Bunker da Cultura Web Radio

Free Shoutcast HostingRadio Stream Hosting

segunda-feira, 15 de junho de 2020

O QUE É O FASCISMO?

O ensaísta e novelista britânico George Orwell (1903 – 1950) escreveu isso em 1944. Nem ele entendia como o termo se havia estendido tanto. A palavra “fascismo” vem do latim “fasces” (no plural fascis) que por sua vez da origem ao italiano “fasces”. Porém, hoje em dia, o epíteto “fascista” ou “facho” e outros similares, se utilizam de forma muito estendida, tanto na linguagem coloquial como de forma muito frequente em todo tipo de literatura, com fins pejorativos, até para tentar denegrir a pessoas, grupos e instituições que si mesmos não se qualificaria desta forma. Mas qual o motivo disso?
Atualmente, essa designação serve para apontar dois tipos de pessoas… aqueles que são os adversários de alguém e que logicamente não se está em concordância ou qualquer pessoa que use qualquer termo, palavra ou ação que seja considerada conservadora ou moral. Não é preciso muito, basta dizer que homens e mulheres são diferentes ou que o casamento religioso verdadeiro se faz entre um homem e uma mulher. Mesmo quando se diz que foi um movimento italiano redentor e nacionalista dos anos 1930, se diz que apenas se está usando o stricto sensu, mas o sentido amplo e dilatado fala em “atitudes fascistas”, como essas que acabo de apontar. Mas será mesmo?
Mas se você, seja de esquerda ou direita, quer aprender a realidade sobre o fascismo, leia este artigo onde colocamos as visões do próprio fascismo sobre ele mesmo em diversos aspectos.

