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terça-feira, 9 de junho de 2020

Terra Santa – A luta para dominar o Levante [Parte I]

Jeová te ferirá com a úlcera do Egito, com tumores, com sarna e coceira que não podem ser curados. Jeová te causará loucura, cegueira e problemas de espírito, e você sentirá ao meio dia como o cego se sente no escuro. Não serás próspero em teus caminhos, serás apenas oprimido e roubado todos os dias, e não haverá ninguém para salvá-lo. Te casarás com uma mulher e outro homem irá dormir com ela, irá construir uma casa e não a habitarás, você plantará uma vinha e não a apreciará. O seu boi será degolado diante dos seus olhos e não o comerá; eles levarão o seu burro na sua presença e ele não voltará a você, suas ovelhas serão tomadas pelos seus inimigos e ninguém o ajudará. Teu filhos e tuas filhas serão entregues a um povo estrangeiro, teus olhos serão consumidos olhando todos os dias para o local do cativeiro, mas não haverá força em sua mão e você não poderá fazer nada. Um povo, desconhecido para você, comerá as colheitas da sua terra e o fruto de todo o seu cansaço, enquanto você será fadigado e quebrantado todos os dias. Diante de tais coisas, você ficará louco. – (Deuteronômio, 28: 29-36).
Em outros artigos deste blog vimos a importância da Pentalasia, uma região sem igual onde coincidem as influências de cinco espaços marítimos diferentes e que provavelmente é a zona mais estratégica do mundo inteiro. Dentro da Pentalasia, existe uma faixa particularmente crítica: o litoral oriental do Mediterrâneo, o chamado Levante ou Bilad al-Sham (Grande síria) – uma curva que vai do delta do Nilo até a província turca da Cilícia (que foi um reino armênio até a invasão turca), dominando o elo crucial onde a Eurásia se converte na Africa e o Mediterrâneo no Mar vermelho. O Levante tem uma impressionante história de confrontos, guerras e conflitos entre tribos, raças, sociedades, civilizações, religiões, superpotências, estilos de vida e formas de ver o mundo, que chega até nossos dias mais turbulentas do que nunca.
A Faixa do levante. Várias cadeias montanhosas tendem a separá-la do continente, convertendo-a em um domínio marítimo e pseudo-insular: Tauro (Turquia), Nur (Turquia), Líbano e Anti-Líbano (Líbano e Síria).
Que influência tem o Levante sobre o mundo? O futuro da humanidade será decidido no Levante? porque antigamente o Chipre, Creta, Rodes, Sicília, Nápoles, Líbano e Síria eram lugares tão prósperos, enquanto agora estão repletos de instabilidade? O Levante tem algo a ver com a Rota da Seda? Porque em junho de 2011 o presidente sírio Bashar al-Assad afirmou que o levante era nada mais nada menos que o ‘’centro do mundo’’? porque aqui os símbolos solares e retos enfrentam os símbolos lunares, noturnos e curvos? Para justificar a importância eterna desta região incomparável, é necessário como sempre, retroceder ao passado. Nesta primeira parte revisaremos a história do Levante sob um ponto de vista diferente, até a expulsão dos franceses napoleônicos do Egito.

Pré-História

Durante o Paleolítico, o Mediterrâneo era muito diferente. O Chipre estava unido continente, Córsega e Sardenha formavam uma ilha só, Malta, Sicília e a Península Itálica formavam uma só continuidade territorial, o Adriático e o Egeu eram muito reduzidos, não existia o Bósforo nem os Dardanelos (convertendo o Mar Negro em um lago interior), e o Mediterrâneo inteiro quase era dividido na metade em um limitado estreito que separava Tunísia da Itália. Floresceram no Levante -especialmente no que hoje é o Estado de Israel, porém também na Síria, Palestina e outros lugares- numerosas comunidades humanas da raça neandertal-oriental. Parece claro que quando outra onda migratória saiu da áfrica novamente, se encontraram com esses neandertais israelitas e se miscigenaram até certo ponto com eles, em tempos tão antigos quanto até 80.000 anos. Esses ‘’humanos modernos’’ logo continuaram até o norte através do Vale do Jordão, colonizando o continente eurasiático, que naquele tempo era habitado por várias raças e variedades de Erectus e Neandertal. Por conta dessa mistura, toda a humanidade eurasiática tem porcentagens variáveis de contribuições dos neandertais em seu genoma. Alguns paleoantropólogos até sugerem que Israel foi o único lugar onde os neandertais e ‘’homens modernos’’ conviveram e se miscigenaram pacificamente [1]. Na Europa, o Neandertal e o Cro-magnon lutaram até que as últimas comunidades verdadeiramente puras de neandertais se extinguissem no Gibraltar há 24.000 anos.

