Jeová te ferirá com a úlcera do Egito, com tumores, com sarna e coceira que não podem ser curados. Jeová te causará loucura, cegueira e problemas de espírito, e você sentirá ao meio dia como o cego se sente no escuro. Não serás próspero em teus caminhos, serás apenas oprimido e roubado todos os dias, e não haverá ninguém para salvá-lo. Te casarás com uma mulher e outro homem irá dormir com ela, irá construir uma casa e não a habitarás, você plantará uma vinha e não a apreciará. O seu boi será degolado diante dos seus olhos e não o comerá; eles levarão o seu burro na sua presença e ele não voltará a você, suas ovelhas serão tomadas pelos seus inimigos e ninguém o ajudará. Teu filhos e tuas filhas serão entregues a um povo estrangeiro, teus olhos serão consumidos olhando todos os dias para o local do cativeiro, mas não haverá força em sua mão e você não poderá fazer nada. Um povo, desconhecido para você, comerá as colheitas da sua terra e o fruto de todo o seu cansaço, enquanto você será fadigado e quebrantado todos os dias. Diante de tais coisas, você ficará louco. – (Deuteronômio, 28: 29-36).
Em outros artigos deste blog vimos a importância da Pentalasia, uma região sem igual onde coincidem as influências de cinco espaços marítimos diferentes e que provavelmente é a zona mais estratégica do mundo inteiro. Dentro da Pentalasia, existe uma faixa particularmente crítica: o litoral oriental do Mediterrâneo, o chamado Levante ou Bilad al-Sham (Grande síria) – uma curva que vai do delta do Nilo até a província turca da Cilícia (que foi um reino armênio até a invasão turca), dominando o elo crucial onde a Eurásia se converte na Africa e o Mediterrâneo no Mar vermelho. O Levante tem uma impressionante história de confrontos, guerras e conflitos entre tribos, raças, sociedades, civilizações, religiões, superpotências, estilos de vida e formas de ver o mundo, que chega até nossos dias mais turbulentas do que nunca.
A Faixa do levante. Várias cadeias montanhosas tendem a separá-la do continente, convertendo-a em um domínio marítimo e pseudo-insular: Tauro (Turquia), Nur (Turquia), Líbano e Anti-Líbano (Líbano e Síria).
Que influência tem o Levante sobre o mundo? O futuro da humanidade será decidido no Levante? porque antigamente o Chipre, Creta, Rodes, Sicília, Nápoles, Líbano e Síria eram lugares tão prósperos, enquanto agora estão repletos de instabilidade? O Levante tem algo a ver com a Rota da Seda? Porque em junho de 2011 o presidente sírio Bashar al-Assad afirmou que o levante era nada mais nada menos que o ‘’centro do mundo’’? porque aqui os símbolos solares e retos enfrentam os símbolos lunares, noturnos e curvos? Para justificar a importância eterna desta região incomparável, é necessário como sempre, retroceder ao passado. Nesta primeira parte revisaremos a história do Levante sob um ponto de vista diferente, até a expulsão dos franceses napoleônicos do Egito.
Pré-História
Durante o Paleolítico, o Mediterrâneo era muito diferente. O Chipre estava unido continente, Córsega e Sardenha formavam uma ilha só, Malta, Sicília e a Península Itálica formavam uma só continuidade territorial, o Adriático e o Egeu eram muito reduzidos, não existia o Bósforo nem os Dardanelos (convertendo o Mar Negro em um lago interior), e o Mediterrâneo inteiro quase era dividido na metade em um limitado estreito que separava Tunísia da Itália. Floresceram no Levante -especialmente no que hoje é o Estado de Israel, porém também na Síria, Palestina e outros lugares- numerosas comunidades humanas da raça neandertal-oriental. Parece claro que quando outra onda migratória saiu da áfrica novamente, se encontraram com esses neandertais israelitas e se miscigenaram até certo ponto com eles, em tempos tão antigos quanto até 80.000 anos. Esses ‘’humanos modernos’’ logo continuaram até o norte através do Vale do Jordão, colonizando o continente eurasiático, que naquele tempo era habitado por várias raças e variedades de Erectus e Neandertal. Por conta dessa mistura, toda a humanidade eurasiática tem porcentagens variáveis de contribuições dos neandertais em seu genoma. Alguns paleoantropólogos até sugerem que Israel foi o único lugar onde os neandertais e ‘’homens modernos’’ conviveram e se miscigenaram pacificamente [1]. Na Europa, o Neandertal e o Cro-magnon lutaram até que as últimas comunidades verdadeiramente puras de neandertais se extinguissem no Gibraltar há 24.000 anos.