O fascismo como elemento histórico

Quando falamos em fascismo, é comum localizar suas origens no movimento liderado por Benito Mussolini. Mas esse não foi o único partido com ideias fascistas na Europa. Um dos primeiros modelos fascistas, mas mesmo sem esse nome, criado na França, no início do século XX, o escritor Charles Maurras (1868 – 1952), com seu partido Action Française e seu grupo de ataque da juventude, que ele chamou de “Camelots du Roi ” e se baseava numa ideologia nacionalista étnica, tradicionalista e antissionista.
O fascismo fez seu sincretismo numa ideologia e movimento político que surgiu originalmente na Europa imediatamente no período entre-guerras – entre a Primeira e Segunda Guerra Mundial (1918-1939) – em oposição tanto a democracia liberal (sistema político que representa os valores dos vencedores na Primeira e posteriormente Segunda Guerra Mundial, como Inglaterra, França ou Estados Unidos, os que considera ‘decadentes’) como o movimento operário tradicional (anarquista ou marxista). Radicalmente contrário a ambos, o fascismo se apresenta como uma Terceira Posição político-ideológica e cosmovisionária.
No final do século XIX começou a tomar corpo na Itália uma ideologia nacionalista e tradicionalista [1] que se denominou “fascio”, dos quais o mais importante era o Fasci Siciliani (Fasces Sicilianos, 1895-1896). [2] Embora não fosse uma ideologia uniforme, predominou os componentes nacionalistas e revolucionários. Surgindo o movimento trabalhador, dividido no começo da Primeira Guerra Mundial entre o internacionalismo pacifista e o nacionalismo irredentista, foi criado em 1 de outubro de 1914 os Fasci d’Azione Rivoluzionaria Internazionalista em reivindicação da entrada da Itália no conflito contra dos Impérios Centrais. Fundiu-se com Fasci Autonomi d’Azione Rivoluzionaria e foi renomeado como Fasci d’Azione Rivoluzionaria, e dirigido por Benito Mussolini, e conhecido como Fasces de Milão. Em 24 de janeiro de 1915 se formou uma organização nacional.
Cartaz de propaganda fascista nos anos 30 restaurado. Imagem: Wish
No contexto do entre-guerras ou depois da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), o país estava empobrecido, o governo era débil e havia muitos ressentimentos dentro de uma Itália que não estava de acordo com o seu saldo dado após após o fim do conflito [3].
Uma característica comumente vista nos países onde houve um celeiro de movimentos alinhados ou afins para com o fascismo foi a reação diante da humilhação nacional pela derrota na Primeira Guerra Mundial – Chegou-se a definir esse fenômeno como “nacionalismo de vencidos” [4]. Esse sentimento que impeliu a busca pelos responsáveis da derrota (caso de Alemanha), e a frustração das expectativas não cumpridas (caso de Itália, decepcionada com o incumprimento do Tratado de Londres) [5]. Mesmo com motivações um tanto diferentes, algumas características em comum em ambos os casos são visíveis na época, como a indignação dos povos que se manifestava, no plano internacional, contra a arrogância dos vencedores liberais (Inglaterra, França e Estados Unidos); enquanto que no âmbito nacional se manifestava a indignação contra os poderes políticos ditos “sociais” de esquerda cuja frentes políticas estavam baseadas movimento trabalhador (sindicalistas, anarquistas, comunistas, socialistas) e o perigo real de uma revolução comunista e inclusive uma Conspiração judaico-maçônico-comunista-internacional. Também se via como oposta aos interesses do Estado, ao capitalismo, ao banco, a bolsa, a Sociedade de Nações e o movimento pacifista.
Um paralelo pode ser visto no caso alemão, onde era visto a prostração diante de uma traição que lhe humilhou e submeteu a uma condição desleal, uma vez que a República de Weimar [1918 – 1933], governada por social-democratas, com apoio comunista e do judaísmo internacional, golpeia o Império por dentro, paralisando o esforço de guerra, derruba o Kaiser e impõe uma República que atendia unicamente aos interesses das externas vencedoras e o Tratado de Versalhes deixando a Alemanha na mais completa miséria e balcanizada.
Mussolini, antes do término da Primeira Guerra Mundial, era um importante ideólogo das ideias trabalhistas e militante socialista. A origem social dos líderes fascistas em distintas partes da Europa foi muito diferente: as vezes aristocrático, as vezes proletariado, muitas vezes militares e juristas. No caso mais destacado, o próprio Mussolini, era uma grande personalidade. Seus militantes saiam dentre os estudantes (assim como outros grupos nacionalistas da mesma época como a Guarda de Ferro romena, no rexismo belga, na Schutzstaffel [ϟϟ] e Sturmabteilung [S.A.] alemãs, oriundas muitas vezes das freikorps, os camisas verdes integralistas brasileiros, falangistas, etc.), dos pequenos proprietários agricultores, dos desempregados urbanos, da classe média empobrecida e ameaçada pela crise liberal e assustada pelo medo da violência das facções proto-comunistas e da desordem pública e também das classes baixas desencantadas com o marxismo sindical e operariado. Em definitivo, as classes médias e médias baixas foram a espinha dorsal do fascismo. Isso significa que o apoio dessas vertentes saiu do seio do próprio povo, indiscutivelmente, das classes majoritárias que o compõe.
Mussolini angariou voluntários entre as massas de jovens através da agrupação dos camisas negras, assim como Adolf Hitler e o NSDAP com seus camisas pardas, como continuidade do modelo de Maurras. Implantações em massa, organizados e disciplinados, faziam parte da liturgia fascista na Itália, Alemanha e Grécia naquela época e foram uma forma de engajar os cidadãos com participatividade dentro do movimento político e assegurar, pelo menos de forma prática, sua autossuficiência e dinamismo.
Em 1919, terminada a guerra, as expectativas territoriais permaneceram frustradas pelo Tratado de Saint-Germain-en-Laye (equivalente para Áustria e Alemanha do Tratado de Versalhes). O poeta Gabriele D’Annunzio levou a cabo uma aventura militar que acabou na criação do Estado Livre de Fiume e a redação de uma constituição que pode ser entendida como precedente imediato do fascismo. Enquanto isso, com um país empobrecido e um governo débil, Mussolini refundava a organização de Milão com o nome de Fasci italiani di Combattimento ]Fáscios Italianos de Combate], que começaram a se destacar na sua luta de rua contra os grevistas, esquerdistas e outros inimigos políticos e sociais. O temor ante uma revolução similar a russa fez que o povo italiano visse nos fascistas de Mussolini a melhor arma para desarticular os movimentos marxistas organizados.
Seus partidários se foram enquadrando de forma paramilitar como Camisas negras. Entre seus dirigentes fundadores havia intelectuais nacionalistas, ex-oficiais do exército, membros do Corpo Especial Arditi e jovens agricultores. Em 7 de abril de 1921 se converteram em partido político com o nome de Partito Nazionale Fascista (Partido Nacional Fascista, ou PNF), caracterizado por sua oposição tanto ao liberalismo como ao comunismo. Em 1922, depois da Marcha sobre Roma, o rei de Itália, Vítor Emanuel III entregou o poder a Mussolini, que deteve assim o título de Duce [líder nacional e militar].