Representação do Homem de Neandertal, exposto no Museu de História Natural, em Londres. O homem de Neandertal (Homo neanderthalensis na nomenclatura binomial) é uma espécie ancestral humana extinta com o qual o homem moderno conviveu. Surgiram há cerca de 400 mil anos na Europa e no Médio Oriente e, na Península Ibérica, extinguiram-se há 28 mil anos. Foto: Flickr/Paul Hudson/Creative Commons.
O Levante não foi alheio às culturas pré históricas de origem europeia, como o aurignacense, que gradualmente se sobrepuseram a uma cultura local obscura chamada ahmariense [2] e al-emiriense. O aurignacense levantino se deu especialmente em uma estreita faixa costeira e arborizada, nas quais hoje são o Líbano e o Estado de Israel (coincide quase exatamente com a Fenícia histórica), e suas indústrias de pedra tem sido especialmente relacionadas aos aurignacense francês. As comunidades humanas correspondentes a estas culturas materiais ainda eram caçadoras-coletoras.
Em direção ao Paleolítico Superior, uma lenta transformação é evidente nas sociedades humanas levantinas. Pressionadas tanto por um aumento demográfico como por uma crescente escassez de fontes de subsistência, em parte devido a mudança climática, essas sociedades começaram a mudar sua dieta, e portanto sua economia e estilo de vida. De caçar grandes mamíferos como os auroques, começaram a consumir raposas, lebres, avestruzes, tartarugas, pássaros, roedores e outros animais menores. Também incrementaram o consumo de frutas. O nascimento de Ohalo II (atual Estado de Israel, datado em 23.000 anos), classificado como Epipaleolítico precoce, é um exemplo perfeito de como estas sociedades levantinas começaram a diversificar suas fontes de alimentação, passando para animais menores e/ou que necessitavam de avanços técnicos (como redes de pesca). Os restos botânicos indicam que esses indivíduos começaram a recorrer ao consumo de numerosas plantas silvestres, incluindo, pela primeira vez, um alimento que era considerado inferior e ‘’de crise’’ pelas sociedades caçadoras-coletoras: o cereal (trigo e cevada). Os habitantes de Ohalo II realmente seguiram um caminho lógico: quando, devido a uma crise ambiental e/ou demográfica, por causa de uma escassez de recursos altamente disponíveis e valorizados, começaram a explorar recursos tecnicamente mais custosos de obter apesar de terem um valor nutricional menor.