O Levante não foi alheio às culturas pré históricas de origem europeia, como o aurignacense, que gradualmente se sobrepuseram a uma cultura local obscura chamada ahmariense [2] e al-emiriense. O aurignacense levantino se deu especialmente em uma estreita faixa costeira e arborizada, nas quais hoje são o Líbano e o Estado de Israel (coincide quase exatamente com a Fenícia histórica), e suas indústrias de pedra tem sido especialmente relacionadas aos aurignacense francês. As comunidades humanas correspondentes a estas culturas materiais ainda eram caçadoras-coletoras.
Em direção ao Paleolítico Superior, uma lenta transformação é evidente nas sociedades humanas levantinas. Pressionadas tanto por um aumento demográfico como por uma crescente escassez de fontes de subsistência, em parte devido a mudança climática, essas sociedades começaram a mudar sua dieta, e portanto sua economia e estilo de vida. De caçar grandes mamíferos como os auroques, começaram a consumir raposas, lebres, avestruzes, tartarugas, pássaros, roedores e outros animais menores. Também incrementaram o consumo de frutas. O nascimento de Ohalo II (atual Estado de Israel, datado em 23.000 anos), classificado como Epipaleolítico precoce, é um exemplo perfeito de como estas sociedades levantinas começaram a diversificar suas fontes de alimentação, passando para animais menores e/ou que necessitavam de avanços técnicos (como redes de pesca). Os restos botânicos indicam que esses indivíduos começaram a recorrer ao consumo de numerosas plantas silvestres, incluindo, pela primeira vez, um alimento que era considerado inferior e ‘’de crise’’ pelas sociedades caçadoras-coletoras: o cereal (trigo e cevada). Os habitantes de Ohalo II realmente seguiram um caminho lógico: quando, devido a uma crise ambiental e/ou demográfica, por causa de uma escassez de recursos altamente disponíveis e valorizados, começaram a explorar recursos tecnicamente mais custosos de obter apesar de terem um valor nutricional menor.
O evento catalisador desta mudança pode ter sido o chamado Dryas Recente (há 12.800-11.500 anos), um retorno provisório mas abrupto, as condições glaciais antes de culminar definitivamente na deglaciação. Este rápido evento (que levou 10 anos para impor-se) teve que reduzir em enorme medida a capacidade biológica natural do Levante, forçando as comunidades humanas autóctones a encontrar novas soluções para sobreviver. Foi nesse período que nasceu a Cultura Natufiense (possivelmente uma mistura entre os anteriores Kabariense e Mushabiense), considerada como o gérmen do Neolítico. As análises cranianas modernas, comparando 24 medidas craniofaciais distintas, mostram que no pré-neolítico levantino havia um panorama multirracial que incluía origens não Levantinas, como “Norte da Europa”, “Europa Central”, ‘’Saariano’’ e ‘’Subsaariano’’. Se pensa que o elemento subsaariano chegou ao levante seguindo o vale do Nilo, que atuava como único canal entre a áfrica subsaariana e o norte da África. O elemento ‘’Norte da Europa’’ poderia estar relacionado com a cultura Cro-magnon aurignacense e o ‘’Europa Central’’ com migrações centro asiáticas.