Em 1928, o PNF aboliu todos os demais partidos políticos. Em 1927 se promulgou a Carta do Trabalho. A questão trabalhista sintetizada e reunida pelas forças fascistas forma o suprassumo do direitos modernos do trabalho em muitos países. Adaptada na Espanha como Fuero del Trabajo, no Brasil foi uma grande e fundamental inspiração para a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 1943, no Estado Novo de Getúlio Vargas, que condensa elementos técnicos fascistas, ideológicos da Doutrina Social da Igreja e castilhistas, assim como abrangendo doutrinamentos trabalhismo, nacionalismo e de Estado industrial moderno. Em 1932 se publicou na Enciclopédia Italiana o artigo Fascismo, escrito por Giovanni Gentile. Editado separadamente como A Doutrina do Fascismo (La Dottrina del Fascismo), foi traduzido em vários idiomas.

O fascismo como visão política

O fascismo é antes de tudo um nacionalismo que identifica terra, povo e estado com o partido e seu líder. O fascismo não só queria tomar o poder mas também criar uma nova classe de homem e de sociedade, através de uma ideologia que glorificava a hierarquia, o nacionalismo e o patriotismo.
Pode considerar-se que o fascismo italiano é um regime centrado no Estado. Benito Mussolini afirma que: “O povo é o corpo do Estado, e o Estado é o espírito do povo. Na doutrina fascista, o povo é o Estado e o Estado é o povo. Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. [6] Isso é uma diferença gigantesca para com o Nacional-Socialismo alemão, que está centrado na herança étnica germanista – que podemos ler como sangue, ethos, pertencimento – identificada com o povo (‘Volk’, que forma o Estado e está contido nela: “é a raça e não o Estado o que constitui a condição prévia da existência de uma sociedade humana superior” – Adolf Hitler) ou Volkgemeinschaft (interpretável como “comunidade do povo” ou “comunidade de raça”, ou inclusive como expressão do apoio popular ao Partido e ao Estado): “Ein Volk, ein Reich, ein Führer!” [Um povo, um Império, um Líder!].

Em resumo, enquanto a exaltação do étnico germânico como definição do modo de nacionalidade para o nacional-socialismo, no fascismo vemos o Império Romano renascido como modelo de aspiração.
O fascismo é uma ideologia política fundamentada em um projeto de unidade chamado corporativismo, que exalta a ideia de nação frente a do indivíduo ou classe; suprime a discrepância política em benefício de um partido único e localismo em benefício do centralismo; e propõe como ideal a construção de uma sociedade perfeita, denominada corpo social, formado por corpos intermediários e seus representantes unificados pelo governo central, e que está designado para representar a sociedade. Para isto aconselhava a obediência das massas (como protagonistas do regime) para formar uma só entidade ou órgão sócio-espiritual indivisível. [7] [8]
O fascismo liga-se em recuperar o esplendor de um passado glorioso, e também as denominações de seus regimes. Um panorama contemporâneo das suas visões pode ser mais amplamente visto no retorno moderno das ideias do Terceiro Reich (Alemanha), Terceira Roma (Itália) e a Terceira Civilização Helênica (pan-europeísta). Nestes, respectivamente, o expansionismo para o exterior é considerado como uma necessidade vital para Alemanha: o “lebensraum” ou “espaço vital” para o Leste, o Império mediterrâneo para Itália. Até mesmo Francisco Franco, ex-caudilho da Espanha  (1892 – 1975), desenhou umas Reivindicações espanholas, que exibiu antes para Hitler em sua famosa entrevista de Hendaya do ano 1941 [9]. Todas previam não uma dominação mundial, mas o englobamento de suas culturas num mesmo sentido de Império. Um imperialismo de união sobre o próprio povo e pertencimento, diferindo do expansionismo meramente mercatório do liberalismo neocolonial regido no século XIX.

