Com a ascensão do populismo nos países desenvolvidos,
a globalização econômica caiu em descrédito. Cada vez mais pessoas estão rejeitando
a globalização com o argumento de que ela não apenas é injusta como também
representa a fonte de todos os males — sendo inclusive a fonte de crises econômicas
e imigrações em massa.
Esse tipo de condenação generalizada e abrangente da
globalização, porém, apresenta dois erros graves: ela não só é factualmente
errada — a globalização econômica comprovadamente aumentou o padrão de vida
da população mundial — como também é conceitualmente
errada.
Existe o globalismo
e existe a globalização. O globalismo
é um conceito político. Já a globalização
é um conceito econômico.
Globalização
econômica
A globalização econômica significa "divisão do
trabalho em nível mundial".
A população de cada país se especializa naquilo em
que é boa, adquirindo assim uma vantagem comparativa em relação às outras: faço
aquilo em que sou melhor que os outros e vendo para eles; e compro dos outros
aquilo que eles fazem melhor do que eu. Todas essas transações econômicas devem
ser feitas o mais livremente possível, sem a intervenção de governos na forma
de tarifas protecionistas e de outras barreiras alfandegárias. (Veja aqui um exemplo
prático).
A consequência deste arranjo foi, é e sempre será um
aumento no padrão de vida de todos os envolvidos.
Hoje, nenhum país é capaz de viver em autarquia,
produzindo absolutamente tudo de que sua população necessita para viver
decentemente. Caso um país realmente tentasse produzir tudo o que consome, isso
não apenas seria um monumental desperdício de recursos escassos, como também levaria
a custos de produção e, consequentemente, preços exorbitantes, afetando
drasticamente o padrão de vida da população.
Pense em uma simples camisa. Fabricada na Malásia
utilizando máquinas feitas na Alemanha, algodão proveniente da Índia, forros de
colarinho do Brasil, e tecido de Portugal, em seguida sendo vendida no varejo
em Sidney, em Montreal e em várias cidades dos países em desenvolvimento (ao
menos naqueles que são mais abertos ao comércio exterior), a camisa típica da
atualidade é o produto dos esforços de diversas pessoas ao redor do mundo.
E, notavelmente, o custo de uma camisa típica é equivalente aos
rendimentos de apenas umas poucas horas de trabalho de um cidadão comum do
mundo industrializado.
Obviamente, o que é verdadeiro para uma camisa vale
também para incontáveis produtos disponíveis à venda nos países capitalistas
modernos.
Como é possível que, atualmente, um trabalhador
comum seja capaz de adquirir facilmente uma ampla variedade de bens e serviços,
cuja produção requer os esforços coordenados de milhões de trabalhadores? A
resposta é que cada um desses trabalhadores faz parte de um mercado tão vasto e
abrangente, que faz com que seja vantajoso para muitos empreendedores e
investidores ao redor do mundo organizarem operações de produção altamente
especializadas, as quais são lucrativas somente porque o mercado para seus
produtos é de escala global.
Esta especialização tanto do trabalho quanto da
produção, ao longo de diferentes setores industriais ao redor do mundo, é
exatamente o fenômeno da globalização econômica.
(Recentemente, um homem resolveu fabricar, do zero,
um simples sanduíche. Ele plantou o trigo para fazer o pão, retirou o sal da
água do mar, ordenhou uma vaca para fazer o queijo e a manteiga, matou uma
galinha para retirar o filé de frango, fez o próprio picles e teve até de
extrair o mel do favo. Seis meses e US$ 1.500 depois, o sanduíche ficou pronto.
E, a julgar pela reação
dele próprio, a qualidade do produto final foi medíocre).
O fato é que, hoje, nenhum país produz apenas para
satisfazer suas próprias necessidades, mas também para atender a produtores e
consumidores de outros países. E cada país se especializa naquilo que sabe
fazer melhor.
A globalização econômica, com o livre comércio sendo
seu componente natural, aumenta a produtividade de todos os envolvidos. E,
consequentemente, aumenta também o padrão de vida de todos. Sem a globalização econômica,
a pobreza neste planeta não teria sido reduzida com a intensidade em que
foi nas últimas décadas.
Por fim, vale ressaltar que todo e qualquer indivíduo
é, em si mesmo, um defensor árduo da globalização econômica, mesmo que ele não saiba
disso. As pessoas acordam cedo e vão trabalhar exatamente para ganhar dinheiro
e, com isso, poderem consumir o que quiserem. As pessoas trabalham e produzem
para poder consumir produtos bons e baratos, independentemente de sua procedência.
Eles podem ser oriundos de qualquer parte do mundo; o que interessa é que sejam
bons e baratos. Isso é globalização econômica.
Impor obstáculos a esse consumo — isto é,
restringir a globalização econômica — significa restringir a maneira como as
pessoas trabalhadoras podem usufruir os frutos do seu trabalho. No mínimo, isso
é imoral e anti-humano.