Tudo o que foi discutido pode parecer uma simples e curiosa ‘’mudança de hábitos dietéticos’’ sem maiores consequências históricas, porém, a realidade é que, com esta revolução na vida cotidiana e nas matérias primas que o homem introduziu em seu organismo, assim como a mestiçagem massiva, viu uma mudança igualmente revolucionária na economia e na biologia humana: uma mudança na substância na qual o homem foi feito, nas fundações e nas raízes de seu ser. A parte do corpo que mais dependia de carne, caça e fogo para evoluir estava provavelmente mais ressentida: o cérebro – e portanto a mente. Se pensarmos no profundo efeito que a mudança do estilo de vida teve nas partes duras do corpo humano (diminuição da altura, ossos cada vez mais fracos, aparição de deformidades esqueléticas e problemas dentários), podemos imaginar como as partes moles devem ter sofrido (músculos, órgãos, substância reprodutiva e essencialmente o cérebro). No artigo “a maldição oriental” vimos até que ponto a adoção do novo sistema de vida estava em conflito com a ancestral configuração biológica e espiritual da espécie humana, adaptada perfeitamente a uma vida caçadora-coletora após dezenas de milhares de gerações de seleção natural. Considerando que a herança genética neandertal sem dúvida ainda estava presente no Levante e que os neandertais, ao contrário dos cro-magnons, tinham certa tendência ao consumo de vegetais e produtos amiláceos, pode-se concluir que a raça neandertal-oriental havia uma marca forte, que o impulso dos cereais vinha de sua herança genética e que a guerra étnica entre cro-magnons e neandertais não terminou com a extinção da última sociedade neandertal autóctone pura em Gibraltar… mas ainda continuava viva e bem no Levante.
Enquanto a espiritualidade Cro-magnon, vinda de um imaginário caçador, capturava a figura humana e animal em suas pinturas rupestres e estatuetas, e o faria posteriormente em obras de arte muito evoluídas, a espiritualidade do neandertal oriental (encarnada depois no judaísmo, o cristianismo primitivo e no Islamismo) as consideraria profanas, representando em vez disso motivos vegetais, minerais, caligráficos, simbólicos e abstratos. Os herdeiros indo europeus do cro-magnon tinham a tendência a adorar a deuses concretos, fortemente personalizados e caracterizados, como se houvessem encarnado sobre a terra, e também humanizavam fenômenos e entidades da Natureza, como o vento, os bosques e os rios. Também consideravam que os deuses podiam possuir os homens transitoriamente, infundindo-os inspiração. De modo contrário, a espiritualidade oriental estava mais inclinada a adoração de deuses abstratos, distantes, inexpressivos, monolíticos, desumanos e que pareciam ‘’não ser desse mundo’’. É revelador que a menos oriental das religiões orientais, quer dizer, o cristianismo, adorava precisamente a Cristo, ou seja, um Deus humanizado -Deus se fez carne e caminhou sobre a Terra. Reconhecer que Deus impregnou a matéria com sua essência e encarnou na Terra era como um passo anterior a santificação da matéria e da mesma Terra (cujo papel corresponde no imaginário cristão como a Virgem Maria) [3]. Afinal de contas, se a matéria é como uma cálice que contém a essência divina, esse cálice também é divinizado.
A ideia de que o espírito poderia fecundar a matéria e fazê-la crescer é, em vez disso, uma aberração para a espiritualidade do deserto -algo compreensível se levarmos em conta que o deserto é a ausência da natureza, devido, por sua vez, a ausência de um poder celeste fecundador (deuses indo europeus do relâmpago e da tormenta, como Indra, Zeus, Júpiter, Taranis, Thor e Perun) que fazem com que brotem da terra filhos verticais. Devido ao fato de que no deserto o martelo do Céu não golpeia o solo e não há natureza para fixar no seu lugar, a Terra é movediça, impermanente, escrava do vento, árida, inóspita, estéril, seca e extrema – uma mãe muito estranha e um pai muito ausente: assim não pode haver filho. É inegável que a monotonia do horizonte e da paisagem favorece o monoteísmo e a mentalidade ‘’preto e branco’’ e dualista: somente existe céu e terra, Jeová e o não-Jeová, Deus é somente um (assim pensam tanto os judeus como os muçulmanos); O efeito evolutivo a longo prazo de viver em uma atmosfera cheia de íons positivos e partículas de poeira em suspensão também deve ser considerado. Talvez na necessidade de filtrar e enriquecer o ar, possa-se encontrar a razão pela qual os povos do Oriente Próximo, de pele, cabelos e olhos escura, têm uma personalidade “magnética” centrada na região nasal e os povos nórdicos e de pele, cabelo e olhos claros, uma personalidade “elétrica” centrada no coração, do cérebro. O Relâmpago não deixa de ser um presente do Céu.