Fascismo e classes sociais

Diferindo das duas posições liberais e comunistas, a ideia do fascismo e as classes sociais foi de organizar toda a sociedade instalando uma visão nova que rompesse com o sistema anterior, exigindo uma subordinação responsável de todas as organizações sociais, econômicas e políticas.
O componente social do fascismo pretende ser sem classes e anti-individualista: nega a existência dos interesses de classe e tenta suprimir a luta de classes com uma política de sindicato vertical e único em que tanto trabalhadores como empresários obedeçam as diretrizes superiores do governo. Tal como o corporativismo italiano e o Nacional-Sindicalismo espanhol. O nacionalismo econômico, com autarquia e direção centralizada se adaptaram como em uma economia de guerra para a situação de saída da crise de 1929.

Fascismo e propaganda

O fascismo atribuiu grande ênfase na propaganda. As novas tecnologias, especialmente o rádio mas também o cinema e o jornalismo gráfico, se utilizavam em grande medida para unir o povo. Utilizando habilmente os novos meios de comunicação e o carisma de um líder no que se concentra todo o poder, o propósito foi conduzir em unidade ao denominado corpo social da nação.

Fascismo como metapolítica

O fascismo é também um fenômeno metapolítico de dimensões, inicialmente europeias e posteriormente nativistas, fortemente influenciado vitalismo e o espiritualismo que se distingue do conjunto das ideologias progressistas modernas por uma concepção de valores trágico-heroica, e tradicionalista, elevando-se acima do conceito moralizante do conservadorismo burguês (ou seja, pretende estar acima de mero moralismo) por condensar essas características com seu carácter revolucionário e futurista.
O fascismo exaltou os valores da virilidade, a camaradagem e o companheirismo dos irmãos de armas, todos eles em sintonia com algumas tradições militaristas existentes em todos os exércitos. Exemplos disso estão no ideário antigo do exército alemão (Herr prussiana), o japonês (Imperial) e os desbravadores ibéricos. [11]

Modo geral, o fascismo propõe uma modernidade alternativa que descarta o racionalismo cartesiano (a qual acusa de fugir antes de ser) e coloca a verdade da existência (Heidegger, 1927) como fundamento de toda racionalidade autêntica. Exemplo disso está em Martin Heidegger, autor de “Ser e Tempo”, tem sido reconhecido universalmente, inclusive por pensadores anti-fascistas, como o acontecimento filosófico mais importante desde a Fenomenologia do Espírito de Hegel (Habermas, 1971). Na mesma direção interpretativa inspirada em Heidegger e segundo Giorgio Locchi (1981), a essência do fascismo seria um sobrehumanismo que rompe com a concepção linear progressiva do tempo histórico [10]. Enquanto isso, Jaume Farrerons, seguindo também a diretriz exegética marcado por Heidegger, detém (2012) que o fascismo erigisse como condição cosmovisionária e existencial para a compressão da verdade. Tanto Locchi como Farrerons representam tentativas filosóficas sérias, acadêmicas e científicas, de interpretar o fascismo desde a perspectiva dos próprios valores fascistas.
A ciência foi um principal objeto de consideração. As conexões do fascismo com movimentos intelectuais foi atrativa para muitas personalidades destacadas: italianos como Gabriele D’Annunzio, Filippo Tommaso Marinetti, Curzio Malaparte e Luigi Pirandello; alemães como Martin Heidegger, Ernst Jünger, Carl Schmitt, Wilhelm Furtwängler e Herbert von Karajan; franceses como Robert Brasillach, Louis-Ferdinand Céline e Pierre Drieu La Rochelle; espanhóis como Ernesto Giménez Caballero, Dionisio Ridruejo, Pedro Laín Entralgo, Eugenio D’Ors e Agustín de Foxá; noruegueses como Knut Hamsun, romenos como Mircea Eliade; e estadunidenses como Ezra Pound.
Na Itália, ao menos inicialmente, até 1938, se deu a partir de 1924 um forte processo que se denominou Italianização fascista que pretendia homogeneizar toda diferença idiomática e cultural.
No caso espanhol existiu uma expressão ideológica hispanista que em algumas ocasiões se foi definido como pan-hispanismo, e que não pode definir-se como um racismo stricto sensu, embora houvesse uma hipervalorização das características étnicas, religiosas, culturais e idiomáticas identificadas com o espanhol, sobre tudo em relação com sua expansão pela América. Foi mantida em vários países hispano-americanos, destacadamente na Argentina, e se expressou no conceito de hispanidade (acunhado pelo sacerdote vasco emigrado a Argentina Zacarías de Vizcarra —A Hispanidade e seu verbo, 1926— e divulgado por Ramiro de Maeztu —Defesa da Hispanidade, 1934—). Ele veio para instituir em 12 de outubro como festa do Dia do Hispânico, que já foi celebrado com o inequívoco nome “Dia da Raça” desde 1915 (a iniciativa de Faustino Rodríguez-San Pedro) e que se estendeu pela América Hispânica. As ideias ou melhor tópicos de Raça, Hispanidade e Império eram inconfundíveis na retórica da Falange Española (Falangismo) que herdou o Franquismo, e o próprio Franco escreveu o roteiro do filme “Raza”, de 1941.

