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terça-feira, 7 de abril de 2020

FMI e Banco Mundial: parceiros no atraso às soberanias

Michael Hudson é presidente do Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo Prazo, analista financeiro de Wall Street e professor pesquisador de economia da Universidade do Missouri. É autor de obras geniais sobre economia [1], ainda sem edição para o português. Nascido em Chicago, 1939, expõe seus estudos no The Hudson Report, um podcast semanal de notícias econômicas e financeiras produzido pela Left Out. Na opinião de Paul Craig Roberts, ele é o melhor economista da atualidade.
Em entrevista concedida em julho de 2019 ao programa de rádio Guns and Butter, o economista e historiador estadunidense Michael Hudson analisa algumas formas como os EUA exploram economias do mundo e podem dar pistas para se entender um pouco o contexto nacional atual – mesmo que ele não especifique sobre o contexto do Brasil. Uma das formas apontadas pelas quais os Estados Unidos mantêm o controle político da estrutura de poder em vários países é estabelecendo alianças com grupos locais leais aos EUA, “oportunistas que agem contra os interesses do próprio país”. “Se você olhar para quem está no comando dos bancos centrais estrangeiros, quase todos estudaram nos Estados Unidos e receberam essencialmente uma lavagem cerebral”, afirma.

Explicando o  “Imperialismo alimentar”

“Quando se tem uma teoria econômica desajustada, que é destrutiva em vez de produtiva, isso nunca acontece por acaso”, alerta. Hudson conta que já ouviu de funcionários do Tesouro americano que, muitas vezes, “basta encontrar pessoas corruptas e oportunistas” nos países e comprá-las para aceitarem as condições desse modelo econômico baseado na dependência do poder imperialista.
No final dos anos 80, Hudson deixou o campo da economia moderna e começou a explorar a história da dívida. Ele descobriu que os primeiros credores importantes eram os templos e palácios da Mesopotâmia da Idade do Bronze, e não indivíduos particulares que agiam por conta própria. A taxa de juros em cada região não se baseava na produtividade, mas foi estabelecida apenas para simplificar o cálculo no sistema local de aritmética fracionária: 1/60 por mês na Mesopotâmia e 1/10 por ano para a Grécia e 1/12 para Roma. Foto: Ian Buswell, 2016.
Sem se debruçar especificamente sobre o caso do Brasil, mas traçando um panorama mais amplo da influência dos EUA na economia mundial, Hudson discute ideias de alguns de seus estudos, publicados em livros como “Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance”  [Super imperialismo: a origem e os fundamentos do domínio mundial nos EUA], lançado pela primeira vez em 1972. Um dos pontos principais apontados é que instituições supranacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) são instrumentos utilizados pelos Estados Unidos para promover a exploração de economias internacionais, impulsionando o imperialismo alimentar e mantendo os países na dependência do capital e da produção agrícola dos EUA.
Desde sua criação nos anos 1940, o Banco Mundial e o FMI têm o objetivo de estabelecer uma ordem internacional que torne outros países dependentes dos Estados Unidos, explica Hudson – único acionista com poder de veto nas duas organizações. A política dessas instituições “é o neoliberalismo, que é basicamente a doutrina da supremacia americana e da dependência estrangeira”.
O imperialismo alimentar teria então o objetivo “de garantir os Estados Unidos como produtores de alimentos essenciais e os outros países, de monoculturas não essenciais, para mantê-los dependentes dos grãos, da soja e de alimentos básicos dos EUA”.
“Uma constante na política externa americana é garantir que os outros países sejam dependentes das exportações de grãos e alimentos dos EUA. O objetivo é sustentar o superávit da balança comercial do agronegócio americano”, explica o economista.

Empréstimos em moeda estrangeira

Hudson aponta que, ao não oferecer empréstimos em moeda local, mas apenas em moeda estrangeira, o Banco Mundial desfavorece a produção de alimentos e faz com que os países clientes privilegiem monoculturas de exportação, principalmente aquelas que não podem ser produzidas nos EUA. Isso faz com que “os países clientes se tornem dependentes dos produtores americanos – e medrosos de sanções políticas”.
Enquanto um país seria capaz de pagar empréstimos em sua própria moeda, ele não pode imprimir dólares nem euros para pagar as dívidas feitas nessas moedas. “Tornar o dólar central força os outros países a se relacionarem com o sistema financeiro dos EUA”, aponta. A interferência do sistema financeiro permite que se impeçam os pagamentos da dívida de países que desviem das decisões estadunidenses.
“Quando você é um produtor no Brasil, Argentina ou Chile, seus negócios são feitos em moeda local. Não ajuda se oferecerem dólares para você, porque suas despesas são em moeda local. Então se o Banco Mundial e o FMI conseguem impedir os países de oferecer apoio em moeda local, isso faz com que eles não consigam estabelecer uma política de garantia de preços mínimos nem serviços de comercialização de produtos agrícolas no setor público”, avalia.
Embora apliquem uma política intervencionista e neoliberal ao redor do mundo, os EUA sempre buscaram para si a autossuficiência em bens essenciais, para que nenhum outro país possa usar sanções econômicas para pressionar o governo norte-americano, cortando o fornecimento de alimentos ou energia, por exemplo. “Mas os EUA podem utilizar o controle do petróleo para deixar outros países congelarem no escuro e morrerem de fome aplicando sanções na exportação de alimentos.”
Hudson destacou a contradição entre a política econômica que os Estados Unidos impõem aos outros países e aquela que aplicam internamente. “Nosso governo sempre subsidiou a formação de capital na agricultura e na indústria, mas insiste em dizer que outros países são ‘socialistas’ ou ‘comunistas’ se fizerem o mesmo e usarem o próprio governo para dar apoio a economia. São dois pesos e duas medidas. Ninguém chama os EUA de ‘socialistas’ por darem suporte aos agricultores, mas outros países são chamados de ‘socialistas’ e seus governos são derrubados se tentarem promover a reforma agrária ou garantir a alimentação da população.”

Golpes e assassinatos

Para forçar os outros países a aceitar os empréstimos em moeda estrangeira em condições praticamente impossíveis de serem quitadas, Hudson explica que os Estados Unidos interferem na política desses países, como na América Latina, “sempre impulsionando a direita”. “Por exemplo, quando o Departamento de Estado de Hillary [Clinton] derrubou o reformista de Honduras [Manuel Zelaya] que queria realizar uma reforma agrária e alimentar para os hondurenhos, ela afirmou: ‘Essa pessoa precisa sair.’ É por isso que há tantos hondurenhos tentando entrar nos Estados Unidos hoje, porque não conseguem viver no próprio país”, avalia o economista na entrevista.
Hudson também compara os golpes no continente americano com a conjuntura na Síria e no Iraque, demonstrando que a população é forçada a migrar por não conseguir mais sobreviver “sob ditaduras brutais apoiadas pelos Estados Unidos para impor esse sistema de dependência internacional”.
O economista segue a reflexão mencionando a Teologia da Libertação, e como os Estados Unidos promoveram o assassinato de padres e freiras que defendiam a reforma agrária e a soberania alimentar da população na Guatemala e na América Central.
“A pobreza mundial é vista como solução, não como problema. O Banco Mundial vê a pobreza como mão de obra barata, criando uma vantagem competitiva para países que produzem bens que exigem muita mão de obra. Então pobreza e austeridade, para o Banco Mundial e o FMI, são uma solução econômica que está incorporada nos modelos deles”, avalia Hudson. “A pobreza faz parte da luta de classes: lucro contra pobreza.”

Nota:

[1] São citadas aqui:

ANDRE MARQUES

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