O novo sistema de vida, chamado civilização, junto com uma nova filosofia, uma nova espiritualidade, novos ofícios e novas formas de organização social, se expandiu como a pólvora, alimentada por novas migrações procedentes da Ásia Central, e promovendo o peso demográfico de todas as tribos que a adotavam. As indústrias da pedra (pontas de flecha, etc.) tornaram-se cada vez menores, culminando nos micrólitos de culturas locais como o Kebariense Geométrico, e há 11.000 anos atrás, surgiu o primeiro povoado humano permanente em Jericó, um antigo local de cultos rituais lunares ao norte do Mar Morto. O povoado se cercou de uma muralha de pedra e se equipou de uma torre: havia nascido a primeira cidade conhecida do registro arqueológico. A revolução Neolítica seguirá crescendo e a Europa será colonizada através do Mediterrâneo, do Danúbio e posteriormente pelas estepes do Leste.
O Levante também não era estranho a nova cultura megalítica que se estendeu pela Europa durante o Neolítico tardio e o Calcolítico (Idade do Cobre). Há megálitos em todos o Levante, alcançando uma densidade especial nos Altos de Golã, uma região do sul da Síria atualmente ocupada pelo Exército Israelense, devido, entre outras coisas, a presença de numerosos aquíferos subterrâneos, onde nasce o rio Jordão no qual é a fonte de água de quatro Estados. O megalitismo também se estendeu até o Sul, chegando ao Egito e ao Hejaz árabe (a margem ocidental da arábia saudita).
Antiguidade
As sociedades humanas da Pentalasia primeiro, e depois das bacias do Nilo, Indo e Rio Amarelo, experimentaram um impressionante desenvolvimento material e demográfico graças à agricultura, pecuária, técnica do uso de metais e à invenção do arado, da roda e dos carros. À sombra dos enormes zigurates sumérios, nasceram instituições tão familiares e atuais quanto dinheiro, empréstimos, usura e escravidão por dívidas, bem como os primeiros sistemas bancários, em torno de ativos econômicos (grãos excedentes de cereais, terras, ferramentas, armas, metais, arte, pedras preciosas) controladas pelo Palácio e/ou pelo Templo. O historiador britânico Paul Johnson diz que nenhuma civilização do Oriente Médio proibiu a usura porque essas sociedades consideravam “matéria inanimada viva, como plantas, animais e pessoas, e capaz de se reproduzir”. O dinheiro, portanto, tinha que ser capaz de se reproduzir como um ser vivo, e muitos povos que haviam se recusado a divinizar o homem, os animais e a natureza, ao invés disso, conferiram qualidades divinas as primeiras formas de dinheiro e riqueza puramente materiais.
Apesar disso, dois ou três milênios antes de Cristo, considerou-se na Mesopotâmia que um “bom rei”, ao subir ao trono, decretaria o cancelamento de dívidas e a abolição da escravidão financeira para retornar o sistema monetário ao ponto zero. O uso da escrita acelerou o engrandecimento dos poderes políticos urbanos e agilizou as transações comerciais do mercado, e logo eles começaram a acumular grandes fortunas e a tecer densas redes de rotas comerciais (por exemplo, para transportar lápis-lazúli do Afeganistão para o Egito) por todo o Oriente Médio. Ao mesmo tempo, nasceram sociedades secretas e redes de espionagem. O gargalo mais delicado desse fluxo internacional de mercadorias, pessoas e informações foi o que mediava a África e a Eurásia: a região da Palestina e do Sinai.
Agora, se uma sociedade tradicional pretendia sobreviver no mundo sem ser conquistada e esmagada pelas sociedades neolíticas modernas, tinha que adotar o próprio sistema civilizado da vida para não desaparecer. As tribos agrícolas eram sedentárias, dando origem aos primeiros centros urbanos civilizantes da história, enquanto as tribos pastorais ainda eram nômades e tendiam a exercer um comportamento predatório sobre as primeiras. Uma dessas tribos pastorais, que teve uma influência desproporcional no planeta e na humanidade, foi a de Abraão.