O racismo entendido em sua expressão puramente biológica, não está presente nos movimentos fascistas, mas em outros contextos, como o nacionalismo branco (étnico-racial) nos Estados Unidos ou na África do Sul com o regime do Apartheid. Em relação ao nacional-socialismo alemão, confundido em suas bases doutrinárias com o fascismo, é temos presente uma base racial inserido na cosmovisão. É como distinguir que a base do fascismo italiano foi o Império Romano e a base do nacional-socialismo alemão ou germanismo.
Os nacional-socialistas construíram uma amalgama ideológica de grande eficácia mobilizadora a partir do germanismo e suas bases culturais, presentes na mitologia, filosofia e literatura. Esses conceitos estavam atrelados ao conceito de raça. Se destaca nessa visão dois elementos: o nordismo indo-europeu, isso é, a base da raça comum germânica e o antissinismo também em caráter de separação racial (além do cultural, aspecto até mais importante ainda nesta visão).

Fascismo e o cristianismo

A questão do cristianismo é um divisor entre nacionalistas que consideram – estando eles informados pela máquina propagandística de guerra dos Aliados na atualidade -, que o cristianismo deva rejeitar o fascismo e que o fascismo e seus desdobramentos “rejeitam o cristianismo” de pronto. Isso nunca foi verdade. O Vaticano é um Estado teocrático que possui seu próprio banco (bem poderoso, com uma poderosa seguradora), polícia, leis e política interna e externa. Enquanto a Itália de Mussolini reconhecia o catolicismo como uma expressão cultural da romanidade naturalmente, os nacional-socialistas como governo enxergavam o cristianismo como uma das vertentes religiosas dentro do Estado germânico e não por isso tenha sido constrangidos seus cidadãos, que logicamente eram tão cristãos quanto os italianos, e de diversas denominações. Mas os interesses do Vaticano para com esses Estados entravam em conflito na busca de suas hegemonias e liberdade de ação interna. Pois não podia esse Estado teocrático mandar ou desmandar sem concordância para com os Estados nacionais e suas políticos internas.
O Pio XI teve uma relação pública com Mussolini que poderia ser visto como amigável, como demonstrado no Tratado de Latrão, classificando Mussolini como um “homem enviado a nós pela Providência” e a petição de voto aos fascistas nas eleições de 1929, ao tempo que condenava na encíclica Dilectissima Nobis o laicismo agressivo da Segunda República Espanhola, de orientação radical marxista.
Pío XII, por sua vez, sempre tem sido visto como um personagem mais contemporizador e cordial para com o fascismo. Por exemplo, a identificação de Pio XII e a Igreja Católica espanhola com o governo de Francisco Franco foi explícita na carta coletiva dos bispos espanhóis, Concordata Espanhola, de 1953, chegando-se a cunhar o termo Nacional-Catolicismo para definir um de seus rasgos ideológicos e um dos principais apoios que lhe sustentavam.
Papa e Mussolini assinando o Tratado de Latrão – Getty Images
Por outro lado, Pío XII levantou a excomunhão a Action Française 1939.
No caso da Alemanha (em comparação com a Itália) a de se levar em conta que a manutenção da neutralidade do Vaticano e as tentativas de mediação foram interpretados como um apoio ao Terceiro Reich, ao marginalizá-los para Estados Unidos e a União Soviética. E por mais que não houvesse apoio oficial, depois da derrota na Segunda Guerra Mundial (1945), muitos dirigentes do Terceiro Reich fugiram para a Suíça e Argentina com a ajuda de religiosos católicos. Muitos com passaportes do Vaticano e disfarçados de sacerdotes.
Em 1998, no desenrolar processuais desses fatores, o papa São João Paulo II defendeu Pio XII, cujo processo de beatificação foi iniciado ao mesmo tempo, apesar da oposição agressiva e arrogante do Estado de Israel.
Indo um pouco mais a fundo na comparação a relação para com a cristandade, saindo do eixo católico romano, entidades protestantes e reformadas fizeram muitas adesões aos nacional-socialistas Deutsche Christen (Cristãos Alemães, 1932) e a Deutsche Evangelische Kirche (Igreja Evangélica do Reich, 1933) dirigida pelo bispo Ludwig Müller na Alemanha. Se tentava conseguir uma Positives Christentum (Cristianismo Positivo) que purgar-se o Cristianismo de influências judias. Os clérigos e suas esposas aceitaram a aplicação da legislação de pureza racial ariana.

