pela guerra, a Alemanha e em menor
extensão a Itália, foram severamente empobrecidas após a derrota dos nazistas e
fascistas. [p.95]

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