Abraão, o patriarca fundador do monoteísmo abraâmico (que inclui judaísmo, cristianismo e islamismo) teria vivido por volta de 1700 a.C., e era pastor-pecuarista e homem de negócios. Seu local de nascimento era um desses “Ur dos Caldeus”, que certamente corresponde à cidade-Estado suméria de Ur, atual sul do Iraque. Abraão e seu povo deixaram o país, provavelmente expulsos pelos sumérios, e empreenderam uma migração que os levou primeiro a Haran (atual sul da Turquia) e depois à população de Shechem (atual Nablus, Cisjordânia), em Canaã, localizada em um nó importante de rotas comerciais onde uvas, azeitonas, trigo, gado, cerâmica e outras mercadorias eram vendidas. O Antigo Testamento nos diz que Canaã foi atormentada pela fome, então Abraão e seu povo partiram para o rico Egito atravessando o funil no Sinai-Suez e foram bem-vindos: Abraão passou sua esposa Sarai como irmã, vendendo-a ao Faraó em troca de bois, burros, criados e camelos. No entanto, Jeová afligiu o Egito com sete pragas, após as quais o faraó descobriu o engano e os judeus foram expulsos novamente. O cafetão circunstancial exterminou sua tribo em Hebron, agora a Cisjordânia.
Durante a revolta das cidades da planície do Jordão contra o império de Elão, Ló, sobrinho de Abraão, foi feito prisioneiro pelos elamitas nas proximidades de Sodoma, uma das cidades rebeldes. Ao descobrir, Abraão reuniu 318 homens e foi em busca das forças inimigas, já esgotadas após a Batalha de Sidim. Após um golpe noturno, os judeus não apenas conseguiram resgatar seus cativos, mas, de acordo com o Antigo Testamento, eles perseguiram e mataram o próprio rei elamita. Logo depois, Jeová se manifestaria a Abraão e lhe diria que terra seus descendentes deveriam reivindicar: “do rio do Egito ao grande rio, o rio Eufrates: os Cenea, os Cenezei, os Cadmoneus, os hititas, os ferezeus, os refaitas, os amorreus, os cananeus, os gergesenos e os jebuseus”. Esta simples declaração foi fundamental na história e não foi uma boa notícia para todos os povos localizados entre o Nilo e o Eufrates, porque uma nova potência estava prestes a ser forjada na região e não seria uma potência imperial, conciliadora e integradora, mas um poder puramente anti-orgânico.
O Levante logo se manifestaria como o nó problemático de rotas que é. Os hititas e egípcios travaram longas guerras ao longo do corredor sírio-palestino, culminando em 1274 a.C., com a Batalha de Kadesh, a maior batalha de carros da história – perto do que é hoje a cidade síria de Homs, duramente atingida por terrorismo jihadista. Nos séculos seguintes, o corredor sírio-palestino cairia nas mãos de inúmeros impérios mesopotâmicos e persas, assim como das raças dos chamados povos do mar. Os judeus, ainda uma tribo fraca e errante, se encontrariam no meio desse turbilhão de povos, exércitos e destruição. Os fenícios, um povo semita, começaram a florescer em 1200 a.C., no que é hoje o Líbano, o norte de Israel e o sul da Síria. Deveria ser a mesma época em que Moisés recebeu a Torá no Monte Sinai. Protegidos pelas montanhas das civilizações do interior de Pentalasia, os fenícios se expandiram pelo Mediterrâneo, dominaram a fachada atlântica da Europa e da África e provavelmente chegaram à própria América. Era a Idade do Bronze e, para fazer bronze, era necessário adicionar estanho ao cobre. Havia uma “febre de estanho” em todo o Mediterrâneo, que os fenícios acabavam dominando, chegando aos prósperos Tartessos e às “Ilhas Cassiterites” (britânicos, especificamente Cornwall e Ilhas Sorlin, ricos em metais) e protegendo zelosamente a Rota do Estanho, especialmente em seu ponto mais vulnerável: o Estreito de Gibraltar. Grandes marinheiros e comerciantes, também dedicados à lenha, aproveitaram suas enormes florestas e exportaram grandes quantidades de madeira de cedro, especialmente para o Egito, que com ele construiu navios, sarcófagos e carros. O fato de que, usando o Levante como base, os fenícios podiam dominar essas costas distantes, isso era em parte devido à mesma configuração geográfica de suas terras, com longas cadeias de montanhas que tendem a isolar a costa do resto do continente asiático, projetando seus povos até o mar… ou protegendo naturalmente povos que invadem do mar e se assentam na costa.