Depósito de Ohalo II (23.000 anos). Em verde, a cultura Natufiense, posteriormente, a primeira área de implantação da agricultura.
O evento catalisador desta mudança pode ter sido o chamado Dryas Recente (há 12.800-11.500 anos), um retorno provisório mas abrupto, as condições glaciais antes de culminar definitivamente na deglaciação. Este rápido evento (que levou 10 anos para impor-se) teve que reduzir em enorme medida a capacidade biológica natural do Levante, forçando as comunidades humanas autóctones a encontrar novas soluções para sobreviver. Foi nesse período que nasceu a Cultura Natufiense (possivelmente uma mistura entre os anteriores Kabariense e Mushabiense), considerada como o gérmen do Neolítico. As análises cranianas modernas, comparando 24 medidas craniofaciais distintas, mostram que no pré-neolítico levantino havia um panorama multirracial que incluía origens não Levantinas, como “Norte da Europa”, “Europa Central”, ‘’Saariano’’ e ‘’Subsaariano’’. Se pensa que o elemento subsaariano chegou ao levante seguindo o vale do Nilo, que atuava como único canal entre a áfrica subsaariana e o norte da África. O elemento ‘’Norte da Europa’’ poderia estar relacionado com a cultura Cro-magnon aurignacense e o ‘’Europa Central’’ com migrações centro asiáticas.
Tudo o que foi discutido pode parecer uma simples e curiosa ‘’mudança de hábitos dietéticos’’ sem maiores consequências históricas, porém, a realidade é que, com esta revolução na vida cotidiana e nas matérias primas que o homem introduziu em seu organismo, assim como a mestiçagem massiva, viu uma mudança igualmente revolucionária na economia e na biologia humana: uma mudança na substância na qual o homem foi feito, nas fundações e nas raízes de seu ser. A parte do corpo que mais dependia de carne, caça e fogo para evoluir estava provavelmente mais ressentida: o cérebro – e portanto a mente. Se pensarmos no profundo efeito que a mudança do estilo de vida teve nas partes duras do corpo humano (diminuição da altura, ossos cada vez mais fracos, aparição de deformidades esqueléticas e problemas dentários), podemos imaginar como as partes moles devem ter sofrido (músculos, órgãos, substância reprodutiva e essencialmente o cérebro). No artigo “a maldição oriental” vimos até que ponto a adoção do novo sistema de vida estava em conflito com a ancestral configuração biológica e espiritual da espécie humana, adaptada perfeitamente a uma vida caçadora-coletora após dezenas de milhares de gerações de seleção natural. Considerando que a herança genética neandertal sem dúvida ainda estava presente no Levante e que os neandertais, ao contrário dos cro-magnons, tinham certa tendência ao consumo de vegetais e produtos amiláceos, pode-se concluir que a raça neandertal-oriental havia uma marca forte, que o impulso dos cereais vinha de sua herança genética e que a guerra étnica entre cro-magnons e neandertais não terminou com a extinção da última sociedade neandertal autóctone pura em Gibraltar… mas ainda continuava viva e bem no Levante.

Vários horizontes culturais floresceram no Levante durante o Paleolítico Superior: Emiriense, Masraqiense (ou Ahmariense), Aurignacense, Anteliense, Atlitiense, Arkov / Divshon, Nizzaniense, Musheriense, Ramoniense, Kebariense e outros. Esses horizontes estavam no meio de todas as migrações que iam e vinham entre a Eurásia e a África.
Enquanto a espiritualidade Cro-magnon, vinda de um imaginário caçador, capturava a figura humana e animal em suas pinturas rupestres e estatuetas, e o faria posteriormente em obras de arte muito evoluídas, a espiritualidade do neandertal oriental (encarnada depois no judaísmo, o cristianismo primitivo e no Islamismo) as consideraria profanas, representando em vez disso motivos vegetais, minerais, caligráficos, simbólicos e abstratos. Os herdeiros indo europeus do cro-magnon tinham a tendência a adorar a deuses concretos, fortemente personalizados e caracterizados, como se houvessem encarnado sobre a terra, e também humanizavam fenômenos e entidades da Natureza, como o vento, os bosques e os rios. Também consideravam que os deuses podiam possuir os homens transitoriamente, infundindo-os inspiração. De modo contrário, a espiritualidade oriental estava mais inclinada a adoração de deuses abstratos, distantes, inexpressivos, monolíticos, desumanos e que pareciam ‘’não ser desse mundo’’. É revelador que a menos oriental das religiões orientais, quer dizer, o cristianismo, adorava precisamente a Cristo, ou seja, um Deus humanizado -Deus se fez carne e caminhou sobre a Terra. Reconhecer que Deus impregnou a matéria com sua essência e encarnou na Terra era como um passo anterior a santificação da matéria e da mesma Terra (cujo papel corresponde no imaginário cristão como a Virgem Maria) [3]. Afinal de contas, se a matéria é como uma cálice que contém a essência divina, esse cálice também é divinizado.
A ideia de que o espírito poderia fecundar a matéria e fazê-la crescer é, em vez disso, uma aberração para a espiritualidade do deserto -algo compreensível se levarmos em conta que o deserto é a ausência da natureza, devido, por sua vez, a ausência de um poder celeste fecundador (deuses indo europeus do relâmpago e da tormenta, como Indra, Zeus, Júpiter, Taranis, Thor e Perun) que fazem com que brotem da terra filhos verticais. Devido ao fato de que no deserto o martelo do Céu não golpeia o solo e não há natureza para fixar no seu lugar, a Terra é movediça, impermanente, escrava do vento, árida, inóspita, estéril, seca e extrema – uma mãe muito estranha e um pai muito ausente: assim não pode haver filho. É inegável que a monotonia do horizonte e da paisagem favorece o monoteísmo e a mentalidade ‘’preto e branco’’ e dualista: somente existe céu e terra, Jeová e o não-Jeová, Deus é somente um (assim pensam tanto os judeus como os muçulmanos); O efeito evolutivo a longo prazo de viver em uma atmosfera cheia de íons positivos e partículas de poeira em suspensão também deve ser considerado. Talvez na necessidade de filtrar e enriquecer o ar, possa-se encontrar a razão pela qual os povos do Oriente Próximo, de pele, cabelos e olhos escura, têm uma personalidade “magnética” centrada na região nasal e os povos nórdicos e de pele, cabelo e olhos claros, uma personalidade “elétrica” centrada no coração, do cérebro. O Relâmpago não deixa de ser um presente do Céu.