Globalismo
Logo de início, é fácil ver que o globalismo — que também
pode ser chamado de globalização política
— não tem absolutamente nada a ver com a globalização econômica.
Globalização econômica significa livre comércio e
livre mercado. Trata-se de um arranjo que não apenas não necessita da intervenção de governos e burocratas, como
funciona muito melhor sem eles. Indo mais além, trata-se de um arranjo que
surge naturalmente quando não há políticos
e burocratas impondo obstáculos às transações humanas.
Já o globalismo é o exato oposto: trata-se de um
arranjo que só existe por causa de políticos
e burocratas. Seria impossível haver globalismo se não houvesse políticos e
burocratas.
O globalismo é uma política internacionalista,
implantada por burocratas, que vê o mundo inteiro como uma esfera propícia para
sua influência política. O objetivo do globalismo é determinar, dirigir e controlar
todas as relações entre os cidadãos de vários continentes por meio de intervenções
e decretos autoritários.
Eis o argumento central do globalismo: lidar com os
problemas cada vez mais complexos deste mundo — que vão desde crises econômicas
até a proteção do ambiente — requer um processo centralizado de tomada de decisões, em nível mundial. Consequentemente,
leis sociais e regulamentações econômicas devem ser "harmonizadas" ao redor do
mundo por um corpo burocrático supranacional, com a imposição de legislações
sociais uniformes e políticas específicas para cada setor da economia de cada
país.
O estado-nação — na condição de representante
soberano do povo — se tornou obsoleto e deve ser substituído por um poder político
transnacional, globalmente ativo e imune aos desejos do povo.
Obviamente, a filosofia por trás dessa mentalidade é
puramente socialista-coletivista.
Representa também o pilar da União Europeia (UE). Em
última instância, o objetivo da UE é criar um super-estado europeu, no qual as nações-estado
da Europa irão se dissolver como cubos de açúcar em uma xícara quente de chá. Foi majoritariamente disso
que os britânicos quiseram fugir.
Ao menos para o futuro próximo, este sonho
burocrático chegou ao fim. O desejo de impor uma uniformidade afundou em meio a
uma dura e difícil realidade política e econômica. A UE está passando por mudanças
radicais — culminando com a decisão dos britânicos de sair dela — e pode até
mesmo entrar em colapso dependendo dos resultados eleitorais em alguns
importantes países europeus (França,
Holanda, Alemanha e possivelmente Itália) neste ano de 2017.
Com Donald Trump na presidência americana não há mais
qualquer apoio intelectual dos EUA ao projeto de unificação européia. A mudança
de poder e de direção em Washington diminuiu o poder de influência dos
globalistas — o que permite alguma esperança de que a futura política externa
americana seja menos agressiva em termos militares. Trump — ao contrário de
seus antecessores — ao menos não parece querer impingir uma nova ordem
mundial.
Por outro lado, os defensores da globalização econômica
têm motivos para estar preocupados. O governo Trump vem ameaçando utilizar
medidas protecionistas — majoritariamente na forma de tarifas de importação —
para supostamente estimular
o emprego e a produção nos EUA, mesmo com toda a teoria e realidade econômicas
demonstrando que o
efeito será o oposto.
Tamanha interferência na globalização econômica, o
que representaria um retrocesso no tempo, não apenas seria um ataque à
prosperidade, como também pode se degenerar em conflitos políticos, reacendendo
antigas rixas e contendas. Não
precisaria ser assim.
Para atacar e até mesmo aniquilar o globalismo não é
necessário atacar e fazer retroceder a globalização econômica.
A globalização é Steve Jobs, Jeff Bezos e Michael
Dell; o globalismo é George Soros, o CFR, a Comissão Trilateral, os Rockefeller,
os Rothschilds e a ONU.
Conclusão
Ao passo que o globalismo representa o autoritarismo
e a centralização do poder político em escala mundial, a globalização econômica
— que nada mais é do que a divisão do trabalho e o livre comércio —
representa a descentralização e a liberdade, promovendo uma produtiva e, ainda
mais importante, pacífica cooperação além fronteiras.
A restrição à globalização econômica — ou seja, o
protecionismo — nada mais é do que o medo dos incapazes perante a inteligência
e as habilidades alheias. Tal postura, além de moralmente condenável, por ser
covarde, é também extremamente perigosa. Como já alertava Bastiat, se, em vez
de nos permitirmos os benefícios da livre concorrência e do livre comércio,
começarmos a atuar incisivamente para impedir o progresso de outras nações, não
deveríamos nos surpreender caso boa parte daquela inteligência e habilidade que
combatemos por meio de tarifas e restrições de importações acabe se voltando
contra nós no futuro, produzindo armas para guerras em vez de mais e melhores
bens de consumo que eles querem e podem produzir, e os quais nós queremos
voluntariamente consumir.
Como também disse Bastiat, quando bens param de
cruzar fronteiras, os exércitos o fazem.
Por isso é de extrema importância preservarmos a globalização
econômica.
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