Enquanto os fenícios prosperavam, os judeus haviam retornado para emigração, de acordo com o Antigo Testamento, em direção ao Egito, de onde foram expulsos novamente, algo talvez compreensível, considerando que o judeu José, se transformou em algo como o grande vizir do faraó apertou violentamente a economia do povo egípcio e que o próprio Jeová não parecia ter bons planos para o reino do Nilo:
“E porei os egípcios contra os egípcios; e eles pelejarão contra seu irmão, e cada um contra seu próximo, cidade contra cidade, e reino contra reino. E o espírito do Egito o desapontará, e eu destruirei o seu conselho; e eles se voltarão para ídolos, e encantadores, e para aqueles que têm espíritos familiares, e para feiticeiros. E jogarei os egípcios nas mãos de um senhor cruel, e um rei implacável reinará sobre eles”, disse Jeová, o Senhor das massas. (Isaías, 19: 2, 3, 4).
Foi após essa expulsão que os judeus percorreram seus famosos 40 anos pelo deserto (Êxodo) e Moisés recebeu as tábuas da Torá no monte Sinai. No arrepiante capítulo 28 de Deuteronômio, Jeová sela sua aliança com os judeus, ameaçando-os com terríveis pragas e punições se eles ousarem quebrar a Torá, terminando:
“Se você não deseja colocar em prática todas as palavras desta Torá que estão escritas neste livro, temendo esse nome glorioso e temeroso de Jeová, seu Deus, então Jeová aumentará terrivelmente suas pragas e as pragas de seus descendentes, pragas grandes e permanentes, doenças más e duradouras, e trará sobre você todos os males do Egito, diante dos quais você temia, e eles não deixarão você. Da mesma forma que toda doença e toda praga que não está escrita no livro desta Torá, Jeová a enviará sobre você, até que você seja destruído.”
Logo depois, os judeus empreenderam a conquista do que é agora Israel. Durante essas campanhas, os judeus foram liderados, como muitas sociedades muçulmanas de hoje, pelos juízes, e pouco a pouco eles tiveram que desistir de algumas formas de sua organização tribal para enfrentar inimigos cada vez mais poderosos e estatizados. O Antigo Testamento contém muitas citações nas quais o próprio Jeová se dirige aos judeus ordenando-lhes como conquistar o Levante:
“Quando Jeová, seu Deus, te levar à terra que você deve herdar, muitos povos cairão diante de você … Quando Ele os tiver dado a você, você deve esmagá-los e destruí-los violentamente; você não deve fazer tratados nem mostrar misericórdia para com eles … Aqui está como você deve se comportar com esses povos: você destruirá seus altares e quebrará suas imagens, cortará suas florestas sagradas e queimará seus ídolos. Pois você é o povo santo de Jeová, seu Deus.” (Deuteronômio, 7: 1-7).
“Mas das cidades dessas cidades, que o Senhor teu Deus te der como herança, você não manterá vivo nada que respire; mas você os destruirá totalmente, isto é, os hititas e os amorreus, os cananeus e os perezitas, os heveus e os jebuseus; como Jeová, teu Deus, te ordenou.” (Deuteronômio, 20:16, 17).
De Jabal Musa (Monte Sinai, Egito) até Jabal al-Lawz (Arábia Saudita). Os dois locais possíveis para o monte Sinai bíblico, a cujos pés os judeus acamparam por um ano. No “sexto dia do sexto mês” (Êxodo, 19), Jeová manifestou-se ao povo judeu trêmulo e falou diretamente a eles, mas os judeus ficaram tão assustados que Moisés mais tarde teve que subir ao topo, onde recebeu a Torá. Embora o nome da montanha certamente venha de Sin – um antigo deus da lua semita, popular em todo o Pentalasus – de acordo com a tradição rabínica [4], o Sinai vem de sinnah (שִׂנְאָה), que significa “ódio”, e recebeu esse nome porque nessa montanha “o ódio desceu sobre o mundo”. A montanha está situada em um local curioso (mais provavelmente Jabal Musa que Jabal al-Lawz), abrangendo a África e a Eurásia e os golfos de Suez e Aqaba, presidindo o Mar Vermelho em um local relativamente adequado para pastagem.