Extensão da Cultura Natufiense (14.500-11.500 anos), a primeira sociedade proto-agrária como tal. Coincide quase exatamente com o posterior reino de Salomão.
O novo sistema de vida, chamado civilização, junto com uma nova filosofia, uma nova espiritualidade, novos ofícios e novas formas de organização social, se expandiu como a pólvora, alimentada por novas migrações procedentes da Ásia Central, e promovendo o peso demográfico de todas as tribos que a adotavam. As indústrias da pedra (pontas de flecha, etc.) tornaram-se cada vez menores, culminando nos micrólitos de culturas locais como o Kebariense Geométrico, e há 11.000 anos atrás, surgiu o primeiro povoado humano permanente em Jericó, um antigo local de cultos rituais lunares ao norte do Mar Morto. O povoado se cercou de uma muralha de pedra e se equipou de uma torre: havia nascido a primeira cidade conhecida do registro arqueológico. A revolução Neolítica seguirá crescendo e a Europa será colonizada através do Mediterrâneo, do Danúbio e posteriormente pelas estepes do Leste.

No meio do caminho entre a Mesopotâmia (bacias Tigre-Eufrates) e o Egito (bacia do Nilo), limitada ao sul pelo deserto da Arábia e ao norte pelas montanhas curda e turca, a primeira cultura proto civilizada floresceu, com o rio Jordão e o Mar Morto como uma espinha dorsal. Créditos: Wikimedia Commons
O Levante também não era estranho a nova cultura megalítica que se estendeu pela Europa durante o Neolítico tardio e o Calcolítico (Idade do Cobre). Há megálitos em todos o Levante, alcançando uma densidade especial nos Altos de Golã, uma região do sul da Síria atualmente ocupada pelo Exército Israelense, devido, entre outras coisas, a presença de numerosos aquíferos subterrâneos, onde nasce o rio Jordão no qual é a fonte de água de quatro Estados. O megalitismo também se estendeu até o Sul, chegando ao Egito e ao Hejaz árabe (a margem ocidental da arábia saudita).

A antiga construção conhecida em árabe como Rujm el-Hiri e em hebraico como Gilgal Refaim (círculo ou roda de Refaim) se encontra nas colinas do Golã, em um platô coberto por centenas de dólmens similares aos encontrados na França e no norte da Grã Bretanha. Datado de 3.000 – 2.700 a.C., (idade do bronze), consiste em um túmulo central de 5 metros de altura e 20 de diâmetro, rodeado de cinco anéis concêntricos. O exterior tem um diâmetro de 155 metros, 2 metros de altura e 3,3 metros de largura. Gilgal Refaim costuma ser chamado de “Stonehenge do Levante“, mas, por outro lado, o britânico Stonehenge tem um diâmetro de “apenas” 30 metros. O megálito, cujas rochas pesam 20 toneladas, foi construído para identificar a estrela de Sirius (a mais brilhante do céu noturno) e o local onde o Sol nasce no Solstício de Verão. O Antigo Testamento menciona os Refaim como “uma tribo grande e poderosa, tão alta quanto os Anakim (gigantes)”. Seus últimos descendentes foram supostamente exterminados pelo rei Davi por volta de 1.000 a.C. Foto: Wikimedia Commons