Fascismo como influencia difusa nos nacionalismos

De uma maneira evidente surgiram à semelhança dos Fascio italiano organizações caracterizadas pelo que pode denominar-se liturgia fascista: implantações em massa, organizados e disciplinados, a saudação romana braço no alto, os símbolos e lemas, a presença de rua efetiva, a utilização de correias paramilitares e uniformes, em particular as camisas de uma determinada cor: camisas negras (Itália, SS na Alemanha, Inglaterra, Finlândia) camisas pardas (SA na Alemanha), camisas azuis (Espanha, França, Irlanda, Canadá, China), camisas verdes (Romênia, Hungria, Brasil) Camisas douradas (México) e Camisas Prateadas (Estados Unidos).

Essa liturgia representava um modo organizacional bem quisto e bem adaptado para a época (início do século XX) quando da ascensão dos italianos nacionalistas. Isso não quer dizer de modo algum existiu homogeneidade total entre os distintos movimentos e regimes de caráter fascistas. Naturalmente, como pregou a doutrina, Esses movimentos e frentes político-ideológicas enfatizavam as peculiaridades nacionais, sua originalidade e sua raiz endógena. Enquanto nas relações internacionais, as vicissitudes do equilíbrio  levaram a um entendimento estratégico e em outros casos, se manteve uma total neutralidade que não ocultava as simpatias.
Esses movimentos fascistas que alcançaram o poder, fizeram isso de forma endógena (quer dizer, sem imposição exterior) em algumas nações. Isso só pode ser explicado olhando para as semelhanças e diferenças entre eles.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) foram impostas em grande parte da Europa aos governos aliados das Potências do Eixo colaboradores que desenvolveram chamados regimes fascistas com graus variados de semelhança com o alemão ou italiano.
Houve algumas tentativas a partir de 1942 das potências do Eixo em organizar corpos militares com pessoas provenientes dos países colonizados pelos aliados, sobre tudo dos países árabes, do subcontinente indiano (Legion Freies Indien e Legion Tigre, criada pelo independentista Subhas Chandra Bose) e da Ásia Central soviética. Inclusive houve uma divisão formada por muçulmanos bósnios, a 13ª Divisão de Montanha SS Handschar, em 1943, enquanto a aproximação de algumas personalidades muçulmanas, como o Grande Mufti de Jerusalém, Amin al-Husayni e o primeiro ministro do Iraque Rashid Ali al-Kaylani, se tratava de coincidências ideológicas; que também é aplicado frequentemente à parceria muito mais importante que envolveu o Império Japonês.
Os resultados destas operações foram muito eficazes, sobre tudo no campo ideológico, influenciando e dando o primeiro passo para muitos movimentos legitimamente nacionalistas e pró-independencia e auto-afirmação que viriam a surgir no mundo árabe do pós-guerra.