No livro de Josué, descrevemos que, ao tomar a antiga cidade neolítica de Jericó, os judeus “destruíram totalmente tudo na cidade: homens e mulheres, jovens e velhos, e bois, e ovelhas, e burros, com a ponta da espada” (Josué, 6:21). No entanto, abstiveram-se de prejudicar a prostituta Raabe, que a havia traído escondendo os espiões judeus; Eles mantinham suas propriedades e bens e lhes permitiam viver em Israel. No mesmo livro, a tomada de Hebron, atual Cisjordânia, é descrita para nós: “E eles a pegaram e a passaram pela ponta da espada, e o rei dela, e todas as suas cidades e todas as almas que estava nela, eles não deixaram ninguém vivo …” (Josué, 10:37). No Segundo Livro de Samuel, é relatado como o rei Davi tratou os prisioneiros depois de capturar a cidade de Rabá, capital dos amonitas, após um cerco: “E os pôs sob serras, e sob arados de ferro e sob machados de ferro, e ele os fez atravessar o forno de tijolos, e o fez com todas as cidades dos filhos de Amom”. (Samuel II, 2:12). Aparentemente, a criação da nova ordem israelense exigiu a destruição de tudo o que existia antes.
Por volta de 1.000 a.C, os judeus experimentaram um período de prosperidade sob o rei Davi, que exterminou os filisteus e estabeleceu uma capital judaica, primeiro em Hebron e depois em Jerusalém. Seu filho Salomão seguiria a linha e construiria no topo do monte Moriá o famoso templo que leva seu nome. O povo judeu da época estava sob a influência dos profetas e rabinos, e não via com bons olhos alguns gestos cosmopolitas do rei, como a construção de templos nos Astarte dos sidônios ou no Milcom dos amonitas (deuses que Jeová chamou de “abominações”) e até um palácio dedicado à filha do faraó.
Essa prosperidade durou até que, após a morte do rei Salomão, Israel foi dividido em dois reinos, o de Israel, ao norte, com capital em Samaria, e o de Judá, ao sul, com capital em Jerusalém. A de Judá mais tarde se recusaria a formar uma coalizão contra os assírios, cuja influência na região estava aumentando. Em 853 a.C., o rei assírio Shalmaneser III lutou contra uma coalizão de doze reis inimigos (egípcios, israelenses, árabes, fenícios, aramaicos, neo-hititas e outros) na batalha de Qarqar (atual Síria). Naquela época, a Assíria era a superpotência hegemônica e se expandiu do Egito para a Pérsia. Em 719 a.C., Israel caiu nas mãos do rei assírio Sargão II. Jerusalém foi sitiada, mas a operação falhou. No entanto, dez das doze tribos de Israel foram exiladas, perdidas na história, e apenas Benjamin e Judá permaneceram. Em 586, os babilônios do rei Nabucodonosor cercaram Jerusalém e invadiram a cidade, incendiando casas e destruindo o templo pela primeira vez – não seria a última. Dez mil dos judeus mais influentes, a elite eclesiástica e social (rei Jeconias e o herdeiro Zedequias), foram deportados para a capital do império, no que é conhecido como o cativeiro babilônico. Os profetas Daniel, Jeremias e Ezequiel viveriam lá, lutando para manter a identidade de seu povo e impedir que adotassem a religião de seus conquistadores.
Em 555 a. C., a Babilônia era um estado decadente governado por Nabonádio, um rei que substituiu o muito amado Marduk (deus babilônico do Sol) por Sin (o deus semítico da Lua acima mencionado), ganhando inúmeras inimizades de muitos setores sociais, que desejariam a invasão por uma nova horda indo-europeia que surgia no horizonte: os persas.
A casta judaica dominante recebeu uma forte influência babilônica sobreposta ao egípcio anterior e, após a invasão persa da Babilônia, retornaria a Israel muito transformada, sob o comando de Zorobabel, que havia se proclamado messias: é o tempo da chamada Aliança Renovada, dos profetas Esdras e Neemias, da reconstrução do templo, das boas relações com os persas de Ciro, o Grande, e do início da tradição talmúdico-rabínica. Os judeus que não aceitaram o Pacto Renovado, apegados à antiga Lei Mosaica e rejeitando o Talmud, foram excluídos da nova ordem social e seriam conhecidos como samaritanos (atualmente, a etnia judaica com a mais alta pureza em linhagens paternas). O tempo do exílio na Babilônia coincide com o que os antigos hindus chamavam de “o meio do Kali Yuga“.
Fonte: Europa Soberana
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