Antiguidade

As sociedades humanas da Pentalasia primeiro, e depois das bacias do Nilo, Indo e Rio Amarelo, experimentaram um impressionante desenvolvimento material e demográfico graças à agricultura, pecuária, técnica do uso de metais e à invenção do arado, da roda e dos carros. À sombra dos enormes zigurates sumérios, nasceram instituições tão familiares e atuais quanto dinheiro, empréstimos, usura e escravidão por dívidas, bem como os primeiros sistemas bancários, em torno de ativos econômicos (grãos excedentes de cereais, terras, ferramentas, armas, metais, arte, pedras preciosas) controladas pelo Palácio e/ou pelo Templo. O historiador britânico Paul Johnson diz que nenhuma civilização do Oriente Médio proibiu a usura porque essas sociedades consideravam “matéria inanimada viva, como plantas, animais e pessoas, e capaz de se reproduzir”. O dinheiro, portanto, tinha que ser capaz de se reproduzir como um ser vivo, e muitos povos que haviam se recusado a divinizar o homem, os animais e a natureza, ao invés disso, conferiram qualidades divinas as primeiras formas de dinheiro e riqueza puramente materiais.
Apesar disso, dois ou três milênios antes de Cristo, considerou-se na Mesopotâmia que um “bom rei”, ao subir ao trono, decretaria o cancelamento de dívidas e a abolição da escravidão financeira para retornar o sistema monetário ao ponto zero. O uso da escrita acelerou o engrandecimento dos poderes políticos urbanos e agilizou as transações comerciais do mercado, e logo eles começaram a acumular grandes fortunas e a tecer densas redes de rotas comerciais (por exemplo, para transportar lápis-lazúli do Afeganistão para o Egito) por todo o Oriente Médio. Ao mesmo tempo, nasceram sociedades secretas e redes de espionagem. O gargalo mais delicado desse fluxo internacional de mercadorias, pessoas e informações foi o que mediava a África e a Eurásia: a região da Palestina e do Sinai.

Acima, a cidade suméria de Ur, no final do terceiro milênio a.C. Aqui, na primeira civilização histórica, começaria a odisseia dos judeus, que moldaria tanto o Levante nos milênios posteriores. O zigurate (a pirâmide ao centro) foi consagrado ao deus da lua Nanna, patrono da cidade. Os tipos humanos representados sugerem que na civilização suméria havia uma forte influência da raça armênia
Agora, se uma sociedade tradicional pretendia sobreviver no mundo sem ser conquistada e esmagada pelas sociedades neolíticas modernas, tinha que adotar o próprio sistema civilizado da vida para não desaparecer. As tribos agrícolas eram sedentárias, dando origem aos primeiros centros urbanos civilizantes da história, enquanto as tribos pastorais ainda eram nômades e tendiam a exercer um comportamento predatório sobre as primeiras. Uma dessas tribos pastorais, que teve uma influência desproporcional no planeta e na humanidade, foi a de Abraão.
Abraão, o patriarca fundador do monoteísmo abraâmico (que inclui judaísmo, cristianismo e islamismo) teria vivido por volta de 1700 a.C., e era pastor-pecuarista e homem de negócios. Seu local de nascimento era um desses “Ur dos Caldeus”, que certamente corresponde à cidade-Estado suméria de Ur, atual sul do Iraque. Abraão e seu povo deixaram o país, provavelmente expulsos pelos sumérios, e empreenderam uma migração que os levou primeiro a Haran (atual sul da Turquia) e depois à população de Shechem (atual Nablus, Cisjordânia), em Canaã, localizada em um nó importante de rotas comerciais onde uvas, azeitonas, trigo, gado, cerâmica e outras mercadorias eram vendidas. O Antigo Testamento nos diz que Canaã foi atormentada pela fome, então Abraão e seu povo partiram para o rico Egito atravessando o funil no Sinai-Suez e foram bem-vindos: Abraão passou sua esposa Sarai como irmã, vendendo-a ao Faraó em troca de bois, burros, criados e camelos. No entanto, Jeová afligiu o Egito com sete pragas, após as quais o faraó descobriu o engano e os judeus foram expulsos novamente. O cafetão circunstancial exterminou sua tribo em Hebron, agora a Cisjordânia.