Fascismo e sua influência no pós-guerra

Aqui uma lista de movimentos e partidos cujas aspirações ideológicas ou organizacionais disciplinares tiveram inspiração no fascismo italiano. Essas organizações se formaram e se dissolveram no passado entre o final da década de 1920 e fim da década de quarenta.
Albânia – Partido Nacional Fascista
Argentina – Legión Cívica Argentina
Austrália – New Guard
Áustria – Frente Patriótico
Bélgica – Partido Rexista
Bolívia – Falange Socialista Boliviana
Brasil – Ação Integralista Brasileira
Colômbia – Los Leopardos
Croácia – Ustaše
Eslováquia – Partido Popular Eslovaco
Estados Unidos – Silver Legion
Estônia – Eesti Vabadussõjalaste Keskliit
Espanha – FE de las JONS
França – Action Française, Camelots du roi, Croix-de-feu, François De La Rocque, Jeunesses Patriotes, Le Faisceau, Parti franciste
Finlândia – Lapuan liike
Hungria – Partido da Cruz Flechada
Japão – Taisei Yokusankai
Líbano – Kataeb
Lituânia – Geležinis Vilkas
Méximo – União Nacional Sinarquista, Camisas douradas
Peru – Unión Revolucionaria
Portugal – União Nacional
Reino Unido – União Britânica de Fascistas
República Checa – Comunidade Nacional Fascista Checa
Romênia – Guarda de Ferro
San Marino – Partido Fascista Sanmarinense
Suíça – Nationale Front
O fascismo em suas expressões mais tradicionais ressurgiu nas décadas de 80 e 90 do século XX, que tentam reproduzir, com maior ou menos êxito, a estética, atitudes e simbologias similares dos originais. Como movimento político de presença institucional, na Itália apareceu depois da Segunda Guerra Mundial sob a forma do partido político Movimento Sociale Italiano (Movimento Social Italiano), que com o tempo buscaria uma presença maior pelo regime político democrático sob o nome de Alleanza Nazionale (Aliança Nacional), chegando ao governo italiano (com Gianfranco Fini, que posteriormente traiu as ideias do partido-, sob a presidência de Silvio Berlusconi, em 1994) e o Casa Pound.
Desde finais do século XX tem aumentado as possibilidades eleitorais dos partidos que baseiam sua proposta política em distintas ofertas de dureza contra a imigração e manutenção da personalidade nacional.
Também da Itália, em várias democracias europeias a presença de partidos nacionalistas e patrióticos além de personalidades com um passado nacional-socialista ou fascista tem chegado a ocasionar inclusive problemas internacionais: foi o caso do escândalo pela chegada de Kurt Waldheim a presidência da Áustria (1996) e a entrada no governo do mesmo país de Freiheitliche Partei Österreichs (Partido da Liberdade da Áustria, FPÖ) de Jörg Haider em 1999. Nos Países Baixos ocorreu um caso similar com a Lijst Pim Fortuyn (Lista Pim Fortuyn, LPF) em 2002. Na França, a inesperada possibilidade de que Jean-Marie Le Pen (Front National, Frente Nacional) pudesse chegar a presidência da República, levou a uma coalizão vergonhosa do voto de todo o espectro político da esquerda a direita contra ele nas eleições de 2002. Atualmente sua filha, a advogada Marine Le Pen, continua seu legado após ter se retirado da política. Deputada do Parlamento, foi eleita presidente da Frente Nacional em 16 de janeiro de 2011, em substituição a seu pai e atualmente dirige o Rassemblement National. Assim como a sobrinha de le Pen, Marion Maréchal, também é deputada, pelo Front National.
Os netos de Mussolini também se destacam até hoje na política italiana.


Notas:

[1] Podemos dizer que do ponto de vista do fascismo, trata-se de uma ideologia conservadora, além de tradicionalista? Primeiro precisamos definir o sentido de ambas as coisas e definir um sentido para “conservador”.
[2] Stanley G. Payne. A History of Fascism 1914-1945. University of Wisconsin Press, 1995. p. 81.
[3] A Itália, então aliada da Alemanha e do Império Austro-Húngaro na chamada Tríplice Aliança permaneceu neutra no início da guerra devido ao fato de não ter sido consultada pelos seus aliados na eclosão do conflito. Porém em seguida viu a possibilidade de anexar as regiões habitadas pela etnia italiana, como o Trentino e a Ístria que estavam ocupados pelo Império Austro-Húngaro. Em 1915 então a Itália entra em guerra acreditando esta ser de pouca duração, pois a Áustria-Hungria já vinha enfrentando problemas contra a Sérvia. O plano era uma ofensiva surpresa que ocuparia rapidamente as principais cidades austríacas.
Na prática porém, o exército italiano não logrou êxito em avançar e apesar da vantagem numérica, somente com a ajuda estadunidense que a Itália conseguiu vencer o Império Austro-Húngaro, exatamente um ano depois na Batalha de Vittorio Veneto. O exército italiano teve a maior derrota histórica, mais de 275.000 de seus soldados capturados e com isto o fronte recuou cerca de 100 quilômetros até o Rio Piave.
[4] Antonio Fernández, op. cit., pg.331
[5] Para conseguir sua entrada na guerra junto a Entente, se promete a Itália a anexação após o fim da guerra de territórios pertencentes ao Império Áustria-Hungria: Trento, Tirol meridional, Trieste, Ístria e parte de Dalmácia. O tratado se firmou como um pacto secreto, em 26 de abril de 1915. O vergonhoso Tratado de Versalhes não cumpriu com estas expectativas.
Sobre o tratado, um artigo sobre Maynard Keynes, de Samuel Gregg, pode dar uma visão mais imparcial sobre o tamanho do seu desastre.
[6] São duas frases de distintos discursos. A primeira de 1934: “Ele entra em nova formas de civilização, tanto em política como em economia. O Estado volta por seus direitos e seu prestigio como intérprete único e supremo das necessidades nacionais. O povo é o corpo do Estado, e o Estado é o espírito do povo. Na Doutrina Fascista, o povo é o Estado e o Estado é o povo” (18 de março de 1934). A segunda, chamado Discurso da Ascensão, 26 de maio de 1927: “Nós confirmamos solenemente nossa doutrina a respeito do Estado; confirmo não menos energicamente minha fórmula do discurso na Scala de Milão: Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado.
[7] Esse conceito, muito utilizado nos nacionalismos europeus do século XX, pode ser visto em “A Decadência do Ocidente” de Oswald Spengler.
[8] Sobre corporativismo, os livros…
[9] José María de Areilza y Fernando María Castiella. Reclamaciones de España, Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1941.
[10] Giorgio Locchi. “A essência do fascismo”.
[11] Francisco Franco e José Millán-Astray, irão, por exemplo, obter inspiração no Credo Legionario.

Bibliografia

Fernando Arcas Cubero O fascismo italiano, em Gran historia universal, vol.14., Madrid: Nájera-Club internacional do livro.
De Felice, Renzo, Intervista sul Fascismo, Roma-Bari, Laterza, 1997. (Bari, 1975)
Eatwell, Roger, Fascismo. Verso un modello generale, Roma, Antonio Pellicani, 1999.
Farrerons, Jaume, “Heidegger e a criminalização do fascismo” (artigo), Madrid, revista “Dissidências”, núm. 9, 2009.
Gentile, Emilio, Fascismo. Historia e interpretación, Madrid, Alianza, 2004. (Roma-Bari, 2003)
Navarro Gisbert, José Antonio, ¿Por qué fracasó la II República?, Áltera Barcelona 2005.
Griffin, Roger (ed.), Fascism, Oxford-New York, Oxford UP, 1995.
Laqueur, Walter, Fascism. Present, Past, Future, Oxford-New York, Oxford UP, 1996.
Linz, Juan, “Some Notes Toward a Comparative Study of Fascism in Sociological Historical Perspective”, en
Walter Laqueur (ed.), Fascism. A Reader’s Guide, Berkeley-Los Angeles, University of California Press, 1976, pp. 3-121.
Nolte, Ernst, Il fascismo nella sua época. I tre volti del fascismo, Milano SugarCo, 1993. (München, 1963)
Payne, Stanley G., El Fascismo, Madrid, Alianza, 1984. (Madison, 1980)
Savarino, Franco, “La ideología del fascismo entre pasado y presente” (artículo), en F. Savarino, G. Vera, A.
Pinet y P. Quintino (coords.), Diálogos entre la historia social y la historia cultural, México, INAH-AHCALC, 2005, pp. 253-272.
Sternhell, Zeev, “Fascist Ideology”, en Walter Laqueur (ed.), Fascism. A Reader’s Guide, Berkeley-Los Angeles, University of California Press, 1976, pp. 315-376.
Tannenbaum, Edward R., La experiencia fascista. Sociedad y cultura en Italia (1922-1945), Madrid, Alianza, 1975. (1972)
Tarchi, Marco, Fascismo. Teorie, interpretazioni e modelli, Roma-Bari, Laterza, 2003.
Tasca, Angelo, El nacimiento del fascismo, Barcelona, Editorial Crítica, 2001.
Thomas, Hugh, La Guerra Civil Espanola. Editorial Grijalbo, Barcelona 1976.
Tusell, Javier, Historia de España en el siglo XX II. La crisis de los años treinta: República y Guerra Civil, Taurus, Madrid 1999.
Woolf, S.J. et al., La naturaleza del fascismo, México, Grijalbo, 1974. (London, 1968)

Nenhum comentário:

Postar um comentário