As alegadas viagens de Abraão e outros patriarcas judeus de acordo com o Antigo Testamento são a definição da faixa geográfica em que surgiram as primeiras grandes civilizações históricas: das bacias do Tigre-Eufrates (Mesopotâmia) até a bacia do Nilo (Egito), passando pelos rios Orontes e Jordão (Levante). Aqui, o Levante se manifestava como a rota mais curta entre o Golfo Pérsico, de um lado, e o Mediterrâneo e o Mar Vermelho, do outro. Aqui está um mapa com todos os lugares mencionados na Bíblia.
Durante a revolta das cidades da planície do Jordão contra o império de Elão, Ló, sobrinho de Abraão, foi feito prisioneiro pelos elamitas nas proximidades de Sodoma, uma das cidades rebeldes. Ao descobrir, Abraão reuniu 318 homens e foi em busca das forças inimigas, já esgotadas após a Batalha de Sidim. Após um golpe noturno, os judeus não apenas conseguiram resgatar seus cativos, mas, de acordo com o Antigo Testamento, eles perseguiram e mataram o próprio rei elamita. Logo depois, Jeová se manifestaria a Abraão e lhe diria que terra seus descendentes deveriam reivindicar: “do rio do Egito ao grande rio, o rio Eufrates: os Cenea, os Cenezei, os Cadmoneus, os hititas, os ferezeus, os refaitas, os amorreus, os cananeus, os gergesenos e os jebuseus”. Esta simples declaração foi fundamental na história e não foi uma boa notícia para todos os povos localizados entre o Nilo e o Eufrates, porque uma nova potência estava prestes a ser forjada na região e não seria uma potência imperial, conciliadora e integradora, mas um poder puramente anti-orgânico.
O Levante logo se manifestaria como o nó problemático de rotas que é. Os hititas e egípcios travaram longas guerras ao longo do corredor sírio-palestino, culminando em 1274 a.C., com a Batalha de Kadesh, a maior batalha de carros da história – perto do que é hoje a cidade síria de Homs, duramente atingida por terrorismo jihadista. Nos séculos seguintes, o corredor sírio-palestino cairia nas mãos de inúmeros impérios mesopotâmicos e persas, assim como das raças dos chamados povos do mar. Os judeus, ainda uma tribo fraca e errante, se encontrariam no meio desse turbilhão de povos, exércitos e destruição. Os fenícios, um povo semita, começaram a florescer em 1200 a.C., no que é hoje o Líbano, o norte de Israel e o sul da Síria. Deveria ser a mesma época em que Moisés recebeu a Torá no Monte Sinai. Protegidos pelas montanhas das civilizações do interior de Pentalasia, os fenícios se expandiram pelo Mediterrâneo, dominaram a fachada atlântica da Europa e da África e provavelmente chegaram à própria América. Era a Idade do Bronze e, para fazer bronze, era necessário adicionar estanho ao cobre. Havia uma “febre de estanho” em todo o Mediterrâneo, que os fenícios acabavam dominando, chegando aos prósperos Tartessos e às “Ilhas Cassiterites” (britânicos, especificamente Cornwall e Ilhas Sorlin, ricos em metais) e protegendo zelosamente a Rota do Estanho, especialmente em seu ponto mais vulnerável: o Estreito de Gibraltar. Grandes marinheiros e comerciantes, também dedicados à lenha, aproveitaram suas enormes florestas e exportaram grandes quantidades de madeira de cedro, especialmente para o Egito, que com ele construiu navios, sarcófagos e carros. O fato de que, usando o Levante como base, os fenícios podiam dominar essas costas distantes, isso era em parte devido à mesma configuração geográfica de suas terras, com longas cadeias de montanhas que tendem a isolar a costa do resto do continente asiático, projetando seus povos até o mar… ou protegendo naturalmente povos que invadem do mar e se assentam na costa.

Biblos (hoje Líbano) é a cidade moderna mais antiga e continuamente habitada e seu porto também é o porto mais antigo usado continuamente. A faixa verde, protegida pelas montanhas, adquiriria grande importância na época das cruzadas. Arruade e Sídon, por exemplo, se tornarão importantes enclaves templários.
Enquanto os fenícios prosperavam, os judeus haviam retornado para emigração, de acordo com o Antigo Testamento, em direção ao Egito, de onde foram expulsos novamente, algo talvez compreensível, considerando que o judeu José, se transformou em algo como o grande vizir do faraó apertou violentamente a economia do povo egípcio e que o próprio Jeová não parecia ter bons planos para o reino do Nilo:
“E porei os egípcios contra os egípcios; e eles pelejarão contra seu irmão, e cada um contra seu próximo, cidade contra cidade, e reino contra reino. E o espírito do Egito o desapontará, e eu destruirei o seu conselho; e eles se voltarão para ídolos, e encantadores, e para aqueles que têm espíritos familiares, e para feiticeiros. E jogarei os egípcios nas mãos de um senhor cruel, e um rei implacável reinará sobre eles”, disse Jeová, o Senhor das massas. (Isaías, 19: 2, 3, 4).
Foi após essa expulsão que os judeus percorreram seus famosos 40 anos pelo deserto (Êxodo) e Moisés recebeu as tábuas da Torá no monte Sinai. No arrepiante capítulo 28 de Deuteronômio, Jeová sela sua aliança com os judeus, ameaçando-os com terríveis pragas e punições se eles ousarem quebrar a Torá, terminando:
“Se você não deseja colocar em prática todas as palavras desta Torá que estão escritas neste livro, temendo esse nome glorioso e temeroso de Jeová, seu Deus, então Jeová aumentará terrivelmente suas pragas e as pragas de seus descendentes, pragas grandes e permanentes, doenças más e duradouras, e trará sobre você todos os males do Egito, diante dos quais você temia, e eles não deixarão você. Da mesma forma que toda doença e toda praga que não está escrita no livro desta Torá, Jeová a enviará sobre você, até que você seja destruído.”
Logo depois, os judeus empreenderam a conquista do que é agora Israel. Durante essas campanhas, os judeus foram liderados, como muitas sociedades muçulmanas de hoje, pelos juízes, e pouco a pouco eles tiveram que desistir de algumas formas de sua organização tribal para enfrentar inimigos cada vez mais poderosos e estatizados. O Antigo Testamento contém muitas citações nas quais o próprio Jeová se dirige aos judeus ordenando-lhes como conquistar o Levante:
“Quando Jeová, seu Deus, te levar à terra que você deve herdar, muitos povos cairão diante de você … Quando Ele os tiver dado a você, você deve esmagá-los e destruí-los violentamente; você não deve fazer tratados nem mostrar misericórdia para com eles … Aqui está como você deve se comportar com esses povos: você destruirá seus altares e quebrará suas imagens, cortará suas florestas sagradas e queimará seus ídolos. Pois você é o povo santo de Jeová, seu Deus.” (Deuteronômio, 7: 1-7).
“Mas das cidades dessas cidades, que o Senhor teu Deus te der como herança, você não manterá vivo nada que respire; mas você os destruirá totalmente, isto é, os hititas e os amorreus, os cananeus e os perezitas, os heveus e os jebuseus; como Jeová, teu Deus, te ordenou.” (Deuteronômio, 20:16, 17).
De Jabal Musa (Monte Sinai, Egito) até Jabal al-Lawz (Arábia Saudita). Os dois locais possíveis para o monte Sinai bíblico, a cujos pés os judeus acamparam por um ano. No “sexto dia do sexto mês” (Êxodo, 19), Jeová manifestou-se ao povo judeu trêmulo e falou diretamente a eles, mas os judeus ficaram tão assustados que Moisés mais tarde teve que subir ao topo, onde recebeu a Torá. Embora o nome da montanha certamente venha de Sin – um antigo deus da lua semita, popular em todo o Pentalasus – de acordo com a tradição rabínica [4], o Sinai vem de sinnah (שִׂנְאָה), que significa “ódio”, e recebeu esse nome porque nessa montanha “o ódio desceu sobre o mundo”. A montanha está situada em um local curioso (mais provavelmente Jabal Musa que Jabal al-Lawz), abrangendo a África e a Eurásia e os golfos de Suez e Aqaba, presidindo o Mar Vermelho em um local relativamente adequado para pastagem.
No livro de Josué, descrevemos que, ao tomar a antiga cidade neolítica de Jericó, os judeus “destruíram totalmente tudo na cidade: homens e mulheres, jovens e velhos, e bois, e ovelhas, e burros, com a ponta da espada” (Josué, 6:21). No entanto, abstiveram-se de prejudicar a prostituta Raabe, que a havia traído escondendo os espiões judeus; Eles mantinham suas propriedades e bens e lhes permitiam viver em Israel. No mesmo livro, a tomada de Hebron, atual Cisjordânia, é descrita para nós: “E eles a pegaram e a passaram pela ponta da espada, e o rei dela, e todas as suas cidades e todas as almas que estava nela, eles não deixaram ninguém vivo …” (Josué, 10:37). No Segundo Livro de Samuel, é relatado como o rei Davi tratou os prisioneiros depois de capturar a cidade de Rabá, capital dos amonitas, após um cerco: “E os pôs sob serras, e sob arados de ferro e sob machados de ferro, e ele os fez atravessar o forno de tijolos, e o fez com todas as cidades dos filhos de Amom”. (Samuel II, 2:12). Aparentemente, a criação da nova ordem israelense exigiu a destruição de tudo o que existia antes.

Reinos de Judá e Israel ca. 830 a.C. Créditos: Wikimedia Commons
Por volta de 1.000 a.C, os judeus experimentaram um período de prosperidade sob o rei Davi, que exterminou os filisteus e estabeleceu uma capital judaica, primeiro em Hebron e depois em Jerusalém. Seu filho Salomão seguiria a linha e construiria no topo do monte Moriá o famoso templo que leva seu nome. O povo judeu da época estava sob a influência dos profetas e rabinos, e não via com bons olhos alguns gestos cosmopolitas do rei, como a construção de templos nos Astarte dos sidônios ou no Milcom dos amonitas (deuses que Jeová chamou de “abominações”) e até um palácio dedicado à filha do faraó.

O Templo de Salomão, também conhecido como Templo de Sião ou Primeiro Templo, mostrava influências sírio-fenícias, mesopotâmicas e egípcias. Faltava ídolos, seguindo a tradição judaica de proibir a representação da figura humana. O rei Salomão contou com a ajuda do rei fenício de Tiro, Hiram, na construção de suas estruturas. Foto: Reprodução
Essa prosperidade durou até que, após a morte do rei Salomão, Israel foi dividido em dois reinos, o de Israel, ao norte, com capital em Samaria, e o de Judá, ao sul, com capital em Jerusalém. A de Judá mais tarde se recusaria a formar uma coalizão contra os assírios, cuja influência na região estava aumentando. Em 853 a.C., o rei assírio Shalmaneser III lutou contra uma coalizão de doze reis inimigos (egípcios, israelenses, árabes, fenícios, aramaicos, neo-hititas e outros) na batalha de Qarqar (atual Síria). Naquela época, a Assíria era a superpotência hegemônica e se expandiu do Egito para a Pérsia. Em 719 a.C., Israel caiu nas mãos do rei assírio Sargão II. Jerusalém foi sitiada, mas a operação falhou. No entanto, dez das doze tribos de Israel foram exiladas, perdidas na história, e apenas Benjamin e Judá permaneceram. Em 586, os babilônios do rei Nabucodonosor cercaram Jerusalém e invadiram a cidade, incendiando casas e destruindo o templo pela primeira vez – não seria a última. Dez mil dos judeus mais influentes, a elite eclesiástica e social (rei Jeconias e o herdeiro Zedequias), foram deportados para a capital do império, no que é conhecido como o cativeiro babilônico. Os profetas Daniel, Jeremias e Ezequiel viveriam lá, lutando para manter a identidade de seu povo e impedir que adotassem a religião de seus conquistadores.
Em 555 a. C., a Babilônia era um estado decadente governado por Nabonádio, um rei que substituiu o muito amado Marduk (deus babilônico do Sol) por Sin (o deus semítico da Lua acima mencionado), ganhando inúmeras inimizades de muitos setores sociais, que desejariam a invasão por uma nova horda indo-europeia que surgia no horizonte: os persas.
A casta judaica dominante recebeu uma forte influência babilônica sobreposta ao egípcio anterior e, após a invasão persa da Babilônia, retornaria a Israel muito transformada, sob o comando de Zorobabel, que havia se proclamado messias: é o tempo da chamada Aliança Renovada, dos profetas Esdras e Neemias, da reconstrução do templo, das boas relações com os persas de Ciro, o Grande, e do início da tradição talmúdico-rabínica. Os judeus que não aceitaram o Pacto Renovado, apegados à antiga Lei Mosaica e rejeitando o Talmud, foram excluídos da nova ordem social e seriam conhecidos como samaritanos (atualmente, a etnia judaica com a mais alta pureza em linhagens paternas). O tempo do exílio na Babilônia coincide com o que os antigos hindus chamavam de “o meio do Kali Yuga“.

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